Nascimento: 09 de novembro de 1974, em Conegliano, Itália.
Posições: Atacante, Meia-Atacante e Ponta
Clubes: Padova-ITA (1991-1993), Juventus-ITA (1993-2012), Sydney-AUS (2012-2014) e Delhi Dynamos-IND (2014)
Principais títulos por clubes: 1 Mundial Interclubes (1996), 1 Liga dos Campeões da UEFA (1995-1996), 1 Supercopa da UEFA (1996), 6 Campeonatos Italianos (1994-1995, 1996-1997, 1997-1998, 2001-2002, 2002-2003, 2011-2012), 1 Copa da Itália (1994-1995), 4 Supercopas da Itália (1995, 1997, 2002 e 2003) e 1 Campeonato Italiano da Série B (2006-2007) pela Juventus.
Principal título por seleção: 1 Copa do Mundo da FIFA (2006) pela Itália.
Principais títulos individuais e artilharias:
Eleito para o Time do Ano da ESM: 1995-1996, 1996-1997 e 1997-1998
MVP do Mundial Interclubes de 1996
Melhor Jogador Europeu Sub-21 do Ano: 1996
Melhor Jogador do Ano na Serie A: 1998 e 2008
Maior Assistente da Serie A: 1997-1998 (12 assistências), 1999-2000 (14 assistências)
Oscar del Calcio: 2001 e 2008
FIFA 100: 2004
Eleito para o Jubileu de Ouro da UEFA como um dos 50 melhores jogadores do continente nos 50 anos da entidade: 2004
Golden Foot Award: 2007
Premio Nazionale Carriera Esemplare Gaetano Scirea: 2008
Pallone d’Argento: 2008-2009
Globe Soccer Career Award: 2011
Oscar del Calcio pela carreira: 2011
A-League Gol do Ano: 2012-2013
Chuteira de Ouro do Sydney FC: 2012-2013 (14 gols) e 2013-2014 (10 gols)
Eleito para o Time da Temporada da PFA: 2012-2013
Eleito para o Time da Década da AFC: 2015
Eleito para o Hall da Fama do Sydney FC: 2015
Eleito para o Hall da Fama do Futebol Italiano: 2017
Ordem ao Mérito da República Italiana: 2006
Jogador que mais vestiu a camisa da Juventus na história: 705 jogos
Jogador que mais vestiu a camisa da Juventus na Serie A: 478 jogos
Jogador que mais marcou gols de faltas na história do futebol italiano: 52 gols
Maior Artilheiro da história da Juventus: 290 gols
Artilheiro do Campeonato Italiano: 2007-2008 (21 gols)
Artilheiro da Copa da Itália: 2005-2006 (5 gols)
Artilheiro da Liga dos Campeões da UEFA: 1997-1998 (10 gols)
Artilheiro da Serie B Italiana: 2006-2007 (20 gols)
“Il Pinturicchio della Juventus”
Por Rafael Abduche
Se no hino da Juventus o verso “storia di un grande amore” está imortalizado, provavelmente quem um dia o escreveu estava pensando em Alessandro Del Piero. O atacante dedicou dezenove anos da carreira à Velha Senhora, um período marcado por muitas glórias, uma tremenda idolatria e números inquestionáveis. É a história de uma vida escrita em preto e branco, ainda que essa vida não tenha nem começado em Turim, mas em Conegliano, onde ele nasceu. De lá, saiu para jogar no Padova no início de carreira. Mas o sucesso só começou quando chegou à Juventus, em 1993. Em todos os anos de clube, o atacante conquistou a torcida bianconeri com lindos gols, uma capacidade incrível de dribles em um curto espaço de campo, talento raro para cobrar faltas e pênaltis e muita garra. Por isso, há quem compare o maior artilheiro da história da Juve – e também o jogador com mais partidas disputadas pela equipe de Turim – com ídolos imortais do clube como Platini, Buffon e Boniperti.
E mais: o craque é tido como um dos maiores futebolistas já revelados pela Itália em mais de um século de esporte. Afinal, quem viu Del Piero jogar jamais se esquece do talento do “fantasista”, como ficou conhecido na Itália pelos dribles, gols plásticos e seus arremates cheios de veneno vindos pela esquerda que ficaram conhecidos como “Del Piero Zone” e que marcaram o timaço juventino campeão europeu e mundial em 1996. O italiano foi ídolo, marcou gerações e nunca virou as costas para a Juventus, nem quando o time foi rebaixado em 2006, assim como nenhum juventino ousaria esquecer o que Il Pinturicchio fez pelo clube. É hora de relembrar.
O baixinho de Conegliano
Del Piero nasceu em Conegliano, uma pequena cidade na província de Treviso com menos de 50 mil habitantes, no nordeste italiano. Ele cresceu em uma família simples: seu pai era eletricista e sua mãe, do lar. Desde que nasceu, o jovem já tinha a inspiração para ser jogador dentro de casa, pois seu irmão, Stefano, chegou a se profissionalizar e atuar pela Sampdoria, mas uma contusão o fez se aposentar ainda muito jovem. Para continuar o legado do irmão na família, Del Piero deu seus primeiros passos no San Vendemiano, um clube local de Conegliano, ainda criança. Quando não estava jogando nos campinhos, treinava em casa, como ele mesmo disse tempos depois:
“Minha infância foi fantástica. Eu treinava e jogava em todo momento e em todo canto da minha casa! O nordeste da Itália é muito frio, você não pode ficar jogando do lado de fora. Por isso, meu pai afastava o carro da garagem para me dar mais espaço. Eu costumava jogar sozinho, com meus colegas de escola e tentava imaginar o que significava ser um jogador de futebol”. – Alessandro Del Piero, em entrevista à CNN, 19 de março de 2015.
No San Vendemiano, o jovem foi observado por olheiros que o levaram para o Padova quando ele tinha 13 anos. Foi, como o próprio Del Piero diz, o caminho que o fez amadurecer rapidamente, não só na vida profissional, mas sobretudo no plano pessoal.
“San Vendemiano é apenas 77 km distante de Padova, mas naquela época essa era uma grande viagem para mim. Hoje em dia, eu percebo que aqueles 77 km eram a distância exata entre a infância e a vida adulta.” – Alessandro Del Piero, em entrevista à revista World Soccer, 21 de abril de 2012.
Ele permaneceu cinco anos no clube, onde atuou nas categorias de base até os 18 anos. Lá, não se destacava pela parte física – tinha pouco mais de 1,73m, baixo para os padrões europeus -, mas sim pelas características técnicas de jogo, como a finalização precisa de pé direito e os dribles em um curto espaço de campo. O jovem estreou no futebol profissional em 1992, na vitória do Padova por 5 a 1 contra o Messina, e marcou seu primeiro gol nessa partida. Não demorou muito para um grande clube ficar de olho no futebol do garoto: a Juventus, que rapidamente apostou no atacante para ser o sucessor do ídolo Roberto Baggio, mesmo com o jovem tendo disputado apenas 14 jogos na Série B italiana com o Padova. Na primeira temporada com a Juve, Del Piero atuou em 11 partidas e marcou cinco gols, consolidando o status de grande promessa do futebol italiano em um dos maiores clubes do país.
A Velha Senhora e o bom moço
Pelas boas atuações no ano anterior, o técnico Marcello Lippi apostou no garoto para ser o substituto imediato de Baggio, que tinha se machucado no início da temporada 1994-1995. Por isso, Baggio foi vendido para o Milan naquele ano. Del Piero herdou até a camisa 10 de seu antecessor. O entrosamento com grandes jogadores do futebol italiano como Gianluca Vialli, Ciro Ferrara e Fabrizio Ravanelli foi rápido, e a Juventus ganhou o campeonato italiano da temporada 1994-1995, o que não acontecia há quase uma década. Nesse ano, o clube também conquistou a Copa da Itália contra o “novo milionário” da época, o Parma – a equipe era a principal vitrine da Parmalat no projeto da empresa de laticínios em investir no futebol.
No entanto, a Velha Senhora, com um time mais experiente, conseguiu se impor nos dois jogos e venceu no placar agregado por 3 a 0. Ao fim daquele ano, Del Piero ganhou não só títulos, mas o apelido que levaria consigo para o resto da carreira: Il Pinturicchio, apelido do célebre pintor Bernardino di Betti, grande nome da arte renascentista italiana. Gianni Agnelli, ex-presidente do clube e nome forte dentro da Juventus, já havia “batizado” Roberto Baggio de Rafael (outro grande artista do Renascimento). O próprio Agnelli deu tal alcunha para Del Piero dizendo que “Se Baggio era Rafael, Del Piero é Pinturicchio’’ .
As conquistas do ano anterior foram só o aperitivo para o grande título de Del Piero pela Juve. Na temporada seguinte, o jogador pintou, bordou e conquistou a Liga dos Campeões da UEFA. Se os 77 km entre Conegliano e Padova foram a distância entre a infância e a fase adulta para Del Piero, o caminho para a glória também não teve muitos quilômetros no mapa. O baixinho de Conegliano ganhou o continente sem praticamente sair de casa. Em uma final em Roma, a Juventus bateu o Ajax nos pênaltis por 4 a 2 após empate em 1 a 1 no tempo normal. Na decisão, Del Piero teve duas boas oportunidades para marcar, mas acabou parando no goleiro Van de Sar.
Foi nessa competição, logo na estreia, contra o forte Borussia Dortmund fora de casa, que Del Piero eternizou uma de suas mais belas pinturas: o chamado gol à Del Piero (ou Del Piero Zone). Era o primeiro jogo do italiano de 21 anos na história da competição, mas ele ensinou o passo-a-passo para construir a obra com sua assinatura. O manual foi seguido à risca naquele dia: com a bola dominada na entrada da área pelo lado esquerdo, vem o corte para o meio tirando o marcador da jogada. Logo em seguida, um chute colocado no ângulo contrário, com a bola caindo sobre o goleiro, como se procurasse aquele canto oposto da rede para se aconchegar. Na noite mágica no Westfalenstadion, a vítima foi o goleiro Stefan Klos, e o gol ajudou a Velha Senhora a bater o Borussia por 3 a 1.
Veja o golaço do craque:
Del Piero repetiu os traços delicados de seu gol característico mais uma vez naquela competição: na vitória contra o Steaua Bucareste-ROM, em casa, por 3 a 0. No fim daquele ano, Del Piero fez, ainda, o gol que garantiu o título do Mundial de Clubes em cima de um grande time do River Plate, capitaneado por Francescoli. Após cobrança de escanteio e um desvio na primeira trave, Del Piero aproveitou a sobra para fuzilar a rede do goleiro Bonano. Era a coroação de um ano perfeito: foi o melhor jogador do torneio, melhor jogador sub-21 da Europa e ficou em quarto lugar na eleição do Ballon d’Or de 1996, mesma posição que ele ficou em 1995. Mais do que tudo isso, ele provou ser exemplo de atleta pela disciplina e cavalheirismo com companheiros e rivais, características que marcariam toda sua carreira.
Mudança de patamar
Já tido como o grande craque do time de Turim, Del Piero teve mais duas temporadas com roteiros quase idênticos: ele foi um dos líderes nas campanhas dos títulos nacionais de 1996-1997 e 1997-1998 e de dois vice-campeonatos consecutivos da Liga dos Campeões – perdidas para Borussia Dortmund e Real Madrid. Na campanha do vice de 1997-1998, Del Piero foi, inclusive, o artilheiro da principal competição do continente com dez gols, com destaque para sua atuação de gala sobre o Monaco-FRA no primeiro jogo da semifinal, quando o craque marcou três gols na goleada de 4 a 1 sobre o time francês.
Em 1998, Del Piero marcou 21 gols, deu 12 assistências e foi o grande nome do Scudetto bianconeri. No jogo que selou a conquista, na vitória por 3 a 2 sobre o Bologna de Roberto Baggio, já veterano, o encontro dos dois soou como uma passagem de bastão. Era, de fato, mas a torcida da Velha Senhora já sabia quem era o dono do time há algum tempo. Àquela altura, Del Piero estava passando da esfera do craque para ídolo da Juve. Em poucos anos, Il Pinturicchio já tinha sido decisivo em várias conquistas importantes pelo clube, pintando uma história na Velha Senhora com a mesma perfeição renascentista com que fazia gols e se dedicava em campo. Del Piero já estava na história da Juventus, e a Juve, na história de Del Piero.
Outra faceta que Del Piero começou a aperfeiçoar na equipe foi a de ser um exímio batedor de faltas. A zona preferida do camisa 10 era de 15 a 20 metros para o gol, a distância mais curta do pé do capitão da Juve – ele assumiu a braçadeira em 2001 – para a felicidade dos torcedores no Delle Alpi. O nível que Del Piero atingiu ganha ainda mais relevância se considerarmos a época na qual ele teve destaque. Eram tempos de mestres da bola parada como Ronaldinho, Beckham, Juninho Pernambucano, Totti e seu companheiro de time, Zidane. Só na Serie A, Del Piero marcou 22 gols, terceiro no ranking histórico da competição e atrás apenas de Andrea Pirlo e Mihajlovic. Na história, Del Piero é o jogador que mais marcou gols de faltas na Itália, juntando os gols por clubes e seleção. Foram 52 tentos, 46 por clubes e seis pela Itália. Além de faltas, o craque também era perito em pênaltis. Foram 50 gols em 61 cobranças na Serie A, um aproveitamento impressionante.
Contusões e os tempos difíceis de Azzurra
Na temporada 1998-1999, Del Piero sofreu a primeira grande contusão da carreira, ao machucar o joelho em uma partida contra a Udinese fora de casa. Ele passou o resto da temporada no departamento médico e o impacto de sua ausência na Juventus foi imediato, pois o time campeão da temporada anterior terminou apenas em sétimo em 1999. Del Piero voltou aos poucos e demorou algum tempo para voltar a apresentar o futebol que o consagrou dentre os torcedores da Juventus como “Il vero fenomeno”, em uma brincadeira com o apelido de “Fenômeno” que Ronaldo ganhou quando jogava na Internazionale.
Del Piero só venceria o Scudetto novamente em 2002, em mais um duelo entre a equipe de Turim com a de Milão. A Inter precisava apenas empatar com a Lazio para levar a taça, mas a equipe da capital venceu por 4 a 2. Com isso, uma vitória por 2 a 0 contra a Udinese – no mesmo palco que quatro anos antes Del Piero sofrera a pior lesão de sua carreira – garantiu o título para a Juve. Del Piero, inclusive, marcou o segundo gol do jogo, espantando de vez a fantasma de Udine.
Na temporada 2002-2003, um filme repetido para o craque: sucesso nacional com o título da Serie A – o quinto da carreira – e derrota na final da Liga dos Campeões para o Milan de Shevchenko, Maldini e companhia. Os rossoneri venceram nos pênaltis após o empate sem gols em Manchester. Del Piero venceu Dida nas cobranças e converteu seu chute. Aquela foi a última final de Liga dos Campeões do atacante em sua carreira.
Com atuações tão convincentes com a camisa da Juve, Del Piero foi rapidamente convocado para a seleção italiana, pela qual estreou em 1995. Após ser reserva na Eurocopa de 1996, o craque virou titular até chegada da Copa do Mundo de 1998, na França. Na época, Alessandro era o principal e mais criativo jogador da equipe, como definiu o brasileiro Tostão, em entrevista à revista Placar de maio de 1998, ao dizer que ele era o “melhor atacante da Europa”. Vale lembrar que em 1997, em um torneio amistoso disputado na França, Del Piero marcou dois gols – um de cabeça e outro de pênalti – no eletrizante empate em 3 a 3 da Itália contra o Brasil, com atuação de gala do jogador, que deu um trabalho danado para a zaga brasileira.
No entanto, por causa de uma pequena contusão sofrida na final europeia de 1998, o atacante não começou o Mundial entre os titulares e viu Roberto Baggio atuar em seu lugar na estreia, quando a Itália empatou em 2 a 2 com o Chile. Na partida seguinte, entrou no segundo tempo no duelo contra Camarões e participou do gol final de Vieri na vitória por 3 a 0 sobre os africanos. Em seguida, foi titular na vitória por 2 a 1 sobre a Áustria, contribuindo para a classificação da Azzurra à segunda fase. Nela, a Itália caiu nas quartas de final, nos pênaltis, para os anfitriões, que viriam a ser campeões diante do Brasil. No geral, as atuações do jogador foram bem abaixo do esperado.
Na Eurocopa de 2000, Del Piero já tinha se consolidado como um dos maiores jogadores do futebol italiano e era ídolo da Juve. Dessa forma, ele era um dos protagonistas em conduzir a Azzurra na Euro daquele ano, disputada na Holanda e na Bélgica. Il Pinturicchio estava cumprindo bem seu papel, ajudando a Itália até o caminho da final. Mas, no jogo decisivo diante da França, o camisa 10 falhou e perdeu dois gols diante do goleiro Barthez que dariam o título para a Azzurra. O jogo estava 1 a 0 para a Itália – gol de Delvecchio – e, na reta final, Del Piero desperdiçou duas jogadas frente a frente com Barthez: a primeira ele chutou torto, para fora; enquanto que na segunda, recebendo um lançamento em profundidade, chutou fraco no meio, facilitando a recuperação do goleiro francês. Com requintes de crueldade, Wiltord empatou nos acréscimos e, na morte súbita, Trezeguet – que viria a ser companheiro de Del Piero durante os dez anos seguintes na Juve – marcou o gol do título francês. O craque da Juve não perdoou a si próprio pelas chances desperdiçadas.
“Todos nós sentimos dor, mas a minha é muito maior do que a dos meus companheiros porque eu tive as duas chances de marcar o segundo gol”. – Alessandro Del Piero, em entrevista à ESPN, 04 de julho de 2000.
Em 2002, na Coreia do Sul e Japão, mais uma vez ele não foi titular absoluto, mas provou sua estrela ao entrar no segundo tempo do jogo contra o México e marcar, de cabeça, seu primeiro gol em Copas e que garantiu o empate em 1 a 1 para a Itália. Nas oitavas, uma partida para esquecer: derrota por 2 a 1 e eliminação para a Coreia do Sul, na prorrogação, em um jogo cheio de polêmicas com a arbitragem. Por que o craque que tanto colecionava títulos por seu clube só dava azar vestindo o azul da Itália? Era preciso paciência. O grande artista teria sua desforra.
A glória máxima
Seis anos mais tarde, viria a consagração de Del Piero. Na Copa da Alemanha, o atacante foi reserva durante toda a competição, mas entrou frequentemente nos jogos e ajudou a Azzurra em dois momentos decisivos. O primeiro deles foi na semifinal, contra os donos da casa, num jogo épico relembrado aqui no Imortais. O agora camisa 7 entrou na segunda etapa e, no último lance da prorrogação, carimbou o passaporte italiano para a final em Berlim. Em um contra-ataque, Del Piero passou por trás de Gilardino, que tocou para Il Pinturicchio. O camisa 7 nem dominou a bola e, mais ou menos do mesmo lugar da grande área onde perdera um gol feito contra a França em 2000, tocou no canto oposto de Lehmann e correu para comemorar.
Veja o golaço do craque:
Dias mais tarde, na decisão, Del Piero veio novamente do banco quando o jogo já estava empatado em 1 a 1 e, na disputa de pênaltis, converteu sua cobrança na vitória por 5 a 3 que deu o título da Copa para a Azzurra. O destino do futebol é realmente incrível: dessa vez, quem perdeu a penalidade decisiva, dando o título para a Itália, foi Trezeguet – herói francês seis anos antes. Foi a único título de Del Piero com a Itália, mas nem precisava de mais nada, afinal, ele era campeão do mundo. O craque jogaria pela Itália até 2008. Nos anos seguintes, foi preterido nas convocações. Foram 91 jogos e 27 gols pela Azzurra entre 1995 e 2008.
Calciopoli e idolatria
Após a conquista do Mundial pela Itália, Del Piero foi atingido em cheio pelo escândalo de corrupção que assolou o futebol italiano, mais conhecido como Calciopoli. Por conta de um esquema de manipulação de resultados, a Juve teve os títulos de 2004-2005 e 2005-2006 revogados. Enquanto que a primeira conquista não teve um herdeiro, o segundo campeonato foi passado para a Inter de Milão, vice-campeã. E o time de Turim sofreu outra punição ainda mais severa: rebaixamento à segunda divisão. Primeiramente, a pena imposta à Velha Senhora era não só o rebaixamento, mas começar o campeonato da Série B com menos 30 pontos. No entanto, essa sanção foi revogada posteriormente.
O veredito final abriu as portas para grandes jogadores da Juve saírem da equipe, como Cannavaro – que foi para o Real Madrid -, Vieira – indo jogar na Inter -, Thuram – que foi atuar no Barcelona – e Ibrahimovic – que seguiu, assim como Vieira, para a Internazionale. Poucos ficaram: dos grandes ídolos, somente Buffon e Nedved, além de Del Piero, obviamente. Quando perguntado sobre por que não havia deixado a Juve, ele foi categórico:
“Um verdadeiro cavalheiro nunca abandona sua senhora”.
Precisava dizer mais? Para Il Pinturicchio, sair era virar as costas para o clube que o procurou quando ainda mal jogava no Padova, e, certamente, ignorar a paixão pelo time que sempre torceu. Del Piero sabia que o tempo colocaria a Juventus de volta ao seu lugar. Foram seis anos até que as coisas se acertassem novamente.
Se no plano coletivo as glórias estavam mais distantes, na perspectiva individual Del Piero passava a ser a cada dia um patrimônio da Juventus. Em 2006, antes de estourar o escândalo do Calciopoli, ele marcou um hat-trick contra a Fiorentina e se tornou o maior artilheiro da história do clube, com 183 gols, ao passar o ídolo Boniperti. Quando saiu do clube, em 2012, Del Piero fez um total de 290 gols com a camisa da Juve. Foi nesse período que ele também se transformou no jogador com mais partidas pela Velha Senhora: 705 jogos. No entanto, nesse último recorde, Del Piero ainda pode ser alcançado por Buffon, que deve jogar por mais algum tempo antes de pendurar as luvas.
Dessa forma, após a Copa do Mundo, Del Piero ajudou a Juve, mesmo sem grandes estrelas, a ganhar o título da Série B. Ele foi o artilheiro da competição com 20 gols. Nas duas temporadas seguintes, a Velha Senhora até conseguiu fazer boas campanhas, mas caiu de produção e amargou duas vezes seguidas a sétima colocação nas temporadas 2009-2010 e 2010-2011. No entanto, as esperanças da Juventus se renovaram na temporada 2011-2012, com uma nova casa – Juventus Stadium – e um novo, porém conhecido treinador – Antonio Conte. Essa foi a última temporada de Del Piero com a camisa da Juventus, que presenteou o seu ídolo com um título invicto no Campeonato Italiano – foram 23 vitórias e 15 empates em 38 jogos. Ele não foi titular absoluto, mas entrou em boa parte dos jogos (23 partidas, com três gols marcados) e ainda conseguiu saborear o gosto doce de marcar um gol bem ao seu estilo no novo estádio da Juve, na vitória por 2 a 0 sobre a Roma. Em outra pintura, o artista veio carregando a bola com toques delicados, até abrir um espaço na zaga romanista. De pé direito, ele acertou o ângulo esquerdo de Sczesny decretando a vitória da Juve na partida válida pela Copa da Itália.
E a comemoração não podia ser outra, igualmente característica ao gol: de língua para fora, Del Piero correu para a torcida e provou um dos últimos momentos da sua idolatria. Uma pena que na final daquela competição sua Juventus tenha perdido para o Napoli por 2 a 0, no jogo que marcou seu adeus ao clube de Turim – ele se despediu diante de sua torcida antes, no último jogo do Campeonato Italiano, contra a Atalanta, com um gol dele na vitória por 3 a 1 que selou o título invicto. A diretoria até propôs a aposentadoria da camisa 10, mas Del Piero não deixou, para que “todos os garotos tivessem a oportunidade de um dia vesti-la”. Aos 37 anos, ele partiu para o outro lado do planeta, mas não antes de entregar uma carta aos torcedores:
Acaba aqui. Meu contrato com a Juventus termina hoje.
Não é novidade, mas saber que agora é oficial ainda causa um efeito em mim. Não é um momento de tristeza. Não há arrependimentos ou nostalgia. Não mais. Isso porque tive tempo para pensar em tudo o que aconteceu comigo durante a minha última temporada como jogador da Juventus, voltei um pouco mais no tempo e revivi o maior sonho que poderia ter sonhado.
Todas as memórias, alegrias, triunfos e – para ser sincero – alguns momentos de amargura recentemente… Hoje, todas estas imagens passam voando em frente os meus olhos e, em um certo ponto, formam um borrão e se transformam em um abraço maravilhoso que recebi no meu último jogo em Turim.
Um tempo atrás, antes de entrar de férias, esvaziei meu armário em Vinovo, saí do campo de treinamento e fiquei parado ali onde vocês, por muitos meses, esperaram por mim por uma foto, um autógrafo ou apenas uma saudação, seja sob neve, chuva ou sol forte. Mas agora sou eu que estou agradecendo vocês, assim como vocês fizeram comigo.
Os jogadores passam, mas a Juventus permanece. Meus companheiros de time permanecem. Desejo o melhor e estarei sempre torcendo por eles.
Acima de tudo, o que permanece são os torcedores. Vocês é que são a Juventus. Essa camisa, que desejei e respeitei, eu amei e sempre vou amar, sem pausas ou descontos. Fico feliz pelo fato de que outros jogadores depois de mim possam vestir essa camisa e usar a ‘10’, número que sempre teve meu nome desde que começaram a imprimir nomes nas camisas da Juventus. Fico feliz por qualquer um que vá usá-la no próximo ano e por alguém – na Itália ou em outro lugar do mundo – que esteja sonhando em um dia poder vesti-la. Ficaria orgulhoso em saber que alguém deseja seguir os meus passos, assim como eu já sonhei em seguir os de outros campeões, outros exemplos, outras lendas.
A partir de amanhã, não serei mais um jogador da Juventus. Mas sempre serei um de vocês.
Agora, uma nova aventura começa, e eu estou tão entusiasmado quanto estava há 19 anos.
Obrigado por tudo,
Alessandro.
Desbravador do futebol no Oriente e o fim
Após tanto tempo na Juve, Del Piero decidiu mudar drasticamente o rumo de sua carreira ao assinar com o Sydney FC e jogar a liga australiana – um ambiente praticamente inóspito para os jogadores que uma vez fizeram sucesso em gramados europeus. A decisão foi surpreendente, visto que os rumores da imprensa inglesa indicavam que o Liverpool e o Southampton tinham interesse no futebol do jogador na época. Ele foi o pioneiro na estratégia da A-League (Liga Australiana de Futebol) em investir em jogadores de renome. Durante as duas temporadas em que autuou na Austrália, a média de público dos jogos do Sydney FC cresceu tanto nas partidas em casa como nos jogos como visitante. Il Pinturicchio foi vice-campeão australiano em 2013, e, apesar de não ganhar nenhum título, marcou 24 gols em 48 jogos.
Depois da passagem pela Austrália, o quarentão Del Piero foi para outra liga do oriente cujo objetivo de angariar craques de um passado recente era claro: a Superliga Indiana. Ele assinou com o Delhi Dynamos e pôde reencontrar em algumas partidas um antigo companheiro de Juventus: Trezeguet, que defendia o Pune City. Na Índia, fez dez jogos e marcou apenas um gol. O Delhi terminou a competição em quinto lugar, um ponto atrás dos playoffs.
Após encerrar a carreira, Del Piero trocou o gramado para virar uma lenda viva da história da Juventus. Ele participa, atualmente, de eventos beneficentes – o que ele já fazia na época de jogador – é dono de uma academia de futebol para crianças e trabalha como comentarista no canal italiano Sky Sports. Se fora de campo ele está construindo um legado, com chuteiras e a camisa bianconeri sua história é única, eterna e imortal. Por quase duas décadas, levou a Juventus aos mais variados títulos, teve atuações fantásticas e entrou para sempre no rol de imortais do clube de Turim, algo dificílimo levando em conta a quantidade de jogadores fenomenais que já passaram por lá. Superar Boniperti e conquistar o que conquistou, além de não ter abandonado sua Velha Senhora em seu mais trágico momento, foi algo digno de um cavalheiro. De um artista. De Alessandro Del Piero. Um craque imortal.
Números de destaque:
Disputou 91 jogos e marcou 27 gols pela Itália
Disputou 705 jogos e marcou 290 gols pela Juventus.
Leia mais sobre a Juventus dos anos 90 clicando aqui.
Leia mais sobre a Juventus dos anos 2000 clicando aqui.
Leia mais sobre a Itália de 2006 clicando aqui.
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Com base no trabalho disponível em imortaisdofutebol.com.
Podem estar disponíveis autorizações adicionais ao âmbito desta licença.
Poderiam fazer sobre Steven Gerrard , Franck Lampard , Philip Lahm , Kaká , Seedorf , Pirlo , Davids , Van der Sar.
O Seedorf já é imortal: https://www.imortaisdofutebol.com/2014/01/21/craque-imortal-seedorf/
Os outros estão na lista de próximos textos!
Concordo realmente esse site tem o melhor conteúdo sobre o futebol mundial, falta também jogadores como Nelinho e Eder Aleixo que foram os maiores cobradores de falta que já vi, inclusive aquele gol de Nelinho contra a Itália na Copa de 78 foi a melhor parábola(trajetória) que uma bola poderia descrever inclusive com duas curvas que simplesmente deixaram Zoff da Itália desnorteado. Outros também como Raul Plasmann e Ortiz que jogou no Atletico Mineiro em 1976-1977, que se não me engano foi o primeiro goleiro a fazer gol na história do Campeonato Brasileiro e também do Maracanã ao fazer um gol de penalti na vitória do Galo sobre o Vasco por 4 x 0 no dia 25/11/1976, acredito ainda que Ortiz fez o primeiro gol de um goleiro no Mineirão também na vitória do Galo sobre o CRB. Gostaria que o site certificasse isso. Ortiz foi o meu primeiro ídolo no futebol, ele fez muito tempo antes o que Rogério Ceni fez anos depois. Mais uma vez parabéns.
Isso mesmo, Dirvan. Ortiz marcou contra o Vasco, em 1976, na goleada de 4 a 0 do Galo pelo Brasileirão. Veja aqui: https://www.youtube.com/watch?v=J9csxtVA–M
E marcou também contra o CRB, na goleada de 4 a 1, no dia 07 de novembro do mesmo ano. Ao todo, ele fez sete gols pelo Atlético.
O site apresenta ótimas publicações e é provavelmente o melhor que tem sobre futebol mundial na internet, muito bom mesmo. Contudo, alguns jogadores merecem estar presentes, entre eles: Riquelme, Javier zanneti, pirlo, van nistelrooy, van der sar e Uwe Seeler. Abraços e espero que tenha gostado das minhas sugestões.
Obrigado pelo comentário, Felipe! 😀
Que Texto Incrível, Obrigado Cara Por Postar Estava Esperando Muito Esse Texto
😀
Grande craque, vocês desse site são fantásticos ao fazerem belas publicações. Mais uma vez parabens.
Muito obrigado pelos elogios, Dirvan!
Jay Jay Okocha seria um craque imortal? Era um cracaço de bola mas não sei se teve tantos feitos notáveis pra estar no rol dos imortais.
Ele será imortalizado sim, João! 😉