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Craque Imortal – Everaldo

Nascimento: 11 de setembro de 1944, em Porto Alegre (RS), Brasil. Faleceu em 27 de outubro de 1974, em Cachoeira do Sul (RS), Brasil. 

Posição: Lateral-esquerdo

Clubes: Grêmio-BRA (1964-1965 e 1966-1974) e Juventude-BRA (1964).

Principais títulos por clubes: 3 Campeonatos Gaúchos (1966, 1967 e 1968) pelo Grêmio.

Principal título por seleção: 1 Copa do Mundo da FIFA (1970) pelo Brasil.

Principais títulos individuais: 

Prêmio Belfort Duarte: 1972

Bola de Prata da revista Placar: 1970

Eleito para o Time dos Sonhos do Grêmio do Imortais: 2020

 

“Estrela Dourada”

Por Guilherme Diniz

Você já viu algum jogador ser representado na bandeira de seu clube? Algo raro, certo? Pois existe um atleta que foi tão importante para o Grêmio FBPA que ele virou uma estrela dourada na bandeira tricolor. Foi a homenagem máxima ao único jogador do clube gaúcho a ser titular de uma seleção brasileira campeã mundial. E não foi qualquer seleção. Foi “A” Seleção, a maior de todos os tempos, a equipe tricampeã do mundo na Copa de 1970. E esse feito foi perpetuado pelo Grêmio como símbolo máximo da idolatria de um craque revelado pelo tricolor e que foi, durante mais de uma década, sinônimo de eficiência na lateral-esquerda com seus desarmes precisos, fôlego privilegiado, passes e visão de jogo notáveis.

Everaldo Marques da Silva, ou simplesmente Everaldo, não era de apoiar tanto como outros laterais, mas em defender e proteger a zaga ele era especialista. Por isso que a seleção de 1970 se deu ao luxo de jogar com tantos camisas 10, pois Everaldo garantia a tranquilidade lá atrás para Rivellino, Gérson, Tostão, Pelé e Jairzinho fazerem suas barbaridades com a bola nos pés. Após conquistar o tri no México, Everaldo foi recebido com uma festa gigantesca em Porto Alegre, como se o próprio Grêmio tivesse sido campeão mundial. Seis dias depois, o lateral ganhou a homenagem na bandeira tricolor, além de duas cadeiras cativas no Estádio Olímpico. Everaldo foi tão gigante que conseguiu unir as torcidas de Grêmio e Inter contra a seleção brasileira. Uma pena que, em outubro de 1974, com apenas 30 anos, Everaldo acabou falecendo de maneira trágica após sofrer um acidente de automóvel, quando seu veículo se chocou contra um caminhão. Além dele, sua esposa, sua filha e sua irmã também faleceram. Mas seus feitos ficaram para sempre na história do esporte nacional. É hora de relembrar.

Sangue tricolor

Nascido na capital do Rio Grande do Sul, Everaldo desde pequeno levou o Grêmio consigo. Quando ainda era criança, começou a jogar futebol e, com 13 anos, ingressou nas categorias de base do clube. Aos poucos, foi conseguindo espaço e evoluindo como jogador. Ambidestro, tinha excelência no passe, nos lançamentos e era extremamente eficiente na cobertura pelo lado esquerdo. Ao contrário de Nilton Santos, lateral-esquerdo que quebrava paradigmas na época por atacar constantemente, Everaldo era o “lateral clássico”, que não subia tanto e protegia a defesa para os pontas atacarem com tranquilidade. Com ele em campo, seus companheiros ofensivos sabiam que ele iria garantir a segurança lá atrás.

Após subir ao profissional em 1964, Everaldo passou um breve período emprestado ao Juventude até retornar em definitivo ao tricolor no ano de 1966, quando venceu seu primeiro título estadual. No ano seguinte, Everaldo foi convocado pela primeira vez para a seleção brasileira pelo técnico Aymoré Moreira e ajudou a equipe a vencer a Copa Rio Branco diante do Uruguai. O lateral compôs o sistema defensivo ao lado de Félix (goleiro), Jurandyr e Roberto Dias (zagueiros) e Sadi (lateral-direito) e ganhou enorme confiança da comissão técnica, que passaria a chamá-lo constantemente nos jogos seguintes.

Em pé: Arlindo, Valdyr Espinosa, Ari Ercílio, Jadir, Beto Bacamarte e Everaldo. Agachados: Caio, Joãozinho Severiano, Paraguaio, Gaspar e Volmir.
 

Em 1968, por exemplo, Everaldo integrou a seleção brasileira que derrotou a Seleção da FIFA por 2 a 1 em um amistoso no Maracanã, para celebrar os 10 anos do primeiro título mundial do Brasil. O time da FIFA tinha nomes como Yashin, Marzolini, Beckenbauer, Perfumo, Amancio, Flórián Albert, Metreveli, Pedro Rocha e Overath, mas o Brasil tinha, além de Everaldo, Carlos Alberto Torres, Roberto Dias, Gérson, Rivellino, Natal, Jairzinho, Tostão, Pelé e PC Caju. Os gols foram de Rivellino e Tostão, com Albert descontando para a Seleção da FIFA. Foi nessa partida que a seleção jogou pela primeira e única vez com duas estrelas acima do escudo, em referência aos títulos mundiais de 1958 e 1962. 

O melhor do país

Em 1967 e 1968, Everaldo venceu mais dois títulos estaduais com o Grêmio, e, com suas atuações pela seleção, vivia fase esplendorosa. Porém, o jogador começou a ser preterido nas convocações das Eliminatórias para a Copa de 1970 e de amistosos pelo técnico João Saldanha, que preferia Rildo, do Santos, na posição. Everaldo ou frequentava o banco de reservas ou não era convocado, situações que geraram dúvidas quanto à sua presença na Copa após a classificação do Brasil. Quando Saldanha deixou a seleção e Zagallo assumiu, o Velho Lobo começou a dar preferência ao jovem lateral-esquerdo do Fluminense, Marco Antônio, de apenas 19 anos. O porém era que o jogador não era tão forte na marcação e na contenção como era no ataque. E isso foi um ponto que os atletas da seleção levaram até Zagallo na montagem do elenco antes da Copa. Brito, zagueiro da seleção em 1970, comentou sobre o caso em reportagem de Bruno Grossi e Vanderlei Lima, do UOL Esporte, em junho de 2022.

“Nós falamos para o Zagallo que o Everaldo era mais marcador, mas que tinha técnica também. O Marco Antônio não marcava muito. Aí eu, Gerson, Clodoaldo e toda a turma nos reunimos com o Zagallo e falamos. Não para pedir para tirar alguém, mas para dar nossa opinião. O Zagallo aceitou e confiava que todos tinham qualidade, era uma questão de preferência. E ninguém ficou de bico com ninguém. No grupo de 1970 não tinha tristeza, nem vaidade”.

Everaldo, àquela altura, era de fato um dos mais seguros laterais do Brasil. Marcador implacável, ele conseguia parar qualquer adversário e não temia ninguém. Muito sério e profissional, jamais apelava para as faltas ríspidas e dava seus famosos botes sempre na bola. Além disso, era especialista em desarmes e em inicar contra-ataques graças à essa técnica. Certa vez, por exemplo, no torneio nacional de 1970, o Fluminense enfrentou o Grêmio e todos esperavam pelo duelo entre Cafuringa e Everaldo. O ponteiro do Flu disse antes do jogo que iria “deitar e rolar” pra cima do lateral-esquerdo da seleção do tri e arriscar vários dribles. Mas ele foi simplesmente anulado pelo gremista, que ao final da temporada venceu a Bola de Prata da revista Placar

Campeão do mundo

Everaldo

Em 1970, Everaldo foi o titular da seleção de Zagallo na Copa do Mundo do México. Graças a ele na proteção do lado esquerdo da defesa, a equipe canarinho pôde ter a liberdade que precisava para atacar os rivais e criar jogadas plásticas e rápidas. Com um time de camisas 10, o Brasil foi campeão invicto com seis vitórias em seis jogos, e garantiu a posse definitiva da Taça Jules Rimet. Por jogar de maneira discreta e eficiente, o craque era pouco citado no time ou lembrado, mas ganhou justas homenagens quando retornou a Porto Alegre por ter sido o primeiro jogador de um clube do estado a ser titular em uma seleção campeã do mundo. O lateral-esquerdo foi recebido com festa no aeroporto e desfilou em carro aberto por três horas em Porto Alegre até chegar ao estádio Olímpico, antiga casa do Grêmio.

“O aeroporto lotou, lembro que fomos recebê-lo, estava com roupa de gaúcho, mostrando que era gaúcho. A “amarelinha” junto, foi muito bonito. Tive a satisfação de ser amigo particular dele e da família. Foi uma figura excepcional como pessoa. Campeão do mundo, mas se manteve como sempre foi, simples”, comentou Loivo, ex-jogador do tricolor e companheiro de Everaldo no clube entre 1967 e 1972, em entrevista ao globoesporte.com, abril de 2020.

Dias depois, em 30 de junho de 1970, o Conselho Deliberativo do Grêmio decidiu perpetuar a figura de Everaldo no maior símbolo do clube: sua bandeira. Em uma sessão solene, foi estabelecido que a bandeira do Grêmio levaria uma estrela dourada para lembrar a conquista da Copa do Mundo. O título fez Everaldo começar a pensar em sua vida após o futebol e, com a popularidade que ganhou no Rio Grande do Sul, queria seguir a carreira política. Antes, seguiu jogando o fino e conseguiu unir as torcidas de Grêmio e Internacional em um episódio curioso em 1972.

O Brasil de 1970. Em pé: Carlos Alberto Torres, Brito, Piazza, Félix, Clodoaldo e Everaldo. Agachados: Jairzinho, Rivellino, Tostão, Pelé e Paulo Cézar Caju.
 
Foto: Agência RBS
 

Durante as comemorações dos 150 anos da independência do Brasil, o regime de Emilio Garrastazu Médici criou a Taça Independência, torneio que reuniu 20 seleções, ganhou a alcunha de “Mini Copa do Mundo” e foi disputado em várias cidades do país, entre elas Porto Alegre, no estádio Beira-Rio. Mas, na convocação do Brasil para a competição, Zagallo não chamou Everaldo, algo que foi tido como uma “afronta” pelos gaúchos por deixar de fora justamente o único atleta do estado. Isso motivou a Federação Gaúcha de Futebol a organizar um amistoso de um combinado de jogadores do estado contra a seleção brasileira. E, diante de mais de 110 mil pessoas, o que se viu foi um estádio inteiro vaiando a equipe canarinho. 

“O estádio estava enfurecido. Foram 110 mil pessoas, que vaiaram o Brasil do primeiro ao último minuto. Era como se estivesse em uma situação de guerra, uma manifestação de resistência à ditadura. Uma inevitável referência à Revolução Farroupilha. Também foi a única vez que os rivais se uniram”, afirmou o historiador Cesar Guazzelli, professor da UFRGS, em entrevista ao site Trivela em setembro de 2014.

O hino nacional foi vaiado e até bandeiras brasileiras foram queimadas nos arredores do estádio (!). Quando a bola rolou, o Beira-Rio foi palco de um jogaço. Tovar, Carbone e Claudiomiro fizeram os gols da seleção gaúcha, sempre à frente no placar. Mas Jairzinho, Paulo César Caju e Rivellino também balançaram as redes, fechando o placar em 3 a 3. Apesar do empate, a honra de Everaldo e dos gaúchos estava lavada. O Brasil, mesmo sem Everaldo, foi campeão do torneio após derrotar Portugal no Maracanã por 1 a 0 (gol de Jairzinho). 

O trágico fim

Everaldo

Após o episódio de 1972, Everaldo não foi mais convocado pela seleção. Ele acumulou 24 jogos vestindo a camisa amarela, não marcou gols e só perdeu uma partida. Um fato preponderante para sua saída da equipe canarinho foi um caso ocorrido no mesmo ano de 1972 e poucos meses após ele ganhar o Prêmio Belfort Duarte, destinado aos jogadores considerados leais em campo, uma honraria concedida pela Confederação Brasileira de Desportos, em prol do fair play. O problema é que, em 18 de outubro do mesmo ano, o Grêmio vencia o Cruzeiro por 1 a 0, em casa, pelo Brasileirão, quando o árbitro José Faville Neto marcou pênalti discutível de Beto Bacamarte em Palhinha, aos 32 minutos do primeiro tempo. Indignado, Everaldo desferiu um soco no juiz, virou as costas e rumou para os vestiários sabendo da expulsão iminente.

Everaldo chegou a renunciar ao prêmio Belfort Duarte e precisou até depor na delegacia. O episódio foi um caso à parte na carreira do craque, um destempero que surpreendeu até sua família. Ele acabou suspenso por um ano e motivou a mudança no critério de premiação do Belfort Duarte, que só seria concedido a atletas leais já aposentados a partir de 1973. Durante o hiato na carreira, Everaldo analisava uma proposta do Palmeiras quando começou a trilhar sua futura carreira política, com o objetivo de ser eleito Deputado Estadual. E, em uma das visitas que fazia a cidades do Sul em 1974, uma tragédia aconteceu.

Everaldo dirigia seu Dodge Dart (presente de uma concessionária após conquista de 1970) junto com seis familiares: a esposa Cleci, as filhas Denise e Deise, a irmã Romilda e os tios Maria Madalena e Jardelino. Eles voltavam da cidade de Cachoeira do Sul para Porto Alegre após comícios para divulgar a campanha de deputado estadual e um jogo festivo com o time de veteranos do Grêmio. Everaldo fez uma parada em determinado momento para se despedir de Loivo, seu ex-companheiro de Grêmio que também estava no jogo de veteranos, e partiu para abastecer antes de seguir viagem. Mas o carro de Everaldo se chocou com um caminhão, em um acidente ocasionado, segundo relatos da época, pela imprudência dos dois motoristas, incluindo excesso de velocidade (o carro do lateral estava a 100km por hora), falta de sinalização e a não obrigatoriedade do uso de cinto de segurança.

Loivo passou pelo local do acidente tempo depois e ajudou a prestar os primeiros socorros, levando inclusive a filha de Everaldo, Denise, ao hospital. Jardelino e Madalena foram socorridos por uma equipe do jornal Zero Hora, mas Everaldo e sua esposa morreram na hora. Sua filha Deise, e sua irmã, Romilda, faleceram tempo depois. Com apenas 30 anos, a lenda do Grêmio se foi e comoveu um estado inteiro, bem como o país. Várias homenagens foram feitas ao atleta, mas a maior de todas segue intacta até hoje no pavilhão gremista: a estrela dourada que reluz todos os dias, em todos os momentos, que lembra para sempre o feito máximo de um craque imortal.

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