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Jogos Eternos – Santos 5×2 Fluminense 1995

giovanni messias

Data: 10 de dezembro de 1995

O que estava em jogo: uma vaga na final do Campeonato Brasileiro de 1995

Local: Estádio do Pacaembu, São Paulo (SP), Brasil

Juiz: Sidrack Marinho

Público: 28.090 pessoas (o tobogã estava interditado neste jogo, por isso o público reduzido)

Os Times:

Santos Futebol Clube: Edinho; Marquinhos Capixaba, Narciso, Ronaldo Marconato e Marcos Adriano; Gallo, Carlinhos, Giovanni e Marcelo Passos (Pintado, depois Marcos Paulo); Camanducaia (Batista) e Macedo. Técnico: Cabralzinho.

Fluminense Football Club: Wellerson; Ronald, Lima, Alê (Gaúcho) e Cássio; Vampeta, Otacílio, Aílton e Rogerinho; Renato Gaúcho e Valdeir (Leonardo). Técnico: Joel Santana.

Placar: Santos 5×2 Fluminense (Gols: Giovanni-SAN, aos 25 e aos 29´ do 1º T; Macedo-SAN, aos 5´, Rogerinho-FLU, aos 7´, Camanducaia-SAN, aos 16´, Marcelo Passos-SAN, aos 38´ e Rogerinho-FLU, aos 39´do 2º T).

“Como nos tempos de Pelé. Só que com Don Giovanni…”

Por Guilherme Diniz

“Fim de jogo no Maracanã. Caramba, que desastre. Derrota por 4 a 1. Dois jogadores expulsos. Justo dois dos mais fundamentais craques do time. Reverter essa desvantagem não será fácil. Três gols. E não levar nenhum. Como? Será preciso apoio maciço da torcida. Os jogadores terão que jogar como jamais jogaram neste Campeonato Brasileiro de 1995. Bem que nosso camisa 10 poderia ter um dia de Pelé, não é? Já pensou, marcar dois gols e dar três assistências? Vixe, é história pra contar para todo mundo, amigo, chefe, filho, neto, bisneto, cachorro… Chega o dia. Pacaembu lotado. Todo branco e preto. Maravilhoso. A torcida acredita e empurra o time. O escrete branco começa com tudo. Gol! Passam quatro minutos e outro gol! Fim do primeiro tempo e o time permanece em campo, pra ficar no calor do jogo. Incrível. Emocionante. Começa o segundo tempo e mais um gol! A desvantagem agora tá do outro lado! Opa, gol dos caras… Passa um tempo e outro gol! Alguns minutos depois e mais um! Que espetáculo! Epa, outro gol dos caras… Mas é pouco! Apita o juiz! Que vitória! 5 a 2. Inacreditável! Estamos na final. Meu sonho se realizou. O camisa 10 teve um dia de Pelé!”

A historinha aí em cima, por mais incrível que possa parecer, aconteceu de verdade, mais precisamente no dia 10 de dezembro de 1995, na partida que ia decidir o time finalista do Campeonato Brasileiro de Futebol daquele ano. O Santos havia perdido o primeiro jogo para o Fluminense por 4 a 1 e precisava tirar a diferença de três gols se quisesse fazer a final contra o Botafogo. E o impossível aconteceu. Com um irresistível espírito vencedor, inflamado por sua torcida e com um camisa 10 fazendo coisas que desde um certo Pelé não se via, o Santos goleou o Tricolor por 5 a 2 em uma das partidas mais sensacionais da história do Campeonato Brasileiro. O que o time alvinegro jogou naquele dia foi algo impensável e inesquecível, coisa de cinema. E o que Giovanni fez com a bola também ficou marcado para sempre. Dois gols. Três assistências. Uma atuação de gala que rendeu o apelido de “Messias” tamanha sua genialidade e premonição sobre o que ia acontecer naquele dia. É hora de relembrar.

 

Pré-jogo

Santos
Em pé: Narciso, Carlinhos, Marquinhos Capixaba, Ronaldo Marconato, Marcos Adriano e Edinho. Agachados: Giovanni, Jamelli, Robert, Camanducaia e Marcelo Passos.

 

Santos e Fluminense chegaram à semifinal do Campeonato Brasileiro de 1995 confiantes. Do lado alvinegro, o técnico Cabralzinho conseguiu entusiasmar seus jogadores depois de um mau começo no torneio e viu o Santos reagir, se mostrando um time leve, rápido e preciso com Jamelli, Robert, Macedo e Giovanni, além de contar com a seriedade e controle de Narciso e Gallo. Já o Fluminense vinha embalado pelo título carioca, conquistado com o famoso gol de barriga de Renato Gaúcho sobre o maior rival, o Flamengo. No primeiro jogo semifinal, o Santos abriu o placar no Maracanã com Giovanni ainda no primeiro tempo. Mas o que parecia ser um sonho virou um pesadelo para o time paulista. No começo da segunda etapa, o Fluminense mostrou a velocidade e força do Campeonato Carioca do primeiro semestre e empatou com Renato Gaúcho.  O Tricolor virou, de pênalti, pouco tempo depois.

O que já era ruim ficou ainda pior quando Robert e Jamelli, essenciais para a construção das jogadas ofensivas do Santos, foram expulsos. Pronto. O Fluminense se aproveitou da vantagem numérica e marcou mais dois gols que fecharam a conta: 4 a 1. Era um desastre. O time alvinegro teria que vencer por três gols de diferença (não havia critério de gols marcados fora, o que valia era a soma dos placares e a pontuação geral, esta última com vantagem santista) se quisesse ir para a final. Curiosamente, os jogadores santistas estavam calmos ao término do jogo. Giovanni, camisa 10 e candidato a craque do time, disse após a partida uma frase profética: “nós vamos vencer e eu vou fazer dois gols”. Nascia ali o Messias.

O Santos em campo: com praticamente quatro atacantes e Giovanni como um "falso" nove, o time voou contra o Flu.
O Santos em campo: com praticamente quatro atacantes e Giovanni como um “falso” nove, o time voou contra o Flu.

 

Primeiro tempo – uma áurea diferente

Giovanni pede apoio da torcida, mas nem precisava, pois ela cantou o jogo inteiro.
Giovanni pede apoio da torcida, mas nem precisava, pois ela cantou o jogo inteiro.

 

Três dias depois do jogo fatídico no Maracanã, o Santos voltava à disputa da vaga na final contra o Fluminense no Pacaembu. E que Pacaembu. Num gesto de imensa confiança e força, a torcida santista lotou o estádio. Ela cantava sem parar, empurrava o time e acreditava no quase impossível.  O Santos foi a campo extremamente ofensivo e disposto a reverter aquela desvantagem. Quando os times subiram para o gramado, havia algo de diferente no ar. Aqueles jogadores todos vestidos de branco, com o filho de Pelé (Edinho) no gol e um camisa 10 de cabelos vermelhos, olhar sério e com um instinto predatório estampado em seu rosto, pareciam ser de outro mundo. Ou mesmo incorporados pela áurea alvinegra daqueles anos 60, quando um mesmo Santos fazia chover em qualquer campo e marcava 4, 5, 6 gols de olhos fechados. Aquele Santos, claro, tinha Pelé. Mas o Santos do dia 10 de dezembro de 1995 tinha Giovanni. Don Giovanni.

Os times em campo: ao invés de armar uma retranca, Joel Santana manteve o esquema ofensivo do Flu, que também chegava a ter quatro atacantes. Resultado: levou cinco...
Os times em campo: ao invés de armar uma retranca, Joel Santana manteve o esquema ofensivo do Flu, que também chegava a ter quatro atacantes. Resultado: levou cinco…

 

A partida começou e o Santos foi logo dando seu cartão de visitas com um chutaço de Carlinhos. O Fluminense respondeu com Renato Gaúcho, mas Marcos Adriano tirou e salvou o goleiro Edinho. Mas foi só. O Santos não permitiu mais nenhum susto tricolor e se mandou para o ataque. Aos 25 minutos, Camanducaia fez uma jogada pela esquerda e foi derrubado. Pênalti. Giovanni bateu no cantinho, o goleiro Wellerson ainda foi, mas não pegou. Santos 1 a 0. O camisa 10, sério, foi correndo pegar a bola. Ele queria mais. Aos 29´, Carlinhos tocou para Giovanni esperando uma tabelinha na entrada da área do time carioca. Mas o camisa 10 não entendeu assim. Ele pegou a bola, deu um drible homérico em Alê (que ainda ia sofrer muito com o Don…) e chutou de bico, alto, forte, preciso: 2 a 0. Golaço.

O Pacaembu explodiu. Giovanni, de novo, foi correndo pegar a bola, sério. Levantou a pelota para os céus como quem diz “hoje vou te tratar muito bem. Quero que volte a ficar mansa novamente no aconchego das redes tricolores”.  O Fluminense era teimoso e outra vez foi ao ataque, mas Edinho salvou. Macedo, o endiabrado camisa 7, chutou uma bola na trave.  O Santos ainda tentou mais duas vezes, mas a bola teimava em não entrar.

Giovanni em transe: havia algo de sobrenatural no craque naquele dia...
Giovanni em transe: havia algo de sobrenatural no craque naquele dia…

 

 

Ao término da primeira etapa, os jogadores do Fluminense foram para o vestiário agradecer por não estarem perdendo de mais. Os do Santos, quebrando o protocolo, permaneceram no gramado do Pacaembu. Era preciso continuar quente, ávido, unido e inflamado pela torcida que tanto gritava e apoiava aquele time que já fazia história. Lágrimas corriam de torcedores apaixonados que viam seus guerreiros em campo, com apenas 15 minutos para a recomposição e hidratação. E a segunda etapa teria mais. Muito mais.

Os jogadores no gramado: místico.
Os jogadores no gramado: místico.

 

 

Segundo tempo – o imponderável, o irresistível, o histórico

Sem título 31

Aquecido e com o mesmo pique da primeira etapa, o Santos manteve o ritmo e sufocou desde o início da segunda etapa o time carioca. Logo aos cinco minutos, Giovanni recebeu na meia-lua da grande área e viu Macedo. Com um toque leve e preciso, ele deixou o camisa 7 no jeito para o gol tão sonhado pela torcida: 3 a 0. O que era impossível acontecia de verdade e o Santos conseguia reverter a vantagem carioca. Mas não era apenas o Santos que estava com fome de gol. O Fluminense também.  Apenas dois minutos depois, falta cobrada na área alvinegra, chute na trave e no rebote Rogerinho marca de cabeça: 3 a 1. A vantagem voltava a ser tricolor. Será que o Santos ia sentir o peso do gol? Não. Muito menos Giovanni. Aos 16´, bola lançada na ponta esquerda da defesa do Fluminense. Era para o defensor Alê dominar e dar chutão. Mas eis que Don Giovanni saiu em disparada, na surdina e no cangote do jogador carioca. Estabanado e aterrorizado com a presença do Messias, ele perdeu a bola. Giovanni invadiu a área e chutou. Wellerson defendeu, mas a bola sobrou para Camanducaia marcar: 4 a 1. O Santos repetia o placar do Maracanã. Estava tudo igual, mas com o Santos na final. O tempo foi passando e Ronaldo Marconato foi expulso.

Parecia a oportunidade de o Fluminense reagir. Só parecia. Aos 37´, Giovanni, cercado por três tricolores carrapatos, mostrou mais uma vez seu lado cerebral e poético ao antever a passagem de Marcelo Passos e tocar de calcanhar para o companheiro. Sublime. Passos correu, cortou para o lado direito e bateu: 5 a 1. Que goleada! Que espetáculo! A torcida já sabia que seu time estava na final. O Fluminense ainda quis jogar água no chope com mais um gol de Rogerinho, aos 39´, mas era tarde. Santos 5×2 Fluminense. O Pacaembu era puro delírio, felicidade e alegria. Depois de 12 anos, o Santos voltava a uma final de Campeonato Brasileiro. Se o título viria, naquele dia não importava. A torcida, a imprensa e o planeta bola queriam saudar de pé e com todos os louros possíveis o feito extraordinário protagonizado por aquele time vestido de branco e que jogou como um esquadrão romântico de outrora. Acima de tudo, era preciso saudar o Messias, o camisa 10, o craque de cabelos vermelhos, de fogo, que incendiou uma partida inteira com uma das maiores atuações de um jogador brasileiro em todos os tempos. Obrigado pelo espetáculo, Don Giovanni.

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Pós-jogo: o que aconteceu depois?

Santos: a apoteose alvinegra naquele dia 10 de dezembro conquistou o Brasil. Todo mundo passou a torcer para que o time de Giovanni conquistasse o Campeonato Brasileiro de 1995. Mas aí o imponderável aconteceu. Depois de perder o primeiro jogo para o Botafogo por 2 a 1, bastava uma vitória simples para o Santos ser campeão. Ela ia acontecer, não fosse a atuação desastrosa do árbitro Márcio Rezende de Freitas, que anulou um gol legítimo de Camanducaia quando o jogo estava empatado em 1 a 1. O resultado permaneceu e o Botafogo foi o campeão. Em 1996, Giovanni deixou o Santos para jogar no Barcelona. Na Catalunha, porém, o craque não foi nem sombra do homem de cabelos vermelhos que encantou o Brasil naquele 10 de dezembro de 1995. Ele devia mesmo estar possuído pelo espírito de Pelé…

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Fluminense: depois da derrota para o Santos, o Fluminense viveu seus piores anos com três rebaixamentos seguidos (e uma virada de mesa, em 1996) no Brasileiro, chegando ao fundo do poço em 1999, na Série C. Em 2004, a equipe foi outra vez vítima de uma atuação de gala do Santos pelo Campeonato Brasileiro, quando o alvinegro venceu por 5 a 0 a partida disputada em São José do Rio Preto. Naquele jogo, não tinha o Messias. Mas tinha Robinho…

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Comentários encerrados

8 Comentários

  1. O Brasil passou a torcer pelo Santos porque é um time simpático, mas o Fluminense perdeu para sua própria incompetência. A final deveria ser carioca.

    Aliás, faltou dizer um gol legítimo mal anulado e um pênalti não marcado para o Botafogo no primeiro jogo. Lembram Marcio Rezende e esquecem Sidrack Marinho, mas é isso. A imprensa paulista é foda…

    De todo jeito, como o Maravilha bem ponderou “o perdedor justifica, o vencedor comemora”.

    SAN

    • E isso mesmo disse tudo..eu estava lá no Pacaembu aquele jogo histórico chorei quando terminou o jogo olhava para os lados vários torcedores chorando..mais todos nós sabemos que 1995 o santos foi o verdadeiro campeão…santos sempre santos

  2. Me emocionei com o texto, uma das coisas inesquesivell coisas que não vir outros times fazer foi o time do santos fica dentro de campo na hora do intervalo foi frustante a torcida foi ao delírio, não paravam de cantar. Mais uma vez Parabéns pelo trabalho, seus textos são como colírio para quem gosta de futebol do passado. Grande Abraço!

      • Olha faz tempo que não vejo um texto tão bem escrito parabéns..eu estava lá naquele jogo de 1995 contra o fluminense…depois do jogo eu chorava olhava para os lados vários torcedores do peixe chorando de emoção. Mais todos nós sabemos que 95 o santos foi o verdadeiro campeão..santos sempre santos

  3. Eu sou Santista não tinha nem nascido nessa época kkkkkkk mais com certeza me emocionei com essa torcida maravilhosa que pulou o jogo inteiro!!!!!!!! Santos orgulho que nem Todos podem ter!!!! Bela matéria…

  4. Cara me emocionei com o texto, muito bom mesmo…eu estava neste jogo!!! Obrigado por atender o meu pedido! Só quem é Santista e viveu nos anos 80 e 90 em que o Santos passou por uma fase muito ruim sabe a importância que este time de 95 teve…acho que à partir deste ano o Santos voltava meio que tímido ainda a disputar finais e brigar por títulos com frequencia. Mais uma vez Parabéns pelo trabalho, seus textos são como colírio para quem gosta de futebol do passado. Grande Abraço!

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