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Jogos Eternos – Ajax 2×3 Tottenham 2019

Foto: Reuters.

 

Data: 08 de maio de 2019

O que estava em jogo: uma vaga na final da Liga dos Campeões da UEFA de 2018-2019.

Local: Johan Cruyff Arena, Amsterdã, Holanda.

Juiz: Felix Brych (ALE)

Público: 52.641 pessoas

Os Times:

Amsterdamsche Football Club Ajax: Onana; Mazraoui, De Ligt, Blind e Tagliafico; Schöne (Veltman, aos 15’ do 2º T) e De Jong; Ziyech, Van de Beek (Magallán, aos 45’ do 2º T) e Tadic; Dolberg (Sinkgraven, aos 22’ do 2º T). Técnico: Erik ten Hag.

Tottenham Hotspur Football Club: Lloris; Trippier (Lamela, aos 36’ do 2º T), Alderweireld, Vertonghen e Rose (Davies, aos 37’ do 2º T); Sissoko e Wanyama (Llorente, intervalo); Eriksen, Dele Alli e Son Heung-Min; Lucas Moura. Técnico: Mauricio Pochettino.

Placar: Ajax 2×3 Tottenham (Gols: De Ligt-AJX, aos 5’, e Ziyech-AJX, aos 35’ do 1º T; Lucas Moura-TOT, aos 10’, 14’ e 45 + 6’ do 2º T).

 

“Que coisa maluca é o futebol…”

Por Guilherme Diniz

Um time perde em casa para o então tricampeão europeu e, contra todas as previsões, reverte o placar na volta, fora de casa, com uma goleada por 4 a 1. Que coisa maluca é o futebol! Na sequência, volta a tropeçar em casa diante do time de Cristiano Ronaldo, e, fora de casa, volta a vencer. Que coisa maluca é o futebol. Eis que chega a semifinal e, de novo fora de casa, esse time vence. Na volta, em casa, lugar onde não havia vencido ainda naquele mata-mata, abre 2 a 0 no primeiro tempo com um futebol vigoroso, envolvente, característica máxima daquela turma alvirrubra na Liga dos Campeões da UEFA de 2018-2019. Do outro lado, o rival dos holandeses não era nem sombra do time que atropelou o Borussia Dortmund nas oitavas de final após 4 a 0 no agregado e que havia despachado o favorito Manchester City nas quartas. Que coisa maluca é o futebol!

Mas, no segundo tempo, tudo mudou na Johan Cruyff Arena. Talvez inspirado pelo jogador que dava nome àquele estádio, um brasileiro chamou a responsabilidade para si. Em quatro minutos, marcou dois gols. Que coisa maluca é o futebol. E, quando a torcida holandesa já cantava em festa pela vaga na final, o árbitro deu 5’ de acréscimos. O goleiro Onana demorou na reposição de bola e esticou a partida em mais alguns segundos. E alguns segundos são uma eternidade nessa coisa maluca que é o futebol… No apagar das luzes, no fechar das cortinas, quando o árbitro colocava o apito na boca e inflava os pulmões para apitar…

O Tottenham fez o terceiro gol. De novo, com o brasileiro Lucas Moura, que havia marcado apenas um hat-trick em sua estadia na Europa até aquele dia. O jogo da vida do atacante. E exatamente um dia após uma outra grande virada acontecer alguns quilômetros dali, em Anfield Road. Realmente, que coisa maluca é o futebol… É hora de relembrar mais uma partida épica e histórica da mais emocionante Liga dos Campeões deste século.

 

Pré-jogo

Festa holandesa no Bernabéu: Ajax goleou o Real nas oitavas.

 

Muito antes da Liga dos Campeões de 2018-2019 começar, praticamente ninguém apostava em uma semifinal entre Ajax e Tottenham. Ou mesmo com um deles entre os quatro melhores times do continente. As fichas mais prováveis eram Real, Juventus, Barcelona, Bayern, Atlético de Madrid… Enfim, os que nos últimos anos sempre marcavam presença em tal estágio da competição. Mas tanto holandeses quanto ingleses reverteram todos os prognósticos. O Ajax avançou invicto, com três vitórias e três empates, deixando Benfica-POR e AEK-GRE para trás e brigando de igual para igual com o Bayern-ALE, primeiro colocado do Grupo E – nos duelos entre ambos, empates tanto na Alemanha (1 a 1) quanto em Amsterdã (3 a 3). Mas foi no mata-mata que o time alvirrubro renasceu. Nas oitavas, após perder por 2 a 1 para o tricampeão Real Madrid, o Ajax fez 4 a 1 nos merengues em pleno Santiago Bernabéu, um dos maiores vareios já aplicados pelo clube na UCL e que os merengues já levaram em casa em toda a competição.

Nas quartas, o time holandês enfrentou a Juventus de Cristiano Ronaldo e voltou a tropeçar em casa com um empate em 1 a 1. Mas, na volta, os garotos se superaram de novo e venceram a Juve de virada por 2 a 1. Dava gosto ver o time comandado por Erik ten Hag jogar. Com velocidade, constante troca de passes e futebol ofensivo, eles não se intimidavam com torcidas rivais e já eram um dos favoritos para chegar à final.

Do outro lado, o Tottenham encarou uma fase de grupos bastante difícil e ao lado de clubes tradicionais e ex-campeões do torneio: Barcelona, Internazionale e PSV. Os ingleses começaram mal e perderam os dois primeiros jogos (2 a 1 para a Inter, fora, e 4 a 2 para o Barça, em casa). Após empate fora de casa em 2 a 2 com o PSV, o time precisava vencer de qualquer maneira pelo menos dois jogos se quisesse seguir na briga pela segunda vaga do grupo. E conseguiu. Na 4ª rodada, vitória por 2 a 1 sobre o PSV. E, na seguinte, vitória por 1 a 0 sobre a Inter. Na última rodada, o empate em 1 a 1 com o Barça, fora, somado ao empate da Inter contra o PSV acabou dando a vaga ao Tottenham, que avançou graças ao critério de gol marcado fora de casa contra a Inter (que ficou empatada em pontos com os Spurs) lá na primeira rodada.

Nas oitavas, os ingleses golearam o Borussia Dortmund por 3 a 0 na ida e fizeram 1 a 0 na volta. Nas quartas, duelo doméstico contra o Manchester City, um dos favoritos. E, no primeiro jogo em seu novo estádio pela Liga dos Campeões, os Spurs venceram por 1 a 0, gol de Son. Na volta, um duelo eletrizante fez o Tottenham viver emoções distintas durante todo o jogo. Foram cinco gols em apenas 21 minutos na primeira etapa, com o City abrindo o placar, o Tottenham virando para 2 a 1 e o City virando para 3 a 2. No segundo tempo, Agüero fez 4 a 2 e Llorente diminuiu para 4 a 3.

O placar dava a classificação ao time londrino graças aos gols marcados fora. Até que, aos 48’, o City fez o quinto gol. A festa eclodiu no Etihad. Mas o VAR entrou em ação e anulou o tento por impedimento do ataque celeste. A sorte estava do lado do Tottenham. E, após cozinhar o jogo nos minutos finais, garantiu a vaga em uma semifinal de Liga dos Campeões pela primeira vez desde a temporada 1961-1962, quando o timaço de Blanchflower, Greaves e Smith foi derrotado pelo futuro campeão, o Benfica de Coluna e Eusébio.

Festa na casa nova do Tottenham no primeiro jogo da semifinal: construção do estádio impediu qualquer contratação do clube para a temporada 2018-2019.

 

Van de Beek comemora o gol da vitória holandesa em plena Londres.

 

Após superarem tantos percalços e adversários poderosos, Ajax e Tottenham iriam disputar uma semifinal totalmente sem favoritos. Tudo poderia acontecer. No primeiro jogo, em Londres, os holandeses começaram com tudo e abriram o placar logo aos 15’, com Van de Beek, num gol bem parecido com o que ele mesmo havia marcado contra a Juventus, nas quartas de final. David Neres ainda carimbou a trave de Lloris e a derrota por 1 a 0 até que ficou de bom tamanho para os Spurs, que sentiram demais as ausências de Son (suspenso) e Kane (lesionado), além do zagueiro Vertonghen ter de sair logo aos 31’ do primeiro tempo após um violento choque com o companheiro Alderweireld. Ele teve um corte no nariz, ficou muito tonto e não conseguiu prosseguir.

Mesmo com o revés na partida de ida, o técnico Pochettino estava confiante. Ele sabia da capacidade de superação de seu elenco, que conseguia enfrentar qualquer adversário, e teria a volta de Son para criar jogadas de ataque em velocidade ao lado de Lucas Moura. Além disso, o retrospecto de tropeços do Ajax jogando em casa naquele mata-mata dava ainda mais confiança ao técnico da equipe londrina, que precisava de uma vitória por dois gols para avançar no tempo normal. E, no dia do jogo, outra notícia boa para o Tottenham: David Neres, um dos principais atacantes do time holandês, sofreu um estiramento na coxa esquerda e acabou cortado minutos antes do jogo e nem sequer ficou no banco. Com isso, o técnico Erik ten Hag colocou Dolberg no ataque como centroavante, e Tadic e Ziyech mais abertos pelas pontas.

A Johan Cruyff Arena pronta para a partida. Foto: Perfil do Ajax no Twitter.

 

Brasileiro David Neres foi cortado minutos antes do jogo e nem no banco ficou.

 

Antes de as equipes entrarem, a festa na Johan Cruyff Arena era espetacular. As arquibancadas se tingiam com as cores do Ajax. Van der Sar e Kluivert, ex-jogadores do time campeão de 1994-1995, estavam lá para levar bons fluídos a uma nova garotada que buscava a primeira final europeia do clube de Amsterdã desde 1996. Do outro lado, o Tottenham, sem contratações, com os recursos financeiros da temporada totalmente destinados à construção de seu estádio, buscava uma final inédita e histórica. E, com os acontecimentos de Anfield Road do dia anterior ainda frescos na memória dos amantes do futebol, a expectativa era de um grande jogo.

 

Primeiro tempo – Vaga holandesa

De Ligt sobe…

 

… E marca o primeiro gol do Ajax.

 

Os times começaram tocando a bola, com marcações avançadas até Tadic, aos 4’, exigir uma defesaça de Lloris, que mandou para escanteio. Foi o primeiro cartão de visitas dos holandeses. Na cobrança, De Ligt subiu mais alto do que todo mundo, aproveitou a falha na marcação da defesa rival, e testou para fazer 1 a 0. Livre, com a soberania de um veterano e a idade de um garoto. O Ajax abria 2 a 0 no agregado. A Johan Cruyff Arena aumentou o som. Os alvirrubros estavam quentes. Tinindo. Jogando daquele jeito, não havia dúvidas de que a vaga era holandesa. Mas o Tottenham respondeu com Son, que mandou uma bola na trave logo em seguida para mostrar que o time inglês não estava morto. O chute do sul-coreano manteve o Tottenham no ataque, procurando o empate até os 10’. No entanto, o Ajax dava poucos espaços e, quando contra-atacava, ia com velocidade e grandes alternativas com Van de Beek, Ziyech e Tadic. Além da técnica, o time holandês era raçudo, não gostava quando perdia a bola e brigava por ela com carrinhos, disparadas e muita garra, além desarmar constantemente o adversário, principalmente entre os 12’ e 19’.

Aos 22’, Dele Alli conseguiu um espaço para descolar um belo passe em profundidade para Son, que apareceu no meio, mas o chute não foi forte e ficou fácil para o goleiro Onana. Um minuto depois, outra chegada inglesa, com jogada de Lucas Moura e finalização de Eriksen, mas Onana defendeu. Já eram cinco finalizações do Tottenham contra quatro do Ajax. O time inglês conseguia chegar ao ataque, mas enfrentava dificuldades para sair jogando e manter a posse de bola. A subida na marcação do Ajax era outro ponto que prejudicava os Spurs, que não tinham espaço para trocar dois, três passes com calma.

Aos 29’, outra roubada de bola do Ajax que resultou em contra-ataque rápido pela esquerda. Tadic ficou no mano a mano com Alderweireld, chutou cruzado e a bola passou raspando a trave do goleiro Lloris. Mas o segundo gol não tardou em aparecer. Aos 34’, o Ajax começou lá de trás, Van de Beek ganhou mais uma dividida no meio de campo, olhou a passagem de Tadic pela esquerda, tocou para o camisa 10, que esperou a aproximação de Ziyech pelo meio, e tocou. Do jeito que ela veio, o atacante encheu o pé sem chance alguma para Lloris: golaço! Uma síntese do que era aquele Ajax no primeiro tempo: roubada de bola, pressão, velocidade, contra-ataque, criatividade e bola na rede!

Ziyech enche o pé: golaço!

 

O agregado apontava 3 a 0 para o Ajax. Do lado inglês, a incredulidade era visível. O time precisava de pelo menos três gols àquela altura. Após os 30’, os ingleses não conseguiram mais assustar. Ao final do primeiro tempo, era clara a superioridade do time da casa. Com aquela intensidade e predomínio nas roubadas de bola, os alvirrubros demonstravam enorme segurança e pareciam com a passagem garantida para Madri. Já o Tottenham tentava, mas não era tão agressivo como o rival. A final europeia apontava Liverpool x Ajax. Mas aquela Liga dos Campeões era a “liga da insanidade”… E sobreviver à batalha do Etihad deixou o Tottenham calejado. Pronto para qualquer coisa.

 

Segundo tempo – LUCAS MOURA

A segunda etapa foi iniciada sob a música de Bob Marley “Three Little Birds”, com a torcida holandesa cantando “não se preocupe com isso, porque cada pequena coisa vai ficar bem”. Será que eles cantavam antes da hora? Será que aquilo era mesmo uma ‘little thing’? Ouvindo tudo aquilo, o Tottenham se inflou. Llorente entrou e fez o time chegar mais ao ataque. A velocidade aumentou com Eriksen, Dele Alli, Son e Lucas Moura ainda mais presentes na área holandesa, com o espanhol como pivô, puxando a marcação de De Ligt e deixando Blind (lento) sozinho contra Son e Lucas Moura, mais rápidos. E a tática deu certo. O Tottenham começou mais incisivo, confiante. Forçava o erro do adversário, que errava. Trocava passes com mais frequência no campo de ataque. E não perdia as bolas tão fatais que perdeu no primeiro tempo. Aos 7’, Eriksen cruzou na área e Dele Alli, de primeira, mandou para o gol. Quando o torcedor inglês ia soltar o grito, Onana fez uma defesa espetacular e mandou para escanteio, arrancando aplausos do torcedor. Era outro jogo.

Lucas Moura abre caminho para o épico.

 

Lucas Moura pedia a bola constantemente. Ele recebia. O brasileiro chamava a responsabilidade. Habilidoso, rápido e ágil, via naquela partida a ocasião perfeita para mostrar seu valor. E, aos 10’, após a posse de bola voltar para o Tottenham graças a Son, o lateral Rose deu bela caneta em De Ligt e engatilhou um contra-ataque. Ele lançou no meio para Lucas Moura, que deixou rapidamente com Dele Alli, que driblou De Jong e viu Lucas Moura vir de trás com uma velocidade espantosa. O brasileiro se intrometeu na jogada como quem diz “agora é comigo!”, passou por Schöne, invadiu a área e chutou por baixo do goleiro Onana, no canto, indefensável: 2 a 1. Eriksen pegou a bola, deu para Lucas Moura e este foi para o meio de campo para repô-la em jogo.

O Tottenham era seguro de si. Lucas Moura flutuava pelo ataque. Deixava os zagueiros holandeses temerosos. E os Spurs não saíram do ataque. Apenas quatro minutos depois, Son, na meia-lua, tocou na direita para Trippier. O lateral cruzou para Llorente, que chutou à queima roupa e obrigou Onana a fazer outra defesaça. Mas o goleiro não segurou. Schöne apareceu para tirar dali, mas Onana tentou agarrar a bola. Arisca, a redonda não quis nem um, nem outro. Queria Lucas Moura. O brasileiro estava lá, pronto para dar o bote. Ele dominou, driblou De Jong como se estivesse em uma área de quadra de futsal, girou e bateu de perna esquerda por entre as pernas do próprio De Jong : 2 a 2. Outro gol mágico do atacante, com uma habilidade digna dos bons tempos do futebol brasileiro. Era, de fato, outro jogo! Uma loucura. Como “punição”, Schöne saiu logo após o gol para a entrada de Veltman.

Como se estivesse jogando futsal, Lucas Moura entortou De Jong para empatar.

 

Ziyech tentou responder logo na sequência com um chute que foi desviado e originou escanteio, mas o ataque não deu em nada. Llorente tentou a réplica, mas chutou longe demais. Após receber passe de Tadic dentro da área, Ziyech quase fez o terceiro ao chutar de primeira, mas a bola passou no pé da trave de Lloris. Na sequência, Sissoko tocou para Son, este deixou com Trippier, que cruzou para Llorente cabecear. De Ligt afastou, mas a bola sobrou para Lucas Moura, livre, que chutou e obrigou o zagueiro holandês afastar para escanteio. O capitão alvirrubro deu uma bronca tremenda na zaga pelo espaço concedido ao atacante brasileiro.

O predomínio do Tottenham naquele segundo tempo assustava o torcedor holandês. Era quase 70% de posse de bola, com 10 chutes a gol do Tottenham e apenas quatro do Ajax. Era a primeira vez em toda a fase de mata-mata que o clube de Amsterdã sofria uma pressão e provava do próprio veneno. Justo ali, no segundo tempo da semifinal. Que coisa maluca é o futebol, não é mesmo?

Aos 25’, De Ligt surgiu no ataque, chutou, Lloris defendeu e a bola passou a centímetros do pé de Tagliafico, que perdeu uma chance gigantesca de fazer o terceiro gol. O Tottenham respondia com chegadas pelo meio com Sissoko (que fazia uma partidaça) e lançamentos precisos para Llorente fazer o pivô e escorar para Lucas Moura, Dele Alli e Trippier. Entrou muito bem o espanhol no jogo, puxando a marcação, atraindo De Ligt e fazendo tudo o que Pochettino havia imaginado e planejado. Aos 33’, Van de Beek tocou para Ziyech, sempre perigoso, que chutou e a bola bateu na trave esquerda de Lloris. Outro gol desperdiçado pelo atacante. A sorte estava com os Spurs. E a energia do jogo transbordava do campo, chegava na arquibancada, inspirava a torcida a cantar, roer as unhas que já não existiam, rezar para todos os santos.

Entrada de Llorente no segundo tempo mudou o estilo de jogo do Tottenham, que passou a ser mais agressivo e incisivo no ataque.

 

Faltavam dez minutos. A frenesi aumentava. A torcida empurrava. O Tottenham jogava por um gol, uma bola. Para enterrar as decepções, o “quase” que sempre perseguia o clube nos últimos anos. Pela vaga que escapou nos anos 1960 na fatídica semifinal contra o Benfica. O Tottenham roubava as bolas que lhe foram roubadas no primeiro tempo. Jogava como se estivesse em sua nova casa. Ou em Wembley. Aos 40’, Son chegou e ganhou escanteio. Após a cobrança, Vertonghen recebeu sozinho, mandou de cabeça pro gol, Onana tirou em cima da linha e, no rebote, o mesmo Vertonghen tentou de novo, mas a zaga salvou outra vez em cima da linha. Na sequência, Son ainda tentou, mas o chute foi para fora.

Era um pandemônio aquele jogo! O Tottenham massacrava o Ajax. Queria o gol de qualquer maneira, a qualquer custo. Erik ten Hag tirou Van de Beek para a entrada de Magallán, para segurar o jogo e ajudar a marcação. O time da casa não ousava mais. Já os Spurs mostravam a coragem para buscar o gol nos minutos finais. E teríamos mais cinco de acréscimos.

No primeiro minuto extra, escanteio para o Ajax. A fim de ganhar tempo, a equipe alvirrubra tentou segurar a bola no canto, mas Tadic saiu com bola e tudo. Por que não tentar o cruzamento na área? Aos 47’, Ziyech (de novo…) teve a chance de fazer, chutou, mas Lloris defendeu. Era muito gol perdido. E, sabe como é, o futebol costuma punir tanto desperdício… Não obedece teorias nem lógicas. Um minuto depois, após muito tentar, o Tottenham ganhou escanteio. Lloris saiu do gol para ajudar na área. Eriksen bateu, Llorente cabeceou e a bola foi pra fora.

A torcida vibrou como se fosse um gol. Faltavam 50 segundos. Onana segurava a reposição. Levou amarelo e forçou um tempinho extra. Faltavam pouco mais de 30 segundos. Ele cobrou. A zaga inglesa rebateu. Sissoko ganhou no meio e chutou. Poxa, chutão!? Mas tinha endereço. Llorente. Ele fez o pivô. A bola ficou com Dele Alli. Perto dele, Lucas Moura. Como um foguete, ele invadiu a área, olhou para a bola e chutou de primeira. Sem olhar. Nem precisava. Ela sabia exatamente onde deveria ir àquela altura. Gol. Aos 51’. Euforia. Emoção. Gritaria. Choradeira. Os reservas do Tottenham invadiram o gramado. Pochettino não sabia como extravasar. Era o gol da classificação. 3 a 3 no agregado. Placar de 3 a 0 para o Tottenham no segundo tempo. Do outro lado, jogadores do Ajax desabavam no gramado. Desolados. Consternados. Jogaram tanto no primeiro tempo, perderam tantos gols no segundo, e ficaram sem nada no final.

Lucas Moura extravasa…

 

… E Pochettino não segura o choro. Foto: AP.

 

Ajax tentou atacar em bloco na reposição.

 

Na reposição de bola, os holandeses se alinharam no meio de campo para atacar em bloco. Foi todo mundo pro ataque. Em vão. O jogo acabou após contra-ataque puxado por… Lucas Moura e finalizado com falta em Sissoko. Ao apito do árbitro, a emoção transbordou. Alegre do lado inglês. Triste do lado holandês. A torcida aplaudiu o trabalho dos jovens jogadores do Ajax. E, sobretudo, o espetáculo que os jogadores de ambos os times proporcionaram. Um reconhecimento ao esporte. Ao show. Aplausos para o maior torneio de clubes do planeta.

Festa de Pochettino e dos jogadores foi emocionante. Foto: Getty Images.

 

Lucas Moura, o protagonista maior daquela noite, pegou a bola e não desgrudou mais dela. Era seu presente. Seu amuleto. Seu adorno. Ela ia para a casa dele. Certamente para um espaço especial, no cume de uma estante. Ou na cabeceira da cama, para inspirar os sonhos do jogador que viveu um real e proporcionou tudo aquilo para milhões de torcedores no mundo, em especial o lado adepto aos Spurs de Londres, que não dormiu e preferiu ficar acordado e não dormir mais após aquela noite de 08 de maio de 2019. Maluquice? Que nada. Coisa do futebol, essa coisa maluca…

 

Pós-jogo: o que aconteceu depois?

Ajax: embora tenha sido eliminado, o time de Amsterdã deixou a UCL de 2018-2019 de cabeça erguida. Com uma talentosíssima geração de jogadores, o clube fez sua melhor campanha continental depois de muito tempo e jogou talvez o futebol mais bonito da competição, com grandes partidas e um show marcante contra o Real nas oitavas. O que ninguém entendeu foi o time vencer os três jogos que disputou fora de casa e não vencer nenhum dos três que fez em casa no mata-mata. Por que raios essa discrepância? Bem, se Ziyech não tivesse perdido tantos gols, se David Neres tivesse jogado e se Dolberg (ele realmente jogou???) não fosse nulo no ataque, talvez as coisas pudessem ser diferentes naquela noite de 08 de maio. Mas o ‘se’ não existe no futebol. Fica para a próxima.

 

Tottenham: a atuação de Lucas Moura espantou a Europa, o mundo e o jogador foi capa de praticamente todos os jornais esportivos. Com seu hat-trick, o brasileiro ganhou inclusive uma raríssima nota 10 do jornal francês L’Équipe – antes dele, apenas nove jogadores haviam ganhado tal nota pela criteriosa publicação, sendo o primeiro o francês Sauzée, em 1988 (!). O Daily Mail, da Inglaterra, exaltou ainda que o brasileiro marcou o “mais importante hat-trick da história do Tottenham”. Seu companheiro de time, Eriksen, pediu até uma estátua para Lucas na Inglaterra. Se ele se preocupava com isso? Com certeza nem ligou. O que ele fez em campo já era seu maior presente. A classificação épica ainda sacramentou a campanha de superação do Tottenham, que conseguiu chegar a uma final europeia com um elenco que não ganhou nenhum reforço naquela temporada por causa dos gastos do clube com seu novo estádio, e sem seu principal jogador de ataque – Harry Kane – justamente na reta final da competição. Se antes duvidavam da capacidade dos Spurs e o ‘quase’ era palavra integrante da cartilha do clube, a noite de 08 de maio de 2019 em Amsterdã apagou de vez aquele registro. Que nunca mais duvidem.

 

 

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Comentários encerrados

2 Comentários

  1. Foi um dos momentos mais emocionantes daquela temporada pré-pandemia. Tão épico quando o jogo do City contra esse mesmo Tottenham na fase anterior, quando Sterling, fora de jogo por centímetros, teve seu gol apoteótico corretamente anulado, o que garantiu a classificação dos Spurs para enfrentar a sensação daquele torneio, o super Ajax de Ten Hag que possuía o celeiro das melhores promessas europeias na época. No primeiro tempo, muito embora o time inglês tenha tido algumas boas chances, o esquadrão holandês encaminhou uma tranquila classificação. Não havia como tomar três gols seguidos em casa. Isso não iria acontecer contra aquele ótimo time jovem dos brancos. Ponto. Era óbvio que seria assim… Mas não foi. Lucas Moura estava no caminho. E Pochettino montou uma estratégia vertical que desestabilizou mentalmente o Ajax. Vendo a partida, eu não entendia como o técnico do escrete holandês não percebia a arapuca em que estava caindo. Era só ter calma, horizontalizar o jogo, gastar a bola e esperar o Tottenham morder errado na marcação para matar o jogo. Porém o futebol não é assim. É um jogo apaixonante porque às vezes o impossível não existe. Foi épico. Emocionante. Antológico. Uma pena que a final tenha sido um jogo tecnicamente tão inferior, com o controle completo do Liverpool de Klopp, Salah, Mané, Alisson e Henderson.

  2. foi um jogão , fiquei decepcionado porque gosto muito do futebol holandes e do ajax que tem muita tradição. seria a volta de um gigante que estava sumido , mas sao coisas do futebol o que aconteceu no 2 jogo da semi, , todos apostaram no ajax na final apos vencer em londres ,e ninguem esperava essa virada espetacular do tottenham no 2 tempo , por isso que o futebol é o muito apaixonante e o mais popular do mundo , Imortal !

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