Por Guilherme Diniz
Finalistas da Copa Sul-Americana de 2024, Cruzeiro e Racing fizeram um duelo cheio de tradição e histórias marcantes no torneio continental. Brasileiros e argentinos já se enfrentaram em 12 jogos ao longo das décadas, com cinco vitórias do Cruzeiro, cinco do Racing e dois empates. E a decisão deste ano foi um tira-teima no retrospecto de finais envolvendo a Raposa e a Academia, afinal, ambos fizeram as finais da Supercopa da Libertadores em duas oportunidades: 1988, com vitória argentina, e 1992, com vitória brasileira. Além dos títulos, esses jogos foram bastante simbólicos para ambos por serem troféus que encerraram jejuns angustiantes tanto de um lado quanto de outro.
Em 1988, o Racing conquistou um torneio continental depois de 21 anos de jejum – os últimos foram em 1967, quando a Academia venceu a Libertadores e o Mundial. Já em 1992, a conquista do Cruzeiro na revanche contra o Racing simbolizou o bicampeonato do torneio e início de uma década gloriosa e copeira para o time de Belo Horizonte, que viveu tempos decepcionantes nos anos 1980 diante da hegemonia do rival Atlético e nenhuma taça relevante no período.
Além dessas finais, Cruzeiro e Racing disputaram três amistosos em 1971, dois jogos pela fase de grupos da Libertadores de 2018, dois pela Copa Mercosul de 1999, um pela Supercopa Masters de 1992 e dois pela primeira fase da Supercopa da Libertadores de 1990. Mas, sem dúvida, as finais de 1988 e 1992 são as mais importantes nesse grande duelo sulamericano – que teve um novo e marcante capítulo em 2024, no qual Gustavo Costas foi um personagem: ex-zagueiro do Racing tanto na final de 1988 quanto em 1992, ele é técnico do time de Avellaneda e levantou outro troféu continental sobre o Cruzeiro, como em 1988. Relembre a seguir as finais da dupla na Supercopa!
Sumário
Supercopa da Libertadores de 1988 – Final
A Supercopa começou em 1988 com o intuito de reunir em um torneio eliminatório apenas os clubes que alguma vez haviam vencido a Copa Libertadores. Era uma forma de a Conmebol ganhar mais dinheiro e, de certa forma, dar uma oportunidade aos clubes de levantarem um troféu internacional. Naquele ano, a competição foi disputada por apenas 13 equipes: Argentinos Juniors-ARG, Boca Juniors-ARG, Cruzeiro-BRA, Estudiantes-ARG, Flamengo-BRA, Grêmio-BRA, Independiente-ARG, Nacional-URU, Olimpia-PAR, Peñarol-URU, Racing-ARG, River Plate-ARG e Santos-BRA.
Como o número de participantes totalizou um número ímpar, a Conmebol sorteou qual equipe iria direto para as quartas de final e qual chaveamento das oitavas iria direto para as semis. O escolhido para avançar às quartas diretamente foi o Nacional-URU, enquanto o vencedor do duelo entre Racing x Santos iria direto para a semifinal. Era, claro, um método de classificação bagunçado, bem aos moldes da Conmebol, que poderia fazer uma competição em turno e returno, por exemplo.
Na primeira fase, o Cruzeiro eliminou o Independiente-ARG com um agregado de 3 a 1 e, nas quartas, superou o Argentinos Juniors (2 a 0 no agregado) e o Nacional-URU (que seria campeão da Libertadores daquele ano) graças ao critério do gol qualificado, pois o primeiro jogo, no Uruguai, terminou 3 a 2 para o tricolor e, no Brasil, a Raposa venceu por 1 a 0.
Já o Racing chegou à final pelo caminho mais curto possível, tendo que disputar apenas o duelo contra o Santos (2 a 0 no agregado) e a semifinal, onde eliminou o compatriota River Plate com um triunfo por 3 a 2 no agregado. A equipe argentina tinha como destaque o experiente goleiro Fillol, campeão do mundo com a Argentina em 1978, o zagueiro Costas, ídolo que jogou de 1985 até 1995 no clube, e o habilidoso meia uruguaio Rubén Paz. No banco, o técnico era Alfio Basile, ex-jogador do próprio Racing e campeão da Libertadores e do Mundo em 1967 com o time alviceleste.
O troféu poderia encerrar o angustiante jejum de 21 anos sem taças internacionais para a Academia, mas ele também era pretendido pelo Cruzeiro, que desde 1976 não levantava um torneio internacional e nem conseguia figurar entre os grandes do futebol brasileiro, além de vencer apenas dois estaduais em toda a década de 1980. Comandado por Carlos Alberto Silva, técnico campeão brasileiro com o Guarani em 1978, o time mineiro apostava no talento do lateral-esquerdo Wladimir (ex-Corinthians), do atacante Róbson e dos medalhistas de prata pela seleção nos Jogos daquele ano de 1988, em Seul: o volante Ademir e o atacante Hamilton de Souza, conhecido como Careca (este é outro, não é o famoso craque do Guarani, do São Paulo e do Napoli).
O primeiro jogo da final foi em Avellaneda e mais de 50 mil pessoas lotaram o El Cilindro. O time brasileiro abriu o placar com Róbson, aos 36’, após falha da zaga argentina. Sem se abater, o Racing conseguiu empatar aos 44’, com Fernández cobrando pênalti. No segundo tempo, a partida ficou tensa e o time argentino conseguiu o gol da vitória ao aproveitar a inoperância do Cruzeiro – que sentiu muito o gol de empate -, com outro gol no finalzinho, após Fernández fazer bela jogada e deixar para Colombatti fazer 2 a 1.
Na volta, quase 70 mil torcedores foram ao Mineirão na fria noite de 18 de junho de 1988 para empurrar a Raposa rumo ao título inédito. O técnico Carlos Alberto Silva sabia que os argentinos ficariam fechados, jogando nos erros dos mineiros, e exigiu muita concentração da equipe desde o primeiro minuto. Mas, em campo, o Cruzeiro demonstrou muito nervosismo em acabar com a sina de jamais um clube mineiro ter vencido qualquer título nacional ou internacional dentro do Mineirão na época – os grandes títulos da Raposa e do Galo haviam sido conquistados longe dali – o Atlético levantou o Brasileiro de 1971 no Maracanã, enquanto o Cruzeiro venceu a Taça Brasil de 1966 no Pacaembu e a Libertadores de 1976 no Nacional de Santiago.
Em um erro da zaga cruzeirense, Catalán ficou sozinho diante do goleiro Wellington e marcou: 1 a 0, aos 42’. No segundo tempo, o Cruzeiro atacou sem muita organização e achou um gol com Róbson, aos 82’. Com poucos minutos de jogo, o Racing se segurou, o zagueiro Costas tirou todas com sua raça de jogador-torcedor e o time brasileiro não conseguiu a virada. O placar de 1 a 1 deu o título ao Racing, que fez a festa de sua torcida e voltou para Buenos Aires com um inédito troféu, o primeiro continental depois de 21 anos e que serviu como alento após anos tão difíceis para a clube de Avellaneda, que foi rebaixado em 1983 e, na mesma época, viu o rival vencer o título nacional de 1983, a Libertadores e o Mundial de 1984.
Fichas técnicas – Final da Supercopa da Libertadores de 1988
1º jogo – Racing 2×1 Cruzeiro
Estádio: El Cilindro, Avellaneda, Argentina
Público: 53 mil pessoas
Árbitro: Hernán Silva (CHI)
Racing: Fillol; Vásquez, Fabbri, Costas e Olarán; Ludueña, Catalán (Medina), Acuña (Pérez) e Rubén Paz; Colombatti e Fernández. Técnico: Alfio Basile
Cruzeiro: Wellington; Ronaldinho, Gilmar Francisco, Heraldo e Wladimir; Ademir, Éder e Heriberto; Róbson, Careca e Ânderson (Genílson). Técnico: Carlos Alberto Silva.
Gols: Róbson-CRU, aos 37′, e Fernández-RAC, pênalti, aos 44′ do 1ºT; Colombatti-RAC, aos 44′ do 2º T.
2º jogo – Cruzeiro 1×1 Racing
Estádio: Mineirão, Belo Horizonte, Brasil
Público: 67.222 pessoas
Árbitro: Juan Cardellino (URU)
Cruzeiro: Wellington; Balu, Gilmar Francisco, Heraldo e Wladimir; Ademir, Éder e Heriberto (Ramón); Róbson, Careca e Ânderson. Técnico: Carlos Alberto Silva.
Racing: Fillol; Vásquez, Fabbri, Costas e Olarán; Ludueña, Catalán (Medina), Acuña e Rubén Paz (Pérez); Colombatti e Fernández. Técnico: Alfio Basile
Gols: Catalán-RAC, aos 42’ do 1ºT; Róbson-CRU, aos 36’ do 2º T.
Cartões Vermelhos: Heraldo-CRU e Colombatti-RAC, aos 38’ do 2º T.
Supercopa da Libertadores de 1992 – Final
Quatro anos depois, o Cruzeiro conseguiu a revanche diante do Racing na decisão da Supercopa de 1992. E foi com show. Campeão em 1991 diante do River Plate, o time mineiro tinha um grande elenco na época, com destaque para o vencedor e pé-quente lateral-direito Paulo Roberto, o zagueiro Célio Lúcio, o ídolo e lateral-esquerdo Nonato, o meio-campista Marco Antônio Boiadeiro e a dupla de ataque formada por Renato Portaluppi e Roberto Gaúcho. Um grande time, que aliava experiência, técnica e grande toque de bola.
Pelo caminho, a Raposa despachou o Atlético Nacional-COL com um inapelável 9 a 1 no agregado – 8 a 0 no Mineirão, com cinco gols de Renato! -, derrotou o River Plate-ARG, nas quartas, nos pênaltis – em jogos bastante tensos -, e superou o perigoso Olimpia-PAR de Raúl Amarilla, na semifinal, com vitória por 1 a 0, fora, e empate em 2 a 2 em casa.
Já o Racing não tinha a força de antes, mas contava com o goleiro da seleção argentina na Copa de 1998, Carlos Roa, e os remanescentes do título de 1988, Costas e Rubén Paz. A equipe argentina havia superado pelo caminho o rival Independiente, na etapa inicial, passou sem ter que jogar pelo Nacional-URU (os atletas uruguaios estavam em greve na época e não disputaram as quartas de final, classificando o Racing por WO), e pelo Flamengo-BRA, nas semis, após empate em 3 a 3 no Maracanã e vitória por 1 a 0 na Argentina.
Diferente de 1988, o Cruzeiro iria decidir o título fora de casa, por isso, vencer na ida, em casa, era obrigação para o time azul. “O Cruzeiro vai despachar o Racing. Uma vitória aqui e a conquista do título é uma questão de honra para todos. Temos que atacar e procurar incansavelmente o gol, porque uma vitória com muitos gols nos deixa em situação mais cômoda para o jogo da volta”, disse Boiadeiro, na época. Do lado do Racing, o técnico Humberto Grondona – filho do antigo e controverso presidente da AFA, Julio Grondona – demonstrou confiança no pré-jogo e disse que “não há nenhuma razão para jogar fechado. Não temos esse hábito. Vamos partir logo pra cima”.
Só que os argentinos viram o Cruzeiro, muito mais técnico, dar show. No primeiro tempo, aos 31’, Betinho desarmou Reinoso na lateral esquerda e cruzou para a área. A zaga do Racing rebateu e a bola caiu no pé de Roberto Gaúcho, que emendou de primeira. A bola desviou e enganou o goleiro Roa: 1 a 0. Na segunda etapa, logo aos 8’, o Racing, abusando das faltas, viu o zagueiro Cosme Zacantti atingir com violência o atacante Renato com um pontapé por trás e foi expulso. Aproveitando a vantagem numérica, o Cruzeiro chegou ao segundo gol quando Renato recebeu passe de Boiadeiro, foi à linha de fundo e cruzou. A bola foi na medida para Roberto Gaúcho testar firme e fazer 2 a 0.
Sedento por mais gols, o Cruzeiro seguiu no ataque, exigindo grandes defesas do goleiro Roa. Até que, aos 26’, Luis Fernando anotou o terceiro, chutando rasteiro, sem chance para o camisa 1 do Racing: 3 a 0. Nervoso, o time argentino ainda teve outro expulso: Jorge Borelli, aos 35’. Minutos depois, em lance individual na intermediária, o meia Boiadeiro fechou a goleada com um de seus típicos chutes de fora da área: 4 a 0.
O placar praticamente liquidou a decisão. Se quisesse ser campeão, o Racing teria que golear por 5 a 0. O time alviceleste até criou todo o ambiente de pressão no El Cilindro, toda aquela intimidação, mas de nada adiantou. O Cruzeiro foi sangue frio, manteve os nervos no lugar e perdeu por apenas 1 a 0, gol de pênalti de Claudio García, já no final do jogo. O triunfo deu o bicampeonato à Raposa, que confirmou a ótima fase na época. Quem saiu em alta após a conquista foi Renato, artilheiro da competição com 6 gols e que jogou a partida na Argentina com uma lesão na panturrilha. O atacante foi recepcionado com muita festa pela torcida, que sempre foi muito grata por sua breve passagem em MG.
A partir dali, o time azul venceria vários torneios, voltaria a ser um dos mais competitivos do Brasil e do continente e levantaria, em 1997, a Copa Libertadores. Já o Racing entrou em profunda crise e só celebrou outra taça em 2001, no Campeonato Argentino, ainda sim em meio a um turbilhão de problemas financeiros e administrativos.
Fichas técnicas – Final da Supercopa da Libertadores de 1992
1º jogo – Cruzeiro 4×0 Racing
Estádio: Mineirão, Belo Horizonte, Brasil
Árbitro: José Joaquim Torres (COL)
Público: 78.077 pessoas
Cruzeiro: Paulo César; Paulo Roberto, Célio Lúcio, Luizinho e Nonato; Douglas, Marco Antônio Boiadeiro, Luís Fernando e Betinho (Cleison); Renato e Roberto Gaúcho (Arley). Técnico: Jair Pereira.
Racing: Roa; Reinoso, Borelli, Zaccanti e Juan Distéfano; Matosas (Félix Torres), Costas, Guendulain e Rubén Paz; Cláudio Garcia e Graciani (Vallejos). Técnico: Humberto Grondona.
Gols: Roberto Gaúcho-CRU, aos 31′ do 1º T; Roberto Gaúcho-CRU, aos 12′, Luís Fernando-CRU, aos 26′ e Marco Antônio Boiadeiro-CRU, aos 40′ do 2º T.
Cartões vermelhos: Zaccanti-RAC, aos 16’ do 2º T, e Borelli-RAC, aos 35’ do 2º T
2º jogo – Racing 1×0 Cruzeiro
Estádio: El Cilindro, Avellaneda, Argentina
Árbitro: Juan Escobar (PAR)
Público: 29.857 pessoas
Racing: Roa; Reinoso, Vallejos (Félix Torres), Costas e Juan Distéfano; Matosas (Cabrol), Guendulain e Rubén Paz; Cláudio Garcia, Carlos Torres e Graciani. Técnico: Humberto Grondona.
Cruzeiro: Paulo César; Paulo Roberto, Célio Lúcio, Luizinho e Nonato; Douglas, Marco Antônio Boiadeiro, Luís Fernando e Betinho (Rogério Lage); Renato e Roberto Gaúcho (Arley). Técnico: Jair Pereira.
Gol: Cláudio Garcia-RAC, pênalti, aos 40′ do 2º T.
Cruzeiro 1×3 Racing – Final da Copa Sul-Americana de 2024
Com um título para cada lado, a decisão da Sul-Americana serviu como desempate entre brasileiros e argentinos. O duelo não tinha favorito e foi em jogo único, no estádio Nueva Olla, em Assunção, no Paraguai. A equipe mineira apostou na experiência do técnico Fernando Diniz, campeão da Libertadores de 2023 com o Fluminense, para levantar o caneco, além de ter no gol o veterano e multicampeão Cássio, o meio-campista Lucas Silva, o meia Matheus Pereira e os atacantes Kaio Jorge e o argentino Lautaro Díaz, campeão da Sul-Americana de 2022 pelo Independiente Del Valle, com direito a um gol dele na decisão. Já o Racing confiava em seu bom goleiro Gabriel Arias, no meio-campista Almendra e no trio de ataque formado por Quintero – campeão da Libertadores de 2018 pelo River Plate -, Martínez e Salas.
E, com um começo de jogo excepcional, o Racing abriu 2 a 0 em apenas 20 minutos, com o primeiro gol aos 15’, em um chute venenoso de Martirena que enganou completamente o goleiro Cássio, e outro aos 20’ quando Salas cruzou rasteiro para a área e Adrián Martínez apareceu para completar para o fundo do gol. O técnico Fernando Diniz sacou o volante Walace, muito mal no jogo, logo depois e tentou reanimar o time na parada para hidratação, aos 30’. O time mineiro teve mais posse, mas não conseguiu chegar ao gol.
No segundo tempo, Kaio Jorge diminuiu logo aos 6’ e devolveu a esperança à raposa. O jogo ficou lá e cá, mas o Racing foi mais organizado e demonstrou frieza nos momentos mais agudos. Nos acréscimos, Roger Martínez fez o gol do título e fechou o 3 a 1 que deu um título continental à Academia depois de 36 anos.