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Jogos Eternos – Argentina 3×3 França 2022

 

Data: 18 de dezembro de 2022

O que estava em jogo: o título da Copa do Mundo da FIFA de 2022

Local: Estádio Lusail, Lusail, Catar

Juiz: Szymon Marciniak (Polônia)

Público: 88.966 pessoas

Os Times:

Argentina: Emiliano Martínez; Molina (Montiel, prorrogação), Cristian Romero, Otamendi e Tagliafico (Paulo Dybala, 120’ + 1’, prorrogação); De Paul (Leandro Paredes, aos 102’, prorrogação), Enzo Fernández e Mac Allister (Germán Pezzella, aos 116’, prorrogação); Lionel Messi, Julián Álvarez (Lautaro Martínez, aos 102’, prorrogação) e Ángel Di María (Acuña, aos 19’ do 2º T). Técnico: Lionel Scaloni

França: Lloris; Koundé (Axel Disasi, aos 120’ + 1’, prorrogação), Varane (Konaté, aos 113’, prorrogação), Upamecano e Théo Hernandez (Eduardo Camavinga, aos 26’ do 2º T); Tchouaméni e Rabiot (Youssouf Fofana, aos 96’, prorrogação); Dembélé (Kolo Muani, aos 41’ do 1º T), Griezmann (Kingsley Coman, aos 26’ do 2º T) e Kylian Mbappé; Olivier Giroud (Marcus Thuram, aos 41’ do 1º T). Técnico: Didier Deschamps

Placar: Argentina 3×3 França. Gols: (Messi-ARG, pênalti, aos 23’, e Di María-ARG, aos 36’ do 1º T; Mbappé-FRA, pênalti, aos 35’, e aos 36’ do 2º T. Messi-ARG, aos 3’, e Mbappé-FRA, pênalti, aos 13’ do 2º T da prorrogação).

Nos pênaltis, Argentina 4×2 França. Messi, Dybala, Paredes e Montiel fizeram para a Argentina. Mbappé e Kolo Muani fizeram para a França. Coman e Tchouaméni perderam para a França.

 

“O Jogo do Século XXI: A maior final da história das Copas”

 

Por Guilherme Diniz

 

Há muito tempo, lá em 1970, uma partida de Copa do Mundo ganhou o apelido de “O Jogo do Século”: a semifinal entre Itália e Alemanha, quando, após empate em 1 a 1 no tempo regulamentar, os europeus fizeram uma prorrogação inigualável, com cinco gols, emoção até o fim, Beckenbauer jogando com uma tipoia no braço e vitória italiana por 4 a 3. Foi um jogo daqueles para emocionar, que jamais saiu da cabeça de quem o assistiu. O século XX ficou para trás e, nesse XXI, a Copa do Mundo mais uma vez proporcionou ao amante do esporte mais um jogo de película, de leyenda, légendaire. O estupendo estádio Lusail, no Catar, abrigou a final dos sonhos do Mundial de 2022. Um jogo de fases, de enredos distintos, de seleções enormes. Como em 1970, apenas uma poderia ser tricampeã mundial. Como em 1970, uma era da Europa, a outra, da América do Sul. E, como em 1970, a sul-americana ficou com o troféu na coroação do gênio deste século, do jogador que criou dúvidas se era mesmo humano ou não, como um também criou dúvidas lá nos anos 1960 e 1970.

O que bilhões de pessoas viram no dia 18 de dezembro de 2022 pelas TVs, rádios, streaming ou ao vivo no estádio foi um acontecimento. Um épico daqueles para ser contado e recontado por gerações. Um jogo tido como definido pelo placar de 2 a 0 transformado em pandemônio por um jovem fenomenal, que a cada gol provava ser o novo rei de uma nova era. Ele, sozinho, empatou em 2 a 2. Mas, do outro lado, outro jogador, já consagrado, queria a glória máxima que lhe faltava, que tanto azucrinavam seus ouvidos para tê-la, a glória que Dios Maradona tinha e ele não. 

De novo, no tempo extra, o time albiceleste ficou na frente com a leyenda da camisa 10, em gol chorado, de perna direita, a perna “ruim”. E, de novo, quando era só segurar a vantagem, o jovem bleu empatou de novo e fez o que apenas Geoff Hurst havia feito em uma final de Copa: três gols. Simplesmente inacreditável. E, no último minuto, foi o goleiro albiceleste o responsável por um gol, ou melhor, pela defesa à queima roupa que manteve o placar em 3 a 3 e levou aquele jogo insano, louco, metamorfósico, agonizante, para os pênaltis.

Nem os deuses (ou dioses) do futebol tinham coragem de selar um placar no tempo regulamentar e prorrogação. “Tirem a sorte nos pênaltis e pronto, não dá, cansamos”, disseram os celestiais da bola. E, na marca da cal, a albiceleste venceu por 4 a 2 e conquistou o título que perseguia há 36 anos. E que sua leyenda buscava desde 2006, após cinco Mundiais e 26 jogos disputados. Enfim, Lionel Messi era campeão do mundo. Enfim, a Argentina era tricampeã do mundo. Enfim, um jogador completava uma Copa com mais de seis gols – Le Roi Mbappé. Enfim, a América do Sul poderia levar a taça até o outro lado do Atlântico. Quem viu, viu. Quem não viu, deve ver alguma vez na vida. É hora de relembrar a maior final deste século, o jogo da vida de muita gente a partir de 18 de dezembro de 2022: a final da Copa do Mundo de 2022 entre Argentina e França. A final de Messi x Mbappé.

 

Pré-jogo

Antes da Copa, Argentina e França eram duas das favoritas ao título mundial pelas ótimas campanhas que vinham fazendo, pelos elencos que tinham e por duas pessoas: Lionel Messi e Kylian Mbappé. O argentino já havia declarado que a Copa do Catar era a última de sua carreira e vinha extremamente preparado e dedicado como em nenhuma outra. Ele queria conquistar o título que lhe faltava e o pontapé para aquilo havia sido dado em 2021, quando levantou seu primeiro troféu como capitão da Argentina: a Copa América, em cima do rival Brasil e em pleno Maracanã. Foi um batismo histórico, principalmente por ter sido ali, no templo do futebol, que ele perdeu a final da Copa de 2014 para a Alemanha jogando muito mal e decepcionando seus fãs.

Em 2021, Messi, enfim, conquistou seu primeiro título pela Argentina – a Copa América. E foi em grande estilo: no Maracanã, contra o Brasil. Foto: AP.

 

Em 2022, Messi e sua Argentina venceram também a Finalíssima, contra a campeã europeia Itália, e chegaram ao Catar com uma incrível invencibilidade de 36 jogos. Mas, logo na estreia, a Argentina foi derrotada pela Arábia Saudita por 2 a 1, de virada, e os velhos fantasmas voltaram a perseguir o time sul-americano. E Messi… Mas, no segundo jogo, Messi fez o gol que abriu o caminho para a vitória por 2 a 0 sobre o México que manteve a seleção viva. E, na terceira partida, o triunfo por 2 a 0 sobre a Polônia garantiu, enfim, a vaga na fase final. E foi nela que começou o ressurgir do craque argentino. O camisa 10 fez uma partidaça contra a Austrália, marcou um gol e a Argentina venceu por 2 a 1. Nas quartas, contra a Holanda, fez outro gol, driblou, arrancou, capitaneou e liderou bem ao estilo maradoniano a Argentina rumo à classificação, após empate em 2 a 2 e vitória nos pênaltis. 

E, na semifinal, o camisa 10 reservou um recital: gol e assistência magistral para outro tento na vitória sublime de 3 a 0 sobre a Croácia, que havia eliminado o Brasil na fase anterior e evitou, infelizmente, um superclássico nas semis. Tinindo, Messi e a Argentina chegaram à final para encarar a França, que vinha de uma campanha muito sólida e digna da campeã mundial que era.

Na fase de grupos, vitória sem sustos sobre a Austrália por 4 a 1, triunfo por 2 a 1 sobre a Dinamarca e derrota por 1 a 0 para a Tunísia quando podia, no último jogo, já com a vaga garantida. Nas oitavas, Mbappé deu show, marcou dois gols e a França venceu a Polônia por 3 a 1. Nas quartas, jogo eletrizante contra a Inglaterra e vitória por 2 a 1. E, nas semis, triunfo por 2 a 0 sobre a sensação Marrocos. Embora Mbappé não tenha marcado gols nas quartas nem nas semis, o craque seguia como principal nome francês no Mundial e artilheiro com cinco gols, mesmo número de Messi. Além disso, o técnico Deschamps usava bem o seu grupo e demonstrava um talento louvável pelo fato de ter perdido vários atletas antes e durante a competição por causa de lesões – Pogba, Kanté, Benzema, Lucas Hernandez, Nkunku, isso só para citar os principais – e ter conseguido manter o alto nível de competitividade de sua seleção.

Mbappé e Giroud: dupla marcou 9 gols até a final.

 

A Argentina, além de Messi, contava com o ótimo goleiro Emiliano Martínez, a sólida e entrosada zaga composta por Otamendi e Romero, um meio de campo de combate e criação com Mac Allister, Enzo Fernández e De Paul e o ataque que não passou em branco no Mundial, com Julián Álvarez e Messi, além de várias alternativas no banco. Comparando elenco por elenco, obviamente que a França era favorita. Mas a Argentina, pela Copa que fazia e por tudo o que Messi jogava, também entrava forte.

O jogo estava cercado de expectativas e fatos históricos. Quem vencesse seria tricampeão mundial. A França poderia ser a primeira seleção desde o Brasil de 1958-1962 a vencer duas Copas seguidas. Deschamps, o primeiro técnico desde Vittorio Pozzo a levantar duas Copas. E, com o título, poderia coroar de vez sua hegemonia no futebol, afinal, era a quarta final nas últimas sete Copas da equipe europeia. 

O Lusail Stadium, palco da final.

 

Do lado argentino, além do tri, a equipe poderia levantar um troféu que não vinha desde 1986, ano da Copa de Maradona, ídolo que partiu em 2020 e que deixou uma nação inteira em luto profundo e carente de um herói que pudesse fazer o país voltar a sorrir diante de tantas adversidades no cotidiano. E Messi era a pessoa responsável por fazer o argentino acreditar, sabia que Dios estava lá em cima vendo tudo e guiando o caminho albiceleste. 

A Argentina da final. Em pé: Romero, Emiliano Martínez, Otamendi, Mac Allister e Molina. Agachados: Messi, Di María, De Paul, Julián Álvarez, Tagliafico e Enzo Fernández.

 

A França da final. Em pé: Tchouaméni, Rabiot, Varane, Upamecano, Giroud e Lloris. Agachados: Théo Hernandez, Koundé, Dembelé, Griezmann e Mbappé.

 

Messi esperou demais. Não aguentava mais. E o argentino também não. Só que eles teriam que enfrentar um adversário duríssimo, que havia vencido a Argentina nas oitavas de 2018 por 4 a 3, com dois gols de Mbappé, um jovem de 19 anos naquele ano e que, em 2022, estava ainda melhor. Seria dificílimo. Para ambos os lados. Em campo, os olhares eram todos em Messi e Mbappé, não tinha jeito. Eram as estrelas de duas eras. Um estava saindo de cena. O outro, assumindo o protagonismo e candidato máximo a rei dos próximos anos do futebol. Se havia uma final perfeita, certamente era aquela.

 

Primeiro tempo – Aplastante Argentina

Messi celebra o primeiro gol do jogo. Foto: Dan Mullan / Getty Images.

 

A Argentina começou o jogo com uma surpresa em sua linha ofensiva: Di María, ausente em boa parte da reta final por causa de lesão, mas de volta para aquele jogo tão importante. E o craque provou que tinha energia acumulada para gastar. Mas não era só ele. O time inteiro argentino entrou ávido, sedento pela Copa e por fazer história. E o que se viu foi uma Argentina aplastante, demolidora, que não deixou a França jogar e anulou simplesmente os principais jogadores dos europeus, em especial Griezmann e Mbappé. 

Aos 4’, Mac Allister chutou e obrigou Lloris a defender a primeira. Aos 7’, Di María começou a jogada pela esquerda, deixou com De Paul, o meio-campista chutou, a bola desviou em Varane e foi para escanteio. Na cobrança, a bola ficou com o goleiro francês, que se chocou com Romero e ficou no chão para receber atendimento médico, providencial para acalmar um pouco a partida. Mas a Argentina não caiu na armadilha e seguiu ávida até que, aos 21’, Di María fintou Dembelé após receber de Messi e foi derrubado. O árbitro marcou pênalti. Na cobrança, Messi. Tensão, afinal, ele havia perdido um na primeira fase. Mas tinha marcado todos os outros que anotou na reta final. O camisa 10 bateu bem e fez 1 a 0. 

Os times em campo: com Di María, Argentina surpreendeu a França e dominou boa parte do jogo. Mas, após a saída do craque e as mudanças de Deschamps, o jogo pegou fogo.

 

Argentina na frente! Messi na frente! E artilharia com o craque, agora com 6 gols. A demolição sul-americana continuou, com toques precisos, marcação, roubadas de bola, compactação do meio de campo. A França simplesmente não existia. Os azuis letais, aquele time frio que matava o jogo quando queria, parecia vítima do próprio veneno. Mbappé? Vixe, ninguém sabia dele! E, aos 35’, o goleiro Martínez saiu jogando com chutão, a zaga francesa rebateu e Molina tocou de primeira para Mac Allister, que deixou de primeira para Messi, que tocou belissimamente para Julián Álvarez. O camisa 9 devolveu para Mac Allister que conduziu a bola até os marcadores franceses ficarem mais próximos a ele. No momento certo, ele tocou na esquerda para Di María, que chutou na saída de Lloris para fazer 2 a 0. 

Di María faz 2 a 0. Foto: FRANCK FIFE/AFP via Getty Images/One Football.

 

Que jogada! Que gol! E bem ele para marcar, Di María, autor de um gol naquele fatídico 4 a 3 de 2018 e do gol do título da Copa América de 2021. Emocionado, o craque chorou, como um torcedor em campo, um símbolo. A Argentina sobrava. A Copa parecia ter dono. Deschamps percebeu isso e, logo aos 41’, mudou dois jogadores: sacou Giroud e Dembelé e colocou Marcus Thuram e Muani. Era a primeira vez que uma seleção mexia duas vezes ainda no primeiro tempo em uma final de Copa! Ao apito do árbitro, a França foi para o intervalo tonta. A Argentina, cantante, em um Lusail de Núñez, uma Lusailbonera e seus mais de 40 mil torcedores pulando à espera da glória. O tricampeão mundial vestia azul e branco.

 

Segundo tempo – Légendaire Mbappé

Roi Mbappé. Foto: ADRIAN DENNIS / AFP via Getty Images.

 

Quando a bola rolou para a etapa final, a Argentina seguiu no ataque, enquanto a França não demonstrava tanta força ofensiva. Por outro lado, o time europeu tinha mais vigor físico, ainda mais pelas boas entradas de Thuram e Muani. Sem grandes chances nos primeiros 18 minutos, o técnico Scaloni tirou Di María, cansado, e colocou Acuña, titular em outros jogos, para reforçar mais o lado esquerdo do meio de campo. Mas foi a partir dali, da saída de um dos principais nomes argentinos na partida, que a França ganhou sobrevida. E, após mais duas mudanças e mais gás, o time bleu frequentou a área argentina. Não tanto, mas o suficiente para, aos 33’, Otamendi derrubar Muani dentro da área, impedindo o jogador de ficar no mano a mano com o goleiro. Pênalti.

Na cobrança, o sumido Mbappé. O craque sabia que era a chance de reverter o cenário. De ele entrar para a história como quinto homem a marcar gols em duas finais de Copas, assim como Pelé, Vavá, Breitner e Zidane. Mbappé bateu forte e fez 1 a 2. O camisa 10 francês pegou a bola, levantou os braços e pediu energia. Seu time tinha. E ele, também. 

Um minuto depois, Messi perdeu a bola no meio, Coman recuperou, tocou para Rabiot, que deixou com Marcus Thuram e este tabelou com Mbappé. Na devolução, Mbappé pegou de primeira e marcou um golaço, no canto, aos 36’: 2 a 2. Era um novo jogo! Depois de um absolutismo tremendo da Argentina, a França estava viva em apenas dois minutos! E Mbappé na frente de Messi na artilharia da Copa com 7 gols! O time argentino parecia destroçado emocionalmente. A França, revigorada, viva, com a clareza das situações que o rival teve no primeiro tempo. A situação sul-americana era angustiante. E, a cada bola para Mbappé, os argentinos viam o terror, o filme de 2018, o moleque atrevido que já acumulava quatro gols contra eles.

Craque marcou um golaço e empatou a final. Foto: Catherine Ivill / Getty Images.

 

A França martelou pela virada épica, mas sabe-se lá como a Argentina conseguiu se safar, seja com bolas rifadas, seja com saídas do goleiro Martínez. Parecia ainda o filme do duelo contra a Holanda, nas quartas, quando o 2 a 0 virou 2 a 2 e o jogo foi para a prorrogação. Os acréscimos já corriam e o público esperava o tempo extra. A torcida argentina não conseguia cantar. A garganta travava. Os olhos marejavam. Pesadelos vinham à mente. Até que, aos 50’, Messi pegou a bola, ajeitou e chutou de perna esquerda. Ela tinha endereço, mas o goleiro Lloris mandou para escanteio. Foi um chute para acender de novo a massa albiceleste. Um sopro de esperança para o tempo extra.

 

Prorrogação e pênaltis – A partida divina

O segundo gol de Messi na final. Foto: Buda Mendes / Getty Images.

 

Scaloni trocou um lateral pelo outro no primeiro tempo extra – Molina saiu e entrou Montiel – e esperou dar mais gás ao setor direito de seu time, que estava mais frágil fisicamente e mentalmente do que a França. Porém, nenhuma chance surgiu até depois dos 104’, quando Lautaro Martínez, que havia acabado de entrar, recebeu dentro da área, dominou e chutou, mas Varane travou. No rebote, Montiel chutou, a bola bateu na zaga e saiu. Tempo depois, Acuña cruzou, Lautaro outra vez tentou, mas Upamecano afastou o perigo. Ao apito do árbitro logo depois, a Argentina foi para a etapa final mais animada, assim como sua torcida, que voltou a cantar e acreditar.

Aos 3’, eis que o Lusail presenciou um lance digno de final de Copa. Montiel mandou para frente, Lautaro ajeitou de primeira para Messi, que tocou para Enzo Fernández e este deixou com Lautaro. O atacante chutou forte, mas Lloris defendeu. De fato, aquela não era a Copa do argentino… Mas teve rebote. E quem o pegou foi Messi, de perna direita, a ruim, aquela que não é mágica, mas que tanto apoiou a irmã esquerda. A bola foi para o gol, Koundé ainda tentou tirar, mas a redonda já havia cruzado a linha: 3 a 2.

Foto: Julian Finney / Getty Images / One Football.

 

Loucura no Lusail, que vibrou meio que ressabiado por causa da momentânea indecisão da arbitragem até a confirmação do gol. Faltavam pouco mais de 10 minutos. A glória estava perto. Muito perto. Os argentinos começaram a segurar a bola, aumentaram a marcação, tentaram deixar a França em seu campo de defesa. Os bleus tinham pouco tempo, pouco espaço. Até que Mbappé chutou, Montiel se jogou para afastar a bola, mas foi com o braço aberto dentro da área… Pênalti. Mais drama. Mais tensão. A confiança argentina era em Emiliano Martínez. Só que Mbappé estava on fire. E mandou outro chutaço para empatar o jogo e fazer o inimaginável: 3 a 3. Três gols em uma final de Copa do Mundo. Só dele, Kylian Mbappé. Desde 1966 que uma decisão não tinha um artilheiro com tantos gols. E desde 2002 que um jogador não chegava aos 8 gols em um Mundial.

A França não se entregava. Queria a terceira estrela. Queria a hegemonia. No minuto final, Mbappé desceu mais uma vez pela esquerda, tocou para Muani, mas o atacante não alcançou a bola. Já nos acréscimos, o mesmo Muani recebeu nas costas da zaga e ficou no mano a mano com o goleiro Martínez. O francês teve a chance da virada, ali, em seus pés. Ele chutou. Os argentinos fecharam os olhos. Certamente alguns desmaiaram, tiveram piripaques, etc. Mas Dibu Martínez abriu os braços, se agigantou como no jogo contra a Austrália, e defendeu. Impressionante. Uma defesa que vale por mil anos. Que vale uma estátua.

Diz se não vale uma estátua? Foto: Buda Mendes/Getty Images/One Football.

 

Tempo depois, a Argentina teve um contra-ataque a seu favor, Messi recebeu, esperou, tocou para Montiel, que cruzou. A bola foi para a cabeça de Lautaro, mas o atacante, em profundo inferno astral, mandou para fora. Mbappé ainda tentou um último lance, mas foi desarmado no minuto final. O árbitro encerrou a partida. E a decisão teria mesmo que ficar para os pênaltis, a terceira decisão desse tipo na história das Copas e a segunda envolvendo a França. Ali, com bola rolando, não dava mais. Era muita emoção, muita tensão para um só jogo de futebol.

Quando o árbitro sorteou o lado do campo, a torcida no Lusail vibrou. Os chutes seriam disparados do lado onde estava a hinchada argentina. O mesmo lado onde a equipe albiceleste venceu a Holanda, nas quartas. O mesmo lado onde saiu o terceiro gol da vitória sobre a Croácia, nas semis. Parecia profético. A França, porém, iria começar chutando. No primeiro deles, Mbappé – os craques SEMPRE devem começar. O camisa 10 chutou forte, no canto, e fez mais um gol na final. O próximo foi Messi. Ele bateu rasteiro, com personalidade e frieza, e empatou. O chute seguinte foi de Coman. Ele bateu cruzado, mas Dibu Martínez defendeu. Outro ato heroico do goleirão argentino, monstruoso naquela Copa.

Emiliano Martínez defende o pênalti de Coman. Foto: ODD ANDERSEN / AFP via Getty Images/One Football.

 

O segundo chute argentino foi de Dybala, que entrou na prorrogação. Vixe, jogador frio normalmente erra… Mas ele bateu no meio do gol, Lloris saltou, e a bola entrou: 2 a 1. Tchouaméni chutou o terceiro da França e mandou para fora. A vantagem aumentava para a Argentina! No terceiro pênalti, Paredes converteu e fez 3 a 1. Na quarta cobrança francesa, Muani, que jogou muito bem e teve a chance da virada no final da prorrogação, fez o gol que manteve um pouco de esperança aos bleus. Montiel foi o próximo da Argentina. Se ele causou o pênalti do empate francês na prorrogação, poderia se redimir com o gol da vitória. E ele fez: 4 a 2. 

A festa! Foto: Catherine Ivill / Getty Images.

 

Se dizem que o futebol não obedece lógica nem faz justiça, naquele instante, ele pagou uma dívida. Se tinha uma seleção que merecia aquela Copa do Mundo de 2022, era a Argentina. E se tinha um craque que merecia aquele troféu, era Lionel Messi. O garoto de Rosário que virou ídolo de milhões, quiçá bilhões, ao longo de anos e anos conquistando títulos e jogando um futebol espetacular. O craque que aprendeu o que era vestir a camisa da Argentina e encarnou uma nova faceta naquele Mundial. Saiu o lacônico de outrora, entrou o bravo, inspirador, capitão, líder. A versão mais maradoniana de Messi. 

 

Foi o desfecho final do maior craque do século XXI, talvez o maior que vimos na Terra desde Pelé. O encerramento de uma Copa inesquecível e a final do século, a melhor final da história. Exagero? De jeito nenhum. Quando você acha que um jogador vai marcar três gols em uma decisão de novo? Quando você acha que teremos um 3 a 3 de reviravoltas, domínio, ressurreição e torcida ensandecida? Quando você acha que veremos dois times praticando um futebol de tão alto nível? Quando você acha que veremos uma defesa na reta final de uma prorrogação que evitou uma virada certa? E quando você acha que teremos um duelo do nível Messi x Mbappé? Pois é, talvez nunca mais. Ou quiçá logo mais. O certo é que o dia 18 de dezembro de 2022 já virou cabalístico. Lendário. Eterno. O dia da maior final da história das Copas do Mundo.

 

Pós-jogo: O que aconteceu depois?

 

Argentina: milhões de pessoas saíram às ruas de Buenos Aires e de outras cidades do país após o título mundial, esperado por longos 36 anos. O troféu catapultou Messi ao mesmo patamar – ou até mais – que Maradona e rechaçou a condição divina do craque. Lionel ainda venceu o prêmio de Craque da Copa, foi o vice-artilheiro com 7 gols e se tornou o jogador com mais jogos na história das Copas – 26 partidas. Tricampeã mundial, a Argentina só está atrás agora de Brasil, Itália e Alemanha no rol de campeões. E provou ao mundo cada vez mais eurocêntrico que o futebol sul-americano ainda tem aura, talento, garra, classe e genialidade.

A multidão argentina em volta do Obelisco, em Buenos Aires. Foto: Agustin Marcarian / Reuters.

 

França: o revés foi dramático para o time francês, que amargou sua segunda derrota em uma decisão por pênaltis em Copas – a primeira foi em 2006, diante da Itália. A consolação foi Mbappé, artilheiro e chuteira de ouro da Copa com 8 gols e a certeza de que aquela geração ainda pode render glórias ao país por muito tempo, afinal, o elenco é muito jovem. Mas perder uma final com tanta dramaticidade ainda vai gerar muitos pesadelos à equipe europeia.

Mbappé, chuteira de ouro da Copa com 8 gols. Foto: Julian Finney/Getty Images/One Football.

 

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Comentários encerrados

9 Comentários

  1. Não vejo a hora de ver a história desse esquadrão, a Argentina merecia esse título, Messi merecia esse título, essa foi a maior final da história das copas, essa final rende muitas histórias.

  2. Por favor, faz a história desse esquadrão da Argentina, você poderia também fazer a história do esquadrão Chelsea de 2012 (sabemos que não foi o primor técnico, mas o feito desse Chelsea não pode ser esquecido). E faz também a história do esquadrão do Chelsea bicampeão da Champions League, campeão da Supercopa, campeão do Mundial, e bi-vice da FA Cup, e vice da Copa da Liga.

  3. A epopeia messiânica no Lusail Stadium já está nos anais da história. Uma disputa maluca, com pré e pós-jogo inesquecível. É uma honra ter visto. É uma honra aplaudir Lionel Andrés Messi Cuccittini, o melhor e maior jogador deste século, a personificação do jogo moderno, ser coroado como merecia. A partir de anteontem, eu considero Pelé e Messi, juntos, os melhores e maiores jogadores de toda história. E não me atrevo mais a compará-los. A dor de ter de escolher um ou outro é inaceitável. A Final da Copa de 2022 foi uma declaração de amor ao esporte das multidões. Nada mais a dizer. Obrigado.

  4. Há muito, mas muito tempo mesmo, que eu não via um jogo tão maluco, tão emocionante e tão maravilhoso como esse. E foi justamente uma final de Copa do Mundo. Era uma questão de tempo para que um texto sobre esse jogaço aí saísse. Achei até que ia levar mais tempo.

    Foi a maior final da história das Copas do Mundo. E de longe. E confirmou que o ET Messi é o maior jogador de futebol do século XXI.

    E impressionante a geração francesa. São tantos e tão bons jogadores, que a França ainda tem força para chegar como favorita, e principal favorita, para a próxima Copa.

  5. Final que realmente,foi o jogo do Século XXI,jamais vi algo parecido,numa Copa que tecnicamente foi a pior desde 1990,tanto no jogo jogado como na qualidade e também pelo Brasil ter feito uma péssima Copa do Mundo,estes dois gênios da bola,um que jajá chegará lá e outro que cravou seu nome como o terceiro Deus da Bola,atrás de Pelé e Maradona,Mbappé é o Futuro,MESSI É PARA A ETERNIDADE,foi o jogo que em 2018 foi o jogo da Copa,em 2022 foi o jogo do século,Argentina Tri Mundial por D10s,por Messi,pelo povo Argentino que sofre a muito tempo e o Futebol agradece

    • Desculpe, mas pra mim a (recém-terminada) Copa do Mundo de 2022, tecnicamente, até que foi das melhores pois, dentro de campo, o Catar 2022 superou, de longe, a própria Itália 1990 (que você citou), a Alemanha 2006 e a África do Sul 2010, e superou, razoavelmente, a Rússia 2018.

  6. Parabéns desde já por postar essa partida, Guilherme! Fiquei arrepiado com a partida, não deu nem para piscar direito. Vibrei com a Argentina, muito pelo Messi que se consagrou em definitivo.
    Messi imortal!

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