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Jogos Eternos – França 4×3 Argentina 2018

Mbappé fuzila... Goleada francesa em Kazan. Foto: Laurence Griffiths / Getty Images.
Mbappé fuzila… Goleada francesa em Kazan. Foto: Laurence Griffiths / Getty Images.

 

Data: 30 de junho de 2018

O que estava em jogo: uma vaga nas quartas de final da Copa do Mundo da FIFA de 2018

Local: Arena Kazan, Kazan, Rússia

Juiz: Alireza Faghani (Irã)

Público: 42.873 pessoas

Os Times:

França: Lloris; Pavard, Varane, Umtiti e Lucas Hernández; Kanté e Pogba; Mbappé (Thauvin, aos 44’ do 2º T), Griezmann (Fekir, aos 38’ do 2º T) e Matuidi (Tolisso, aos 30’ do 2º T); Giroud. Técnico: Didier Deschamps.

Argentina: Armani; Mercado, Otamendi, Marcos Rojo (Fazio, intervalo) e Tagliafico; Pérez (Agüero, aos 21’ 2º T), Mascherano e Banega; Pavón (Meza, aos 30’ do 2º T), Messi e Di María. Técnico: Jorge Sampaoli.

Placar: França 4×3 Argentina. Gols: (Griezmann-FRA, PEN, aos 13’, e Di María-ARG, aos 41’ do 1º T; Mercado-ARG, aos 3’, Pavard-FRA, aos 12’, Mbappé-FRA, aos 19’ e aos 23’, e Agüero-ARG, aos 48’ do 2º T).

 

“Pegue-me se for capaz”

Por Guilherme Diniz

A Copa do Mundo é a maior vitrine do futebol. O palco para apresentações, atos e cenas únicas. Se um jogador ainda não é tão conhecido, é ali que ele aparece. Se exibe. Mostra suas qualidades para bilhões de pessoas que o veem pela TV e para as milhares presentes no estádio. E, no dia 30 de junho de 2018, a Arena de Kazan, na Rússia, foi o cenário escolhido por um garoto de 19 anos para sua “estreia”, com ingressos esgotados e grande elenco. Kylian Mbappé fez do duelo contra a Argentina seu recital. Com a camisa 10, a mesma utilizada por Michel Platini e Zinedine Zidane, ele nem sequer sentiu o peso de um manto tão sagrado. E exibiu diversas facetas. Quando recebia a marcação de um, dois, três argentinos, passava por eles com dribles e técnica dignos de um camisa 7, camisa 11. Na hora de ir ao ataque, utilizava uma explosão impressionante, era imparável, como um legítimo camisa 9. E, quando finalizava, era de uma classe exuberante, precisão letal, como um camisa 10. Eram várias camisas num só jogador.

Primeiro, sofreu o pênalti que resultou no primeiro gol de seu time. Depois, marcou o gol da virada. E, para finalizar, fechou uma goleada fácil e se tornou o primeiro adolescente a marcar dois gols em um mata-mata de Copa do Mundo desde ninguém mais ninguém menos que Pelé, em 1958… Poderia ser mais, mas a França estava satisfeita, talvez respeito à Argentina, um mero retrato do que fora um dia, mas com pequenos lampejos que transformaram um duelo clássico em Copas em um dos mais incríveis da história dos Mundiais. Sete gols. Duas viradas. Gols improváveis. E ainda uma chance de empate no último segundo. Foi um jogo de fases. Que apresentou definitivamente o futuro campeão. E escancarou uma das mais bagunçadas Argentinas de todos os tempos. Nem o golaço de Di María salvou. Nem Messi. Nem a raça. Nem a transformação de Kazan em La Bombonera, Monumental de Núñez, com a maioria argentina pulsando e cantando. Foi dia de França. Dia de Pogba. Dia de Griezmann. De Kanté. E de Mbappé, o garoto que estraçalhou a bicampeã do mundo. É hora de relembrar.

 

Pré-jogo

Roberto Cherro, da Argentina, no duelo contra a França em 1930: duelo era favorável aos sul-americanos.

 

O duelo entre França e Argentina sempre foi amplamente favorável aos portenhos. O primeiro encontro aconteceu justamente em uma Copa do Mundo, a primeira, em 1930, e teve vitória da albiceleste por 1 a 0. Em 1978, as equipes se encontraram em mais um Mundial e deu Argentina de novo: 2 a 1. Na história, eram 11 jogos, com seis vitórias sul-americanas, três empates e apenas duas vitórias francesas. Nos dois últimos jogos entre ambos, vitória portenha por 2 a 0 em 2009, em Marselha, e 1 a 0 em 2007, em Paris. A última vitória da França havia acontecido lá em 1986: 2 a 0, em Paris. No entanto, mesmo com esse retrospecto quase trágico para os Bleus, o favorito para o duelo daquela fase de oitavas de final de 2018 era o selecionado europeu.

A equipe tinha um elenco jovem, talentoso e um esquema de jogo muito eficiente e bem montado por Didier Deschamps, que iria se tornar o treinador com mais jogos (80 partidas) à frente da seleção exatamente naquela fase de oitavas de final. Campeão do mundo como jogador, em 1998, o técnico queria conduzir sua equipe ao título mundial e apagar de vez as lembranças do tenebroso vice-campeonato da Eurocopa de 2016 jogando em casa após revés para Portugal. Na primeira fase, os franceses superaram a Austrália (2 a 1), o Peru (1 a 0) e empataram sem gols com a Dinamarca quando já estavam classificados. Com um sistema defensivo muito bom, um meio de campo marcador e criativo e duas estrelas no ataque – Griezmann e Mbappé, a França era favoritíssima pelo que jogava e ainda poderia jogar.

Kylian Mbappe (à dir.) celebra seu gol contra o Peru ao lado de Antoine Griezmann (à esq.) Foto: AFP PHOTO / Anne-Christine POUJOULAT.

 

Já do lado argentino… A história era bem diferente. Tinha contornos de drama. Ou de um filme de terror. A seleção tinha conseguido a vaga na Copa na base do sufoco, com vitória no último jogo das Eliminatórias graças ao talento de seu camisa 10, Lionel Messi. No Grupo D, os hermanos tinham pela frente Islândia, Croácia e Nigéria. Nenhum bicho de sete cabeças para uma seleção bicampeã do mundo. O problema é que aquela Argentina não era “a” Argentina. Era um time caricato. Que nunca repetia uma escalação sequer por culpa de seu insano técnico Jorge Sampaoli, que parecia ter se esquecido dos brilhantes trabalhos na grande Universidad de Chile de 2011 (leia mais clicando aqui) e na seleção chilena campeã da Copa América de 2015 para construir um trabalho pífio, sem aproveitar como deveria os talentos que tinha à disposição e fazendo da equipe uma verdadeira piada a ponto de levar de 6 a 1 da Espanha em um amistoso antes da Copa (!).

A imprensa argentina já temia pelo pior e percebeu os primeiros indícios logo na estreia, quando a equipe sul-americana empatou em 1 a 1 com a Islândia. No segundo jogo, a grande prova da tragédia: derrota de 3 a 0 para a Croácia, com falha grotesca de goleiro, erros amadores no sistema defensivo, nenhum padrão de jogo e os craques do time dispersos, vagos. No último jogo, contra a Nigéria, a seleção estava eliminada até os 41’ do segundo tempo quando Rojo marcou um lindo gol e deu a vitória por 2 a 1 aos argentinos, que se classificaram na “bacia das almas” com apenas quatro pontos, cinco atrás da líder Croácia.

Caballero lamenta e Rebic comemora ao fundo.

 

Sampaoli sabia que seu time era inferior no plano tático e no conjunto e se apegava à garra demonstrada contra a Nigéria para surpreender. Ele disse que a equipe “precisaria jogar com garra e rebeldia, como fizemos contra a Nigéria, porque teremos pela frente um time que joga junto há muito mais tempo que o nosso”. Mas seria preciso muito mais do que isso. Messi teria que aprontar tudo o que sabia. O ataque teria que superar a forte zaga francesa e romper a marcação implacável de Kanté e Matuidi. E a zaga, que ninguém sabia qual seria, não poderia cometer os erros dos jogos anteriores.

Tudo pronto para o jogo! Foto: Getty Images – FIFA.

 

No dia do jogo, a Arena de Kazan estava tomada em sua maioria por argentinos. O cenário era lindíssimo, com muita cantoria, torcida pulsando e muito fanatismo. Os portenhos eram um dos campeões em ingressos adquiridos naquela Copa – a estimativa era de 60 mil argentinos em solo russo. Na hora do hino, a torcida deu show. Foi no embalo da melodia. Fez ecoar por toda Rússia. Ninguém os superava em fanatismo. Era o que aquela seleção precisava para começar bem um jogo tão difícil. Kazan era a casa da hinchada portenha.

Um misto de paixões, quando torcedores de San Lorenzo, Racing, Independiente, Boca, River, Vélez e Estudiantes se uniam por um só ideal. Mas, do outro lado, os franceses também vibravam, acreditavam nas coincidências, no fim do jejum de 20 anos e em uma nova boa campanha em Copa com final “8” (3º lugar em 1958, campeões em 1998…). Ambos jogariam com seus uniformes tradicionais, inconfundíveis. A França, completa. Hernández, dúvida dias antes, estava recuperado. A Argentina vinha com dois atacantes pelas pontas e Messi de “falso 9”. Era hora da bola rolar. Começaria ali o “matar ou morrer” da Copa de 2018. E da melhor maneira possível: num clássico de arrepiar.

 

Primeiro tempo – O torpedo e o gol achado

Messi (centro) sofreu com a marcação francesa. Foto: Getty Images / FIFA.

 

Desde o início, a Argentina tomou a bola para si e teve logo aos 3’ uma falta a seu favor. Na cobrança, Messi mandou para a área, mas a zaga francesa tirou. A França recuperou a bola e começou a tocar de maneira segura, calma. Ela administrava o jogo e estudava os argentinos para detectar seus pontos fracos. E eram muitos. Frouxidão na marcação. Espaços na zaga. Meio de campo nulo. Por mais que a Argentina não quisesse sofrer como na primeira fase, a vontade naquele início de jogo era utópica. Aos 6’, Mbappé passou por três (!) e foi derrubado perto da área. Falta. Griezmann bateu e a bola explodiu no travessão! A França se inflou, se mandou pro ataque em jogada construída por Umtiti, Griezmann e Hernández, mas a zaga argentina tirou.

Aos 10’, o time sul-americano tentou uma tabelinha na entrada da área, mas Pogba chegou para atrapalhar. A bola sobrou e Mbappé dominou na intermediária do campo de defesa francês. O garoto saiu como um torpedo em direção ao ataque argentino. Deixou um, dois, três para trás. Parecia um novo furacão em Copa do Mundo. Como um Jairzinho. Explosivo, como um Ronaldo. Quando ia passar pelo quarto, foi derrubado por Marcos Rojo dentro da área. Pênalti. Os argentinos ficaram atordoados. O público, estupefato. E nem cansaço aparentou o jovem. Ele ainda tinha muito fôlego. Griezmann, especialista das bolas paradas, bateu com pouca distância, rasteiro, no lado oposto do goleiro Armani, e fez 1 a 0 França.

Mbappé sai em disparada…

 

… Para ser parado, só com essa falta aí: pênalti! Foto: Kevin C. Cox – Getty Images.

 

Griezmann bateu e fez: 1 a 0. Foto: Getty Images / FIFA.

 

Nos oito minutos seguintes, só deu Argentina, que tentou impor alguma pressão até Pogba roubar e fazer um lançamento para Mbappé mais uma vez aparecer para destroçar a zaga rival e sofrer falta fora da área, quase pênalti. Pogba bateu e a bola foi para fora. O relógio chegava aos 25’ e os dados estatísticos marcavam incríveis 69% de posse de bola para a Argentina. Mas aquilo não queria dizer nada. A França era eficiente. Enganava seus rivais. Dava a bola para eles e dizia “pode ficar, daqui a pouco eu pego isso aí e você vai ver…”. Ela cansava o adversário. Era a personificação de uma “cascavel”. Estava sempre pronta para dar o bote, sempre em um contra-ataque mortal, rápido. Tinha qualidade nos passes, no controle. Era tão fria que até os russos da Sibéria ficavam espantados. No meio de campo, Kanté não deixava Messi respirar. Marcava e destruía qualquer coisa que o argentino pensava em fazer. E, por isso, ele nem fazia, pois a bola não chegava.

Aos 26’, Griezmann apareceu pela ponta direita, cruzou, mas a redonda não chegou em Giroud. Aos 27’, Mercado tentou um chute no canto de Lloris, mas errou o alvo. Três minutos depois, um ataque francês com classe, capitaneado pelas passadas largas e cabeça erguida de Pogba pelo meio, que tocou para Mbappé invadir a área até ser desarmado por Tagliafico, em uma rara roubada diante do camisa 10, que, nas disparadas, deixava dois pra trás tamanha sua explosão. A defesa argentina falhava muito e dava espaços absurdos para a França, que era preguiçosa e não matava o jogo por pecar no último toque. Já poderia ter feito 2, 3 a 0 sem forçar. Aos 37’, Otamendi teve que vir lá de trás para tentar criar alguma coisa na base da raça e da vontade, sem efeito algum. A Argentina era nula no ataque. Aos 38’, boa jogada francesa pela direita, Griezmann e Pavard no lance, o lateral cruzou e Giroud perdeu uma grande chance.

Di María manda um petardo de fora da área… (Foto: Shaun Botterill – Getty Images)

 

… E marca um golaço! Foto: Getty Images / FIFA.

 

Foi então que, aos 40’, veio o castigo para a França. Após lateral cobrada por Tagliafico pela esquerda, ele deixou com Rojo e este com Banega. O meio-campista viu Di María sozinho na entrada da área e tocou. O camisa 11 ajeitou, olhou pro gol e chutou. Antes mesmo de a bola entrar ele saiu correndo para comemorar um golaço que fez explodir a Bombone… Digo, Arena Kazan: 1 a 1. O estádio voltou a gritar. A batucar. A pulsar. A Argentina achava um gol nos momentos finais. Era o gás necessário para o segundo tempo. A França tentou a resposta nos minutos seguintes, mas veio o apito do árbitro e o primeiro tempo foi embora. O empate era injusto com a França e um precioso presente para a Argentina. Será que ela conseguiria a virada só na base da raça, dos gols achados e da camisa?

 

Segundo tempo – Goleada, consagração e segundos de esperança

No começo do segundo tempo, Mercado virou para a Argentina. Foto: Pilar Olivares / Reuters.

 

Sampaoli decidiu mudar o miolo de sua zaga e colocou o grandalhão Fazio no lugar de Rojo. Com isso, ele esperava conter a força e o ímpeto de Mbappé e oferecer resistências nas jogadas aéreas. Quando a bola rolou, Di María começou com tudo pela esquerda, gingou pra cima de Pavard e recebeu falta logo aos 2’. Na cobrança, a bola foi para a área, sobrou com Messi, ele chutou e Mercado desviou para o gol: 2 a 1. Virada argentina logo no começo do jogo! Um gol esquisito, meio sem querer. Parecia que o dia era da Argentina. A freguesa França talvez não fosse forte o suficiente para acabar com o estigma de derrotas em Copas para a albiceleste. “Es la camiseta, la mística!”, diziam os argentinos. O torcedor francês certamente lamentava sua seleção não ter matado o jogo na primeira etapa. A preguiça tinha seu preço e punição.

Os times em campo: França engoliu a Argentina e só não massacrou a rival por pura preguiça.

 

Mbappé tentou responder na sequência, mas logo apareceram três argentinos e Banega, que atropelou o francês já no chão e levou cartão amarelo. Ele, assim como Mascherano, já estava fora do próximo jogo se a Argentina se classificasse. Aos 8’, a França tentou o empate em jogada aérea após cobrança de falta, mas a zaga argentina tirou e afastou o perigo. O estádio cantava, pulava. Eram os hinchas em festa abafando qualquer esboço de “allez, les bleus!” dos rivais. Em campo, porém, a França se blindava. Não mostrava intimidação. Ainda mantinha o controle. Ela sabia que a Argentina falhava. Aos 10’, Fazio recuou para Armani, mas o goleiro estava muito perto do zagueiro. Assim como Griezmann, que brigou com os dois pela bola e quase marcou o gol de empate em uma bobeada ridícula da dupla portenha. Era uma bagunça sem igual aquela zaga. Dava até dó. E pensar que os hermanos já tiveram em sua história Passarella, Perfumo, Sensini, Ayala, Samuel… Isso só para citar alguns. E, na verdade, foi pênalti em Griezmann, mas o árbitro e o VAR não viram.

Dois minutos depois, mais um golaço. Hernández recebeu na esquerda, cruzou, a bola passou por toda a extensão da grande área e Pavard pegou de primeira, na cara da bola, com o lado de fora do pé, parecendo um repeteco do gol de Nacho dias antes contra Portugal (leia mais clicando aqui!). Dejà vu total! A diferença é que a bola foi no ângulo: 2 a 2. Aos 22 anos e em seu 9º jogo pela França, o jovem marcava seu primeiro gol pela seleção! E que gol! O jogo ficava ainda mais tenso. Era de fato um jogo maiúsculo de Copa do Mundo.

Pavard manda um chutaço pro gol…

 

E marca um golaço! Fotos: Getty Images / FIFA.

 

Levar um gol daqueles afetou a Argentina. Ela sentiu. Bem como sua torcida. Messi idem. Cabisbaixo, o camisa 10, extremamente apático, parecia contar os minutos para sumir dali. Prova disso é que, aos 18’, Varane tocou uma bola para Umtiti perigosamente à frente do camisa 10. E ele parece nem ter visto a redonda. Na sequência do lance, a bola foi para o ataque francês e quem viu muito bem a bola foi Mbappé. Hernández cruzou, Matuidi chutou no zagueiro, a bola sobrou para o camisa 10 francês que, com um corte, tirou Enzo Pérez da jogada e chutou por baixo de Armani. Chute seco, forte, preciso: 3 a 2.

Mbappé vira o jogo para a França. Foto: Alexander Hassenstein / Getty Images.

 

O craque seguia impossível, roubava bola no campo de defesa, corria, flutuava. Era difícil pegá-lo. Pará-lo, só com falta. Aos 21’, Sampaoli tentou alguma ação mais brusca no ataque ao colocar Agüero em campo. No banco, ainda tinha Dybala, Higuain, todos com olhares vazios, sem um pingo de esperança em ajudar ou de serem chamados. A França recuou após o terceiro gol, esperta, pronta para mais um bote. A Argentina foi para o ataque, mas sem criação, sem inspiração. Até que, quatro minutos depois, nove toques definiram outra obra-prima naquele jogo.

Na defesa, Umtiti tocou para Lloris, que deixou com Kanté. O volante passou para Matuidi, que fez o passe para Giroud. O centroavante só esperou uma pessoa vir pela direita e tocou levemente na bola como quem diz: faz! E quem vinha para fazer? Mbappé, como um foguete, bateu de chapa e ampliou: 4 a 2. Era o segundo dele no jogo. Gol que o colocou na história das Copas. Motivo? Desde 1958 que um jovem com menos de 20 anos não marcava dois gols num mata-mata de Copa. E sabe quem havia sido o último? Simplesmente Pelé… Mbappé tinha participação direta em três dos quatro gols franceses.

Mbappé celebra: dois gols, jogadas de craque… Uma partidaça do jovem! Foto: Getty Images / FIFA.

 

Aos 25’, Pogba chegou como quis, tocou para Giroud, mas o camisa 9 chutou na rede pelo lado de fora e por muito pouco não fez o quinto. A França jogava como queria, dava olé, dominava o meio de campo. Aos 27’, contra-ataque impulsionado por Kanté, com Mbappé na esquerda. O volante tocou, mas o camisa 10 pegou mal na bola e chutou longe. A França engatilhava ataques, mas brecava, parecia que não queria humilhar um rival cambaleante. Aos 34’, uma rara e primeira boa jogada de Messi na partida, que roubou, driblou e passou na direita para Meza, mas a finalização foi nas mãos de Lloris. Não tinha jogo coletivo na Argentina. Era só individualmente que alguma coisa poderia acontecer. Ninguém aparecia, não tinha criação, nada.

Aos 39’, Messi deu sua primeira arrancada e o estádio se levantou. O camisa 10 passou por dois, a bola caiu na perna direita, mas o chute foi fraco. Aos 40’, outra vez Messi, que tocou no meio para Agüero, mas Varane foi firme no corte. Quatro minutos depois, Mbappé saiu para ser ovacionado pelo estádio. Sabe a frase “a Copa do Mundo separa os homens dos meninos”? Pois é.  Ao deixar o gramado de Kazan, o menino Mbappé havia acabado de ser batizado no maior palco do futebol mundial. Deu sua prova de que era, sim, um homem. Crescido. Pronto para o estrelato. Que simplesmente jogou futebol. Mostrou força absurda. Velocidade. Técnica. Sutileza. Precisão. E muito mais. Características que fizeram ele marcar dois gols. Participar de outro. Classificar a França.

Gol de Agüero deu esperanças, mas já era tarde. Foto: Catherine Ivill / Getty Images.

 

Aos 46’ e com os acréscimos correndo, a torcida argentina começou a cantar de novo. Nem parecia que sua seleção estava sendo eliminada. Batuques, gritos. Eles davam adeus à camisa, à pátria, vibrações por tempos melhores. Depois do vice de 2014, vinha outro baque com uma eliminação precoce. Mas, como num passe de mágica, os ecos das arquibancadas soaram nos ouvidos de Messi e Agüero. Aos 48’, Messi, com a bola em seus pés, ergueu a cabeça e cruzou para a área. Foi perfeito. A redonda encontrou Agüero, que subiu e diminuiu: 4 a 3. Lindo gol. Aquela assistência talvez fosse o último momento de Messi em uma Copa do Mundo.

Um lampejo que fez vibrar mais uma vez a torcida. Que ainda tinha esperança no último minuto que restava. Na saída, Pogba sofreu falta e Otamendi deu um chutão na bola em direção ao francês já caído no chão. Teve bate boca, confusão. Eram os ingredientes que ainda faltavam naquele jogo: catimba, provocação, diz que me diz, empurrão… Pronto. Não faltava mais. Faltando segundos para acabar, a bola foi em direção à área francesa com Di María, Agüero. Veio um chute cruzado, um desvio… E a bola foi para fora. O juiz apitou. E acabou.

Desolação e festa: contrastes em Kazan. Foto: Getty Images / FIFA.

 

A França estava classificada. Com mais sofrimento do que deveria. E a Argentina estava fora. Com mais gols marcados do que poderia. Foi apenas a terceira vitória francesa sobre os sul-americanos na história de um confronto de 88 anos completados naquela Copa. Um triunfo maiúsculo para embalar qualquer equipe em busca de um título mundial. Foi o jogo que abriu a fase final daquela Copa. Que trouxe boas vibrações e inspirações para os muitos duelos quentes e emocionantes que veríamos a seguir. Foi o batismo de uma fase ótima. E o batismo de um jovem que entrou menino e saiu homem daquele duelo. Era a história sendo escrita. Um jogo para a eternidade dos Mundiais.

 

Pós-jogo: O que aconteceu depois?

França: os Bleus não mudaram seu estilo de jogo. Melhor: aperfeiçoaram. O lado clínico foi mantido nas quartas de final e eles venceram outra equipe sul-americana que também havia topado com eles em Mundiais anteriores: o Uruguai. A vitória foi por 2 a 0, gols de Varane e Griezmann, sem sustos nem dramas. Na semifinal, duelo dificílimo contra a forte Bélgica, outra que também havia enfrentado a França em Copas anteriores. Ao contrário da Argentina, os franceses levavam vantagem de duas vitórias nos duelos contra os belgas nas Copas de 1938 (3 a 1) e 1986 (4 a 2, na disputa pelo terceiro lugar). E, de novo, os franceses derrotaram uma grande geração belga: 1 a 0, gol de Umtiti. Na final, mais uma velha conhecida: a Croácia, derrotada na semifinal da Copa de 1998. E, com ainda mais precisão e eficiência nas chances que apareceram, os franceses venceram por 4 a 2. Sabe quem fez o gol do título? Mbappé, le garçon d’Or daquela Copa do Mundo.

Pogba, Taça FIFA e Mbappé: festa francesa na final! Foto: David Ramos / FIFA via Getty Images.

 

Argentina: óbvio que uma caça às bruxas começou após a eliminação argentina na Copa. Messi foi outra vez criticado por não render como deveria e se esperava pela seleção, a falta de padrão de jogo e o intenso rodízio de jogadores foi um tema bastante comentado e, claro, Sampaoli tido como principal responsável pelo desempenho pífio. Ele foi demitido do comando e a seleção seguiu sem direção nem rumo até Lionel Scaloni assumir o comando da albiceleste, novos jogadores despontarem e Messi assumir o protagonismo que tanto dele se esperava. Com isso, a Argentina acabou com o jejum de títulos em 2021 ao conquistar a Copa América. No ano seguinte, a seleção sul-americana ainda faturou a Finalíssima diante da campeã europeia Itália e alcançou a final da Copa do Mundo do Catar, adivinhe, contra a França, algoz de 2018. O resultado? Leia aqui.

 

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Comentários encerrados

2 Comentários

  1. Jogaço. A fase de mata-mata da Copa não poderia ter começado melhor. Depois desse jogo, duas coisas a dizer.

    * A primeira: Já é bom preparar o texto do Mbappé como um dos “Craques Imortais”. Essa Copa mostrou que ele merece um texto só para ele.
    * E segundo: Pelo visto, essa foi a última partida de Messi pela albiceleste. E sem Messi eu acho que a Argentina não se classifica para a Copa de 2022.

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