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Esquadrão Imortal – Stade de Reims 1949-1960

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Grandes feitos: Tetracampeão do Campeonato Francês (1952-1953, 1954-1955, 1957-1958 e 1959-1960), Bicampeão da Copa da França (1949-1950 e 1957-1958), Tetracampeão da Supercopa da França (1949, 1955, 1958 e 1960), Campeão da Copa Latina (1953) e Duas vezes Vice-campeão da Liga dos Campeões da UEFA (1955-1956 e 1958-1959).

Time-base: René Jacquet (Dominique Colonna / Paul Sinibaldi); Simon Zimny (Bruno Rodzik), Robert Jonquet e Raoul Giraudo (Roger Marche); Michel Leblond (Raymond Cicci) e Robert Siatka (Armand Penverne); Michel Hidalgo (Robert Lamartine), Léon Glowacki (Roger Piantoni), Raymond Kopa (Just Fontaine), René Bliard (Bram Appel) e Jean Templin (Francis Méano / Jean Vincent). Técnicos: Henri Roessler (1949-1950) e Albert Batteux (1950-1960).

 

“Le football champagne”

Por Guilherme Diniz

A cidade de Reims, na França, é conhecida no mundo inteiro por fazer parte da província de Champagne, local onde são produzidos os melhores, mais nobres e legítimos vinhos espumantes que levam o famoso nome da região. E foi por lá, também, que um time vestido de vermelho e branco conseguiu render vários e vários “tim-tims” entre torcedores e simpatizantes com um futebol competitivo, revolucionário, elegante e, acima de tudo, vitorioso: o Stade de Reims. Durante uma década, os rouges e blancs venceram quase todos os títulos que disputaram e foram a base para a formação da primeira grande Seleção Francesa da história, aquela que alcançou o terceiro lugar na Copa do Mundo de 1958 e que teve o maior artilheiro em uma só edição de um Mundial: Just Fontaine, com 13 gols em apenas seis jogos.

Além dele, o esquadrão comandado por Albert Batteux teve Robert Jonquet, Armand Penverne, Raymond Kopa, Roger Piantoni e Jean Vincent, quase todos do Stade de Reims (a exceção era Kopa, do Real Madrid-ESP, mas que havia atuado no clube francês). Além de ser matéria-prima para a França e encantar plateias, o Stade foi o primeiro grande clube de seu país a brilhar em solo europeu e disputar duas finais da Liga dos Campeões da UEFA, criada exatamente naquela década de 50. Tristemente para os brilhantes franceses, o grande Real Madrid de Di Stéfano saiu vitorioso nas duas finais, mas nem por isso aquele time deixou de ser notável e digno de imortalidade. É hora de relembrar.

 

Indícios de prosperidade

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O time de 1949-1950 – Em pé: André Jacowski, Armand Penverne, Paul Sinibaldi, Robert Jonquet, Pierre Bini e Roger Marche. Agachados: Albert Batteux, Pierre Flamion, Bram Appel, André Petitfils e Francis Méano.

 

Fundado em 1911, o Stade de Reims ainda era um clube pequenino do futebol francês quando conseguiu disputar pela primeira vez a elite do campeonato nacional na temporada 1945-1946, o primeiro após a II Guerra Mundial. Naquela mesma época, foram incorporados ao elenco os jovens Robert Jonquet, das categorias de base, e Roger Marche, promessa do Olympique de Charleville. A dupla seria fundamental para os capítulos fantásticos que seriam escritos muito em breve pelas bandas de Reims, a começar pelo título inédito do Campeonato Francês da temporada 1948-1949, quando uma mescla de juventude e experiência fez o clube vencer 22 dos 34 jogos disputados e manter uma diferença de apenas um ponto para o vice-campeão, o Lille. Os destaques do time foram Pierre Bini e Pierre Flamion, goleadores com 22 e 16 gols, respectivamente, o defensor Armand Penverne e o meio-campista Albert Batteux, este um ídolo do clube que encerraria a carreira de jogador já em 1950.

Embalados pela taça, os rouges brilharam também na Copa da França da temporada seguinte, quando eliminaram o Saint-Gaudens (7 a 0), Cannes (5 a 2), Sedan-Torcy (2 a 0) e Troyes (6 a 2) até chegar à final contra o Racing Paris. Em Colombes, diante de mais de 61 mil pessoas, o Stade de Reims venceu por 2 a 0, com gols de Méano e Petitifils, e faturou mais uma taça inédita para sua história. Após levantar o título, o capitão Batteux decidiu se aposentar com chave de ouro para iniciar uma carreira de técnico exatamente no clube de seu coração, em substituição a Henri Roessler, que já tinha dado ao time uma faceta bastante competitiva. Mas, com experiência própria de campo, Batteux iria revolucionar em pouquíssimo tempo – e para sempre – não só o Stade, mas também todo o futebol francês.

 

La révolution champagne

Batteux (à direita, com a taça da Copa da França de 1950): ex-jogador se transformaria no maior técnico da história do clube.
Batteux (à direita, segurando a taça da Copa da França de 1950): ex-jogador se transformaria no maior técnico da história do clube.

 

Com profundo conhecimento sobre futebol e admirador das diversas técnicas do esporte em diferentes países, Batteux teve carta branca da diretoria para trabalhar da maneira que quisesse. E ele não pestanejou ao pôr em prática uma metodologia única de trabalho e fazer com que seus jogadores não treinassem apenas o básico, mas também se esforçassem em treinos exóticos para que eles pudessem surpreender os rivais com inteligência e fator surpresa. Batteux ordenou que seus goleiros sempre recolocassem a bola em jogo nos pés de seus defensores, sem nunca recorrer aos chutões sem rumo para frente. O intuito era sair da defesa trocando passes até chegar ao ataque em boas condições de gol.

Sem a bola, o time deveria sempre tentar o desarme sem faltas, algo que exigiu bastante raciocínio e astúcia para o descobrimento de técnicas que não fossem os carrinhos ou empurrões. Outra arma muito usada era a cobrança de escanteio, que deveria ser em tiros curtos ao invés de chutes longos em direção à área, a fim de explorar a técnica, a velocidade e os dribles dos jogadores talentosos que o elenco tinha (e que teria ainda mais com o passar do tempo).

 

Quando o assunto era a parte física e preparatória, Batteux também revolucionou ao promover treinos com os jogadores divididos em equipes de três contra três em quadras de basquete, como num futsal improvisado, para que eles conseguissem escapar de marcações cerradas e situações complexas de jogo, além de forçar um melhor domínio de bola, rapidez no raciocínio e, claro, aperfeiçoamento dos dribles. Todo esse trabalho foi colocado em prática nas duas primeiras temporadas do treinador no clube francês e os títulos não vieram de bate-pronto, afinal, o elenco estava sendo preparado para um resultado de curto prazo, não instantâneo. No campeonato nacional de 1950-1951, o Stade de Reims terminou na 5ª colocação, mas fez ótimas partidas e teve Bram Appel como um dos artilheiros da competição com 20 gols, além de ter vencido o campeão Nice, fora de casa, por 2 a 1.

Na temporada seguinte, o time ficou na 4ª posição e aplicou várias goleadas, incluindo um 6 a 1 no Bordeaux e um histórico 8 a 1 no Olympique de Marselha. Crescendo cada vez mais, os atletas do Stade de Reims começavam a chamar a atenção pelo belo e inteligente futebol apresentado, que tinha um plástico toque de bola e grandes ações de ataque como principais armas. Era o “football champagne”, como ficaria conhecido o estilo de jogo praticado pelo clube do norte da França, que iria alcançar o apogeu graças a um pequeno e brilhante reforço.

 

O início de uma era

Raymond Kopa: maior jogador francês dos anos 50 mudou para sempre a história do Reims.
Raymond Kopa: maior jogador francês dos anos 50 mudou para sempre a história do Reims.

 

Na temporada 1952-1953, o técnico Batteux mexeu algumas peças em seu time para que um francesinho com descendência polonesa pudesse mostrar, enfim, a que vinha: Raymond Kopaszewski, mais conhecido como Raymond Kopa. Habilidoso, rápido e um driblador irresistível, o jovem craque ainda não tinha um espaço cativo no time até Batteux deslocar o holandês Bram Appel para o lado direito e colocar Kopa mais centralizado. Foi graças a essa mudança que o Stade passou a jogar com mais mobilidade e Kopa a mostrar para o grande público o seu futebol primoroso que desmontava as mais arrumadas defesas e encontrava os companheiros em perfeitas condições de gol. E era o técnico Batteux quem inspirava o atacante, a ponto de blindar o atleta de algumas críticas por seu jeito abusado dizendo: “No dia em que você não driblar mais, não hesitarei em lhe tirar do time!”.

Com 22 vitórias, quatro empates, oito derrotas, 86 gols marcados (melhor ataque) e 36 gols sofridos (melhor defesa), o Stade de Reims foi o grande e indiscutível campeão francês daquela temporada e ainda teve o vice-artilheiro da competição, Bram Appel, com 30 gols. Kopa também brilhou e deixou sua marca 13 vezes. A conquista credenciou o time a disputar a Copa Latina, prestigiado torneio internacional da época, ao lado de Valencia-ESP, Milan-ITA e Sporting-POR. No primeiro duelo, os franceses venceram o Valencia por 2 a 1 e conseguiram a vaga na final.

Nela, o duelo contra o poderoso Milan de Gunnar Gren, Gunnar Nordahl e Nils Liedholm, o famoso trio Gre-No-Li, sugeria um duelo disputado, mas os comandados de Batteux fizeram da partida um jogo de um time só. Com muita qualidade e imenso talento, o Stade goleou por 3 a 0, com dois gols de Kopa e um de Méano, e venceu mais um título inédito não só para o clube, mas também para o futebol francês. Enfim, o football champagne debutava na Europa. E conseguia a fama que tanto merecia.

A base do time de 1953: Kopa, Appel e Méano eram as grandes armas ofensivas de um esquadrão que tinha muita segurança defensiva com Jonquet e Marge.
A base do time de 1953: Kopa, Appel e Méano eram as grandes armas ofensivas de um esquadrão que tinha muita segurança defensiva com Jonquet mais avançado e Marche na zaga.

 

Bicampeonato e o primeiro encontro com os merengues

Na temporada 1953-1954, o Stade de Reims virou o time a ser batido na França e despertou a cobiça de todos os rivais pelas façanhas da era anterior. Com isso, o campeonato nacional ficou mais difícil e o Lille acabou com o título, com um ponto a frente dos rouges de Champagne. Bram Appel foi mais uma vez o artilheiro do time com 23 gols e mostrou enorme entrosamento com Kopa, sublime do ataque do Reims. Na temporada seguinte, a equipe retomou a coroa na França com quatro pontos de vantagem sobre o vice-campeão, o Toulouse, com 44 pontos, 19 vitórias, seis empates, nove derrotas, 78 gols marcados (melhor ataque) e 53 gols sofridos. O atacante René Bliard superou a ausência de Appel, que deixou o clube em 1954, e se tornou o artilheiro da competição e do Reims com 30 gols marcados.

Stade de Reims 1952-1953

Em junho de 1955, os franceses voltaram a disputar a Copa Latina como campeões nacionais e detentores do título da competição (em 1954 não houve disputa) e bateram o Milan-ITA por 3 a 2 na semifinal. Na decisão, o rival foi o Real Madrid-ESP, que começava a montar o seu melhor time de todos os tempos com jogadores como Miguel Muñóz, Zárraga, Rial, Gento e Di Stéfano. Mesmo jogando no estádio Parque dos Príncipes, em Paris, o Stade de Reims não conseguiu superar a qualidade dos espanhóis e perdeu por 2 a 0, numa prévia do que viria a ser a “pedra na chuteira” dos franceses nos anos seguintes.

 

A honra do pioneirismo

O time de 1956. Em pé: Siatka, Penverne, Jonquet, Jacquet, Cicci e Giraudo. Agachados: Templin, Glovacki, Kopa, Leblond e Bliard.

 

 

Foi a partir de 1955 que o técnico Batteux passou a dividir seus compromissos laborais entre o Reims e a Seleção da França, pela qual ele também iria pôr em prática os métodos inovadores de seu clube para montar uma equipe forte e que iria conseguir a classificação para a Copa do Mundo da Suécia, em 1958. Antes disso, Batteux teve a honra de conduzir o Reims na primeira edição da Copa Europeia (a atual Liga dos Campeões da UEFA), criada em 1955 e que se transformaria no maior torneio de clubes do planeta. Com um time experiente e acostumado a grandes desafios, Batteux não almejava outra coisa que não fosse o título da competição.

E foi para isso que ele trabalhou desde o início, quando os franceses enfrentaram o AGF Aarhus, da Dinamarca, e venceram o duelo de ida, em Copenhagen, por 2 a 0, com dois gols de Glovacki. Na volta, o empate em 2 a 2 classificou o Reims para as quartas de final, na qual enfrentou o Vörös Lobogó-HUN e venceu a partida de ida por 4 a 2, com dois gols de Leblond, um de Glovacki e outro de Bliard. Na volta, em Budapeste, um empate alucinante em 4 a 4 (dois gols de Bliard, um de Glovacki e outro de Templin) selou a classificação francesa.

Na semifinal, o Hibernian-ESC não foi páreo para os franceses, que venceram os dois jogos (2 a 0, na França, e 1 a 0, na Escócia) e foram para a final, que seria disputada no Parque dos Príncipes, em Paris, e contra o Real Madrid-ESP, mesmo adversário da final da Copa Latina no ano anterior. Era a chance de vingar o revés e se tornar o primeiro campeão continental da história.

 

Vice doloroso e volta por cima

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As quase 40 mil pessoas que lotaram o estádio parisiense naquele dia 13 de junho de 1956 tiveram a impressão de que o Stade de Reims venceria facilmente a taça europeia quando, em apenas 10 minutos, a equipe marcou dois gols nos espanhóis, com Leblond e Templin. Mas o Real Madrid mostrou força e chegou ao empate antes da primeira meia hora de jogo, com Di Stéfano e Rial. No segundo tempo, Hidalgo voltou a colocar o Reims em vantagem, mas Marquitos e o mesmo Rial viraram o jogo e deram o título ao time de Madrid. A primeira final da competição fez jus a importância do torneio com um futebol de altíssimo nível, muita disputa, emoção e muitos gols, características que seriam partes integrantes de praticamente todas as finais de Liga nos anos seguintes.

Além de perder a taça, o Reims viu logo após o duelo o próprio Real Madrid lhe tirar sua principal estrela, Raymond Kopa, que encantou o presidente Santiago Bernabéu e fez o time madrileno desembolsar cerca de 520 mil francos por seu futebol na época. Mas o Reims não ficou enfraquecido sem seu líder do ataque. O dinheiro da transferência foi utilizado pelo presidente Henri Germain para a aquisição de três novos jogadores – todos atacantes: Roger Piantoni, Jean Vincent e um marroquino de nascimento, mas naturalizado francês, chamado Just Fontaine, que colecionava gols e mais gols pelo Nice e espantava a todos com seu talento natural para colocar a bola na rede.

Em pé: Batteux (técnico), Cicci, Zimny, Jonquet, Leblond, Jacquet, Siarka, Giraudo, Penverne. Agachados: Michel Hidalgo, Glovacki, Raymond Kopa, Bliard, Templin e Paul Sinibaldi.

 

Em 1956, Kopa estava gastando a bola, mas o Reims deu azar e não conseguiu superar o forte time do Real Madrid.
Em 1956, Kopa estava gastando a bola, mas o Reims deu azar e não conseguiu superar o forte time do Real Madrid.

 

Com essa nova leva de atletas ofensivos, o Reims manteve sua faceta competitiva e goleadora e não perdeu a fama de melhor time francês da época. Após uma temporada de ressaca, a equipe voltou com tudo em 1957-1958 para conquistar uma inédita dobradinha com os títulos da Copa da França e do Campeonato Francês. Na Copa, a equipe despachou o Lyon (2 a 0), o Roubaix-Tourcoing (7 a 4) e o Lens (2 a 1) antes da final, vencida sobre o Nîmes Olympique por 3 a 1, com dois gols de Bliard e um de Fontaine. No campeonato, a equipe sobrou e terminou com sete pontos de vantagem sobre o mesmo Nîmes Olympique ao vencer 22 jogos, empatar quatro, perder oito, marcar 89 gols (melhor ataque) e sofrer 42 em 34 jogos. Just Fontaine confirmou a fama de goleador e foi o artilheiro da competição e do time com incríveis 34 gols em 26 jogos, recorde histórico do clube no torneio. Além dele, Roger Piantoni, com 17 gols, e René Bliard, com 15, também se destacaram entre os artilheiros.

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Batteux (com a bola) e Fontaine (atrás dele): líderes de uma nova retomada gloriosa do Reims pós-1956.

 

Durante a campanha de mais um título, o Reims perdeu apenas um jogo em casa e aplicou sua maior goleada como visitante na história: 6 a 0 no Valenciennes. Com a terceira taça nacional em seis campeonatos disputados, o time de Champagne se credenciava como um grande clube do país e tinha uma nova chance de disputar a Liga dos Campeões na temporada 1958-1959. Mas, antes do torneio continental, vários atletas teriam um sério compromisso: a Copa do Mundo de 1958.

 

France champagne

A França de 1958 - Em pé: Kaebel, Penverne, Jonquet, Marcel, Remetter e André Leront. Agachados: Wisnieski, Fontaine, Kopa, Piantoni e Vincent.
A França de 1958 – Em pé: Kaebel, Penverne, Jonquet, Marcel, Remetter e André Leront. Agachados: Wisnieski, Fontaine, Kopa, Piantoni e Vincent.

 

Na Copa de 1954, o Stade de Reims contribuiu com seis jogadores para a Seleção Francesa que fez uma modesta participação no torneio da Suíça e caiu já na primeira fase. Mas, em 1958, na Suécia, os Bleus fizeram história e foram a prova mais nítida da importância do Reims para o futebol do país na época. Além do treinador francês, Batteux, que era o mesmo do clube de Champagne, outros oito jogadores eram ou haviam passado pelo clube: Colonna, Jonquet, Penverne, Fontaine, Piantoni e Vincent eram do Reims, e Marche e Kopa haviam passado pelo time anteriormente. Desses oito, seis eram titulares absolutos e foram fundamentais para conduzir a França até o terceiro lugar na competição e ao melhor ataque da Copa com 23 gols marcados em apenas seis jogos, uma média de quase quatro gols por partida.

O maior assombro do time em solo sueco foi Just Fontaine, que anotou absurdos 13 gols em seis jogos e se tornou o maior artilheiro em uma só edição de Mundial – algo jamais superado até hoje (e que, convenhamos, dificilmente será batido). A França passou em primeiro lugar na primeira fase após vencer Paraguai (7 a 3) e Escócia (2 a 1) e perder para a Iugoslávia (3 a 2). Na segunda fase, vitória por 4 a 0 sobre a Irlanda do Norte e derrota nas semifinais para o sublime Brasil de Pelé e Garrincha por 5 a 2. Na disputa pelo terceiro lugar, goleada sobre a Alemanha por 6 a 3, resultado que encheu de orgulho o torcedor francês e manteve aquela seleção como a melhor da história do país até as gerações de Platini, nos anos 80, e Zidane, no final dos anos 90. E tudo graças ao Stade de Reims!

 

Nova caminhada europeia. E velha derrota

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De volta ao Reims, o técnico Batteux comandou mais uma vez seu time em busca do título da Liga dos Campeões. Na primeira fase, a equipe passou facilmente pelo Ards, da Irlanda do Norte, com um 10 a 3 no placar agregado (com seis desses gols marcados por Fontaine, quatro no primeiro jogo e dois no segundo). Nas oitavas, o HPS Helsinki-FIN levou 4 a 0 na ida, em Reims, e perdeu de 3 a 0 na volta. Nas quartas, duelo equilibrado contra o Standard Liège-BEL, que venceu a ida por 2 a 0, na Bélgica, mas foi derrotado pelos franceses por 3 a 0 na volta, com dois gols de Fontaine e um de Piantoni. Na semifinal, o Young Boys-SUI até venceu por 1 a 0 a partida de ida, em casa, mas os comandados de Batteux fizeram 3 a 0 na volta (dois gols de Piantoni e um de Penverne) e carimbaram o passaporte para a final, em Stuttgart (ALE), contra um velho conhecido: o Real Madrid.

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Na decisão, vista por mais de 70 mil pessoas no Neckerstadion, o Reims esperava que seu artilheiro, Fontaine, mantivesse a sina goleadora e superasse os 10 gols que já tinha no torneio. Mas o Real estava ainda mais forte com o zagueiro Santamaría, os já conhecidos Di Stéfano e Rial, e ainda Raymond Kopa, ídolo que agora vestia o manto branco de Madrid. Irresistível, o Real fez 2 a 0 e conquistou sua quarta taça seguida da Liga. Já o Reims amargou o segundo vice-campeonato. De fato, aquele esquadrão havia escolhido uma época errada para tentar um caneco europeu…

Em 1959, o Reims apelou para Fontaine e quase toda a linha de frente da França de 1958. E, mesmo assim, não deu para levar a Liga...
Em 1959, o Reims apelou para Fontaine e quase toda a linha de frente da França de 1958. E, mesmo assim, não deu para levar a Liga…

 

Últimos lampejos e o fim

Após mais uma temporada de ressaca, o Reims conquistou outro campeonato nacional em 1959-1960 com uma nova campanha incontestável: 26 vitórias, oito empates, quatro derrotas, 109 gols marcados e 46 gols sofridos em 34 jogos. Just Fontaine foi mais uma vez o artilheiro da competição com 28 gols e teve pontuais colaborações de Piantoni, que marcou 18 vezes. O troféu levou a equipe para mais uma Liga dos Campeões, mas o time caiu já nas oitavas de final diante do Burnley, da Inglaterra, após derrota por 4 a 3 no placar agregado. Era um sinal de que o time que tanto encantou a França durante uma década estava prestes a encerrar um ciclo. Na temporada 1961-1962, o clube venceu o último campeonato nacional sob o comando do técnico Batteux, que deixou a equipe tempo depois. Depois do título, o clube caiu no ostracismo e nunca mais voltou a ser o que era.

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Sem novos ídolos nem novas taças, a torcida do Reims permanece recordando as memórias de um time que fez seu povo aprender a admirar não só um bom vinho espumante, mas também uma elegante partida de futebol, com toques artísticos de ídolos como Kopa e Fontaine e gols originados das mais belas jogadas.  A França teve vários outros grandes times nos anos seguintes, claro, mas nenhum tão histórico e com tantos grandes craques como aquele Stade de Reims. Um esquadrão imortal.

 

Os personagens:

René Jacquet: iniciou a carreira no Bordeaux, mas viveu seu auge vestindo as cores do Reims, de 1955 até 1961. Era muito baixinho para a posição (tinha apenas 1,69m!), mas compensava a falta de altura com muita velocidade e boa colocação.

Dominique Colonna: foi um dos principais goleiros da França nos anos 50 e início dos anos 60 e disputou vários jogos pelo Reims entre 1957 e 1963. Esteve presente em algumas partidas da Seleção Francesa e no grupo que disputou a Copa de 1958. Também não era alto para a posição (tinha 1,72m), mas sabia se posicionar muito bem, além de sempre cumprir com as exigências do técnico Batteux em repor a bola nos pés do defensor mais próximo.

Paul Sinibaldi: jogou quase uma década no Reims e viveu os melhores momentos da era de ouro do clube. Disputou mais de 230 jogos da Ligue 1 pelo clube e foi ídolo da torcida com grandes defesas e ótimas saídas de bola. Embora tenha se destacado pelo Reims, nunca teve chances na seleção.

Simon Zimny: defensor que não brincava em serviço, vestiu a camisa do Reims por quase dez anos e foi soberano na lateral-direita do time nas conquistas dos títulos nacionais de 1953 e 1955.

Bruno Rodzik: chegou ao clube em 1957 para assumer o lugar que for a de Zimny e o fez com maestria até 1964. Bom na marcação e nos passes, Rodzik fez ótimas partidas e conseguiu mais de 20 convocações para a seleção francesa. Disputou 197 jogos pelo clube no campeonato nacional.

Robert Jonquet: cria das bases do clube de Champagne, o defensor Jonquet foi um dos mais completos zagueiros de sua época e também um dos maiores jogadores da história do futebol francês. Dono de uma notável visão de jogo, líder e muito técnico, Jonquet incorporou como ninguém a elegância do “football champagne” e jogou de 1945 até 1960 no Reims, vencendo quase todos os títulos possíveis. Disputou mais de 500 jogos pelo clube e esteve presente em 58 partidas da seleção francesa. Uma lenda eterna do Stade de Reims.

Raoul Giraudo: foram dez anos de Reims e grandes partidas no setor esquerdo da defesa no time do técnico Batteux. Disputou 102 jogos de campeonato nacional pela equipe, mas teve a decepção de jamais ser convocado para a seleção.

Roger Marche: outra lenda do futebol francês, Roger Marche marcou época como um dos grandes zagueiros de seu tempo ao atuar tanto no miolo de zaga quanto na ala esquerda. Líder nato, Marche foi capitão do Reims e também da seleção francesa, pela qual disputou 63 partidas, sendo 42 como capitão. Pelo Reims, jogou de 1944 até 1954 e disputou mais de 300 jogos pelo clube.

Michel Leblond: foi um dos principais meio-campistas do clube entre 1949 e 1961, atuando em mais de 270 jogos sempre com muita força na marcação, ótimo senso de posicionamento e muita inteligência. Conquistou quatro títulos nacionais e uma copa nacional com o Reims.

Raymond Cicci: outro bom volante da equipe de Batteux, jogou de 1951 até 1957 no Reims. Vestiu a camisa do clube em mais de 180 jogos. Não costumava ajudar o ataque, se restringindo mais à proteção da zaga.

Robert Siatka: na juventude, foi jogador do Olympique Alès, mas já em 1953 foi contratado pelo Reims para ser um dos principais jogadores do técnico Batteux, que sempre escalava o jogador no setor esquerdo do meio de campo. Siatka vestiu a camisa rouge 259 vezes no campeonato nacional, mas não teve oportunidade na seleção.

Armand Penverne: polivalente do elenco entre 1947 e 1959, Penverne podia atuar como lateral-esquerdo, zagueiro ou volante e ainda encontrava espaços nas defesas para marcar gols. Foram mais de 330 jogos pelo clube e cerca de 30 gols marcados. Pela seleção, disputou 39 jogos e marcou dois gols.

Michel Hidalgo: jogou pouco no clube, de 1954 até 1957, mas o suficiente para participar de grandes glórias da equipe e ainda marcar 23 gols em 66 jogos do Campeonato Francês. Hidalgo atuava como meia, ora mais centralizado, ora aberto pela direita. Após se aposentar, virou um técnico de sucesso e comandou a sublime seleção francesa campeã da Europa, em 1984, e 4ª colocada na Copa de 1982.

Robert Lamartine: o baixinho começou a carreira no próprio Reims, em 1955, e ficou até 1959 atuando como meia ofensivo em diversas partidas. Não chegou a brilhar como os companheiros, mas cumpriu seu papel.

Léon Glowacki: chegou ao Reims em 1952 para ajudar a transformar o ataque do time de Champagne no melhor do país. Veloz e muito inteligente, fez várias tabelinhas com Kopa e ajudou o Reims a vencer o que venceu naquele período. Disputou 192 jogos de campeonato nacional pelo clube e marcou 65 gols.

Roger Piantoni: notável goleador, Piantoni foi um dos principais atacantes da França no final dos anos 50 e início dos anos 60 e formou, ao lado de Fontaine e Bliard, o segundo grande ataque do Reims após a “era Kopa”. Em 161 jogos do Campeonato Francês, marcou 106 gols, sempre com velocidade, talento e exímia pontaria. Fez fama, também, com a camisa da seleção, pela qual marcou 18 gols em 37 jogos.

Raymond Kopa: conhecido como o “Napoleão do futebol”, pela liderança e baixa estatura, Kopa foi um dos mais brilhantes jogadores de todos os tempos e o maior craque da França nos anos 50. Corajoso, sem medo dos zagueiros brucutus e bem maiores do que ele e capaz de dribles e jogadas fantásticas, o baixinho cativou uma legião de fãs e se tornou o principal ídolo do Reims naquela era de ouro. Com seus gols e passes, o time deixou de ser um clube pequeno para virar uma potência do país. Disputou mais de 340 jogos do campeonato nacional pelo Reims e marcou 75 gols, além de ter vencido vários prêmios individuais na época, incluindo um Ballon d´Or, em 1958. Pela seleção, disputou 45 jogos e marcou 18 gols. Após sua primeira passagem, entre 1951 e 1956, fez questão de encerrar a carreira no clube tempo depois. Foi gênio. Leia mais sobre ele clicando aqui.

Just Fontaine: foi uma verdadeira máquina de gols em sua época e escreveu seu nome na história pela façanha na Copa de 1958, quando marcou incríveis 13 gols em seis jogos pela seleção da França. Parável apenas com faltas e muito habilidoso, Fontaine supriu como nunca ausência de Kopa após 1956 para se tornar a referência do time de Batteux e comandar a equipe rumo a mais títulos e grandes vitórias. Em 131 jogos do Campeonato Francês pelo Reims, Justô marcou 122 gols e sempre figurou ou no topo da artilharia do torneio ou entre os cinco primeiros. Pela seleção, marcou 30 gols em apenas 21 jogos. Com médias fantásticas, foi vítima da maldade dos adversários e teve que se aposentar com apenas 28 anos após fraturar a tíbia e o perônio da perna direita. Mesmo assim, ele fez em pouquíssimo tempo o que vários atacantes não fizeram em décadas. Uma lenda. Leia mais sobre ele clicando aqui!

René Bliard: outro notável atacante do Reims nos anos 50, Bliard começou nas categorias de base do clube, em 1949, e só saiu da equipe uma década depois. Tinha enorme qualidade com a bola nos pés e foi um terror para os adversários, ainda mais quando tabelava com Kopa ou Fontaine na entrada da área. Disputou 145 jogos do campeonato nacional pelo clube e marcou 81 gols. Só não foi titular da França na Copa de 1958 por causa de uma contusão. Por isso, o chamado foi Just Fontaine (para sorte da França!).

Bram Appel: o holandês superou várias dificuldades e até uma explosão em uma fábrica onde trabalhava na juventude antes de realizar o sonho de ser jogador de futebol. E, quando conseguiu, se revelou um talentoso atacante, que teve alguns momentos no futebol de seu país e na Alemanha até encontrar no Reims o lugar ideal para escrever seu nome na história. com enorme faro goleador e uma parceria memorável com Kopa, Appel foi o artilheiro do time durante anos e um dos principais de seu tempo. Em 154 jogos do campeonato nacional, Appel marcou 96 gols. Pela seleção holandesa, disputou 12 jogos e marcou 10 gols.

Jean Templin: outro bom atacante do clube entre 1950 e 1956, atuava aberto pela esquerda ou até como um falso meia. Fez grandes partidas ao lado de Kopa e Appel.

Francis Méano: gostava de atuar como ponta e foi assim que conseguiu espaço no time entre 1949 e 1953. Marcou muitos gols decisivos e foi uma das principais arma da equipe de Champagne. Grande promessa do futebol francês na época, Méano chocou a todos quando sofreu um acidente automobilístico que tirou sua vida em junho de 1953, com apenas 22 anos.

Jean Vincent: após vários anos gastando a bola no Lille, Vincent foi contratado pelo Reims, em 1956, para ajudar na formação da nova linha ofensiva do time, que precisava se recompor com a saída de Kopa. E ele ajudou bastante nesse processo com sua velocidade, ótima visão de jogo e, claro, gols. Vincent jogou de 1956 até 1964 na equipe e marcou 92 gols em 320 jogos. Pela seleção, disputou 46 partidas e marcou 22 gols.

Henri Roessler e Albert Batteux (Técnicos): Roessler plantou a semente do time vitorioso que seria o Reims na década de 50, mas não há como não dizer que Batteux foi o principal responsável por colocar o clube de Champagne no mapa da bola. Com inovações táticas, muita sabedoria de campo e amor pelo futebol, o treinador fez história com os títulos que conquistou, pela maneira como os conquistou e pelos craques que ajudou a revelar. Durante anos, ele foi considerado o maior treinador da história do futebol francês, e só “perdeu” a honraria em 1998, quando Aimé Jacquet levantou a Copa do Mundo com a seleção da França. Mesmo assim, para muitos ele ainda reina absoluto, ainda mais quando pegamos o currículo do revolucionário comandante do Reims: 5 campeonatos nacionais, 1 Copa Latina, 4 supercopas da França e uma copa nacional pelo Reims, 4 campeonatos nacionais e 2 copas nacionais pelo Saint-Étienne, além do 3º lugar na Copa de 1958 pela seleção e as duas finais de Liga dos Campeões pelo Reims. Um craque fora das quatro linhas.

 

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