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Jogos Eternos – Santos 0x6 Palmeiras 1996

Foto: Paulo Pinto / Estadão

Data: 24 de março de 1996

O que estava em jogo: a vitória, claro, em partida válida pelo 1º turno do Campeonato Paulista de 1996.

Local: Vila Belmiro, Santos, SP, Brasil.

Árbitro: Dalmo Bozzano

Público: 14.687 pessoas

Os Times:

Santos: Gilberto; Claudemir, Batista (Gustavo), Sandro e Marcos Paulo; Gallo, Kiko (Luiz Carlos), Baiano e Marcelo Passos (Macedo); Giovanni e Jamelli. Técnico: Orlando Lelé.

Palmeiras: Velloso; Cafu (Osio), Sandro, Cléber (Cláudio) e Júnior (Elivélton); Galeano, Flávio Conceição, Rivaldo e Djalminha; Muller e Luizão. Técnico: Vanderlei Luxemburgo.

Placar: Santos 0x6 Palmeiras. Gols: (Rivaldo-PAL, aos 5′, e Cléber-PAL, aos 17′ e 24′ do 1º; Cafu-PAL, aos 14′, Djalminha-PAL, 38′, e Rivaldo-PAL, aos 42′ do 2º T).

 

“O vira 3, acaba 6 da Máquina Alviverde”

 

Por Guilherme Diniz

 

A Vila Belmiro estava tomada por quase 15 mil pessoas. A grande maioria era palmeirense. O Santos vinha com alguns desfalques, mas tinha as armas do time que havia sido vice-campeão brasileiro no ano anterior como Jamelli, Giovanni, Marcelo Passos, Gallo e companhia. Já o Palmeiras foi praticamente completo, com os jogadores que ainda não sabiam o que era derrota naquela temporada e estavam acostumados a golear e massacrar seus adversários. Era um clássico, por isso, havia a expectativa de certo equilíbrio. Mas, quando a bola rolou, a casa alvinegra presenciou um dos maiores shows da história do Palmeiras. Logo aos 5’, Rivaldo abriu o placar. Aos 16’, Cléber ampliou. Apenas sete minutos depois, o mesmo Cléber, de cabeça, fez o terceiro. 

O placar de 3 a 0 era uma afronta à realidade. Deveria estar 8 a 0 tamanha superioridade e com base nas chances criadas até aquele momento – bola no travessão, chutes raspando as traves, voleio defendido pelo goleiro, chutes e mais chutes salvos pelo arqueiro alvinegro. No segundo tempo, Cafu, aos 14’, fez o quarto. Djalminha, de pênalti, fez o quinto. E Rivaldo fechou a conta: 6 a 0. Virou três. Acabou seis. Foram ao menos 20 chances reais de gol. A máquina mortífera alviverde era campeã invicta do primeiro turno do Paulistão. Um time que ousava jogar como um time uma vez jogou naquela Vila Belmiro, diziam os românticos do futebol. Mas com uma diferença: o Santos de Pelé fazia seis, sete gols, mas deixava o adversário jogar e marcar. O Palmeiras fazia seis, sete, mas não levava gols. Era impressionante. Uma ode ao futebol, ao espetáculo. É hora de relembrar.

 

Pré-jogo

Foto: AE.

 

O Paulistão de 1996 foi disputado em turno e returno por 16 equipes. Os campeões de cada turno fariam a final após as 30 rodadas. Se um mesmo time vencesse os dois turnos, ele obviamente seria o campeão sem a necessidade de uma final. E, desde o início da competição, o Palmeiras já demonstrava seu enorme poder ofensivo. Na pré-temporada, o então técnico alviverde, Vanderlei Luxemburgo, começou a testar o poder de fogo de seus comandados. Armou o time com Velloso no gol, Cléber e Sandro na zaga, os velozes e habilidosos Júnior e Cafu nas laterais e Flávio Conceição e Amaral no meio de campo, além da possibilidade de Galeano atuar por ali também em algumas partidas. Mas era do meio para frente que a coisa engrenava. 

Os meias eram Rivaldo e Djalminha. Ambos técnicos, inteligentíssimos, capazes de decidir jogos sozinhos, com um chute, um passe, uma jogada. E, no ataque, Müller se transformou em uma “invenção” do treinador. Como já estava com 30 anos e sem a velocidade de antes, Luxa fez com que ele usasse seu conhecimento para abrir espaços na zaga e efetuar passes precisos e na medida para o centroavante de ofício Luizão, uma verdadeira máquina de gols na época. Jogando mais recuado, Müller seria um dos principais nomes para aquela engrenagem funcionar. 

O volume de jogo do time nos treinos era impressionante. A velocidade, contagiante. E os gols, em profusão. Mesmo com tantas estrelas no setor ofensivo, Luxa conseguia ter um time forte, também, na defesa, com a força e entrosamento dos zagueiros, o fôlego para ir, voltar e marcar dos laterais e a aplicação tática incrível de Amaral, Flávio Conceição e Galeano. Além de tudo isso, o jeito de comandar de Luxemburgo também fazia a diferença. Titular ou reserva, cada jogador era treinado da mesma maneira. Ele queria o máximo de cada um, um elenco disposto a vencer tudo e todos, sem brigas, sem vaidade, sem guerra de egos, todos amigos. Em uma partida, se ele precisasse tirar alguém com 15 minutos de jogo ele tirava, pois sabia que o substituto poderia fazer a diferença. Era treinar, jogar e ganhar. Foco máximo de um técnico brilhante na época, sem dúvida alguma um dos maiores do Brasil. 

Em pé: Júnior, Cafu, Sandro Blum, Cléber, Galeano e Velloso. Agachados: Flávio Conceição, Rivaldo, Luizão, Djalminha e Müller. Esse foi o time que enfiou 6 a 0 no Santos na Vila Belmiro.

 

Quando o campeonato começou, o Palmeiras simplesmente trucidou seus rivais com goleadas e partidas marcantes. Placares como 6 a 1, 8 a 0, 5 a 1 e 7 a 0 eram comuns. Ninguém mais perguntava se o Palmeiras iria vencer. Era óbvio. A pergunta que todos faziam era: “De QUANTO vai ser?”. Já na reta final do primeiro turno, o time alviverde teria pela frente o Santos, na Vila Belmiro, que ainda tinha remanescentes do vice-campeonato brasileiro do ano anterior. O problema é que o time praiano tinha oito desfalques para aquela partida, a maioria por suspensão: o goleiro Edinho, os zagueiros Narciso e Ronaldo, o lateral Claúdio, os volantes Carlinhos e Cerezo, o meia Robert e o atacante Camanducaia. Mesmo assim, o técnico Orlando Lelé pôde escalar nomes como Sandro, Marcos Paulo, Gallo, Marcelo Passos e os talentosos Giovanni e Jamelli. 

A equipe da casa estava confiante em uma vitória que daria moral para o segundo turno. Já o Palmeiras queria o título invicto e afastar a fama de ter estrelas, mas não ganhar títulos. “Não queremos ser o Flamengo de 1996”, comentou Rivaldo na época, em alusão ao time rubro-negro que, no ano de 1995, contratou várias estrelas como Romário e Edmundo em seu ano do centenário, mas passou em branco, perdendo inclusive a final do Carioca para o rival Fluminense. No dia do jogo, muito sol e casa cheia na Vila. A expectativa era de uma vitória do Palmeiras, claro, mas com certa dificuldade por ser um clássico. Só que, quando a bola rolou, apenas um time jogou…

 

Primeiro tempo – Três vira…

Com menos de um minuto, Cafu se mandou pela direita, fez fila e quase marcou um golaço, num claro cartão de visitas do que seria aquele jogo. Com sua vocação ofensiva, o Verdão encurralou o Santos, que se mostrou muito precavido diante de um rival tão poderoso. Concedendo muitos espaços, o Peixe era presa fácil para o estilo de jogo de Luxemburgo. E, aos 5’, Müller recebeu a bola sem marcação na ponta esquerda e cruzou. Livre, Rivaldo cabeceou e marcou. Um minuto depois, o Santos tentou a resposta com Jamelli, que recebeu livre na entrada da área, mas chutou rasteiro e Velloso defendeu. O Palmeiras engatilhou um contra-ataque e Luizão acertou o travessão do goleiro alvinegro.

O time do massacre na Vila: volantes davam proteção aos laterais, que voltavam para ajudar a defesa, que também subia para o ataque, que devastava as zagas rivais. Ufa, que timaço!

 

Na sequência, o Palmeiras teve mais chances e obrigou o goleiro santista a sair do gol duas vezes da área no mesmo lance para tirar a bola de cabeça. Sem qualquer reação, o Santos começou a apelar para as faltas e, aos 16’, após cobrança de uma pela meia-direita por Djalminha, o zagueiro Cléber subiu mais alto do que todo mundo e fez o segundo gol. O Palmeiras estava irresistível, insaciável. Dois minutos depois, Djalminha fez grande jogada pela esquerda, tocou para Flavio Conceição e este chutou forte, mas a bola foi pra fora. O Santos tentou ficar mais com a bola no pé, mas faltava criatividade à equipe da casa. Aos 22’, Rivaldo quase marcou mais um em jogadaça na qual passou por dois, entrou na área e obrigou mais uma defesa de Gilberto.

Mas, aos 23’, Júnior cruzou na cabeça de Cléber, e o zagueiro marcou outro gol: 3 a 0. Na comemoração, foi ao banco e perguntou para Luxemburgo: “Professor, o que está acontecendo comigo?”. Luxa respondeu: “E eu é que sei?!”. O que todos sabiam era que aquele Palmeiras jogava muito. Três minutos depois, Baiano acertou a trave de Velloso, mas a superioridade do Verdão era clara. Nas arquibancadas, a torcida santista já demonstrava sua falta de paciência com o time, vaiando os jogadores, chamando de “burro” o técnico Orlando e clamando pela volta do ex-técnico Serginho Chulapa. Avesso a tudo aquilo, o Palmeiras seguiu atacando e quase fez com Galeano e Luizão, duas vezes, uma delas de voleio. Ao apito do árbitro, o placar de 3 a 0 era muito, mas muito pouco diante das chances do Verdão.

 

Segundo tempo – Seis acaba!

Rivaldo com a bola: craque dominava as ações e invertia o jogo como poucos.

 

Muitos times poderiam diminuir o ritmo diante das circunstâncias, mostrar respeito, etc, mas o Palmeiras queria jogar futebol. E marcar mais gols. Luizão teve outra boa chance no começo da etapa final, mas o goleiro Gilberto defendeu. Até que, aos 14’, Djalminha invadiu a área e tocou para Cafu, que encheu o pé e fez 4 a 0. Combalido, o Santos já não tinha força alguma para tentar reverter aquele jogo. O máximo que poderia fazer era anotar algum gol de honra, e bem que tentou em chances de Macedo e Jamelli, mas a tarde não era do alvinegro, que teve mais posse de bola nos minutos seguintes, mas não conseguiu criar chances claras de gol. Quando tinha a bola, o Palmeiras conseguia chegar rapidamente ao gol em poucos toques, principalmente com as investidas do genial Rivaldo, que invertia o jogo como ninguém para Júnior, pela esquerda, ou Cafu, à direita. 

Lance do pênalti em Djalminha.

 

Aos 36’, Djalminha apareceu na área e foi derrubado por Luiz Carlos. O lance, contestável, acabou virando pênalti pelo árbitro Dalmo Bozzano. Na cobrança, Djalminha bateu e fez: 5 a 0. A torcida palmeirense fez a festa, enquanto a santista começou a expor ainda mais sua ira com vários objetos arremessados ao gramado como pilhas, chinelos, sapatos, garrafas, rádio portátil e até um porta-retrato. Na tribuna, o presidente Samir Abdul-Hak discutiu com torcedores e deixou o estádio antes do apito final. Já jogando sob os gritos de olé, o Palmeiras fez o sexto gol aos 41’, quando Luizão recebeu de Rivaldo na ponta-direita, driblou o adversário e cruzou para a cabeça do meia alviverde, que marcou seu segundo gol no jogo e fez questão de comemorar com um soco no ar, assim como Pelé tanto fez naquela mesma Vila Belmiro: 6 a 0.

 

Rivaldo imita a comemoração clássica de Pelé na Vila: naquela tarde, ele podia! Foto: AE.

 

Era o placar histórico de um jogo eterno. A goleada entrava de vez para o rol de maiores jogos do Clássico da Saudade e também da Sociedade Esportiva Palmeiras. Uma vitória que deu ao Verdão o título antecipado de campeão do primeiro turno do Campeonato Paulista. E que premiou um time que não cessou de atacar desde o início: foram 23 finalizações, sete a mais do que a média de todo o campeonato. Dessas 23, 13 foram no gol e seis entraram. Com 476 passes, o Verdão teve um índice de acerto de 86%. Com os gols marcados na Vila, a equipe chegou a 57 gols marcados (média de 4,07 gols/jogo). Uma média digna dos tempos de ouro do futebol brasileiro e de esquadrões que marcaram época nos anos 1950 e 1960. Mas eram os anos 1990. Aquele Palmeiras, ao longo de alguns meses de 1996, levou os amantes do futebol a uma viagem no tempo. Viagem de futebol arte. E, naquela tarde, a mais pura arte foi apresentada na Vila mais famosa do mundo.

 

 

Pós-jogo: O que aconteceu depois?

 

Santos: instável, o Santos pouco brigou naquele torneio e terminou na 5ª colocação. Curiosamente, o mesmo time alvinegro foi o rival do Palmeiras na partida do título do Verdão, meses depois, no Palestra Itália, quando o alviverde venceu por 2 a 0 e celebrou a conquista histórica. O Peixe só voltaria a brilhar em 1998, quando venceu a Copa Conmebol. Já no Paulistão, a equipe só venceria o torneio novamente em 2006, 22 anos desde seu último título lá em 1984.

Palmeiras: dias depois, veio outra goleada para encerrar de vez o primeiro turno – 4 a 0 no XV de Jaú.  Após vencer o Santos na penúltima rodada do returno, o Palmeiras selou o título por antecipação, conquistado após 30 jogos, 27 vitórias, dois empates, uma derrota, 102 gols marcados (melhor ataque, óbvio) e 19 sofridos (melhor defesa). Aproveitamento: 92,2%. Impressionantes 83 pontos de 90 disputados – o vice-campeão, São Paulo, teve 55 pontos. Democrático, o Palmeiras não fez o artilheiro do torneio (foi Giovanni, do Santos, com 24 gols), mas sim vários goleadores, sendo os principais: Luizão (22 gols), Rivaldo (18 gols), Djalminha (15 gols) e Müller (15 gols). Leia mais sobre esse timaço clicando aqui!

 

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Um Comentário

  1. Parabens pelo texto guilherme mesmo sendo corinthiano era quase inacreditavel ver esse palmeiras jogar.os primeiros 15 minutos era um terror pois os caras ja saiam com tudo para abrir vantagem de 2 ou 3 gols era coisa de louco.na pre temporada 6 no borussia na copa do brasil 5 no galo e no paulista 8 no botafogo 6 no santos 3 no timao e por ai fou.

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