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Jogos Eternos – Brasil 0x1 França 2006

 

Data: 1º de julho de 2006

O que estava em jogo: uma vaga na semifinal da Copa do Mundo da FIFA de 2006.

Local: Waldstadion, Frankfurt, Alemanha.

Árbitro: Luis Medina Cantalejo (Espanha)

Público: 48.000 pessoas

Os Times:

Brasil: Dida; Cafu (Cicinho, aos 31’ do 2º T), Lúcio, Juan e Roberto Carlos; Gilberto Silva, Juninho Pernambucano (Adriano, aos 18’ do 2º T) e Zé Roberto; Kaká (Robinho, aos 34’ do 2º T) e Ronaldinho; Ronaldo . Técnico: Carlos Alberto Parreira.

França: Barthez; Sagnol, Thuram, Gallas e Abidal; Vieira e Makélélé; Ribéry (Govou, aos 32’ do 2º T), Zidane e Malouda (Wiltord, aos 36’ do 2º T); Henry (Saha, aos 41’ do 2º T). Técnico: Raymond Domenech.

Placar: Brasil 0x1 França. Gol: (Henry-FRA, aos 12’, do 2º T).

 

“O Recital de Zidane”

 

Por Guilherme Diniz

 

Antes da Copa do Mundo de 2006 começar, uma seleção reinava sozinha como favorita ao título: o Brasil, campeão de 2002 e com astros como Ronaldo, Ronaldinho, Adriano, Kaká, Cafu, Roberto Carlos e companhia. Era um elenco formidável, com “quadrado mágico” e muita badalação. Porém, quando o Mundial começou, aqueles atletas decepcionaram. Na fase de grupos, futebol bem abaixo da média e nada de brilho. No único jogo razoavelmente bom, contra o Japão, o Brasil foi com um time cheio de reservas, que provaram ser melhores do que os titulares. Nas oitavas, vitória protocolar contra Gana, mas ainda sim sem brilho. Até que veio o adversário das quartas de final: a França, algoz de 1998 e de 1986, com vários remanescentes do timaço campeão do mundo de 8 anos atrás e um camisa 10 que gelava a espinha dos brasileiros: Zinédine Zidane. Ver o maestro bleu era recordar as cabeçadas mortais dos 3 a 0, da dolorosa derrota que impediu o penta. Era relembrar seus dribles e grandes lances no amistoso de 2004, no centenário da FIFA. Era ter a certeza de estar diante de um dos três grandes carrascos do Brasil em Copas, tríade composta por ele, Paolo Rossi e Alcides Ghiggia. 

E, quando a bola rolou, com menos de um minuto, Zidane deixou Zé Roberto, Juninho Pernambucano e Gilberto Silva para trás. Os três, de uma vez, com sua classe, seus movimentos, suas passadas largas. Dali em diante, o Waldstadion de Frankfurt foi palco de um dos maiores recitais de um só jogador na história das Copas. Uma atuação digna de nota 10. Teve dribles, toques de primeira, chapéus. Zidane foi o senhor da bola que transformou aquela constelação de craques sem apetite do Brasil em garotinhos. Deu até pena. Aplausos foram insuficientes para Zizou. Adjetivos, idem. Aquela atuação foi direto para o Olimpo das Copas, onde ele já residia, mas cravou de vez seu lugar como um dos maiores gênios que a competição já teve. É hora de relembrar.

 

Pré-jogo

Robinho e Adriano: só alegria em 2005! Foto: Reuters.

 

Havia uma explicação para tanto otimismo com relação à seleção brasileira antes da Copa de 2006, mas também algumas contestações claras. Depois do título de 2002, a equipe trocou de comando e Carlos Alberto Parreira retornou a fim de manter a base campeã, renovar algumas posições e conduzir o time ao Mundial da Alemanha. Pelo caminho, o time venceu a Copa América de 2004 com um time reserva diante da Argentina titular de maneira épica, com um gol de Adriano no último minuto do jogo e triunfo nos pênaltis. Um ano depois, o time mais uma vez foi misto para a Copa das Confederações e venceu a competição após vitórias empolgantes contra Alemanha (3 a 2, na semifinal) e Argentina (4 a 1, na final). Além disso, o Brasil fez alguns bons jogos nas Eliminatórias e empolgou o torcedor, que via uma constelação de craques que, no papel, compunham uma seleção impressionante: Dida, Cafu, Juan, Roberto Carlos, Gilberto Silva, Kaká, Ronaldinho – melhor do mundo em 2004 e 2005 – Ronaldo e Adriano, além das boas fases de Robinho, Cicinho, Juninho Pernambucano e Gilberto. 

Os campeões da Copa das Confederações de 2005. Em pé: Gomes, Renato, Marcos, Gilberto Silva, Ricardo Oliveira, Luisão, Juan, Adriano, Zé Roberto, Lúcio, Dida, Roque Júnior, Emerson e Ronaldinho. Agachados: Edu, Juninho Pernambucano, Maicon, Kaká, Júlio Baptista, Robinho, Cicinho, Gilberto e Léo.

 

Ronaldinho ergue a taça da Copa das Confederações de 2005. Foto: Reuters.

 

Porém, alguns pontos eram problemáticos. O quarteto de ataque apelidado pela imprensa de “quadrado mágico” entrou em 2006 em baixa. Kaká não estava 100% fisicamente e teria que jogar o Mundial no sacrifício. Ronaldinho, um extraterrestre nos anos de 2004 e 2005, vinha caindo de produção em 2006 e pouco produziu na final da Liga dos Campeões da UEFA vencida por seu time, o Barcelona, em maio daquele ano diante do Arsenal. Adriano, imperador e um atacante devastador em 2004 e 2005, estava fora de forma e Ronaldo também estava acima do peso e longe de ser o goleador que o consagrou nos anos 1990 e início dos anos 2000. Além deles, Cafu não tinha mais o vigor de antes e Roberto Carlos jogava o básico, sem grandes momentos. Cicinho e Gilberto, por exemplo, estavam em melhores fases do que os titulares do penta. 

Capa da revista Placar de maio de 2006 alertava sobre o “quadrado mágico”.

 

Mas Parreira demonstrava pouca ousadia e não tinha “peito” para barrar tais estrelas por causa do passado de glórias e simbolismo que eles tinham no futebol e na seleção. Claro que é totalmente compreensível imaginar o quão embaraçoso seria para um técnico chegar a um Ronaldo em plena Copa e dizer: “olha, você não vai jogar, vou escalar o Robinho, ok?”. Ou dizer para o capitão Cafu: “viu, o Cicinho voou na Copa das Confederações, você entra no segundo tempo, certo?”. Era uma situação complicada que poderia “rachar o vestiário”. A pessoa que teria coragem para tais atos era Zagallo, presente na coordenação técnica mais uma vez, mas o Velho Lobo não estava bem de saúde e nem de longe foi o homem que brigava e ajudava Parreira em todos os momentos como em 1994.

Quadrado deu ruim…

 

Parreira vivia muito isolado na época e parecia carente de seu parceiro. E isso interferiu bastante na preparação da seleção em Weggis, na Suíça, onde uma bagunça tomou conta dos treinos e via-se pouco comprometimento do elenco em busca do título. Na estreia do Brasil na Copa, vitória magra por 1 a 0 e sem brilho contra a Croácia. No segundo jogo, sufoco e vitória por 2 a 0 sobre a Austrália. Na última partida, contra o Japão, os tão esperados reservas entraram e deram a vitória por 4 a 1 ao Brasil, em jogo que ficou clara a leveza do setor defensivo com Gilberto e Cicinho nas laterais, a maior mobilidade com Robinho no ataque e Gilberto Silva muito melhor taticamente do que Emerson no meio de campo.

Kaká comemora seu gol na vitória sobre a Croácia por 1 a 0, na Copa de 2006. Foto: AFP.

 

Nas oitavas, o Brasil venceu Gana por 3 a 0 em partidaça de Zé Roberto e recorde de Ronaldo, que chegou ao gol de número 15 em Copas e se tornou à época o maior artilheiro da história da competição. Porém, o time jogou mal de novo. De fato, aquele Brasil não tinha apetite. Faltava alguém para “bater na mesa” e exigir uma mudança, como o próprio Kaká admitiu anos depois. E o grande teste daquela seleção estava com data marcada: 1º de julho, em Frankfurt, contra a França.

Ao contrário do Brasil, o time europeu tinha vários atletas que queriam ser campeões do mundo. Embora contasse com vários nomes de 1998 como Barthez, Thuram, Vieira, Henry, Trezeguet e Zidane, o time de Raymond Domenech vinha renovado com Gallas, Sagnol, Abidal, Makélélé, Malouda e Ribéry, atletas que davam ao conjunto francês uma força notável – tanto quanto em 1998. Na primeira fase, a equipe se classificou aos trancos e barrancos após dois empates – 0 a 0 com a Suíça e 1 a 1 com a Coreia do Sul – e venceu o último jogo, contra Togo, por 2 a 0, para selar sua vaga em segundo lugar. 

Mas foi a partir das oitavas que o time francês acordou e venceu a Espanha por 3 a 1, com grande atuação dele: Zidane, autor do gol que fechou a vitória. Na época, Zizou vivia às turras com a imprensa de seu país por causa das críticas e também por ter anunciado que aquela Copa seria sua aposentadoria do futebol – ele já havia se despedido do Real Madrid.

No dia do jogo, a expectativa era de mais um clássico histórico entre brasileiros e franceses, que tinha até aquele dia uma vitória do Brasil – 5 a 2, na semifinal de 1958 – uma vitória da França – 3 a 0, na final de 1998 – e um empate seguido de vitória da França nos pênaltis, nas quartas de final de 1986. Parreira decidiu escalar Gilberto Silva mais uma vez no meio de campo e dava a entender que colocaria Robinho no lugar de Adriano, mas Juninho Pernambucano foi o escolhido por “conhecer o futebol francês” graças ao seu papel decisivo no Lyon pentacampeão francês na época. 

Porém, em nada aquilo iria agregar ao time na prática, pois não havia entrosamento e o time simplesmente não rendia por falta de interesse de seus personagens, pelo sacrifício físico de Kaká e um meio de campo aberto, cheio de espaços e nenhuma criatividade no ataque. Quem entendia de futebol sabia que a França era favorita. Mas os românticos tinham certeza de que o Brasil dos sonhos iria acordar naquele dia.

 

Primeiro tempo – A arte do camisa 10

Quando a bola rolou, a mostra de que aquele seria o jogo de Zidane aconteceu nos citados primeiros segundos da partida, na escapada do maestro francês diante de Gilberto Silva, Zé Roberto e Juninho. Ali, o técnico Raymond Domenech disse anos depois que tinha certeza que venceria o jogo. “Quando, no início, Zidane dá seu giro para driblar dois jogadores e pedala pra tirar um terceiro, viro para o banco e digo: ‘Ganhamos’. Porque correspondia a tudo que dizemos: escapar da pressão inicial e criar perigo”, disse o treinador à revista France Football. O time brasileiro teve apenas dez minutos de sossego no jogo, quando estudou a França e ela idem. Depois disso, a França simplesmente tomou conta da partida e não foi agredida. 

Aos 14’, Zidane bateu escanteio, Dida cortou e Ribéry chutou por cima. A França adiantava sua marcação e não deixava o Brasil avançar, pressionando a saída de bola e apostando na criatividade de seu camisa 10 e nas jogadas pelas laterais com Malouda e Ribéry. Quando recebia a bola, Zidane a prendia no pé de maneira única. Dava toques sutis, dribles desconcertantes e ao mesmo tempo elegantes, dominava com a coxa, com o peito do pé. Dava passe de três dedos, cortava um, cortava dois. Embora sobrasse, Zidane ainda sim não encontrava a brecha para dar um passe a Henry, muito bem marcado pela dupla de zaga brasileira. Zé Roberto se desdobrava no meio, Gilberto Silva sofria um bocado e Ronaldinho não existia. Era inacreditável a queda de rendimento do melhor do mundo.

Os times em campo: França era muito mais organizada e talentosa, por isso, engoliu o Brasil, apenas bonito no papel.

 

O tempo ia passando e o gol não saia. No entanto, o estádio se maravilhava a cada toque de Zidane, que flutuava em campo, passava da direita para a esquerda como um ser celestial, regia sua orquestra francesa como ninguém fazia igual. Em determinado lance, quando Kaká tentou tirar-lhe a bola, Zidane a protegeu petecando a redonda como se estivesse em uma pelada e recuou para a zaga com a calma de um senhor do futebol. Perto do final do primeiro tempo, Zidane ainda engatilhou um contra-ataque e deixou Lúcio e Gilberto Silva no chão, estatelados, antes de tocar para Vieira. O volante foi em direção ao gol, mas acabou sofrendo falta de Juan, que levou cartão amarelo.

 

Segundo tempo – Au revoir, Brasil

Chapéu de Zidane em Ronaldo…

 

Logo no início do segundo tempo, a França teve uma falta a seu favor e Zidane cobrou no meio da área para Vieira, que cabeceou rente à trave de Dida. O time bleu seguia dono do jogo e era uma injustiça tremenda o placar ainda estar empatado sem gols. Ainda mais depois que Zidane, ao receber uma bola no meio de campo, deu um chapéu em Ronaldo e completou a jogada tocando de cabeça para Abidal, na esquerda. Foi um lance simplesmente magnífico, plástico, que fez ecoar “ohhs” nas arquibancadas. Zidane era o ser dominante daquele jogo. Mas ainda faltava o detalhe do gol. E, aos 12’, eis que a justiça foi feita. Em cobrança de falta pela esquerda, Zidane cobrou com sua precisão cirúrgica, a bola voou e encontrou Henry completamente livre, que pegou de primeira e mandou a redonda para o fundo do gol: 1 a 0. 

Tá aqui o seu hexa… By Henry, em 2006. Foto: Lionel Cironneau/AP.

 

Foi uma falha clamorosa de marcação do Brasil, que deixou um atacante letal como Henry sem qualquer obstáculo. Muito se falou de Roberto Carlos, que no momento da cobrança de falta estava ajeitando o meião, mas ele não tinha obrigação nenhuma de marcar o atacante francês, afinal, Henry tinha quase 1,90m de altura e Roberto Carlos pouco mais de 1,68m. Foi um erro geral de marcação e de atenção, pois não se comete uma infração naquela área do campo quando se tem Zidane como cobrador de faltas e jogadores perigosos na bola aérea.

Foto: Cathal McNaughton / Getty Images.

 

A França continuava no campo de ataque e o Brasil não superava o rival, enquanto que Zidane seguia distribuindo dribles e outro chapéu – dessa vez em Gilberto Silva. Aos 16’, Ribéry aplicou lindo drible em Lúcio e chutou rasteiro, a bola bateu em Juan e quase entrou. Só aos 18’ que Parreira decidiu mudar o time ao sacar Juninho e colocar Adriano. Só que de nada adiantou. Aos 25’, em contra-ataque, Henry tocou para Ribéry, livre, mas Dida saiu bem do gol e interceptou a jogada. Minutos depois, Henry tentou de longe e Dida defendeu no meio do gol. Após os 30’, tanto Brasil quanto França fizeram alterações, mas nada mudou, nem mesmo com as entradas de Robinho e Cicinho.

O único chute do Brasil no jogo aconteceu aos 46’, com Ronaldo, que pouco exigiu do espectador do jogo, o goleiro Barthez. Aos 48’, o árbitro encerrou o jogo e a França se garantiu na semifinal, eliminando o Brasil pela segunda vez na história em uma fase de quartas de final – e acumulando o terceiro triunfo seguido sobre o país em Copas. Era o fim de um time de sonhos no papel, mas decepcionante em campo. E o sonho do bicampeonato seguia vivo para a França, que viu naquela noite uma das maiores apresentações de um jogador na história dos Mundiais. O recital de Zidane, imortal das Copas, imortal do futebol. 

 

Pós-jogo: O que aconteceu depois?

Brasil: a derrota de 2006 significou o fim de uma era para o futebol brasileiro. Dali em diante, o país entrou em uma terrível entressafra e não conseguiu encantar como encantou durante tantos anos. Em 2011, a sina de resultados negativos contra a França continuou e o time perdeu um amistoso para os Bleus por 1 a 0. A zica só acabou em 2013, quando o Brasil venceu por 3 a 0 um amistoso e, dois anos depois, mais um – por 3 a 1. Mas o time canarinho ainda espera por uma revanche em Copa.

França: depois de derrotar o Brasil, a equipe de Zidane venceu Portugal por 1 a 0 – gol de Zidane – e foi para a decisão da Copa contra a Itália. Nela, Zidane deixou sua marca, fez outra partidaça, mas saiu pela porta dos fundos após a fatídica cabeçada em Materazzi que culminou com a expulsão do francês. Após empate em 1 a 1 no tempo regulamentar e na prorrogação, a França perdeu nos pênaltis por 5 a 3 e viu a Itália celebrar o título. Só em 2018 que os Bleus voltaram a sorrir com o título mundial conquistado na Rússia exatos 20 anos depois do primeiro caneco lá de 1998. Não teve Zidane, mas teve um novato Mbappé gastando a bola como mandava a cartilha do gênio que ele viu na infância.

Extra:

Veja lances de Zidane naquele jogo.

 

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Comentários encerrados

4 Comentários

  1. Venho do futuro pra dizer que em 18 de dezembro de 2022, Lionel Andrés Messi Cuccittini fez uma partida nesse nível numa final de Copa do Mundo. Quero que fique registrado que, se extraterrestres existem, La Pulga é um deles.

  2. Esse jogo mostrou que 1 x 0 pode sim ser goleada. Aliás, pelo que França, e principalmente Zizou, jogaram, era para ter sido uns 12 x 0 para a França para cima daquele time arrogante, vagabundo, ordinário, indolente e com tão pouco comprometimento e seriedade como foi a seleção brasileira de 2006.

    Vou confessar: Adorei ver a seleção brasileira ser eliminada da maneira como foi nessa partida. De todas as eliminações da seleção brasileira em Copas, a de 2006 foi, de longe, a mais merecida.

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