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Jogos Eternos – Botafogo 3×4 Palmeiras 2023

Foto: Wagner Meier / Getty Images.

 

Murilo vibra. Foto: André Durão / GE.

 

Data: 1º de novembro de 2023

O que estava em jogo: a vitória, claro, na 31ª rodada do Campeonato Brasileiro de 2023

Local: Estádio Nilton Santos, Rio de Janeiro, RJ, Brasil

Árbitro: Braulio da Silva Machado (SC)

Público: 34.913 pessoas

Os Times:

Botafogo de Futebol e Regatas: Lucas Perri; Di Plácido, Adryelson, Victor Cuesta e Marçal; Marlon Freitas, Tchê Tchê (Gabriel) e Eduardo (Danilo); Júnior Santos (Carlos Alberto), Victor Sá (Philipe Sampaio) e Tiquinho Soares. Técnico: Lúcio Flávio.

Sociedade Esportiva Palmeiras: Weverton; Murilo, Luan (Flaco López) e Gustavo Gómez; Mayke, Zé Rafael, Richard Ríos (Rony), Raphael Veiga e Piquerez; Breno Lopes e Endrick. Técnico: Abel Ferreira.

Placar: Botafogo 3×4 Palmeiras. Gols: (Eduardo-BOT, aos 21’, Tchê Tchê-BOT, aos 30’ e Júnior Santos-BOT, aos 36’ do 1º T; Endrick-PAL, aos 4’ e aos 38’, Flaco López-PAL, aos 44’ e Murilo-PAL, aos 45’+ 9’ do 2ºT).

Cartão Vermelho: Adryelson-BOT, aos 31’ do 2º T.

 

“Vamos ganhar o Segundo Tempo…”

Por Guilherme Diniz

 

Ao final do primeiro tempo no Nilton Santos, os torcedores do Botafogo faziam uma festa digna de título. Bem, nada mais normal, pois o time deles vencia por 3 a 0 o Palmeiras, vice-líder do Brasileirão, na 31ª rodada, e poderia ter feito uns 5 a 0 tamanha superioridade do alvinegro diante do Verdão. Era uma das “finais” que o campeonato teria dali para frente e o líder estava atropelando o seu concorrente direto. O Palmeiras estava dilacerado. E justo na semana em que Abel Ferreira e sua comissão técnica completavam três anos à frente do clube. Três anos mágicos, de glórias, alegrias, tristezas. Mas três anos de superação. E conversa. Muita conversa. E foi com mais uma conversa que Abel convenceu seus jogadores a mudar aquela partida. Disse que “pior do que aquilo não podia ficar”. E que “eles precisavam vencer o segundo tempo”. O placar pouco importava, mas eles precisavam vencer o segundo tempo. Os jogadores entenderam o recado. Principalmente um deles: Endrick.

Com seus 17 anos e uma concentração impressionante, o talento alviverde chamou a responsabilidade para si. Fez um gol logo aos 4’, após arrancar e deixar quatro marcadores para trás. Mas o placar seguiu 3 a 1. O Botafogo teve um jogador expulso. Opa, parece que dá. Mas o relógio corria demais. E, faltando 13 minutos, Tiquinho teve a chance, em cobrança de pênalti, de aumentar para 4 a 1 e liquidar de vez o jogo. Pois Weverton defendeu! Incendiou o Nilton Santos. Endrick, em jogada artística de craque, fez seu segundo gol. O Palmeiras vencia o segundo tempo por 2 a 0. O alviverde percebeu sua força. Lembrou de outras reviravoltas, das decisões que fez o impossível quando nada mais era possível. E, aos 44’, Flaco López, que havia acabado de entrar, empatou em jogada que começou em cruzamento de Endrick. O Palmeiras vencia o segundo tempo por 3 a 0. 

Com tantas coisas acontecendo, o árbitro deu nove minutos de acréscimos. O Verdão seguiu ávido, querendo mais. E, após falta cobrada por Raphael Veiga, Murilo cabeceou para fazer o gol da virada espetacular, dos 4 a 3. O Palmeiras venceu o segundo tempo por 4 a 0. E mostrou que ainda tinha força para lutar por aquele título. Foi um jogo sensacional, com tudo o que se espera de uma grande partida de futebol e que será falado por muito tempo. Um roteiro inverso do que o próprio Palmeiras viveu contra outro clube carioca lá em 2000, na final da Copa Mercosul, quando vencia por 3 a 0 e levou a virada do Vasco de Romário. Bem, os anos se passaram e o Palmeiras aprendeu a lição. Aprendeu a manter a concentração e a gana. Aprendeu a competir até o fim, como manda a cartilha de Abel e sua comissão, seguida há três anos por esse Verdão imortal e cumprida na noite mágica de 1º de novembro de 2023. É hora de relembrar.

 

Pré-jogo

No turno, Fogão venceu no Allianz. Foto: Iconsport.

 

Em um determinado momento do campeonato, o Botafogo chegou a ficar 15 pontos na frente de seu primeiro concorrente na busca pelo título. Muitos já tratavam o clube como campeão, inclusive o técnico alviverde Abel Ferreira, mas uma série de eventos (que só acontecem com o Botafogo…) levaram o clube a perder o embalo e chegar à 31ª rodada em situação nada confortável. O alvinegro perdeu o técnico Luís Castro para o futebol árabe, depois não se encontrou com Bruno Lage e Lúcio Flávio assumiu o comando. Essas trocas foram ruins para o time, que oscilou demais e passou a perder jogos que antes não perdia. Para piorar, a derrota por 1 a 0 para o Cuiabá, no duelo anterior ao contra o Palmeiras, determinou o clima de final antecipada, pois o Palmeiras vinha embalado com três vitórias seguidas e perseguia o rival.

Se quisesse manter as chances de título vivas, o Palmeiras tinha que vencer no Nilton Santos como o Botafogo havia vencido no Allianz Parque, lá no primeiro turno. Abel escalou o time com três zagueiros, tentando fechar bem o meio e explorar os espaços pelas pontas. Já o Botafogo foi com sua escalação clássica, focando nos ataques em velocidade e na força da dupla Tiquinho e Júnior Santos. A expectativa era de um jogo digno de final, meio truncado, disputado, tenso. Bem, só que não vimos nada disso quando a bola rolou.

 

 

Primeiro tempo – Máquina botafoguense 

Foto: André Durão / GE.

 

Determinado a recuperar sua vantagem na ponta da tabela, o Botafogo foi pra cima desde o início e, aos 7’, apresentou seu cartão de visitas em jogada de Marçal e Victor Sá pela ponta esquerda. A bola chegou na área esbarrando na marcação e sobrou nos pés de Tchê Tchê, que chutou e a bola explodiu no travessão do Palmeiras. No minuto seguinte, Júnior Santos tentou a jogada individual, mas Gustavo Gómez interceptou o rival. Na sequência, Marlon Freitas recebeu no meio, tocou para Júnior Santos pela direita, e o camisa 37 chutou de fora da área, mas Weverton fez a defesa. O Palmeiras não se encontrava na partida e ainda cometia faltas em excesso, a ponto de Mayke levar cartão amarelo logo aos 10’. Nos minutos seguintes, o Botafogo pressionou diversas vezes, mas a falta de pontaria evitou o gol. 

Até que, aos 20’, Marçal mandou um belo lançamento na direção de Victor Sá, que tocou para Eduardo. Ele chutou, a bola desviou e entrou: 1 a 0. Era o justo prêmio ao time que jogava tudo e mais um pouco naquela etapa. Quatro minutos depois, o Botafogo avançou de novo com Marçal, pela ponta esquerda, que disparou em velocidade e mandou um chute cruzado. A bola passou perto da trave do goleiro Weverton. Era impressionante a falta de organização do Palmeiras. Mesmo com três zagueiros, o time errava muitos passes e dava espaços assombrosos no meio de campo. Para tentar conter os avanços rápidos do rival, o time paulista fazia faltas. Abel Ferreira ficava louco na área técnica e não conseguia reverter a postura do time. Aos 29’, Marçal cobrou escanteio curto nos pés de Victor Sá, que viu Tchê Tchê na entrada da grande área e tocou para o camisa 6. Ele ajeitou a bola e mandou um foguete para ampliar o placar e fazer um golaço: 2 a 0. 

Os times em campo: um tempo de ouro para cada equipe e um jogo espetacular.

 

A torcida explodiu no Nilton Santos! O gol atordoou de vez o Palmeiras, que levou outro sufoco do Botafogo aos 31’, em contra-ataque pela direita que Júnior Santos finalizou, mas parou na defesa de Weverton. Aos 34’, Raphael Veiga cobrou falta perigosa e exigiu a primeira grande defesa de Perri. Mas a resposta alvinegra não tardou. Aos 36’, um contra-ataque espetacular, daqueles dignos do esquadrão dos anos 1960, que encheu o torcedor de nostalgia. O homem que engatilhou o contra-ataque foi Júnior Santos, uma máquina de correr, que saiu do campo de defesa e foi conduzindo a bola de maneira imparável. Ele tocou na esquerda para Tiquinho Soares, que arriscou o primeiro chute, mas Weverton fez a defesa. No rebote, Júnior Santos apareceu e tocou para fazer 3 a 0. Incrível! Passeio! Show! O Botafogo sobrava, jogava como autêntico líder, uma verdadeira máquina. Do lado do Palmeiras, consternação, espanto, incredulidade.

Aos 39’, Victor Sá ainda arriscou o chute de longe, mas a bola foi para fora. O atacante ainda teve outra grande chance aos 43’, mas chutou errado na saída de Weverton. Ao apito do árbitro, o alvinegro foi aos vestiários sob os cânticos de “campeão” de sua torcida. Eufórica, claro, ainda mais com uma atuação daquele tamanho. Só que, no intervalo, Abel Ferreira conseguiu plantar na cabeça de seus atletas um mantra:

 

“Eu disse duas coisas: é impossível fazermos pior e é fundamental voltar e fazer um gol rápido para tentarmos entrar no jogo. Eu disse que a gente precisava ganhar o segundo tempo. Se ficasse 3 a 1 ou 3 a 2… A gente tinha que ganhar o segundo tempo. Foi isso que disse no intervalo”.

 

E foi assim que o Palmeiras entrou no Nilton Santos para a etapa final: disposto a ganhar o segundo tempo.

 

Segundo tempo – Máquina alviverde imponente

Endrick mudou tudo! Foto: Cesar Greco.

 

Competir sempre foi o máximo do Palmeiras de Abel. Da maneira que fosse possível. E o time paulista fez o impossível. Logo aos 4’, Endrick, o xodó do clube, recebeu no meio, passou por um, viu dois à sua frente, driblou ambos, passou por outro, manteve distância do quinto e chutou rasteiro, no contra pé do goleiro Perri, para marcar um golaço: 3 a 1. E 1 a 0 no segundo tempo. Concentrado, sério, Endrick foi buscar a bola no gol para dar o recado: era preciso vencer. Uma parte do plano estava feita. O jogo seguiu e o Palmeiras manteve a mesma escalação, mas com outra postura. Mais bola no pé, mais organização, menos bolas perdidas, menos espaços. Tocava com precisão, estudava as jogadas. Aos 8’, em lançamento na área,  Perri saltou para afastar com uma mão. Na sobra dentro da área, Raphael Veiga arriscou de voleio e o goleiro alvinegro defendeu!

O jogo era todo do Palmeiras, enquanto o Botafogo parecia confortável demais em sua vantagem. Aos 14’, Breno Lopes marcou, mas o gol foi anulado por impedimento. Aos 17’, Perri afastou bola perigosa alçada por Mayke. Instantes depois, Zé Rafael tentou o chute após receber de Piquerez, mas Adryelson bloqueou. O Verdão ainda tentou mais duas vezes, mas a bola teimava em não entrar. Aos 22’, Abel tirou Richard Ríos e colocou Rony, a fim de ter mais presença de ataque. Só aos 26’ que o Botafogo avançou com perigo em lance com Júnior Santos, que chutou rasteiro, mas a bola acabou indo para fora. O atacante, na corrida, acabou sentindo dores e teve que ser substituído. Era uma boa notícia para o Palmeiras, afinal, Júnior Santos era uma das principais armas ofensivas do alvinegro, principalmente em contra-ataques.

O lance da expulsão de Adryelson.

 

Aos 28’, em disputa de bola com Breno Lopes, Adryelson chegou meio estabanado para interceptar e fez a falta. O árbitro parou, mas foi chamado pelo VAR. Na análise, viu lance ríspido e acabou expulsando o zagueiro do Botafogo. Outro bom acontecimento para o Palmeiras, que teria um homem a mais para tentar mais gols. Só que, já aos 33’, Tiquinho foi derrubado por Rony dentro da área. Pênalti! Era a chance do 4 a 1 e de liquidar de vez o jogo. O artilheiro estava tenso. Respirava, soltava o ar, respirava. Ele estava tenso. E tensão não combina com cobrança de pênalti. Adivinhe? Tiquinho chutou no canto, sem muita força, e Weverton defendeu! Terceiro acontecimento positivo seguido para o Verdão. Só que o gol não saía! O tempo ia passando e Endrick parece ter percebido isso. Aos 38’, após cobrança de falta de Raphael Veiga afastada pela zaga, a bola sobrou para o jovem palmeirense. Ele ajeitou com categoria e deu um corte que tirou completamente seu adversário da frente. Com espaço, chutou e marcou outro golaço: 3 a 2. E 2 a 0 para o Palmeiras no segundo tempo.

Foto: Cesar Greco.

 

O Botafogo sentiu. Errar aquele pênalti fez ressurgir o rival. E só deu Palmeiras até o final. Aos 41’, Abel colocou Flaco López no lugar de Luan. Tirou um zagueiro para colocar um atacante. Era tudo ou tudo. O nada estava fora de cogitação. E, minutos depois, Endrick, com a seriedade de um veterano, de um masterclass, de um Ballon d’Or, dominou na ponta-direita, ergueu a cabeça e cruzou na área. O destino foi a cabeça de Gustavo Gómez. O zagueiro ajeitou e Flaco López mandou pro fundo do gol: 3 a 3. E 3 a 0 para o Palmeiras no segundo tempo!

Empate inacreditável no Nilton Santos! Mas tinha mais. Com as substituições e o VAR, o jogo teria mais nove minutos de acréscimos. Pressionando, o Palmeiras não queria o empate. Queria a vitória. E, no derradeiro minuto, Raphael Veiga cobrou falta da esquerda, a bola passou por todo mundo, mas não por Murilo, que tocou sem deixar a bola cair e estufou as redes alvinegras: 4 a 3. E 4 a 0 para o Palmeiras no segundo tempo. Era a virada. Era a vitória. Era a arrancada. Era a saga do alviverde imponente. Simplesmente histórico, épico ou qualquer outro adjetivo que você queira dar. 

Murilo vibra. Foto: André Durão / GE.

 

Ao apito final, a festa dos alviverdes foi enorme diante da torcida. Do outro lado, os milhares de botafoguenses ainda tentavam assimilar o que havia acontecido. De 3 a 0 a 3 a 4? Tem coisas que só acontecem com o Botafogo, mas até aquilo!? Pois é. Entrevistado à beira do gramado, Endrick disse: “O Botafogo tem tudo para ser campeão, mas o Palmeiras nunca vai deixar de correr atrás”. Pelo jeito não vai mesmo. E, se começar a correr na frente, ninguém vai pegar. Como não pegaram naquela noite emblemática de 1º de novembro de 2023. Eles perderam o primeiro tempo, mas venceram o segundo tempo. E também um jogo eterno.

 

Pós-jogo: O que aconteceu depois?

 

Botafogo: algumas derrotas marcam. E essa é uma que pode marcar negativamente o Botafogo. O time precisa só de si para ser campeão e terá que usar esse fator, mais um jogo extra que ainda tem por fazer, para conquistar o título. Mas, se o elenco não tiver um bom psicológico e foco, todo o trabalho para colocar fim a um troféu que não vem desde Túlio, Gonçalves, Donizete Pantera e companhia lá em 1995, vai por água abaixo.

Palmeiras: “Foi mágico. Se perguntar aos jogadores, vão dizer que foi essa palavra que eu falei. Foi mágico mesmo! Com toda sinceridade, se fosse no segundo tempo, eu não ia conseguir fazer nada. Íamos morrer todos abraçados, ia ser 3, 4, 5… Se não tivesse intervalo, não ia ter como ajudá-los. Se fosse no treino, eu parava e juntava todo mundo. Graças a Deus foi no primeiro tempo. E correu tudo bem, fizemos um gol, o adversário ficar com um a menos nos colocou em vantagem e as substituições foram sempre no sentido de arriscar. E ao contrário dos outros jogos a bola entrou”. As palavras de Abel Ferreira no pós-jogo definem bem aquela partida. Se o primeiro tempo foi um desastre, o segundo foi um sonho perfeito do Verdão e o time entrou de vez na briga pelo troféu. Agora, a equipe depende de tropeços do Botafogo e, claro, novas vitórias para assumir a liderança. E, se ela vier, será difícil alguém pegar. A reta final do Brasileirão promete!

 

 

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Comentários encerrados

3 Comentários

  1. Obrigado por postar. Já sabia que ia estar aqui logo após ver o jogo. Muito Bom. Sugestão de jogo, para mim muito emocionante: A final de 2001 entre Atlético Paranaense e São Caetano. Goleiro imortal: Zubizarreta.

  2. Paraens pelo post guilherme.acabou de sair do forno o maior jogo da historia do brasileiro de pontos corridos.mesmo sendo corinthiano acredite eu vibrei e me emocionei muito com o espetaculo fe 7 gols fora as outras chances.

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