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Craque Imortal – Ubaldo Fillol

 

Nascimento: 21 de Julho de 1950, em San Miguel del Monte, Argentina. 

Posição: Goleiro

Clubes: Quilmes-ARG (1969-1970), Racing-ARG (1971-1974 e 1987-1989), River Plate-ARG (1974-1983), Argentinos Juniors-ARG (1983), Flamengo-BRA (1984-1985), Atlético de Madrid-ESP (1985-1986) e Vélez Sarsfield-ARG (1989-1990).

Principais títulos por clubes: 7 Campeonatos Argentinos (1975-Metropolitano, 1975-Nacional, 1977-Metropolitano, 1979-Metropolitano, 1979-Nacional, 1980-Metropolitano e 1981-Nacional) pelo River Plate.

1 Supercopa da Espanha (1985) pelo Atlético de Madrid.

1 Supercopa da Libertadores (1988) pelo Racing.

Principal título por seleção: 1 Copa do Mundo da FIFA (1978) pela Argentina.

Principais títulos individuais:

Eleito para o All-Star Team da Copa do Mundo da FIFA: 1978

Futebolista do Ano da Argentina: 1977

Bola de Prata na premiação do Futebolista do Ano da América do Sul: 1978, 1983 e 1984

Eleito para o All-Star Team de todos os tempos da Argentina pela AFA: 2015

Eleito para a Seleção do Século XX da América do Sul pela IFFHS

Eleito para a Seleção dos Sonhos da Argentina do Imortais: 2020

 

 

“El Pato”

Por Guilherme Diniz

 

Ao longo de sua mais que centenária história, a seleção da Argentina já teve goleiros espetaculares, verdadeiros guardiões que garantiram metas intactas com defesas, elasticidade, catimba e personalidade. Mas só um conseguiu atingir um nível tão alto, tão supremo, que até hoje é considerado o maior guarda-metas da história argentina. E não é nenhum exagero, afinal, basta ver as defesas de Ubaldo Martino Fillol, ou simplesmente Fillol durante a caminhada albiceleste na Copa do Mundo de 1978 e em tantos e tantos jogos do River Plate na década de 1970 para entender que El Pato foi mesmo um arqueiro de múltiplas qualidades: ele tinha agilidade, senso pleno de posicionamento, elasticidade, envergadura, arrojo e uma notável impulsão que ainda fizeram dele um dos maiores pegadores de pênaltis da história. Mesmo não tão alto – tinha 1,81m – parecia um gigante embaixo das traves justamente pelo absolutismo que ostentava na posição. É hora de relembrar a carreira dessa lenda do gol.

 

Meio-campista… e goleiro

Fillol cresceu em San Miguel del Monte, a 107 km da capital, e sua paixão futebolística começou por causa do Quilmes, onde começaria a jogar inicialmente como volante central – tal condição ajudou o goleiro a desenvolver mais habilidade com a bola nos pés. Renato Cesarini, um dos arquitetos da Máquina do River Plate dos anos 1940, foi quem aconselhou o jovem de 14 anos a se arriscar no gol pelo fato de Fillol ter braços longos e mãos fortes. Quando passou nos testes para jogar no clube cervecero, Fillol aliou os treinamentos com afazeres em uma padaria. Certo dia, o goleiro do time D, Pato Iglesias, não compareceu e o técnico pediu para Fillol jogar no gol. Como ninguém o conhecia, o chamavam de Pato, assim como Iglesias, e o apelido acabou pegando. Porém, quem não pegou nada foi Fillol: ele levou seis gols em seu primeiro jogo na posição, na vitória do Huracán sobre o Quilmes por 6 a 3, algo que desolou completamente o jovem de 17 anos.

Porém, o Fillol era corajoso e cobrou mais lugar no time no dia a dia, algo que surpreendeu a comissão técnica do Quilmes. Treinando muito, rapidamente o jovem conseguiu a titularidade, mas eram tempos difíceis e o Quilmes foi rebaixado no campeonato argentino de 1970. Fillol chorou muito, mas não hesitou em permanecer na B em 1971, ajudando o clube a pelo menos não cair de novo. Naquele ano, o Racing, vivendo período complicado após os anos de ouro da década de 1960, decidiu apostar naquele garoto para uma nova fase a partir de 1972. Em Avellaneda, o impacto de Fillol foi imediato: defendeu seis pênaltis (!) durante o Metropolitano de 1972, recorde em uma só temporada do torneio na época e que permanece intacto até hoje. Ele superou os seguintes batedores:

 

  • Carlos Bulla, do Independiente – empate em 1 a 1; 
  • Héctor Scotta, do San Lorenzo – vitória do Racing por 2 a 0; 
  • Juan Ramón Verón, do Estudiantes de La Plata – empate em 0 a 0;
  • José Santiago, do Lanús – vitória do Racing por 4 a 3; 
  • Rubén Suñé, do Boca Juniors – vitória do Racing por 3 a 1;
  • Rubén Délfor Bedogni, do Estudiantes de La Plata – vitória do Racing por 1 a 0. 
Pelo Racing, Fillol entrou em uma nova fase na carreira. Foto: Acervo / El Gráfico.

 

Fillol defendendo o pênalti de Suñé, do Boca, em 1972. Foto: Acervo / El Gráfico.

 

Foi naquele período que Fillol estreou pela seleção, em amistoso contra um combinado de Tucumán. O Racing foi vice-campeão do Metropolitano de 1972 e Fillol entrou de vez no rol de mais promissores goleiros do país. E a fama só iria aumentar a partir de 1973.

 

Ídolo millonario e a Copa dos sonhos

Quando surgiram os rumores de que o River Plate estava interessado em seu futebol, Fillol se mostrou reticente pelo fato de o clube do Monumental estar na época há mais de 15 anos sem troféus. Porém, foi o próprio técnico do Racing, a lenda Ángel Labruna, quem convenceu Fillol a se mudar à banda millonaria por ser “a Casa Branca”. Em seu primeiro ano, El Pato não foi titular e acabou na reserva de José Perez, mas assumiu a meta a partir de 1974 para não largá-la mais. Com muita qualidade, defesas espetaculares e coragem para sair do gol e tirar a bola dos pés dos atacantes ou em saltos quando a bola estava no alto, Fillol virou um estandarte do River que destroçou o jejum e faturou sete títulos entre 1975 e 1981. O destaque foi a dobradinha de 1975, quando os millonarios venceram o Metropolitano e o Nacional no mesmo ano, feito repetido em 1979.

Em 1974, Fillol foi convocado para sua primeira Copa do Mundo, na qual foi terceira opção – o titular era Daniel Carnevali e o reserva imediato Miguel Santoro, do Independiente multicampeão da Libertadores. Era questão de tempo até o arqueiro assumir a meta titular, algo comentado até mesmo pelo técnico da albiceleste na época, Vladislao Cap, que assegurou que ele “seria o goleiro titular na Copa de 1978”. Prova disso é que Fillol foi titular no último jogo da Argentina naquela Copa, o empate em 1 a 1 com a Alemanha Oriental – os hermanos terminaram na última posição do grupo A do quadrangular final.

O River de 1977 – Em pé: Passarella, Comelles, Merlo, Lonardi, Héctor López e Fillol. Agachados: Pedro González, Marchetti, Luque, Juan José López e Ortiz.

 

Já ostentando a melhor fase da carreira, Fillol se viu em uma encruzilhada durante o período pré-Copa de 1978: o técnico da seleção, César Menotti, disse que iria fazer um rodízio no gol entre ele e Hugo Gatti, ídolo do Boca e que também vivia grande fase. Gatti era mais displicente, gostava de sair do gol quase como um líbero, enquanto Fillol era absoluto embaixo das traves e não tinha a técnica com os pés do rival xeneize. El Pato viveu anos de desconfiança e não sabia se seria o titular em 1978. Para piorar, em 1976, sofreu com lesões que o tiraram das partidas decisivas da Libertadores que o River acabou perdendo para o Cruzeiro de Jairzinho e companhia.

Fillol evita gol de Verón-pai: choque de lendas!

 

Mas Fillol deu a volta por cima em 1977, ficou mais de 20 jogos sem levar gols pelo River e foi eleito o melhor jogador do país. Os desentendimentos dele com Menotti pareciam minar ainda mais sua permanência na seleção, mas uma lesão de Hugo Gatti perto do Mundial não deixou dúvidas de que Fillol deveria ser o nome da albiceleste no Mundial em casa. E, em dezembro de 1977, El Pato recebeu um telefonema de Menotti que confirmou sua permanência entre os convocados. Sorte da Argentina, que ganhou na Copa um goleiro emblemático, decisivo e que foi fundamental para o primeiro título da seleção. 

Após uma fase de grupos relativamente tranquila, Fillol mostrou sua imponência contra a difícil seleção polonesa da época no primeiro jogo da fase final. O goleiro pegou um pênalti cobrado por Kazimierz Deyna sem dar rebote e, no segundo tempo, o camisa 5 (sim, na época as camisas eram por ordem alfabética) voou para buscar uma cobrança de falta de Masztaler. No duelo seguinte, o clássico contra o Brasil, Fillol foi o melhor em campo no 0 a 0 com defesas dificílimas, em especial uma à queima roupa diante de Roberto Dinamite a 15 minutos do fim. Depois do triunfo sobre o Peru por 6 a 0, a Argentina alcançou a final e enfrentou a Holanda no Monumental.

O jogo foi muito difícil e seria ainda mais se Fillol não tivesse feito mais alguns milagres, como aos 26’, quando se esticou todo para evitar que Johnny Rep abrisse o placar para os holandeses, e pouco depois do primeiro gol argentino, quando Rensenbrink quase empatou em chute na pequena área que Fillol defendeu com as pernas, arrancando aplausos e gritos de “Fillol, Fillol” das arquibancadas. Na segunda etapa, a Holanda empatou e quase virou, mas a sorte estava com Pato, que viu a bola de Rensenbrink beliscar a trave no minuto final. Na prorrogação, a Argentina foi melhor e os gols de Kempes e Bertoni garantiram o título mundial e a imortalidade a Fillol, elogiadíssimo após o Mundial e eleito o melhor goleiro da Copa. Na comemoração, a foto de Fillol abraçando o lateral Tarantini e recebendo também um abraço de um torcedor foi uma das imagens mais clássicas da conquista argentina. Em sete jogos, Fillol levou apenas quatro gols.

 

Enfrentando a ditadura e outra Copa

Sem precisar provar nada a ninguém, Fillol seguiu no River Plate e levantou outra dobradinha nacional com os títulos do Metropolitano de 1979 e o Nacional de 1979. Em um clássico contra o Boca em La Bombonera logo após a Copa, foi aplaudido pela torcida xeneize em reconhecimento ao seu talento e à glória pela seleção, algo raríssimo e para poucos se tratando de uma das maiores rivalidades do mundo. Ele também virou o atleta mais bem pago da Argentina, recebendo salários provenientes da venda de camisas da marca Olimpia com sua assinatura e que viraram febre no país e vestidas até mesmo por outros goleiros. Porém, no mesmo ano, o atleta enfrentou problemas por conta dos salários atrasados no clube e ameaçou deixar a equipe mesmo com pressão da ditadura. Ele comentou sobre essa época ao El Gráfico.

 

“No meu melhor momento, éramos campeões do mundo. Havia um militar que fazia e desfazia dentro de seu âmbito, e se meteu na discussão do meu contrato com o River. Ele me chamou um dia e primeiro tirou a arma da cintura, colocando sobre a mesa. Depois me disse: ‘Assine o contrato porque, se eu quiser, você desaparece em 30 segundos e não te encontram nunca mais’. Foi em 1979, eu era muito jovem, estava rindo, não tinha medo de nada. Então aconteceu o que aconteceu, caíram os militares, veio a democracia e começamos a aprender o horror que aconteceu. Comecei a ter medo, muito medo”.

 

Fillol ficou até o começo dos anos 1980 no River, mas a crise econômica e a Guerra das Malvinas prejudicaram bastante a estadia dos craques no país, causando as saídas de Passarella, Kempes, Díaz e o próprio Fillol, que pensou em deixar o futebol em 1983. Porém, o goleiro voltou atrás e, após uma rápida estadia no Argentinos Juniors (apenas 17 jogos), viu o Flamengo entrar em seu radar, pois o clube brasileiro precisava de um goleiro para repor a saída de Raul. O rubro-negro conseguiu levar o argentino para a Gávea em 1984 e Fillol viveu bons momentos naquele ano, quando conquistou a Taça Guanabara, mas não conseguiu levantar troféus de peso por dar azar de pegar o clube em época de entressafra após os títulos em profusão de 1980 até 1983 e a ascensão do rival Fluminense, que venceria três estaduais seguidos entre 1983 e 1985 e o Brasileiro de 1984.

Ainda sim, Fillol disputou 52 jogos em 1984, levou 43 gols e permaneceu 27 partidas sem ser vazado na temporada. No Fla, o argentino costumava jogar mais adiantado, iniciando jogadas e dando passes, o que ocasionava um número maior de gols sofridos por cobertura, algo que manchou sua estadia no time carioca. Na Libertadores de 1984, o craque ajudou o Flamengo a chegar até as semifinais e defendeu um pênalti diante do Junior-COL em Barranquilla.

Nesse período, Fillol disputou mais uma Copa na carreira, em 1982, na Espanha. Com uma seleção já contando com o jovem Maradona, a Argentina até avançou para a segunda fase, mas sucumbiu diante do Brasil e da Itália e acabou eliminada. Fillol mais uma vez foi seguro quando exigido, mas sua média de gols sofridos aumentou: em cinco jogos, levou sete tentos. Aquele foi o último Mundial do Pato. Ele jogaria pela albiceleste até 1985, quando deixou de ser convocado e viu a ascensão de Nery Pumpido, goleiro titular do título mundial de 1986.

 

Glória internacional pelo Racing e últimos anos

Fillol acabou deixando o Flamengo em 1985 para jogar no Atlético de Madrid. Na Espanha, o argentino foi pé quente e ganhou logo de cara a Supercopa da Espanha de 1985, quando o time colchonero venceu o Barcelona por 3 a 1, em casa, e segurou a derrota por 1 a 0 no Camp Nou. A estadia em Madri durou pouco e, já no ano seguinte, o goleiro retornou à Argentina para jogar no Racing, que tentava se reerguer após um sofrido rebaixamento em 1983 bem no ano em que o rival Independiente venceu o título argentino. Rapidamente, Fillol virou uma referência do time e capitão do Racing que venceu seu primeiro título internacional desde as glórias de 1967: a Supercopa da Libertadores de 1988, quando a Academia levantou o troféu diante do Cruzeiro em pleno Mineirão após empate em 1 a 1 (o primeiro jogo, em casa, foi 2 a 1).

O troféu foi o último da carreira de Fillol, que jogou até 1989 no Racing e vestiu a camisa do Vélez Sarsfield entre 1989 e 1990. Nesse período, mesmo veterano e com 40 anos, defendeu mais dois pênaltis no Campeonato Argentino, o último deles em um jogaço contra o River Plate, evitando que o clube millonario ficasse com o título de 1990. O craque ainda fez um punhado de defesas que fizeram com que ele fosse carregado pelos companheiros ao término da partida – o Vélez venceu por 2 a 1 em pleno Monumental.

Fillol e Perfumo, veteranos.

 

Depois dessa temporada e desse jogo marcante, Fillol decidiu se dedicar mais à família, em especial ao pai, sofrendo com a leucemia, e à filha, que sofria de anorexia, e pendurou as luvas. Após alguns anos de reclusão total da mídia e amigos, o argentino foi preparador de goleiros da seleção nas eliminatórias para a Copa de 2002, mas não permaneceu muito além. Foi técnico brevemente do Racing e desde então aparece em eventos esportivos pontuais. Por onde vai, é elogiado, relembrado e condecorado. E será eternamente um dos maiores goleiros da história do futebol sul-americano e o maior da história argentina. Simplesmente imortal.

Números de destaque:

 

Disputou 143 jogos pelo Racing. Não sofreu gols em 49 deles;

Disputou 406 jogos pelo River Plate. Não sofreu gols em 157 deles;

Disputou 736 jogos na carreira de clubes, sofreu 723 gols e não levou gols em 278 jogos;

Disputou 58 jogos pela seleção da Argentina. Não levou gols em 20 deles;

Defendeu 26 pênaltis no Campeonato Argentino. Um recorde.

 

 

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