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Craque Imortal – Raúl

Nascimento: 27 de junho de 1977, em Madrid, Espanha.

Posição: Atacante

Clubes: Real Madrid-ESP (1992-2010), Schalke 04-ALE (2010-2012), Al Saad-QAT (2012-2014) e New York Cosmos-EUA (2014-2015).

Principais títulos por clubes: 2 Mundiais Interclubes (1998 e 2002), 3 Ligas dos Campeões da UEFA (1997-1998, 1999-2000 e 2001-2002), 1 Supercopa da UEFA (2002), 6 Campeonatos Espanhóis (1994-1995, 1996-1997, 2000-2001, 2002-2003, 2006-2007 e 2007-2008) e 4 Supercopas da Espanha (1997, 2001, 2003 e 2008) pelo Real Madrid.

1 Copa da Alemanha (2010-2011) e 1 Supercopa da Alemanha (2011) pelo Schalke 04.

1 Liga das Estrelas do Qatar (2012-2013) e 1 Copa Emir (2014) pelo Al Saad.

1 Liga Norte-Americana de Futebol  – Spring Season (2015), 1 Liga Norte-Americana de Futebol (2015) e 1 Soccer Bowl (2015) pelo New York Cosmos.

 

Principais títulos individuais e artilharias:

Prêmio Don Balón de revelação do Campeonato Espanhol: 1995

Melhor Jogador Espanhol de La Liga: 1996-1997, 1998-1999, 1999-2000, 2000-2001 e 2001-2002

Eleito para o Time do Ano da ESM: 1996-1997, 1998-1999 e 1999-2000

Melhor Atacante do Ano da UEFA: 1999-2000, 2000-2001 e 2001-2002. É o único até hoje a vencer o prêmio por três vezes consecutivas

Melhor Jogador do Mundial Interclubes de 1998

Eleito para o Time do Ano da Eurocopa: 2000

2º colocado no Prêmio Ballon d’Or: 2001

3º colocado no prêmio de Melhor Jogador do Mundo da FIFA: 2001

Troféu Pichichi de Artilheiro de La Liga: 1998-1999 (25 gols) e 2000-2001 (24 gols).

Maior Artilheiro do Mundo pela IFFHS: 1999

Artilheiro da Liga dos Campeões da UEFA: 1999-2000 (10 gols) e 2000-2001 (7 gols)

Artilheiro da Copa do Rei: 2001-2002 (6 gols) e 2003-2004 (6 gols)

FIFA 100: 2004

Troféu Alfredo Di Stéfano: 2007-2008

Marca Leyenda: 2009

Troféu Fair Play da Liga das Estrelas do Qatar: 2013

Medalha de Ouro da Ordem ao Mérito Esportivo do Governo Espanhol: 2006

Medalha de Ouro de Madrid, recebida do governo da cidade: 2009

Incluído no Onze Ideal da década pela revista Don Balón: 2010

Medalha de Ouro da Real Federación Española de Fútbol: 2010

Único jogador espanhol da história a ser eleito o Melhor Jogador do Mundial Interclubes: 1998

Jogador que mais vezes vestiu a camisa do Real Madrid na história: 741 jogos

Jogador que mais vezes vestiu a camisa do Real Madrid no Campeonato Espanhol na história: 550 jogos

2º Maior Artilheiro da história do Real Madrid: 323 gols

Jogador de linha com mais jogos na história da Liga dos Campeões da UEFA pelo Real Madrid: 132 jogos

3º Maior Artilheiro da história da Liga dos Campeões da UEFA: 71 gols em 142 jogos

Um dos dois jogadores (o outro é Lionel Messi) a marcar gols em 14 Ligas dos Campeões da UEFA de maneira consecutiva, de 1997 até 2011.

Nunca foi expulso na carreira

Eleito para a Seleção dos Sonhos da Espanha do Imortais: 2020

Eleito para o Time dos Sonhos do Real Madrid do Imortais: 2021

 

“Raúl Madrid”

Por Guilherme Diniz

Na aclamada Liga das Estrelas, recheada de estrangeiros cheios de talento e magia, ele tinha seu lugar cativo. Era daquela terra. Daquela cantera. Quando criança, não queria saber de brinquedos. Queria la pelota. Em Madrid, começou no Atlético, mas, quando foi chamado para integrar o elenco do Real, sua vida mudou. Como mudou a do próprio clube. Eram tempos difíceis. De um jejum de mais de três décadas sem taças no maior xodó dos merengues: a Liga dos Campeões da UEFA. E, com ele em campo, o jejum foi destruído. No mesmo ano, no Japão, ele e seus companheiros enfrentaram um adversário dificílimo vindo do Brasil na final do Mundial Interclubes. Em uma partida disputada e frenética, a magia daquele jovem decidiu o jogo. Ele marcou um gol. Quer dizer, não apenas um gol, uma obra de arte das mais lindas da história do futebol no século XX. Dois anos depois, na primeira final espanhola da Liga dos Campeões, outra vez foi decisivo. Como fora em tantos outros jogos. Ele marcou centenas de gols. Quebrou recordes que poucos acreditaram que seriam quebrados. Foi referência. Foi ídolo. A personificação do torcedor merengue em campo, que se via nele dentro das quatro linhas.

Seu nome virou sinônimo de Real. Uma simbiose completa por quase 20 anos. Para a torcida, ele não foi Raúl González Blanco (sim, ele tinha o “branco” até no nome…). Ele foi Raúl Madrid. Ou simplesmente Raúl, um dos mais talentosos atacantes de seu tempo: rápido, oportunista, habilidoso e preciso, um dos maiores que a Espanha já produziu e um extraordinário goleador. Lenda da ressurreição que viveu o Real no final dos anos 90, Raúl foi, sem dúvida, o principal responsável por despertar o titã merengue ao trono pleno no futebol. Mesmo na era “Galáctica” do clube, Raúl conseguiu ser titular, marcar gols e ter o carinho de um torcedor que via a cada janela de transferência nomes de peso chegarem como Zidane, Ronaldo, Figo, Van Nistelrooy entre outros. Campeão de tudo, Raúl só teve uma decepção na carreira: não levantar um troféu por sua seleção e ter ficado de fora dos títulos da Euro de 2008 e da Copa de 2010. É hora de relembrar a carreira desse grande nome do esporte.

Um novo chico para adorar

 

Caçula de três irmãos, Raúl nasceu em San Cristóbal de los Ángeles, um dos cinco bairros do distrito de Villaverde, em Madrid. Seus pais eram de Medina del Campo, Valladolid, e Pedro González, seu pai, adorava futebol, mais precisamente o Atlético de Madrid. Raúl nunca pediu brinquedos quando criança, apenas bolas, chuteiras e qualquer tipo de calçado para jogar futebol. Seu sonho era se tornar um novo Maradona, seu ídolo de infância. O garoto começou a jogar nos infantis do Club Deportivo San Cristóbal de los Ángeles, em 1988, com apenas 11 anos. Dois anos depois, o Real Madrid demonstrou interesse em seu futebol, mas a prospecção não seguiu adiante devido ao porte franzino do jovem. Magro e pequeno, Raúl precisava ganhar massa muscular, mas era difícil para ele devido ao seu biotipo. Ele se alimentava muito bem, mas não conseguia ganhar massa.

Ainda com 13 anos, acabou indo para o Atlético de Madrid e teve uma temporada fantástica, com 65 gols e o título do campeonato espanhol infantil de maneira invicta. Porém, logo em seguida, o presidente rojiblanco, Jesus Gil, decidiu acabar com as divisões inferiores do clube e Raúl teve que procurar outra camisa para vestir. Pior: foi prometido ao jovem um contrato de 8 mil pesetas por mês, além de pagamento de seus estudos, mas a promessa não virou realidade. Com isso, aos 14 anos e já com a fama do ano anterior, conseguiu, enfim, uma vaga no Real. Ganhou um contrato de 15 mil pesetas por mês. Foi um choque de realidade para o jovem.

 

“Aos 14 anos, fui para o Real. No Atlético, treinava três dias por semana. No Real, às vezes, cinco. No Atlético, íamos a um campo diferente a cada treino. Aqui, temos um centro esportivo. É uma diferença de estrutura enorme.”Raúl, em entrevista ao jornal espanhol ABC, 27 de novembro de 1994.

 

Em La Fabrica, Raúl começou a jogar no Juvenil C, pelo qual marcou 71 gols em 33 jogos, uma impressionante média de 2,15 gols por jogo! Rapidamente, foi promovido para o Juvenil B, e, depois, ao Juvenil A. Em 1993 e 1994, venceu com o Real a Dallas Cup, famosa competição juvenil disputada em Dallas (EUA) por clubes de todo mundo. Com média de gols absurda e crescendo a cada jogo, foi natural que o jovem fosse convocado para a seleção sub-18, e, claro, integrado ao elenco principal do Real Madrid. Nos bastidores do clube, já diziam que Raúl seria o sucessor de Butragueño, notável atacante merengue dos anos 80 e principal estrela do esquadrão conhecido como La Quinta del Buitre (leia mais clicando aqui!). Foi então que, em 29 de outubro de 1994, aconteceu o grande dia: sua estreia pelo Real Madrid, após o técnico Jorge Valdano chamá-lo para o duelo contra o Zaragoza.

 

“Quando disseram que eu ia fazer minha estreia, o Jorge Valdano me disse: ‘só te digo para não desmaiar na frente dos seus companheiros!’. Naquela noite, dormi bem, mas, no dia seguinte, depois de comer, fiquei inquieto, não tirei a siesta nem nada. Passei o tempo todo andando pela habitação. Mas, quando entrei em campo, fiquei tranquilo porque estava rodeado de dez companheiros de uma classe imensa. Sempre havia sonhado em vê-los de perto.”Raúl, em entrevista ao jornal espanhol ABC, 27 de novembro de 1994.

 

Um jovem Raúl em sua estreia pelo Real. Foto: Livro Historia del Real Madrid contada por ABC.

 

O debute de Raúl não foi como ele esperava: o Real perdeu por 3 a 2, mas a torcida percebeu que o jovem de apenas 17 anos tinha muito futuro – ele foi, na época, o mais jovem na história do clube a disputar uma partida entre os profissionais. Dias depois, Raúl provou que as expectativas estavam mais do que certas: no dia 05 de novembro, num clássico contra o Atlético de Madrid, o atacante provocou um pênalti, deu passe para Zamorano e fez um golaço no triunfo de 4 a 2 sobre o rival. Foi um jogo de gala de um jovem que estava disposto a escrever seu nome na história do clube. E acabar de vez com o reinado do Barcelona no futebol espanhol na época. Naquela noite, seu pai, Pedro, viu tudo de perto. E teve que engolir a atuação de gala do filho justamente contra seu clube de coração.

 

Veja abaixo:

 

Pé quente. E esquentando…

Foto: SP/SB.

 

Logo em sua primeira temporada, em 1994-1995, Raúl mostrou ser muito pé quente e levantou sua primeira taça pelo Real: o Campeonato Espanhol, conquistado após quatro temporadas seguidas de títulos do Barcelona. Ele disputou 28 jogos e marcou nove gols, além de ter sido eleito a revelação do torneio tanto pelo jornal Marca como pelo Don Balón. Ele se revezou em jogos pelo Real em La Liga e pelos times juvenis, pelos quais ainda disputou oito partidas naquela temporada e marcou 16 gols. Na temporada seguinte, virou a grande arma do ataque com a saída de Butragueño e fez seu debute na Liga dos Campeões da UEFA em setembro de 1995, contra o campeão da edição anterior, o Ajax, e marcou seus primeiros gols na competição um mês depois, na goleada de 6 a 1 sobre o Ferencvaros-HUN, quando anotou três gols. Isso mesmo! O cartão de visitas do jovem foi um triplete, seu primeiro como profissional. Começaria ali uma história de amor entre ele e a Liga dos Campeões. Ele marcou mais três naquela edição, mas viu seu time cair diante da futura campeã Juventus.

Foto: Who Ate All The Pies.tv

 

Naquela temporada, o Real acabou sem taças, e o modesto sexto lugar em La Liga tirou o clube de qualquer disputa europeia na temporada seguinte, algo que não acontecia desde 1977-1978. Raúl foi o artilheiro do time no campeonato com 19 gols em 40 jogos disputados. No centro das atenções com seu talento, ele já era um ídolo da garotada e a grande esperança do país para a Copa do Mundo de 1998. E logo vieram as primeiras convocações para a seleção espanhola, em 1996, pelas Eliminatórias do Mundial.

Antes, ele participou dos Jogos Olímpicos de Atlanta (EUA), marcou dois gols na vitória sobre a Austrália por 3 a 2, mas nada pôde fazer nas quartas de final, quando a Espanha foi eliminada pela Argentina. Em outubro, Raúl debutou no empate sem gols contra a República Checa, em Praga, e marcou seu primeiro gol com a roja em dezembro, na vitória por 2 a 0 sobre a Iugoslávia, em Valência. Ele foi presença assídua na equipe nacional nas Eliminatórias e atuou em nove jogos, ajudando a Fúria a se classificar para o Mundial da França. Antes, porém, ele teria sérios compromissos pelo seu Real. E novas taças para levantar…

 

O despertar do craque

Na temporada 1996-1997, o Real foi às compras e começou a mudar a sua história. Chegaram o brasileiro Roberto Carlos, os atacantes Suker e Mijatovic, o goleiro Illgner, o lateral Panucci e o meio-campista Seedorf, além do técnico Fabio Capello, já famoso no continente após seu trabalho no Milan. Com eles e os outros craques já presentes no time como Redondo e Hierro, o Real virou um timaço. E, com Raúl, poderia almejar qualquer título que quisesse. No Campeonato Espanhol, o jovem marcou 21 gols, disputou todos os jogos do clube e foi um dos artilheiros do time na competição, atrás apenas de Suker, com 24.

Com um ataque devastador, o Real foi campeão espanhol com dois pontos à frente do rival Barça, que, mesmo com Ronaldo voando, não conseguiu reverter a vantagem madrilena. Entre os grandes jogos de Raúl, destaque para mais um dérbi contra o Atlético, quando ele marcou dois gols e deu duas assistências na vitória de virada por 4 a 1 em pleno Vicente Calderón. Raúl adorava mesmo judiar do clube rojiblanco! Além do título, o camisa 7 levou vários prêmios individuais, incluindo o de melhor jogador espanhol da temporada em La Liga.

O troféu nacional deu ao Real uma vaga na Liga dos Campeões da UEFA de 1997-1998. Para aquela temporada, o clube trouxe outro reforço: Morientes, atacante espanhol que faria uma das mais célebres duplas de ataque da história do Real Madrid ao lado de Raúl. O dueto seria afinadíssimo nas temporadas seguintes e mostraria uma sintonia perfeita. Morientes abria espaços, fazia tabelas e deixava Raúl na cara do gol. E o próprio Raúl também ajudava o companheiro a marcar os seus. Antes de disputar a Liga dos Campeões, Raúl conduziu o Real ao título da Supercopa da Espanha de 1997 dando show. Ele marcou três gols nos dois jogos contra o Barcelona e foi fundamental para o caneco. No primeiro duelo, foi dele o tento salvador na derrota por 2 a 1. E, na volta, ele anotou dois na goleada merengue por 4 a 1, título que iniciou com o pé direito a trajetória de Jupp Heynches no comando do Real após a saída de Capello.

Na trajetória europeia, Raúl marcou dois gols nos primeiros jogos do Real, contra Rosenborg-NOR e Porto-POR… E foi só. Ele sofreu com dores musculares que vinham lhe acometendo desde a temporada passada e não conseguiu igualar a quantidade de partidas de outrora. O atacante ficou um mês sem jogar por recomendação médica, e, no período, a ferrenha imprensa madrilena começou a criticá-lo por causa de suas saídas noturnas. Ele acabou pedindo desculpas por seu direito de “amadurecer como pessoa” e negou qualquer envolvimento com álcool ou drogas. Com apenas 20 anos e a grande estrela do futebol espanhol na época, era mais do que natural o assédio da mídia e da “perdição”. No entanto, Raúl mostrava personalidade e não deixava aquilo atrapalhar sua carreira.

 

“Levo a vida como qualquer futebolista de 20 anos. Não vejo minha vida sem futebol. Eu bebo água e saio algumas noites, mas não passo sete dias na discoteca. Nas ruas, me chamam de bêbado, mas eu não quis responder ou pegar essas pessoas para não me meter em confusões. Eu nasci em uma família humilde e tudo o que ganhei até agora foi de maneira justa, graças ao meu esforço e minha gana por triunfar. Sigo treinando para ser o melhor do mundo.”Raúl, em entrevista ao Mundo Deportivo (ESP), 11 de março de 1998.

 

 

Raúl vibra com os companheiros na decisão europeia de 1998. Foto: Reuters KM/CLH.

 

Um ano depois, Raúl se casaria com a modelo Mamen Sanz e teria muito mais sossego no seu dia a dia. Em homenagem a ela, ele passaria a beijar a aliança de casado após marcar seus gols. Mesmo com lesões, imprensa no pé e escalações diferentes de sua posição de origem impostas pelo técnico Heynches, Raúl marcou dez gols em La Liga e foi importantíssimo no setor ofensivo do time, dando 13 assistências ao longo da temporada para os companheiros. Na Liga dos Campeões, o atacante foi titular e um dos destaques do Real que acabou com o jejum de mais de três décadas sem títulos na competição após a vitória por 1 a 0 sobre a Juventus-ITA na decisão continental. O gol foi de Mijatovic, mas foi Raúl quem escorou a bola para Roberto Carlos encher o pé e a redonda sobrar para o iugoslavo mandá-la para dentro! A taça foi o embalo que Raúl precisava para disputar a maior competição de sua carreira na época: a Copa do Mundo.

 

A primeira decepção

Raúl, umas das “figurinhas” da Espanha na Copa de 1998.

 

Em junho de 1998, Raúl viajou até a França para a disputa de sua primeira Copa. Ele era um dos maiores candidatos à revelação do torneio, ao lado de vários outros jovens craques da época como Del Piero e Ronaldo. Com a camisa 10, o atacante era a principal arma da Espanha em busca de uma glória que coroasse a boa fase do futebol do país desde o Ouro Olímpico de 1992. Ao lado de Zubizarreta, Hierro, Ferrer, Nadal, Luis Enrique e Kiko, Raúl tinha esperanças de alcançar a fase final. Mas tudo virou um pesadelo logo na estreia, contra a perigosa Nigéria. Hierro até abriu o placar, mas os africanos empataram logo na sequência. Raúl fez o segundo da Espanha e seu primeiro gol em Mundiais após emendar de primeira um lançamento de Hierro no comecinho do segundo tempo.

Mas, na sequência, os africanos viraram o jogo com um golaço de Oliseh e venceram por 3 a 2. No segundo jogo, Raúl, Morientes e companhia bem que tentaram, mas o Paraguai e seu incrível sistema defensivo capitaneado por Gamarra, Chilavert, Arce e companhia não levou gols e o jogo terminou empatado em 0 a 0. No último jogo, restava vencer a Bulgária e torcer por um tropeço dos sul-americanos contra a Nigéria. Raúl não foi titular (entrou no segundo tempo), a Espanha goleou por 6 a 1, mas o Paraguai venceu por 3 a 1 e eliminou a roja ainda na primeira fase. Foi um vexame total da equipe pelo elenco que tinha e pelo grupo que todos achavam relativamente fácil. Mas tudo foi por água abaixo. De volta à Madrid, Raúl foi um dos poucos poupados das críticas. Era preciso seguir em frente e enfrentar os novos desafios. Entre eles, o Mundial Interclubes.

 

A pintura eterna

Em dezembro, o Real Madrid foi para o Japão disputar o Mundial Interclubes de 1998. O adversário dos merengues seria o Vasco da Gama-BRA, campeão da Copa Libertadores e um grande time repleto de jogadores habilidosos como Felipe, Juninho Pernambucano, Ramon e os matadores Luizão e Donizete. Seria um confronto aberto e totalmente sem favorito. E realmente foi. O Real abriu o placar com um gol contra de Nasa após chute de Roberto Carlos e dominou o primeiro tempo. Mas no segundo… o Vasco foi pra cima e colocou o time espanhol na roda, literalmente. Foi uma pressão enorme, nos bons tempos do futebol brasileiro e época em que os times daqui conseguiam jogar de igual para igual com os europeus.

De tanto pressionar, o Vasco empatou com um golaço de Juninho. Tudo levava a crer que a equipe cruzmaltina viraria o jogo. Mas a bola teimava em não entrar. Foi então que aconteceu um daqueles lances mágicos, únicos. Seedorf fez um lançamento do meio de campo e a bola encontrou… Raúl. Faltavam menos de oito minutos para acabar o jogo. Se o Real quisesse sair vivo daquele bombardeio do qual ele era vítima, teria que marcar o gol naquele instante. Raúl entendeu isso.

Ele dominou com a perna esquerda e viu o beque vindo em sua direção. Deu um corte seco e o rival ficou estatelado no chão. Veio outro, e ele cortou também. Só sobrou Carlos Germano e o gol. E Raúl olhou para o fundo das redes e mandou a bola lá pra dentro, que entrou e ainda ficou petecando, feliz da vida por ter sido tratada tão bem num jogo tão épico. Que golaço. Que obra de arte. Foi o gol do título mundial do Real Madrid após 38 anos. Desde a época de Di Stéfano e companhia que o mundo não era pintado de branco. Pois Raúl tratou de acabar com mais esse jejum. 

Foi um título histórico para o atacante, que coroou de vez sua redenção após um começo de ano tão conturbado e uma Copa para esquecer. Ele foi eleito o melhor jogador da final, ganhou carro e provou ser, também, decisivo.

 

Veja a obra-prima:

 

Raúl e seu prêmio de Melhor Jogador do Mundial Interclubes de 1998. Foto: Getty Images.

 

Raúl Madrid!

Unanimidade em seu país e em todo mundo, Raúl já era ídolo em Madrid. A torcida cantava seu nome, vibrava com seus gols, seus dribles, sua velocidade e sua criatividade na hora de marcar ou para se desvencilhar dos adversários. Na hora de concluir, era cirúrgico e tinha uma classe enorme, principalmente para marcar gols por cobertura. Mas, acima de tudo, a torcida louvava seu jogo limpo. Raúl raramente era advertido com um cartão amarelo, e, em toda carreira, ostentaria uma façanha para poucos: nunca seria expulso, algo raro no futebol. O atacante tinha até apelido já naquele final de anos 90: Raúl Madrid, tamanha sua identificação com o clube e com a camisa merengue.

Na temporada 1998-1999, ainda de ressaca, o Real não faturou mais títulos além do Mundial, mas Raúl voltou a ser goleador e marcou 25 gols em La Liga, número que deu a ele seu primeiro troféu Pichichi de artilheiro da temporada mesmo com Rivaldo jogando tudo e mais um pouco naquela época – o brasileiro marcou 24 gols. Raúl marcou 29 gols em 49 jogos no geral e teve sua mais prolífica temporada como profissional na carreira. Pela Espanha, comprovou sua titularidade e marcou vários gols, com destaque para o gol no empate em 2 a 2 com a Itália, os quatro na goleada de 9 a 0 sobre a Áustria e os três no triunfo de 6 a 0 sobre San Marino, estes dois últimos jogos válidos pelas Eliminatórias da Eurocopa de 2000.

Ainda em 1999, o craque causou polêmica em um clássico contra o Barcelona, fora de casa, no dia 13 de outubro. Ele abriu o placar contra os blaugranas, mas Rivaldo e Figo viraram. Faltando quatro minutos para o fim, o craque recebeu na entrada da área e tocou na saída do goleiro, empatando o jogo. Na comemoração, ele mandou a torcida culé “ficar quieta”, num gesto audacioso que virou célebre para a torcida merengue. Ironicamente, anos depois, ele comentou sobre o cuidado na hora de celebrar um gol na casa de um rival ao jornal Mundo Deportivo (ESP), dizendo que “os jogadores devem ser mais responsáveis, pois o futebol move muitas paixões”. Naquele dia não aconteceu nada grave, mas ele jogou boas lenhas na fogueira catalã!

No dia seguinte, os jornais estamparam o gesto do craque na capa.

 

Após aquele clássico, o clube contratou Vicente Del Bosque e Raúl passaria a construir a prolífica parceria com Morientes, que ganhou a vaga de titular no lugar de Anelka. Mas a grande vedete de Raúl naquela temporada seria, de fato, a Liga dos Campeões. Com o faro de gol mais do que apurado, ele marcou dez gols na competição e foi artilheiro ao lado de Jardel e Rivaldo. Em sua caminhada goleadora, Raúl deixou para o fim seus maiores shows. Os primeiros vieram nas quartas de final, contra o Manchester United-ING, campeão da edição anterior e favorito ao título. Após empate sem gols no duelo de ida, o time merengue protagonizou um jogaço contra os ingleses em Old Trafford. No primeiro tempo, Keane fez contra o primeiro do Real.

Na segunda etapa, Raúl recebeu em um contra-ataque pela direita, ajeitou e marcou um golaço: 2 a 0. Dois minutos depois, ele fez o segundo após uma jogada sensacional do inesquecível Redondo, que aplicou um dos dribles mais lendários da história do torneio e tocou na medida para o craque colocar o Real na semifinal. O Manchester ainda diminuiu, mas o placar foi todo madrileno: 3 a 2. Após derrotar o Bayern nas semis, o Real encarou outro titã: o Valencia-ESP de Mendieta e companhia.

E, com um absolutismo tremendo, o time merengue faturou mais um caneco europeu com gols de Morientes, McManaman e Raúl, que marcou um dos gols que todo atacante sonha em marcar: ele recebeu um lançamento longo vindo lá do campo de defesa do Real e viu absolutamente ninguém a sua frente. Do meio de campo, ele correu, correu, correu até chegar na área valenciana. Ali, foi só driblar Cañizares e mandar a bola pro fundo do gol: 3 a 0 Real. Era a segunda Liga de Raúl em apenas três anos. E o encerramento do século com chave de ouro para o Real Madrid.

 

Vaga cativa entre os Galácticos. E nada de títulos com a Fúria…

Na temporada 2000-2001, Raúl viu Florentino Pérez assumir a presidência do clube e craques e mais craques começarem a chegar pelas bandas de Madrid. Zidane, Figo, Ronaldo, Beckham… Foram várias estrelas, mas nenhuma ousou em tirar a vaga cativa de Raúl no time titular. Muito pelo contrário. Ele usaria aquela sadia concorrência para jogar cada vez mais. Logo naquela temporada, o craque foi artilheiro de La Liga com 24 gols e faturou seu segundo Pichichi, fez 32 gols no geral, dobletes contra Barcelona, Zaragoza, Málaga, Alavés e Valladolid e mostrou ser definitivamente um dos maiores atacantes do planeta na época. De quebra, o Real faturou o título espanhol com sete pontos de vantagem sobre o forte Deportivo La Coruña da época (leia mais clicando aqui!).

A decepção ficou por conta do rendimento madrileno nas competições internacionais. Na Supercopa da UEFA, derrota para o surpreendente Galatasaray-TUR. No Mundial Interclubes, revés para o Boca Juniors-ARG de Bianchi. E na Liga dos Campeões, queda na semifinal diante do futuro campeão Bayern München-ALE. Falando em Liga, Raúl foi artilheiro do torneio pela segunda temporada seguida, com sete gols, incluindo dois no triunfo decisivo contra o Galatasaray-TUR por 3 a 0, nas quartas de final.

Se pelo Real o camisa 7 levantou mais uma taça, pela Espanha a frustração voltou a aparecer. Na Eurocopa, o craque jogou todas as partidas, marcou um gol na vitória por 2 a 1 sobre a Eslovênia, mas um erro seu na derrota para a França, nas quartas, custou uma possível vaga na semifinal. Quando a partida estava 2 a 1 para os Bleus, Raúl teve um pênalti para bater no minuto final. O empate levaria o duelo para a prorrogação. Mas o atacante chutou para fora. Fim da linha. E mais uma tristeza com a camisa roja.

Beckham, Figo e Raúl, os três melhores do mundo pela FIFA em 2001.

 

Mesmo com o erro, Raúl teve sua boa fase reconhecida por todo mundo. A France Football o selecionou em segundo lugar no Ballon d’Or de 2001 (vamos combinar que ele deveria ter sido o vencedor…), atrás de Michael Owen. E a FIFA elegeu o espanhol o terceiro melhor jogador do mundo em 2001, atrás de Figo e Beckham. Na temporada 2001-2002, o craque foi novamente um dos destaques do Real e logo de cara deu o título da Supercopa da Espanha ao clube marcando os três gols na vitória por 3 a 0 sobre o Real Zaragoza, em 22 de agosto.

Tempo depois, foi a vez do atacante brilhar em mais uma conquista da Liga dos Campeões da UEFA, justamente no ano do centenário do clube. Ele marcou seis gols, incluindo um no empate em 1 a 1 com o Barcelona-ESP, nas semis, que classificou o time merengue para a decisão, e o gol inaugural na vitória de 2 a 1 sobre o Bayer Leverkusen-ALE na grande decisão. Aliás, um gol histórico: Roberto Carlos cobrou um lateral lá do meio de campo e conseguiu mandar a bola nos pés de Raúl, que chutou de primeira, com categoria, sem chances para o goleiro.

Raúl celebra o primeiro gol da decisão de 2002…

 

… E vira o “torero” só esperando a taça: tricampeão!

 

Era a segunda final europeia que ele deixava sua marca. E a terceira Liga dos Campeões vencida pelo craque, que celebrou como um “torero” no final do jogo, balançando a bandeira da Espanha. Ele foi o artilheiro do time na temporada com 24 gols no geral. Ainda em 2002, ele venceria mais um Mundial Interclubes com o triunfo por 2 a 0 sobre o Olimpia-PAR, já atuando ao lado de Ronaldo no ataque.

 

As últimas aparições com a Espanha

Em 2006, Raúl começou a Copa na reserva…

 

… Mas entrou, fez gol e virou capitão. Foto: AFP.

 

O ano de 2002 marcou, também, a participação de Raúl em mais uma Copa do Mundo. O time espanhol era forte, tinha nomes como Casillas, Helguera, Hierro, Xavi, Morientes, Mendieta e era mais uma vez um dos favoritos. No entanto, outra vez ele e sua equipe sucumbiram. Na primeira fase, o atacante abriu o placar na vitória por 3 a 1 sobre a Eslovênia e marcou dois no triunfo de 3 a 2 sobre a África do Sul. Nas oitavas, Raúl não marcou e saiu no segundo tempo do empate em 1 a 1 contra a Irlanda, que terminou com triunfo espanhol nos pênaltis. Mas, no compromisso seguinte, contra um dos anfitriões – a Coreia do Sul -, o camisa 7 não jogou por contusão. E a Espanha perdeu nos pênaltis num jogo conturbado e repleto de erros de arbitragem que prejudicaram demais a equipe roja. Definitivamente, Raúl não tinha sorte com a camisa da seleção.

Depois disso, ele quebrou o recorde de gols pela Fúria na história, passou dos 100 jogos e disputou mais uma Euro, em 2004, e a Copa de 2006, esta já como reserva devido à concorrência com David Villa e Fernando Torres. Ele foi titular no último jogo da fase de grupos e nas oitavas, ambas como capitão. Ainda em construção, a equipe comandada por Luis Aragonés perdeu para a França de Zidane por 3 a 1 e deu adeus ao Mundial. Raúl marcou um gol naquela Copa, na vitória por 3 a 1 sobre a Tunísia, quando entrou na segunda etapa no lugar de Luis García e iniciou a virada espanhola, que perdia por 1 a 0 para os africanos. O único alento para ele foi ter sido um dos poucos jogadores a marcar pelo menos um gol em três Copas diferentes – 1998, 2002 e 2006.

Em setembro de 2006, Raúl disputou seu último jogo com a camisa da seleção, na derrota por 3 a 2 para a Irlanda do Norte, pelas Eliminatórias da Euro de 2008. Ele seria preterido pelo técnico Aragonés nos anos seguintes e ficaria de fora da maior era da história da seleção. Mesmo com tantas participações e gols, o fato é que Raúl não conseguiu as glórias que desejava com a Fúria. Pesou, também, o fato de ele viver seu auge justamente em tempos difíceis para a Espanha contra adversários mais poderosos no período como França, Brasil e Itália, os campeões mundiais de 1998, 2002 e 2006, respectivamente. Raúl disputou 102 jogos (com um aproveitamento de 75% dos pontos) e marcou 44 gols pela Espanha.

 

Um novo Raúl

Capitão, Raúl mudou seu estilo de jogo. E seguiu fazendo história. Foto: Getty Images.

 

Se pela Espanha Raúl não conseguiu brilhar, pelo Real ele continuou a escrever seu nome na história. Com a chegada de Ronaldo, em 2002, o atacante mudou seu estilo de jogo. Ele não seria mais o prolífico goleador de antes, mas sim um jogador cerebral, ainda mais técnico, capaz de abrir espaços para os companheiros e dar passes na medida. Na temporada 2002-2003, ele marcou “apenas” 16 gols em La Liga, mas deu 10 assistências. No geral, foram 25 gols e 15 assistências. Além disso, levantou mais uma taça do Campeonato Espanhol para sua coleção. Na Liga dos Campeões, marcou nove gols e foi o terceiro na lista de goleadores, mas o Real acabou eliminado pela Juventus na semifinal. Após 2003, começou a sofrer com a inconstância do clube e a intensa troca de técnicos. Foi a partir dessa época, também, que ele virou capitão do clube e um ícone da torcida em períodos difíceis com uma franca ascensão do rival Barcelona.

Em 2004, Raúl foi um dos jogadores eleitos para o FIFA 100, que reuniu os maiores jogadores do século ainda vivos pela entidade na época. Foi eleito, também, um dos 50 maiores jogadores da UEFA entre 1954 e 2004. Em 2005, sofreu a primeira grave lesão da carreira em um clássico contra o Barça, uma ruptura do ligamento cruzado anterior do joelho direito que o tirou dos gramados por cinco meses, lesão que minou uma parte de sua velocidade em campo. Após o Mundial de 2006, voltou à boa forma e ao faro goleador, principalmente entre 2008 e 2009, anos em que marcou 23 e 24 gols nas respectivas temporadas.

A volta às redes se deu muito por causa da amizade e sintonia com o holandês Ruud van Nistelrooy, contratado pelo Real em 2006. Na temporada 2007-2008, inclusive, Raúl foi artilheiro do Real em La Liga com 18 gols em 37 jogos, ficando à frente do próprio Nistelrooy, que marcou 16. Capitão e ídolo, foi o símbolo dos títulos nacionais de 2007 e 2008, em disputas eletrizantes contra Barcelona, Villarreal e Sevilla, os principais concorrentes naqueles anos.

A “equipe do centenário”, em foto do jornal ABC. Em pé: Butragueño, Raúl, Hierro e Amancio. Sentados: Valdano, Florentino Pérez, Di Stéfano e Gento.

 

Disputando regularmente a Liga dos Campeões, o craque não viu mais a taça no período, mas continuou marcando gols. Foram dois na de 2003-2004; quatro na de 2004-2005; dois na de 2005-2006; cinco na de 2006-2007; mais cinco na de 2007-2008; três na de 2008-2009 e dois na de 2009-2010. Com 66 gols, se tornou o maior artilheiro da história do torneio em todos os tempos, além de ter igualado e superado, em 2009, Alfredo Di Stéfano como maior artilheiro da história do Real Madrid. Eram números formidáveis que aumentavam ainda mais o misticismo do jogador no clube.

Ele foi, também, um símbolo de precocidade, pois foi o mais jovem jogador a completar 100 (19 anos), 200 (22 anos), 300 (25 anos), 400 (28 anos) e 500 jogos (31 jogos) no Campeonato Espanhol. Em 2010, virou o atleta com mais jogos na história do Real com mais de 740 jogos, algo impressionante principalmente por se tratar de um jogador de linha. Porém, ao final da primeira década do novo milênio, muitos já comentavam sobre o fim da trajetória do craque em Madrid. Já veterano para um jogador de ataque, ele via seu lugar no clube minguar, ainda mais após a chegada de Cristiano Ronaldo, na temporada 2009-2010.

 

O adeus e a ida à Alemanha

Raúl vibra pelo seu último gol no Real. Foto: Pablo Garcia / Marca.

 

No dia 24 de abril de 2010, Raúl foi até o estádio de La Romareda, o mesmo onde ele fez sua estreia como profissional pelo Real há 16 anos atrás. Contra o Zaragoza, na segunda etapa, o placar marcava 0 a 0 quando Raúl pediu para ser substituído por causa de uma lesão que acabaria tirando-o de combate pelo resto da temporada. Mas, num lance de ataque, a bola procurou o jogador para um último grito de gol. Após um chute ser rebatido pelo goleiro rival, um ainda camisa 9 Cristiano Ronaldo pegou o rebote e tocou na pequena área. Nela, estava Raúl, que mandou a bola na rede pela última vez com a camisa merengue. O gol abriu o placar e levou o Real à vitória por 2 a 1. Ao término daquela temporada, Raúl deu adeus ao Real Madrid após 16 anos e 16 títulos. Números hermosos para uma trajetória tão marcante e impecável com a camisa madrilena, que ele vestiu tão bem e valorizou tanto ao redor do mundo. Ele não ganhou uma despedida digna como a de Totti na Roma, por exemplo (leia mais clicando aqui), mas deixou palavras que tocaram o torcedor:

 

“Durante esses anos, busquei sempre para este clube o máximo, porque eu sempre quis ser fiel aos valores que aqui aprendi desde pequeno. Hoje, mais do que nunca, quero que todos saibam que em cada jogada, em cada resgate, em cada corrida, em cada desarme, em cada chute e em cada gesto em campo, eu tentei sempre o melhor de mim mesmo. Por isso, em minha cabeça, nunca existiu a palavra rendição.” Raúl, em trecho extraído do livro “Historia del Real Madrid contada por ABC”, 2011, Diário ABC, S.L., Espanha.

 

E foram sábias palavras. Pouquíssimos jogadores valorizaram uma camisa tão nobre no futebol como Raúl. Elegante, clássico, com mentalidade vencedora e ao mesmo tempo raçudo e cheio de fibra, o atacante foi o maior símbolo da reviravolta pela qual passou o Real naquele final de anos 90. Com ele, o clube voltou a “meter miedo”, como diziam os espanhóis, e a levantar títulos.

A saída de Raúl foi de comum acordo, sem mágoas ou problemas. No Schalke, foi recebido com grande festa e entusiasmo, ainda mais pelo fato de o clube ter pela frente na temporada 2010-2011 a Liga dos Campeões – motivo principal pela escolha do jogador em ir jogar lá. E, como não poderia deixar de ser, Raúl aumentou sua hegemonia em competições da UEFA ao chegar aos 73 gols (71 só na Liga dos Campeões), com destaque para os dois que anotou nas vitórias sobre a Internazionale-ITA, nas quartas de final da competição naquela temporada. O time alemão fez uma ótima campanha e só caiu nas semifinais, quando foi derrotado pelo Manchester United-ING. Raúl anotou cinco gols, e, de novo, foi um dos artilheiros do torneio.

Ainda em sua temporada de debute no Schalke, conquistou a única taça que não conseguiu pelo Real: uma copa nacional. E com a marca do artilheiro na semifinal, contra o Bayern, quando o camisa 7 fez o único gol da vitória por 1 a 0 em plena Allianz Arena, numa cabeçada indefensável. Na decisão, em Berlim, contra o Duisburg, os azuis venceram por 5 a 0, mas sem gols de Raúl, mas com muita festa num título histórico.

Pelo Schalke, Raúl conquistou a Copa da Alemanha…

 

… E virou torero na Alemanha! Fotos: KAI PFAFFENBACH | RTRPIX / Reprodução Marca.

 

Ao término daquela temporada, o atacante terminou a Bundesliga com 13 gols em 34 jogos e 19 tentos no total em 51 partidas, além de sete assistências para gol. Ele virou rapidamente ídolo da torcida alemã e foi um dos mais aclamados do time na época. Na temporada seguinte, continuou com a mesma média de gols – foram 15 em 32 jogos na Bundesliga, celebrou uma Supercopa da Alemanha, não disputou sua querida Liga dos Campeões, mas deixou quatro gols na campanha até as quartas de final da Liga Europa pelo clube alemão.

Em março de 2012, um já consagrado Pep Guardiola, em entrevista ao jornal AS (ESP), disse que Raúl era o mais importante jogador espanhol da história, colocando-o à frente de nomes como Xavi, Casillas, Zarra, Iniesta e companhia.

 

Raúl é o jogador (espanhol) mais importante de, eu diria, todos os tempos. É impressionante. É o melhor. Ontem (o Schalke havia enfrentado o Athletic Bilbao pela Liga Europa e Raúl fez dois gols) fez gol de voleio, o primeiro foi um que ele fez umas quinhentas vezes. É um exemplo para os que começam. Ele tem jogado há tantos anos, feito tantos gols em sua carreira. É incrível.”

 

Opiniões à parte, Raúl realmente mostrava uma técnica incrível para sua idade na época. Com golaços e grandes atuações, foi um dos principais jogadores do Schalke e estrela em campo, contrariando quem achava que ele já tinha “dado o que tinha que dar”. Mas o romance com a torcida alemã duraria só até metade de 2012, ao final de seu contrato. Ele não pretendia continuar jogando na Europa e estava estudando propostas da Ásia e dos EUA. Seu impacto no clube alemão foi tão grande que a camisa 7 foi “aposentada” momentaneamente, retornando somente no ano seguinte. Pelo Schalke, Raúl disputou 98 jogos, marcou 40 gols e deu 15 assistências.

 

As últimas camisas

Em maio de 2012, Raúl fechou contrato com o Al Saad, do Catar. Por lá, manteve a sina vencedora e conquistou títulos nacionais, além de marcar 16 gols nas duas temporadas em que esteve por lá. Estrela, levou muita torcida aos estádios e fez a festa dos xeques. Em 2013, visitou o Santiago Bernabéu para uma partida amistosa cheia de emoção, na qual vestiu a camisa do Real Madrid no primeiro tempo e marcou um golaço, ao seu estilo. No segundo tempo, vestiu a do Al Saad e deu sua camisa 7 do Real para Cristiano Ronaldo, em uma simbólica – mas clara – passagem de protagonismo ao português, que curiosamente começaria exatamente a partir de 2013 a jogar muito, mas muito pelo clube. Antes do jogo, Raúl foi ovacionado e posou com os 16 troféus que conquistou com a camisa merengue na carreira.

Raúl entrega sua camisa 7 para Cristiano Ronaldo…

 

… Foi a passagem de bastão para o português começar a fazer história.

 

Em 2014, o craque encerrou sua jornada no Catar e anunciou a aposentadoria. Mas, meses depois, voltou atrás e jogou pelo New York Cosmos a liga norte-americana de futebol. Pra variar, foi pé quente mais uma vez e ajudou o time a faturar títulos da NASL, entre eles o Soccer Bowl de 2015, com vitória por 3 a 2 sobre o Ottawa Fury e assistência de Raúl para o gol do título. Após a estadia nos EUA, enfim, o espanhol pendurou as chuteiras aos 38 anos como um dos poucos atletas a passar dos 1000 jogos na carreira, contando seleção e clubes.

 

Um mito merengue

Foto: Site do Real Madrid.

 

Após se aposentar, Raúl segue ligado ao futebol e é presença constante em diversos eventos do Real Madrid, da FIFA e da UEFA. Recebeu diversas homenagens pelos serviços prestados ao esporte e é um ídolo impagável do futebol espanhol. Seu legado segue na memória de todos e sua trajetória futebolística recheada de títulos e futebol de alto nível até pelo menos os 35 anos foi algo louvável. Com seus números impressionantes e jogos inesquecíveis, Raúl está presente na santíssima lista dos maiores mitos do clube como Zamora, Quincoces, Di Stéfano, Gento, Sanchís, Hierro, Roberto Carlos, Zidane, Puskás, Amancio, Juanito, Hugo Sánchez, Butragueño, Ronaldo e os da nova geração, Casillas, Sergio Ramos e Cristiano Ronaldo.

No entanto, só Raúl pode ser considerado um membro de um hipotético “Quarteto Divino” merengue, ao lado de Di Stéfano, Butragueño e Cristiano Ronaldo. São quatro símbolos de quatro eras de imponência, títulos e recordes já imortalizados. Di Stéfano foi o grande nome do primeiro Real lendário, lá nos anos 50, das famosas cinco Ligas dos Campeões. Butragueño o líder da Quinta del Buitre dos anos 80, soberana em casa e bicampeã da Copa da UEFA. Cristiano escreveu seu nome com gols em profusão e quebrando os recordes de… Raúl, nome da ressurreição merengue no final dos anos 90, do começo do novo milênio. Ícone que criou e moldou novos torcedores merengues, que provocou as últimas avalanches de gente após seus gols no velho Santiago Bernabéu antes das numeradas. Sinônimo de artilharia. Sinônimo de decisão. Sinônimo de títulos. Sinônimo de gol bonito. Um jogador com a cara do Real Madrid. Uma simbiose perfeita até nos nomes, que, se trocados, nem se nota a diferença. Raúl Blanco. Real Madrid. Dez letras para cada um. Raúl Madrid. Real Blanco. Um craque imortal.

 

Números de destaque:

Disputou 741 jogos e marcou 323 gols pelo Real Madrid.

Disputou 98 jogos e marcou 40 gols pelo Schalke 04.

Disputou cerca de 1064 jogos e marcou 465 gols na carreira.

 

Leia mais sobre o Real Madrid de 1998-2003 clicando aqui.

 

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