Nascimento: 16 de Maio de 1925, no Rio de Janeiro (RJ), Brasil. Faleceu em 27 de Novembro de 2013, no Rio de Janeiro (RJ), Brasil.
Posições: Lateral-Esquerdo e Zagueiro
Clube: Botafogo-BRA (1948-1964).
Principais títulos por clube: 1 Torneio Internacional de Paris (1963), 1 Torneio Internacional da Colômbia (1960), 1 Torneio Pentagonal do México (1962), 1 Torneio Jubileu de Ouro da Associação de Futebol de La Paz (1964), 2 Torneios Rio-SP (1962 e 1964) e 4 Campeonatos Cariocas (1948, 1957, 1961 e 1962) pelo Botafogo.
Principais títulos por seleção: 2 Copas do Mundo (1958 e 1962) e 1 Copa América (1949) pelo Brasil.
Principais títulos individuais:
Eleito para a seleção do Século XX da América do Sul
Eleito o Lateral-Esquerdo da seleção do século XX de todos os tempos: 1998
Presente na seleção do século XX da Revista Placar: 1981
Presente na seleção do século XX da Italian FA: 1988
FIFA 100: 2004
Eleito para a Seleção dos Sonhos do Brasil do Imortais: 2020
Eleito para o Time dos Sonhos do Botafogo do Imortais: 2022
“Completo. Como uma enciclopédia.”
Por Guilherme Diniz
Lateral que ataca, hoje em dia, virou balela. É comum, normal. Mas, se voltarmos ao tempo, mais precisamente na década de 50, isso era algo impensável no futebol, quase um suicídio. Quem pensaria em deixar a defesa, apoiar o ataque, ter fôlego para voltar e ainda correr o risco de ver uma “avenida” em suas costas? Uma pessoa: Nilton dos Santos, ou apenas Nilton Santos. Este imortal do futebol marcou época como o mais talentoso, rápido, técnico e completo lateral-esquerdo do século XX, sendo sempre lembrado por acabar com o paradigma do lateral preso à defesa. Nilton foi exemplo de lealdade e amor a um só clube, a uma só estrela, o Botafogo, onde ficou de 1948 até 1964. A única camisa diferente que vestiu em toda sua carreira foi a amarela ou azul da seleção brasileira. O craque apoiava o ataque com a mesma precisão que defendia, e ainda se tornou um ótimo zagueiro perto da aposentadoria. Conhecido como “A Enciclopédia do Futebol”, por sua imensa sabedoria sobre futebol, tanto na prática quanto na teoria, Nilton era, também, um sábio da vida, sempre alegre e fiel ao amigo Garrincha. O Imortais relembra agora a carreira desse mito do esporte, estrela do bicampeonato mundial do Brasil em 1958 e 1962 e gênio do melhor Botafogo de todos os tempos.
Do ataque para a defesa
O garoto Nilton Santos já demonstrava toda sua categoria e finco com a bola nos pés nas peladas de rua na Ilha do Governador, no Rio. Jogava de ponta esquerda, descalço e chutando bolas de meia, que apenas um tempo depois viraram de borracha. A prática do futebol era contra a vontade dos pais, mas Nilton não ligava. Seu sonho era ser atacante dos bons, e se empenhava nisso com muita habilidade e condicionamento físico, fruto das braçadas do remo. Depois de jogar em times das forças armadas e fazer testes em alguns clubes, Nilton foi tentar a sorte no Botafogo, aos 23 anos, em 1948. O craque, claro, passou de primeira, mas viu o sonho de ser atacante ruir nas mãos de Carlito Rocha, então presidente do Botafogo. O mandatário alvinegro percebeu que Nilton tinha tanta qualidade e técnica que seria um defensor primoroso, e pediu para o treinador do time, Zezé Moreira, colocar o jovem na zaga. Nilton passou, então, a atuar na lateral-esquerda, muito contra sua vontade. Mas ele tinha uma carta na manga e iria provar que poderia, sim, ajudar o ataque sem prejudicar a defesa, com uma consequência: deixar os técnicos loucos da vida.
Talento e ousadia
Logo em seus primeiros jogos, Nilton Santos demonstrou muito talento e ganhou rapidamente a posição de titular do Botafogo. Já em 1948, venceu o Campeonato Carioca, torneio que o Glorioso não vencia desde 1935. A conquista não poderia ser mais saborosa, afinal, foi em cima do temido Vasco, o Expresso da Vitória, que naquela temporada havia conquistado o Campeonato Sul-Americano de Clubes Campeões. O Botafogo venceu por 3 a 1 a decisão e a torcida cantou: “O Botafogo tirou o Expresso da Vitória dos trilhos…”.
Depois de um ano muito bom, Nilton Santos foi convocado para a seleção brasileira pela primeira vez, em 1949. Dizem que o jogador, mesmo com o seu talento, não conquistou a simpatia do treinador Flávio Costa, que não admitia as investidas ao ataque do defensor, implicando até mesmo com suas chuteiras, de pontas arredondadas. “Zagueiro de time que eu comando não pode jogar com uma chuteira dessas, sem bico!” Nilton, secamente, teria respondido com uma singela frase:
“Eu não dou bico na bola.”
O craque mostrava que era diferenciado e se contrapunha aos laterais comuns da época. Com isso, teve que se contentar com o banco de reservas tanto na Copa América de 1949 (vencida pelo Brasil) quanto na Copa do Mundo de 1950, a sua primeira na carreira, perdida para o Uruguai. Talvez o destino quisesse poupar o craque da tragédia do Maracanã…
Patrono de um gênio
Depois da Copa, Nilton seguiu firme e como líder do Botafogo até que, em 1952, levou um “choque”. Num belo dia, um jogador de pernas tortas foi fazer um teste no clube alvinegro. Antes de entrar em campo para seu primeiro teste, o então técnico do Botafogo, Gentil Cardoso, lançou um comentário sobre o jovem. “Nesse time aparece de tudo, até aleijado!”. O tal jogador nem deu bola e tratou de entrar em campo para mostrar serviço. Ele era ponta-direita e no treino teria que enfrentar Nilton Santos, na lateral esquerda. Bastaram apenas alguns minutos para que esse jogador de pernas tortas deixasse Nilton simplesmente atordoado e sem rumo com tantos dribles, cortes e bolas entre as pernas que levou. Ao término do coletivo, Nilton Santos, já bastante influente no time, exigiu de imediato a contratação do jovem:
“Eu não quero ter que enfrentar esse cara de jeito nenhum!”.
Dito e feito, o craque prodígio assinava seu primeiro grande contrato. É preciso dizer quem era o jogador? Claro, Mané Garrincha, um dos maiores mitos do futebol mundial e que viria a ser um dos grandes companheiros de Nilton Santos tanto dentro quanto fora de campo. Começava ali uma das parcerias mais marcantes do futebol brasileiro e mundial. E a base do Botafogo que iria encantar a todos no final daquela década de 50.
A primeira Copa como titular
Em 1954, Nilton Santos conseguiu, enfim, disputar sua primeira Copa do Mundo como titular, na Suíça. O Brasil disputou apenas três jogos, com uma vitória (5 a 0 no México), um empate (1 a 1 com a Iugoslávia) e uma derrota (4 a 2 para a Hungria, de Púskas), resultado este que eliminou os brasileiros na partida que ficou conhecida como a “Batalha de Berna”, quando jogadores dos dois times brigaram entre si numa confusão danada, que tirou até o sereno e calmo Nilton Santos do sério, levando o craque à expulsão. A primeira Copa autêntica do craque terminava de maneira melancólica. Mas não havia o que temer. Anos de ouro estavam por vir.
Novamente rei do rio
Depois de 1954, o Botafogo conseguiu formar o maior esquadrão do Brasil. Com vários craques como Didi, Quarentinha, Amarildo, Zagallo, Garrincha e, claro, Nilton Santos, o time não tinha rivais (não até surgir um tal Santos de Pelé…) e jogava o fino da bola. Em 1957, Nilton Santos e companhia deram show e ajudaram o Botafogo a vencer o Campeonato Carioca daquele ano, com a maior goleada da história da competição em uma final: Botafogo 6×2 Fluminense, com 5 gols de Paulinho Valentim e um gol de Garrincha. As apresentações dos craques alvinegros foram cruciais para levar boa parte deles para a seleção brasileira, incluindo Nilton Santos, que iria disputar sua terceira Copa do Mundo, na Suécia, em 1958.
Exibindo primor ao mundo
Na Copa do Mundo de 1958, disputada na Suécia, a seleção brasileira teria a consagração da maior dupla da equipe em todos os tempos: Garrincha e Pelé. Com os dois em campo, a seleção nunca perdeu uma partida. A lenda começou apenas no terceiro jogo do mundial, pois ambos ficaram no banco na vitória sobre a Áustria por 3 a 0 e no empate sem gols contra a Inglaterra. No primeiro jogo, o destaque foi Nilton Santos, que marcou um golaço que foi a síntese do que ele começaria a representar no futebol da época e como suas ações mudariam para sempre o modo de um lateral jogar.
O lateral esquerdo brasileiro, contrariando as orientações de Feola, começava a mostrar sua ótima vocação ofensiva ao ir constantemente à linha de fundo. Numa dessas investidas, Nilton foi avançando, driblando, tabelou com Mazzola e fez um dos gol(aço)s do Brasil. Um fato curioso é que, nesse jogo, Feola teria dito para Nilton: “volta, volta!”. Após o gol, ele disse: “muito bom, muito bom!”… No terceiro jogo da seleção, Pelé e Garrincha, enfim, entraram para não sair mais. O Brasil deu show e venceu a URSS por 2 a 0, mas o placar não refletiu o que foi o jogo. A seleção só não goleou de maneira impiedosa os soviéticos porque na meta deles havia o maior goleiro de todos os tempos: Lev Yashin, o “Aranha Negra”. O goleirão salvou gols incríveis, e “garantiu” a magra derrota placar para a seleção europeia. A vitória encheu o Brasil de moral, que foi avançando até a final da Copa, contra os donos da casa.
O filme inverso
O Brasil decidiu contra a dona da casa, a Suécia, a Copa de 1958. A seleção poderia ter o gosto que o Uruguai teve em 1950 em tirar do anfitrião o gosto de ser campeão jogando em casa. Naquele jogo, a seleção teve de jogar de azul, já que a Suécia também vestia amarelo. Um sorteio realizado dois dias antes do jogo definiu que a equipe anfitriã jogaria com a camisa amarela. Com isso, o roupeiro da seleção Francisco de Assis teve de procurar um jogo de camisas azuis e bordar os logos da CBD que estavam nas camisas amarelas na nova roupagem. Mal sabia ele que seriam com aquelas camisas azuis escuras que seríamos pela primeira vez campeões do mundo.
Outro show e a conquista do mundo
Logo no começo do jogo, a Suécia abriu o placar, aos 4´. Era a primeira vez que a seleção saía atrás do marcador na Copa. Didi, gênio do meio campo brasileiro, teve toda a calma ao pegar a bola, caminhar com tranquilidade até o círculo central e dizer, segundo o folclore da bola: “vamos encher esses gringos!”. E o Brasil encheu. Vavá, aos 9´ e aos 32´, virou o jogo e deixou o Brasil com a vantagem ao final do primeiro tempo. No segundo, um show. Pelé aos 10´ (outra pintura do menino-rei, chapelando o zagueiro, num de seus gols mais emblemáticos) e Zagallo aos 23´ fizeram 4 a 1. A Suécia ainda diminuiu aos 35´, mas Pelé marcou o quinto, de cabeça.
Assim que saiu o gol, o juiz apitou o final do jogo: o Brasil, pela primeira vez em sua história, era campeão mundial de futebol. A euforia tomou conta de todos os jogadores, e as imagens de Pelé chorando como um bebê e do capitão brasileiro Bellini erguendo para os céus a taça ficaram marcadas para sempre. A seleção desfilou com uma bandeira da Suécia pelo gramado, e recebeu ovacionados aplausos: todos saudavam os melhores do mundo. E Nilton Santos era um deles, peça essencial e fundamental para a conquista do Brasil.
Enciclopédia absoluta
Após o mundial, Nilton Santos se consagrou ainda mais como uma estrela nacional e mundial. O craque ajudou o Botafogo a conquistar diversos títulos no começo dos anos 60, entre eles os Campeonatos Cariocas de 1961 e 1962, derrotando em ambas as decisões o Flamengo pelo mesmo placar: 3 a 0, e os Torneios Rio-SP de 1962 e 1964. No período, Nilton acompanhou o Botafogo em diversas excursões pelo mundo, vencendo títulos e mais títulos. Mas a cereja do bolo seria em 1962, em sua quarta e última Copa do Mundo pela seleção.
Problemas no início
Depois de 12 anos, a Copa do Mundo era disputada novamente na América do Sul, dessa vez no Chile. O Brasil estreou contra a seleção do México, e, sentindo demais o peso da estreia, venceu por apenas 2 a 0. E jogando muito mal. Os gols foram de Zagallo e Pelé. Na segunda partida, um empate sem gols contra a Tchecoslováquia que teve sabor de derrota: com uma distensão na perna, Pelé se contundiu e ficou fora da Copa. E agora, quem poderia ser a estrela do time no ataque, marcar gols, construir obras primas e ser a referência no restante do mundial? Oras, Garrincha!
Classificação no sufoco. E na manha de Nilton Santos
Sem Pelé, e com Amarildo no lugar do Rei, o Brasil penou para vencer a Espanha de Gento e do craque Puskás, que se naturalizara espanhol. O substituto Amarildo foi quem marcou os dois gols que decretaram a vitória de virada do Brasil por 2 a 1. Porém, a vitória poderia não ter ocorrido não fosse um gesto de pura malandragem de Nilton Santos. O jogo estava 1 a 0 para a Espanha quando Nilton fez um pênalti claro em um jogador espanhol. Quando o árbitro chegava próximo à área, Nilton, com toda a tranquilidade do mundo, deu singelos passos para fora da área, fazendo com que a falta fosse marcada fora dela. Os brasileiros respiraram aliviados, os espanhóis ficaram possessos e o Brasil conseguiu virar o jogo. Graças a dois passos de Nilton Santos…
Bailes de Mané e o bicampeonato
Nas quartas de final e semi, o Brasil despachou a Inglaterra e os donos da casa, o Chile, graças ao talento de Amarildo, Garrincha e a segurança de Nilton Santos. Na decisão do Mundial, o Brasil encontrava novamente a Tchecoslováquia. Os nomes do jogo foram Vavá, matador nato e autor de dois gols, e Amarildo, que deixou mais um, mostrando estar mesmo abençoado por Pelé. Como em 58, o Brasil começou perdendo, mas virou, fez 3 a 1, e conquistou o bicampeonato mundial de futebol. A seleção se igualava ao Uruguai e a Itália como bicampeã mundial, e ficava mais próxima da posse definitiva da Taça Jules Rimet. O zagueiro Mauro levantou aos céus novamente a taça, imortalizando de vez o gesto de Bellini quatro anos antes. Ninguém podia com o Brasil. Ninguém podia com Nilton Santos, que atingia seu ápice como jogador profissional. Mas a idade começava a pesar para o gênio da lateral-esquerda.
Quando a lenda diz adeus
Em 1964, aos 39 anos e com um recém Torneio Rio-SP conquistado pelo Botafogo, Nilton Santos decidiu que era hora de pendurar as chuteiras. Muitos diziam que ele poderia jogar mais, tamanha sua habilidade, condicionamento físico e visão de jogo, mas o craque precisava mesmo descansar. Depois da aposentadoria, Nilton Santos tentou a carreira de técnico, mas sem brilho. O brilho da Enciclopédia foi mesmo em campo, com classe, técnica, visão de jogo, ousadia e arte. Os anos se passaram e ele colecionou prêmios e reconhecimento mundial como o melhor e mais brilhante lateral-esquerdo de todos os tempos, pela sua representatividade e modernidade.
Simples, gentil, calmo, alegre e leal, Nilton Santos foi um craque que superou décadas, tempos, marcas. Foi o exemplo a ser seguido e copiado por anos a fio pelos mais diversos jogadores e um jogador que não precisava ficar guardando posição na zaga. Sua técnica e habilidade eram gigantes demais para serem restritas apenas atrás do meio campo. O ataque clamava pelo gênio que era genial e completo, como os ensinamentos de uma enciclopédia. Um craque Imortal.
Números de destaque:
Disputou 86 jogos pela seleção e marcou 4 gols.
Disputou 723 partidas pelo Botafogo e marcou 11 gols. É o recordista em jogos pelo clube.
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