in

Técnico Imortal – Zagallo

Nascimento: 09 de agosto de 1931, em Atalaia (AL), Brasil. Faleceu em 05 de janeiro de 2024, em Rio de Janeiro, Brasil.

Times que treinou: Botafogo-BRA (1966-1970, 1975, 1978 e 1986-1987), Seleção Brasileira (1967-1968, 1970-1974 e 1994-1998), Fluminense-BRA (1971-1972), Flamengo-BRA (1972-1974, 1984-1985 e 2000-2001), Seleção do Kuwait (1976-1978), Al-Hilal-ARS (1979), Vasco da Gama-BRA (1980-1981 e 1990-1991), Seleção da Arábia Saudita (1981-1984), Bangu-BRA (1988-1989), Seleção dos Emirados Árabes Unidos (1989-1990) e Portuguesa-BRA (1999).

Principais títulos por clubes: 1 Taça Brasil (1968) e 2 Campeonatos Cariocas (1967 e 1968) pelo Botafogo.

1 Campeonato Carioca (1971) pelo Fluminense.

1 Campeonato Saudita (1979) pelo Al-Hilal.

2 Campeonatos Cariocas (1972 e 2001) e 1 Copa dos Campeões (2001) pelo Flamengo.

 

Principais títulos por Seleção: 1 Copa do Mundo da FIFA (1970), 1 Copas das Confederações (1997), 1 Copa América (1997) e 1 Medalha de Bronze nos Jogos Olímpicos de Atlanta (1996) pelo Brasil.

 

Principais títulos individuais: 

Prêmio Charles Miller por ter participado de quatro títulos mundiais da Seleção Brasileira: 1994

Melhor Técnico do Mundo pela IFFHS: 1997

Eleito um dos 1000 Maiores Esportistas do Século XX pelo jornal The Sunday Times (UK): 1999

9º Maior Técnico de Todos os Tempos pela revista World Soccer: 2013

 

“Senhor Amarelinha”

Por Guilherme Diniz

Embora viva um período sombrio e sem brilho, a Seleção Brasileira de futebol já foi tratada com veemência e respeito em todo planeta. Houve um tempo em que sua camisa era vestida apenas por jogadores que a valorizavam, que sabiam de sua importância e peso na história do esporte. Afinal, ela não tem aquelas cinco estrelinhas no peito à toa. E, dessas cinco estrelas, quatro tiveram participação direta de uma pessoa. Um homem que sempre honrou ao máximo a Amarelinha. Primeiro, como jogador, ele foi a engrenagem do meio de campo e ataque que mais trabalhou nas conquistas das Copas de 1958 e 1962. Depois, foi o técnico da maior seleção de todos os tempos, a do tri de 1970. O tempo passou e lá estava aquele senhor de cabelos brancos como coordenador técnico no título de 1994. E poderia ter vindo outra taça em 1998 se não fosse uma série de problemas e erros de todos os lados que culminaram na derrota para a França de Zidane.

Após se aposentar da seleção que tanto amou (e ainda ama), ele ainda levantou títulos no clube que defendeu lá na década de 1950, o Flamengo, com direito a uma taça épica do Carioca de 2001 contra o rival Vasco. Ninguém tem mais Copas do que ele. Ninguém teve tanta paixão do que ele. Ninguém comandou a seleção mais vezes do que ele. E ninguém pode contestar o trabalho de Mário Jorge Lobo Zagallo, um dos maiores técnicos da história do futebol e responsável por grandes avanços táticos ao longo dos anos não só aqui, mas também em outros países. É hora de relembrar a brilhante trajetória do Velho Lobo.

 

Hora da prancheta

Foto: AE.

 

O jogador Zagallo, já relembrado aqui no Imortais em um texto muito especial, já demonstrava grandes dotes para seguir uma promissora carreira de técnico de futebol. Ele contribuiu de maneira decisiva nos títulos da seleção brasileira nas Copas de 1958 e 1962 mudando o esquema 4-2-4 para o 4-3-3, algo novo na época, como um ponta que voltava para ajudar na marcação do meio de campo. Se desdobrando e correndo o jogo inteiro, o craque recebeu o apelido de Formiguinha e cravou seu nome não só na seleção, mas também no Flamengo multicampeão dos anos 1950 e no lendário Botafogo do final dos anos 1950 e início dos anos 1960. Zagallo era quem cobria o lateral-esquerdo Nilton Santos para que a Enciclopédia do Futebol pudesse atacar com tranquilidade os adversários, quebrando o paradigma de que lateral só deveria defender. Foi assim no Brasil e também no Botafogo.

Com essa vocação para a mudança, o caminho natural de Zagallo após pendurar as chuteiras em 1965, aos 34 anos, foi aceitar um convite para dirigir o time de juniores do Botafogo e iniciar uma nova era na carreira: a de treinador. Quando aceitou comandar o time juvenil, disse: “aceito agora, mas não quero saber de despedida. Penduro a chuteira hoje e começo o treino amanhã!”. Dito e feito. Em pouco tempo, Zagallo foi para os profissionais e começaria a modernizar para sempre a parte tática e técnica dos times de futebol, virando exemplo e referência para todos.

 

Um novo Glorioso para a história

Uma das escalações do Botafogo de 1968. Em pé: Moreira, Manga, Zé Carlos, Afonsinho, Leônidas e Waltencir. Agachados: Rogério, Gérson, Roberto, Jairzinho e Paulo Cézar Caju.

 

Entre 1967 e 1968, o Botafogo voltou a celebrar títulos após passar por uma entressafra. Com as saídas de lendas do timaço lá do início da década como Nilton Santos, o próprio Zagallo, Didi, Amarildo, Quarentinha e Garrincha, o alvinegro de General Severiano se reestruturou com uma nova leva de talentos, alguns que chegaram até a jogar ao lado dos craques do passado. Com isso, Zagallo montou um novo esquadrão que tinha nomes como Manga, Leônidas, Carlos Roberto, Gérson, Rogério, Roberto, Jairzinho, Paulo Cézar Caju e Ferretti, isso só para citar alguns. Com essa trupe, o treinador conduziu o Botafogo aos títulos das Taças Guanabaras de 1967 e 1968, dos Campeonatos Cariocas de 1967 e 1968 e da Taça Brasil de 1968, esta conquistada após empate em 2 a 2 com o Fortaleza, fora de casa, e vitória por 4 a 0 na final, no Maracanã. Foram quatro vitórias, dois empates e uma derrota em sete jogos, além de Ferretti ser o artilheiro da competição com sete gols.

O Botafogo de Zagallo em campo: 4-2-4 virava 4-3-3 com recuo de PC Caju.

 

O Botafogo daqueles anos fez história não só pelos títulos, mas pelo futebol apresentado. A equipe aplicou goleadas históricas nos mais diversos rivais, incluindo um 4 a 1 sobre o Flamengo na final da Guanabara de 1968 e um 4 a 0 sobre o Vasco na final do Carioca de 1968, e excursionou pelo continente levantando títulos marcantes, como o Torneio de Caracas de 1967, após empate sem gols contra o Peñarol-URU e vitória por 3 a 2 sobre o Barcelona-ESP, e também a edição de 1968, batendo a Seleção da Argentina (1 a 0) e o vice-campeão europeu Benfica-POR (2 a 0). Com muito equilíbrio entre meio de campo e ataque, o time era devastador quando partia em direção ao gol com Jairzinho, Gérson, Roberto e Paulo Cézar Caju, e sabia se recompor quando sofria contragolpes. Caju era o jogador símbolo daquela parte tática do alvinegro e cumpria a função que Zagallo exerceu em seus tempos de jogador: o ponta que recuava para ajudar na marcação. Era um 4-2-4 que virava 4-3-3, bem típico do Brasil de 1958. Falando em Brasil, o Velho Lobo mal sabia que em breve a Amarelinha entraria mais uma vez em sua vida…

 

O sonho realizado

Zagallo (centro) no Morumbi, em 1970: estreia definitiva com goleada sobre o Chile. Foto: Acervo / Gazeta Press.

 

Assumir a seleção era o que Zagallo mais queria após se tornar técnico de futebol. E a primeira chance aconteceu em 19 de setembro de 1967, quando ele comandou interinamente a equipe no lugar de Aymoré Moreira em um amistoso contra o Chile, vencido por 1 a 0. Um ano depois, Zagallo voltou a dirigir a seleção em um amistoso, dessa vez contra a Argentina, e venceu: 4 a 1, no Maracanã, com direito a olé e 48 passes trocados antes do último gol do jogo, marcado por Jairzinho – o Brasil jogou nessas duas oportunidades apenas com jogadores que atuavam em clubes do Rio de Janeiro. Aquelas partidas, no entanto, não fizeram com que ele fosse efetivado e João Saldanha foi o escolhido pela CBD para conduzir o Brasil nas Eliminatórias da Copa do Mundo.

Mas, por ironia do destino, Zagallo recebeu a incumbência de comandar o Brasil faltando pouco mais de 70 dias para o Mundial do México, quando João Saldanha deixou a equipe nacional após uma série de desavenças com jogadores, comissão técnica e também por questões políticas, pelo fato de o país viver uma ditadura militar na época e Saldanha ser militante comunista. Isso abriu caminho para o Velho Lobo, que superou os concorrentes Dino Sani e Oto Glória e foi anunciado no dia 18 de março de 1970. Ele comandou o primeiro treino no dia 19 e estreou já no dia 22 de março, na goleada de 5 a 0 sobre o Chile em um Morumbi com mais de 101 mil pessoas! Os gols foram de Pelé (2), Roberto (2) e Gérson.

Parreira, Zagallo e Coutinho: trio de peso na comissão técnica de 1970.

 

Muitos diziam que Zagallo teria facilidade por já pegar um time montado por Saldanha. Ledo engano. Já naquele primeiro jogo, o treinador mudou a parte tática organizando uma equipe que muitas vezes jogava de maneira desordenada sob seu antecessor. O time passou a recuar quando não tinha a bola e ficava mais compacto, com os laterais não indo tanto ao ataque. Paulo Cézar Caju, embora tenha sofrido com as vaias da torcida paulista – que preferia o ponta Edu, do Santos – fazia o papel que Zagallo tanto fez ao atuar no ataque e voltar ao meio de campo para ajudar na marcação e organização.

Zagallo orienta Jairzinho e Clodoaldo.

 

Além dessa mexida tática, Zagallo teve um papel fundamental na preparação daquela seleção antes do Mundial. Recebendo informações de treinadores como Oswaldo Brandão e Aymoré Moreira, membros da Cosena (Comissão Selecionadora Nacional), que analisavam os pontos fracos e fortes dos adversários, e com o grande trabalho dos preparadores físicos Admildo Chirol e os jovens Carlos Alberto Parreira e Cláudio Coutinho, aquela seria a seleção mais bem preparada fisicamente e estruturalmente da Copa. Vale destacar o trabalho que Parreira fez na época não só na parte física (para os jogadores aguentarem a altitude mexicana e o forte calor), mas também como exímio observador dos rivais. Ele os fotografava durante treinamentos e cedia esse material à Zagallo, que mostrava aos jogadores em slides, fazendo suas observações e apontamentos para os jogos.

 

O Brasil de 1970: velocidade, precisão, movimentação e talento na maior seleção de todos os tempos.

 

Zagallo seguiu fazendo testes antes da Copa e mexeu em pontos essenciais da tática para surpreender os fortes times europeus. Ele deslocou Piazza para a zaga, deixou Rivellino na ponta-esquerda e Tostão como atacante bem avançado. Na lateral-esquerda, deu a vaga ao excepcional Everaldo no lugar de Marco Antônio. Com isso, o Brasil teria o equilíbrio que precisava. Com Piazza na zaga e Everaldo na esquerda, Carlos Alberto Torres poderia avançar ao ataque sem preocupação, pois o camisa 16 poderia assumir a marcação na defesa, como um terceiro zagueiro – Rivellino era quem atacava pela esquerda. O esquema era o 4-3-3 e virava 4-4-2 com o recuo do ponta, seja ele Rivellino, seja Paulo Cézar Caju, dependendo das circunstâncias. Além disso, Zagallo sempre ouvia os jogadores e queria que todos participassem e opinassem sobre os aspectos de jogo e funções, uma relação direta e franca, fundamental para a harmonia e bem-estar do time.

Além de toda essa questão tática, física e de estudo dos adversários, o Brasil de 1970 ficou concentrado durante dois meses antes de viajar ao México, algo raro na época. Já em terras mexicanas, o time treinou por três semanas na pequena cidade de Guanajuato, que ficava a 2.150m do nível do mar, justamente para se adaptar à altitude de Guadalajara, local da maioria dos jogos da equipe naquela Copa. Essa preparação foi fundamental para o preparo físico dos atletas e explica o motivo pelo qual 12 dos 19 gols do Brasil saíram no segundo tempo durante o Mundial. Enquanto os adversários sofriam com o sol e perdiam o fôlego nos 45 minutos finais, o Brasil aproveitava a fadiga de seus oponentes para liquidar as partidas.

O time de Zagallo venceu todos os jogos que disputou, deu shows históricos e venceu o tricampeonato mundial e ainda a posse definitiva da Taça Jules Rimet. Todas as partidas tiveram suas particularidades, seus encantos. A maneira de jogar daquela seleção, seu futebol vistoso, seus craques, a polivalência de atletas como Carlos Alberto Torres, Rivellino, Clodoaldo e PC Caju e as belíssimas jogadas encantaram gerações e fizeram com que aquele time entrasse para a história como a mais emblemática seleção da história, muito à frente de seu tempo e que jogaria tranquilamente no futebol deste século XXI. O título, confirmado após uma goleada incontestável de 4 a 1 sobre a Itália, confirmou todo o grande trabalho de Zagallo e seus comandados.

Zagallo e Carlos Alberto Torres, na chegada ao Brasil com a Jules Rimet. Foto: Luis Humberto / Veja.

 

O Velho Lobo teve papel decisivo principalmente na difícil semifinal contra o Uruguai, quando ele deu um “esporro danado”, segundo o próprio, nos jogadores para que mudassem a atitude para virar o jogo para 3 a 1 no segundo tempo. Zagallo foi campeão do mundo pela terceira vez em apenas 12 anos naquela Copa de 1970. E o primeiro da história a vencer a Copa como jogador e treinador, algo que só seria repetido pelo alemão Franz Beckenbauer, em 1990, e pelo francês Didier Deschamps, em 2018.

 

De volta ao Rio e nova Copa

Foto: Arquivo Nacional / Correio da Manhã.

 

Em 1971, Zagallo assumiu o Fluminense e comandou o tricolor na conquista do Campeonato Carioca daquele ano, em nova parceria com Carlos Alberto Parreira. No ano seguinte, ele assumiu o Flamengo e faturou o bicampeonato estadual, derrotando o Flu na decisão. O técnico seguiu no comando da seleção e a dirigiu na Copa do Mundo de 1974, na Alemanha. Sem Pelé, que já havia anunciado sua aposentadoria da Amarelinha, nem Tostão, Carlos Alberto Torres e Gérson, aquele Brasil não era mais o timaço de 1970, mas ainda sim possuía craques como Rivellino, Jairzinho, PC Caju e vários atletas do bicampeão brasileiro de 1972-1973, o Palmeiras, como o goleiro Leão, o zagueiro Luís Pereira, o meia Leivinha, o atacante César, o defensor Alfredo e o meia Ademir da Guia, que seria esquecido pelo treinador durante o Mundial, uma atitude que gerou várias críticas, pois o maestro palmeirense poderia dar muito mais qualidade à equipe.

Sem Ademir no time titular, o Brasil jogou um futebol bem abaixo das expectativas, abdicou da ofensividade e passou de fase em segundo lugar no Grupo 2, após empates contra a Iugoslávia (0 a 0), Escócia (0 a 0) e apenas uma vitória (3 a 0), sobre o frágil Zaire. Na segunda fase, a equipe venceu a Alemanha Oriental (1 a 0) e a Argentina (2 a 1), mas caiu diante da fabulosa Holanda de Cruyff, Neeskens, Krol e do técnico Rinus Michels, ao perder por 2 a 0. O técnico desdenhou da equipe europeia na época dizendo que “o time deles é bom, mas os holandeses não têm tradição em Copas e isso pesa. A Holanda não me preocupa. Estou pensando na final com a Alemanha”. A soberba pesou, mas ele reconheceu tempo depois que aquela Holanda era, de fato, muito melhor que o Brasil.

 

“Aquela equipe (Holanda) era maravilhosa. Sabíamos que o time deles era o melhor. Tanto que antes desprezei dizendo que íamos tomar [o refrigerante] Crush, que era laranja. Mas não os desconhecia, fiz aquilo para descontrair o nosso time. […] Mesmo assim, tivemos condições de ganhar o jogo no primeiro tempo. O Jairzinho e o Paulo Cézar Caju perderam boas chances”. Zagallo, em entrevista ao jornal Folha de S. Paulo, 22 de junho de 2006.

 

Após o revés, o Brasil disputou o terceiro lugar e perdeu para a grande Polônia de Lato e companhia por 1 a 0. Na volta para casa, Zagallo foi duramente criticado pelo futebol pragmático e totalmente contrário às características brasileiras. Era hora de dar um tempo da seleção e buscar novos ares.

 

Mundo árabe e retorno à seleção

As críticas por seu desempenho no Mundial de 1974 motivaram Zagallo a aceitar o desafio de dirigir a seleção do Kuwait, em 1976, permanecendo até 1978. Por lá, quase levantou a Copa da Ásia de 1976, mas sua seleção acabou perdendo a decisão para o anfitrião Irã por 1 a 0, diante de mais de 100 mil pessoas no icônico estádio Aryamehr. Em 1979, Zagallo comandou o Al-Hilal e levou para lá um velho conhecido: Rivellino, que ajudou o Velho Lobo a conquistar o Campeonato Saudita daquele ano. Zagallo virou ídolo instantâneo do clube e é até hoje considerado um dos maiores técnicos que já passaram pelo time em todos os tempos.

Nos anos 1980, Zagallo passou por um período de ostracismo e sem grandes conquistas pelas equipes que comandou. Os destaques foram a classificação da seleção da Arábia Saudita para as Olimpíadas de 1984, a classificação dos Emirados Árabes Unidos para a Copa do Mundo de 1990 e os títulos da Taça Rio de 1980 pelo Vasco e a Taça Guanabara de 1984 pelo Flamengo. Zagallo trabalhou como comentarista da TV Manchete no Mundial de 1990, e disse na época que o futebol brasileiro “precisava ser repensado”, principalmente após a derrota por 1 a 0 e eliminação diante da Argentina logo nas oitavas de final. E seria exatamente o Velho Lobo um dos responsáveis pela reviravolta da Amarelinha no cenário futebolístico mundial quatro anos depois.

 

O único Tetra da história

Zagallo e Parreira, juntos em mais uma Copa.

 

Em setembro de 1991, Carlos Alberto Parreira foi convidado pela CBF para assumir a seleção brasileira, com foco na classificação da equipe para a Copa de 1994. Ele aceitou, após um grande trabalho à frente do Bragantino vice-campeão brasileiro de 1991, e ganhou a companhia de Zagallo, escolhido o coordenador técnico da equipe nacional. Como tinham uma longa amizade, a sintonia entre a dupla foi perfeita. Eles não tinham vaidades, trocavam ideias e táticas, tudo pelo bem do time. Enquanto Parreira comandava o time em campo, Zagallo participava ativamente das convocações, da formação tática, das entrevistas e foi fundamental na reviravolta da equipe durante as Eliminatórias, declarando seu amor à Amarelinha e enaltecendo as virtudes do elenco. Sua fibra e emoção uniram os jogadores, que deram a volta por cima após a derrota para a Bolívia por 2 a 0, em La Paz (a primeira da história da seleção nas Eliminatórias), e aplicou 6 a 0 nos mesmos bolivianos, no Recife.

Tempo depois, o Brasil bateu o Uruguai por 2 a 0, no Maracanã, com atuação histórica de Romário, e se garantiu no Mundial dos EUA. Já em 1994, o Brasil não foi artístico como em 1970, mas jogou um futebol altamente tático, com a cara de Zagallo. A seleção praticou um futebol extremamente organizado, com um meio de campo marcador, uma defesa sólida e uma das mais lendárias duplas de ataque da seleção em Mundiais: Bebeto e Romário. Pelo caminho, o Brasil reencontrou a Holanda, algoz de Zagallo no Mundial de 1974, e venceu por 3 a 2, no melhor jogo da Copa e que garantiu a “revanche” do Velho Lobo diante dos europeus. Na final, contra a Itália, o Brasil venceu nos pênaltis por 3 a 2 após um angustiante 0 a 0 em 120 minutos e faturou o tetra. Zagallo venceu sua quarta Copa na carreira e sacramentou de vez sua simbiose com a seleção. Hora de aposentar? Que nada. Ele queria mais…

 

Engulam as escritas!

Zagallo em treinamento de 1998. Foto: GP.

 

Zagallo assumiu o comando da seleção logo após o título da Copa de 1994 para tentar mudar o modo de jogo da equipe brasileira – que, mesmo com o título, foi muito criticada na época por causa do futebol apresentado nos EUA. Como o Brasil já estava classificado para a Copa de 1998 como campeão mundial, o Velho Lobo teria tempo de sobra para fazer testes e pincelar os talentos que surgiam para aproveitá-los, principalmente, na busca pelo Ouro Olímpico nos Jogos de Atlanta, em 1996.

O primeiro desafio seria a Copa América de 1995, no Uruguai. Antes, ele testou alguns jovens na Copa Umbro, torneio amistoso disputado na Inglaterra em junho daquele ano e vencido pela equipe canarinho após triunfos sobre Suécia (1 a 0), Japão (3 a 0) e Inglaterra, na final, por 3 a 1. Na Copa América, o Brasil ainda não conseguia encaixar seu melhor jogo, mas alcançou a final da competição com 100% na primeira fase, passando pela Argentina nas quartas e pelos EUA na semi. Na decisão, os brasileiros empataram em 1 a 1 no tempo normal com o Uruguai de Francescoli e perderam nos pênaltis por 5 a 3. Foi a 14ª taça do Uruguai na competição, enquanto o Brasil ainda tinha suas minguadas quatro conquistas, todas em casa. Era um estigma muito desconfortável.

Nos Jogos Olímpicos de Atlanta, em 1996, Zagallo levou um time muito forte aos EUA com Dida, Aldair, Roberto Carlos, Ronaldo, Rivaldo, Juninho Paulista entre outros. A medalha de Ouro, ainda inédita, era uma possibilidade, mas a equipe acabou sucumbindo diante da Nigéria de Kanu e Okocha por 4 a 3 na semifinal e teve que se contentar com o bronze, conquistado após goleada de 5 a 0 sobre Portugal. Após a queda nas Olimpíadas, Zagallo começou a ser contestado por causa de suas convicções e tinha que buscar a resposta em campo, mais precisamente na Copa América de 1997. Ele deixou de lado o período de testes promovido entre 1995 e 1996 e passou a convocar com mais frequência o que de melhor havia no futebol brasileiro. E é claro que um jogador estava incluído nessa lista: Romário, que passaria já no primeiro amistoso do ano, contra a Polônia (vitória brasileira por 4 a 2), a fazer dupla de ataque com Ronaldo, já uma estrela mundial e jogando muito, mas muito no Barcelona.

Dali em diante, o Brasil se transformou em uma máquina de fazer gols. Nos dois amistosos seguintes, goleadas de 4 a 0 contra Chile (dois gols de Ronaldo e dois de Romário) e México (três gols de Romário e um de Leonardo). Em junho, a equipe foi até a França disputar um torneio amistoso na terra da Copa do Mundo de 1998. No primeiro jogo, contra a anfitriã, o Brasil empatou em 1 a 1. No duelo seguinte, um jogaço contra a Itália e empate em 3 a 3. Na última partida do torneio, o Brasil venceu a Inglaterra por 1 a 0 (gol de Romário) e terminou na segunda colocação com cinco pontos, atrás dos ingleses, com seis. Aquele foi um belo treino para o Brasil embarcar com confiança rumo à Bolívia para a disputa da Copa América. E acabar de vez com a escrita de só vencer a competição jogando em casa.

O time da Copa América: laterais fortes no ataque, meio de campo criativo e ataque devastador.

 

Zagallo levou o que tinha de melhor. E um detalhe: metade dos convocados para a Copa América de 1997 jogava no Brasil. O treinador armou o time com a base que disputou o Torneio da França e apostou no entrosamento cada vez maior entre Ronaldo e Romário, além da boa fase de Leonardo atuando como meia e ainda o talento de Djalminha, Denílson e Zé Roberto. Com tantas opções, ele podia se dar ao luxo de até revezar algum jogador se fosse necessário. E, se alguém levasse cartão ou algo do tipo, havia substituto à altura. A equipe despachou Costa Rica (5 a 0), México (3 a 2) e Colômbia (2 a 0) na fase de grupos, superou o Paraguai (2 a 0) nas quartas e massacrou o Peru (7 a 0) nas semis.

O Brasil de 1997. Em pé: Taffarel, Aldair, Gonçalves, Cafu, Flávio Conceição e Roberto Carlos. Agachados: Dunga, Romário, Leonardo, Denílson e Ronaldo.

 

Na decisão, contra a anfitriã Bolívia, mais de 40 mil pessoas lotaram o estádio Hernando Siles, em La Paz. A cidade e sua altitude de quase 4 mil metros eram perigos claros ao futebol rápido e ofensivo do Brasil, além de ter sido ali que a equipe perdeu a histórica invencibilidade em Eliminatórias de Copa do Mundo, em 1993. O Brasil tentou construir sua vitória logo no início, mas as investidas dos donos da casa, em especial com Etcheverry, geravam perigos ao time brasileiro. Até que, aos 40’, Denílson chutou após sobra do goleiro em cobrança de falta de Roberto Carlos, Edmundo desviou e o Brasil fez 1 a 0. Mas a alegria durou pouco. Cinco minutos depois, Sánchez chutou de longe e Taffarel não segurou: 1 a 1. Na segunda etapa, a seleção continuou em cima e os nervos começaram a se acirrar.

Festa brasileira em 1997.

 

O alívio veio quando Ronaldo fez 2 a 1 para o Brasil. No minuto final, quando a contagem regressiva já havia começado no banco brasileiro, Zé Roberto fez 3 a 1 e decretou o título histórico e inédito fora de casa da seleção. Era o fim da zica. O Brasil era campeão fora de casa da Copa América! Foi a taça da dupla Ro-Ro e também de Zagallo, que usou a conquista para calar os críticos que tanto o azucrinaram desde a derrota para a Noruega e pelo segundo lugar do Torneio da França, além dos recorrentes problemas no sistema defensivo. Os principais alvos revelados pelo próprio técnico eram Juca Kfouri e Juarez Soares. A todos eles, Zagallo lançou um sonoro “vocês vão ter que me engolir!”, em um dos momentos mais emblemáticos do Velho Lobo.

O Brasil foi campeão com seis vitórias em seis jogos, 22 gols marcados e três sofridos. Ronaldo foi o vice-artilheiro da competição com cinco gols, um a menos do que Hernández, do México. Leonardo e Romário, ambos com três, completaram a lista dos artilheiros. Após o título, o Brasil disputou seis amistosos. E venceu todos: 2 a 1 na Coreia do Sul, 3 a 0 no Japão, 4 a 2 no Equador, 2 a 0 no Marrocos, 3 a 0 em País de Gales e 2 a 1 na África do Sul.

 

O Brasil da Copa das Confederações: ataque ainda mais prolífico e meio de campo que fechava os espaços.

 

Ainda em 1997, Zagallo foi campeão da Copa das Confederações com novos shows da seleção, incluindo um 6 a 0 sobre a Austrália na final, com três gols de Romário e três de Ronaldo. Aquela taça encerrou uma temporada simplesmente incrível do Brasil. Foram 23 jogos, 20 vitórias, dois empates e apenas uma derrota. Foram 71 gols marcados (média de 3,08 gols por jogo) e 19 gols sofridos (para uma zaga contestada na época, a média menor que um gol por jogo até que foi boa…). Era unânime: o Brasil era o maior do mundo, o atual campeão do mundo e o favorito absoluto para ser campeão do mundo de novo.

 

Fortes emoções!

Pouco antes da estreia na Copa de 1998, o Brasil perdeu um de seus principais nomes em busca do penta: Romário. Com uma lesão na panturrilha, o Baixinho acabou cortado mesmo ele garantindo que estaria recuperado ao longo do torneio – a exemplo do que viveu o italiano Baresi na Copa de 1994. Emerson foi chamado para o lugar do craque e Bebeto iria assumir a vaga deixada pelo camisa 11, embora Edmundo estivesse em melhor fase. Romário não escondeu a mágoa e revelou que tal corte teria sido motivado por Zico, coordenador técnico da equipe na época. O Baixinho, de fato, deveria ter permanecido com o grupo. Tanto é que ele voltou a jogar pelo Flamengo dois dias após as quartas de final da Copa. Faltou confiança e paciência da comissão.

A equipe estreou no Stade de France contra a Escócia pelo Grupo A da Copa. César Sampaio, logo aos 4’, abriu o placar. Collins, de pênalti, empatou. Mas, no segundo tempo, Boyd, contra, em jogada de Cafu, decretou a vitória do Brasil, que não jogou o que sabia e manteve a sina de estreias apenas mornas em Mundiais. No duelo seguinte, o time de Zagallo encarou o Marrocos e não teve dificuldades para vencer por 3 a 0, gols de Ronaldo, Rivaldo e Bebeto. Após a vitória, um susto: Ronaldo sentiu dores no joelho direito, algo que já lhe incomodava desde maio daquele ano. Os médicos diagnosticaram uma tendinite, que passou a ser tratada com analgésicos. No duelo seguinte, contra a asa-negra Noruega, derrota por 2 a 1, mas a liderança do grupo foi garantida com seis pontos. Ainda sem demonstrar o futebol vistoso da temporada anterior, o Brasil não empolgava. Mas, no mata-mata, a esperança era de que o time poderia acordar. E acordou.

O Brasil no Mundial: meio de campo era muito forte com a presença de Rivaldo, mas ataque ficou enfraquecido sem Romário.

 

Nas oitavas, contra o Chile, vitória por 4 a 1. No duelo seguinte, a equipe encarou a Dinamarca, dos irmãos Laudrup e do lendário goleiro Peter Schmeichel. Era uma seleção de respeito, que passava pela melhor fase de sua história, iniciada com a conquista da Eurocopa de 1992 (leia mais clicando aqui). E o jogo foi simplesmente alucinante. Logo aos dois minutos, Jorgenssen abriu o placar. Oito minutos depois, Ronaldo atraiu a marcação para si e deu passe para Bebeto, livre, empatar. Aos 27’, Dunga roubou uma bola preciosa ainda no campo de defesa da Dinamarca, tocou para Ronaldo, que outra vez foi garçom e serviu Rivaldo, que virou para 2 a 1. O Brasil estava com tudo!

Mas, no começo do segundo tempo, outra falha defensiva gerou o gol rival. Roberto Carlos furou bisonhamente uma bicicleta dentro da grande área e a bola sobrou para Brian Laudrup empatar: 2 a 2. Novo drama. Mas o Brasil, naquele dia, tinha Rivaldo. O camisa 10 fez 3 a 2 em um chutaço de fora da área sem chance alguma para Schmeichel. A Dinamarca ainda pressionou, mas a vitória ficou com o Brasil, que outra vez mostrou enorme poder de fogo, mas muitos espaços na defesa e uma letargia angustiante nas jogadas aéreas.

Na semifinal, o time canarinho reencontrou a Holanda, adversária nas quartas de final da Copa de 1994. Mas aquela Holanda era diferente. Muito mais forte. Com uma equipe fantástica, repleta de craques como Van der Sar, Frank de Boer, Davids, Bergkamp, Kluivert e que se dava ao luxo de deixar Seedorf no banco (leia mais sobre esse timaço clicando aqui). E, naquele dia, a cidade de Marselha viu o melhor jogo da Copa. E um dos melhores da história dos Mundiais. Após um primeiro tempo morno, o Brasil começou com tudo e abriu o placar com Ronaldo no primeiro minuto, ao seu estilo. Dali em diante, o Fenômeno provou em cada lance, cada disparada, porque era o melhor do mundo.

Ele só não fez mais uns três gols porque a Holanda tinha Davids e Frank de Boer, que jogaram absurdamente bem naquele dia. Mas a Holanda também era um perigo em suas jogadas pelas laterais, principalmente pela direita, aproveitando a ausência de Cafu, suspenso, e jogando nas costas do ineficaz Zé Carlos. A todo momento, chuveirinhos e mais chuveirinhos chegavam na área brasileira e quase todos ficavam com Kluivert, em fase esplendorosa e um dos maiores cabeceadores da história do futebol holandês. Felizmente, Taffarel estava iluminado e conseguia vencer o duelo particular com o atacante.

Mas, quando tudo parecia caminhar para uma vitória brasileira, Kluivert, enfim, acertou uma cabeçada certeira e empatou o jogo faltando pouco para o fim: 1 a 1. Prorrogação. E com Gol de Ouro. Outra vez o jogo pegou fogo, com chances para ambos os lados e muita, muita emoção. A bola não entrou e a decisão foi para os pênaltis. Antes das cobranças, a energia transmitida por Zagallo aos jogadores entrou para a história das Copas. Ele demonstrava sua paixão e fazia com que ela chegasse aos jogadores. Uma cena inarrável. Na marca da cal, o Brasil acertou todas as suas cobranças, Taffarel defendeu os chutes de Ronald de Boer e Cocu e a seleção foi para a final pela segunda vez seguida. Foi um jogo épico. E, claro, ele tem um capítulo especial aqui no Imortais. Leia mais sobre ele e veja os melhores momentos clicando aqui!

 

 

Um dia para esquecer

O Brasil estava onde todos imaginavam no dia 12 de julho de 1998: no Stade de France, para a final da Copa do Mundo. A adversária era a França, anfitriã, com Zidane crescendo de produção e um elenco recheado de estrelas. Era um grande time, mas que ainda não tinha o valor que merecia por não possuir títulos. Todos aguardavam um jogaço, ainda mais depois do duelo entre brasileiros e holandeses e também do embate dos franceses contra a sensação Croácia. Imagine Ronaldo aprontando para cima de Desailly, Deschamps e companhia? Rivaldo infernizando Karembeu? Taffarel defendendo os chutes de Djorkaeff e Zidane? Enfim, a expectativa era gigantesca. Mas tudo começou a mudar de figura quando a escalação inicial do Brasil apareceu com o nome de Edmundo no ataque. Ele ao lado de Bebeto. Sim, Ronaldo estava fora. Como assim? O que havia acontecido? Algo que até hoje gera polêmica e teorias da conspiração.

Às 14h03 daquela tarde, Ronaldo perdeu a consciência ao sofrer uma crise convulsiva tônico-clônica generalizada, que acabou difundida como convulsão na mídia para facilitar o entendimento. Ele tremeu com violência, sua musculatura enrijeceu, ele babou, mudou de cor, se transfigurou. Roberto Carlos, companheiro de quarto do jogador, rapidamente foi pedir ajuda e encontrou Edmundo, que chamou o Dr. Lídio Toledo. Ele avaliou o jogador e percebeu a convulsão. Na sequência, o médico Joaquim da Mata também avaliou o jogador e pediram para todos que estavam ali no quarto saíssem para que Ronaldo pudesse descansar. Três horas depois, o jogador foi levado para a Clinique des Lilas, em Paris, para fazer uma bateria de exames. Enquanto era examinado, poucos acreditavam que ele tinha condições de jogo. E ele na verdade nem deveria ser escalado. As primeiras horas após uma crise como essa, segundo os médicos, são as mais perigosas. A pessoa entra num estado de letargia, fica sonolenta, morosa, sem noção do que está passando ou fazendo.

Zagallo não foi comunicado do ocorrido. Só depois. E, enquanto ainda não se tinha uma notícia atualizada e com menos de duas horas para o início do jogo, Edmundo foi escalado. Mas, tempo depois, o técnico recebeu o comunicado dos médicos Lídio Toledo e Joaquim da Mata de que Ronaldo tinha condições de disputar a decisão pelo fato de os exames não acusarem nada. Ainda na clínica, Ronaldo mostrava ansiedade e disse aos médicos que queria jogar e até prometeu marcar um gol. Faltando apenas uma hora para a partida, Ronaldo chegou ao estádio e encontrou Zagallo. O técnico conversou com o atacante e mudou a escalação. Zagallo disse: “O melhor jogador do mundo pede para jogar, os médicos liberam, vou fazer o quê? Escalei.”

Zidane marca um de seus gols na final.

 

Mas o que pouca gente percebeu era que o Brasil já tinha perdido a Copa ali. Os médicos acabaram pressionados em escalar o jogador muito por causa da expectativa e dos patrocinadores envolvidos. Eles ficaram com o receio de serem culpados em barrar o “melhor do mundo” justo na final. Em caso de derrota do Brasil, a culpa cairia no colo deles. Se fosse qualquer outro jogador, não jogaria. Mas era Ronaldo. “O” cara. Lídio Toledo comentou o episódio:

 

“Veja minha situação: Ronaldinho diz que está bom e o médico veta. O time perde. No dia seguinte, o jogador declara que estava bem e que fulano-de-tal o barrou. Vou ter que mudar de país. Vou para o Pólo Norte virar esquimó!”. – Lídio Toledo, em entrevista ao repórter Luís Estevam Pereira e publicada no Especial de 35 anos da revista Placar, novembro de 2005.

 

Mas tudo aquilo foi provavelmente uma consequência de tudo o que Ronaldo passou na França. O excesso de responsabilidade jogado em cima dele, bem como o enorme contingente de pessoas na cola do atacante abalaram emocionalmente o jogador. Com 21 anos, tudo aquilo foi demais para o jovem, que não demonstrava o mesmo carisma e alegria dos tempos de Cruzeiro, PSV, Barcelona e Internazionale. Ele tinha na maioria das vezes o semblante tenso, de uma pessoa com enorme responsabilidade e tido como salvador da pátria, rei. O ônibus que ia até o estádio de Saint-Denis “parecia que se dirigia a um enterro”, disse Zagallo anos depois. Ele pensou que a escalação de Ronaldo iria dar energia para o time, mas aquilo teve efeito totalmente contrário.

Na entrada das equipes no gramado, era visível que Ronaldo não estava bem. Ele entrou de cabeça baixa, com os companheiros tentando animá-lo. César Sampaio chegou a dizer que “a todo momento os jogadores olhavam para ele pensando que ele teria uma crise de novo”. Muitos até temiam pela vida do atacante. E, como não poderia deixar de ser e diante de um cenário tão tenso, só a França jogou. Para evitar que o atacante cabeceasse, ficou combinado que ele não iria participar das jogadas aéreas do time quando o adversário atacasse. A princípio, o atacante, de 1,83m, iria marcar Zidane, de 1,85m. Coube a Leonardo, de 1,77m, a atribuição. Péssima escolha. Zidane subiu sozinho duas vezes no primeiro tempo para fazer 2 a 0 França. No segundo tempo, bastou os Bleus cozinharem o jogo e Petit ainda fazer 3 a 0, nos acréscimos, e decretar o “un, deux, trois…. Zéro!” tão gritado pelos franceses. A França foi campeã mundial pela primeira vez. E o Brasil amargou seu segundo vice na história das Copas.

Zagallo consola Ronaldo: ninguém esperava aquela derrota. Pelo menos não daquela maneira…

 

Derrota jamais digerida, os brasileiros atribuíram o revés ao “piripaque” de Ronaldo, disseram que a final foi “comprada”, surgiu o “se as pessoas soubessem o que aconteceu na Copa do Mundo, ficariam enojadas”, enfim, várias teorias. Mas é de se pensar como teria sido aquela final com Ronaldo inteiro. Ou mesmo Romário ao lado dele. Ou mesmo Romário no banco para poder entrar no lugar do camisa 9. Como não existe máquina do tempo, o placar foi aquele mesmo. Para um time tão acostumado a vencer, um revés inesperado, ainda mais em final de Copa, não dava para engolir…

Após a Copa, Zagallo deixou o comando técnico do Brasil com um retrospecto impressionante: ele perdeu apenas seis dos 72 jogos como técnico da Seleção entre 1995 e 1998. Foram 53 vitórias e 13 empates. A seleção marcou 174 gols (média de 2,42 gols por jogo) e sofreu 58 (média inferior a um gol por partida), e ainda venceu a Copa das Confederações, a Copa América e ficou com o vice da Copa do Mundo.

 

Os últimos louros e o fim

Em julho de 1998, a CBF decretou o fim da “Era Zagallo” na seleção com a demissão de toda a comissão técnica. Com isso, o Velho Lobo decidiu voltar ao comando de clubes e assumiu a Portuguesa-SP, em 1999, e se transformou em uma verdadeira estrela da Lusa, sendo homenageado em praticamente todos os jogos que fez pelo Campeonato Paulista daquele ano. Sua passagem não rendeu títulos e ele deixou a equipe paulista no final daquele ano. Só em outubro de 2000 que o Velho Lobo voltou ao futebol para dirigir o Flamengo. Empolgado, ele recebeu o convite dizendo: “Fiquei um ano esperando acontecer alguma coisa boa e o Flamengo caiu do céu. Retornar é uma glória.”

E a glória veio em 2001, quando Zagallo comandou o Flamengo na histórica conquista do tricampeonato carioca, após vitória por 3 a 1 sobre o Vasco em uma das decisões mais emocionantes da história do torneio, com um golaço de falta de Petkovic aos 43’ do segundo tempo. Naquela final, Zagallo vestia uma camisa personalizada do Flamengo com o número 13, mas teve que usar um colete amarelo para não causar confusão com a dos jogadores. Mas, para o Velho Lobo, não era problema. Afinal, uma amarelinha sempre lhe caía bem… Muito emocionado, o técnico chorou bastante após mais um título na carreira e quase passou mal. Aos 69 anos, o Velho Lobo voltava a escrever seu nome na história. Fora campeão como jogador lá nos anos 1950 pelo próprio Flamengo. E era como treinador também. Após respirar e se acalmar, ele falou:

 

“Os jogadores se entregaram dentro de campo. Procuraram até o final e foi merecido porque eles tiveram uma semana complicada e superaram isso tudo. É um tri gostoso demais! […] O Vasco valorizou, mas a gente mostrou quem é que manda. O Preto e vermelho é que manda aqui!”

 

Ainda em 2001, Zagallo venceu também a Copa dos Campeões (em duas finais cheias de gols contra o São Paulo, com triunfo rubro-negro por 5 a 3 no primeiro duelo e derrota por 3 a 2 no segundo, totalizando 7 a 6 no agregado!) e classificou o time para a Copa Libertadores de 2002. No entanto, por conta de resultados ruins no Brasileirão, ele pediu demissão em novembro de 2001 e anunciou o fim de sua carreira como treinador. Tempo depois, voltou a assumir o cargo de coordenador técnico do Brasil e levou seu pé-quente à Amarelinha com as conquistas da Copa América de 2004 e da Copa das Confederações de 2005, ambas contra a Argentina. Na emblemática final de 2004, Zagallo salientou de novo o número 13, dizendo que “‘Brasil campeão’ tem 13 letras e ‘Argentina vice’ também tem 13 letras”.

A trajetória de Zagallo na seleção terminou em definitivo no ano de 2006, após o revés nas quartas de final da Copa do Mundo diante da França, outra vez algoz do Velho Lobo. Após o Mundial e o adeus ao mundo do futebol, Zagallo sofreu de depressão durante alguns meses por estar ausente do esporte pela primeira vez na vida após mais de meio século. Depois de superar a crise, ele jamais foi esquecido e virou figura ilustre nos mais diversos eventos esportivos, convidado em entrevistas e vencedor de diversas honrarias.

 

Imortal inigualável

Foto: AFP.

 

A carreira de Zagallo é uma das histórias mais bonitas do futebol. E inigualável. Consegue imaginar uma pessoa com quatro Copas no currículo? Pois é, só ele. E será apenas ele por décadas, talvez séculos. Duas como jogador, uma como técnico e outra como coordenador. Algo simplesmente impressionante. Gérson, o eterno “Canhotinha de Ouro”, sempre disse que a CBF deveria construir uma estátua de Zagallo em sua sede, para que todos que ali entrassem tivessem que ver a figura do Velho Lobo e sua representatividade. Nada mais justo a um homem predestinado, nascido para servir a seleção brasileira. Servir o futebol. Um legítimo imortal.

Foto: Lucas Figueiredo / CBF.

 

Números de destaque:

– Comandou a Seleção Brasileira 139 vezes (maior marca da história, sendo 126 oficiais e 13 não-oficiais), com 100 vitórias, 29 empates e 10 derrotas;

– Nos sete torneios oficiais de Zagallo no comando do Brasil (Copas de 1970, 1974 e 1998; Copa América de 1995 e de 1997; Copa Ouro de 1995 e Copa das Confederações de 1997), ele acumulou incríveis 79,1% de aproveitamento. Foram 41 jogos, 30 vitórias, seis empates e apenas cinco derrotas. Se contarmos apenas jogos oficiais, o aproveitamento sobe para 80,3%.

 

Leia mais sobre a carreira de Zagallo como jogador clicando aqui!

 

Licença Creative Commons
O trabalho Imortais do Futebol – textos do blog de Imortais do Futebol foi licenciado com uma Licença Creative Commons – Atribuição – NãoComercial – SemDerivados 3.0 Não Adaptada.
Com base no trabalho disponível em imortaisdofutebol.com.
Podem estar disponíveis autorizações adicionais ao âmbito desta licença.

Comentários encerrados

4 Comentários

  1. Muito bom. Zagallo merece. Por favor, eu gostaria que o próximo técnico que você colocasse aqui nessa categoria do blog fosse ou o Vicente dele Bosque ou o Arsene Wenger.

  2. Zagallo ícone talento puro que DEUS deu a ele. O próximo técnico que eu queria que você escrevesse era o Vicente del Bosque, ele já se aposentou a um bom tempo e ele merece um texto. Outros que merecem são o o Joachim Low que se despediu da seleção alemã e não deseja mais ser treinador, nem de clube. o Ottmar Hitzfeld, o Jupp Heynches que tambem se aposentou, e também o Carlos Alberto Parreira. Forte Abraço

Craque Imortal – Zagallo

Craque Imortal – Franz Beckenbauer