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Roma x Feyenoord: Em busca do pioneirismo

 

Por Guilherme Diniz

 

A final da UEFA Europa Conference League de 2022 é especial e histórica, mais até do que suas “colegas” Liga Europa e Liga dos Campeões. É a primeira final, aquela que marcará para sempre seu campeão e que servirá de norte para as muitas e muitas que virão pela frente. E, por tudo isso, o duelo entre Roma-ITA e Feyenoord-HOL possui uma expectativa gigantesca. Em jogo, além da taça, tem o pioneirismo para ambas as equipes, uma façanha única e digna de inveja para os holandeses e o fim de um incômodo jejum para os italianos.

A UEFA Europa Conference League chegou para preencher uma antiga lacuna no calendário europeu que era da Recopa da UEFA (também conhecida como Copa dos Vencedores de Copas). O torneio – em vigência de 1960 até 1999 – foi organizado por vários jornalistas esportivos do continente e pelos organizadores da Copa Mitropa, antiga competição criada em 1927 e disputada apenas por clubes da Europa Central. O objetivo era reunir os clubes vencedores das copas nacionais dos principais países da Europa, a fim de conseguir um prestígio equivalente a da já badalada Liga dos Campeões da UEFA, restrita apenas aos campeões dos campeonatos nacionais. 

A partir de 1960-1961, a Europa ganhou uma nova e cobiçada taça: a Recopa.

 

A primeira Recopa, em 1960-1961, teve apenas 10 clubes na disputa e a campeã foi a Fiorentina, que curiosamente ganhou a vaga por ser a vice-campeã da Copa da Itália de 1959-1960, já que a Juventus venceu tanto a Copa quanto o Campeonato Italiano, se classificando automaticamente para a Liga dos Campeões e dando a vaga na Recopa de bandeja para a Viola.

Os objetos de desejo na Europa: Liga Europa da UEFA, Liga dos Campeões da UEFA e UEFA Conference League. Foto: UEFA.

 

O Velho Continente agora possui três torneios com a Conference League, que consegue ser mais inclusiva ao dar chances a clubes de países com posições inferiores no ranking da UEFA, sem inchar a Liga Europa como acontecia antigamente, além de tornar as disputas dos campeonatos nacionais ainda mais acirradas na luta por vagas continentais. Vale lembrar que as cinco grandes ligas têm apenas um representante no torneio. Leia mais aqui.

 

Roma – Em busca da sonhada glória europeia

Tammy Abraham, artilheiro da Roma na Conference League com 9 gols.

 

Embora tenha em sua galeria a antiga Copa das Cidades com Feiras de 1960-1961, tida como precursora da atual Liga Europa da UEFA, a Roma almeja há décadas um título internacional. É que tal Copa jamais teve a chancela da entidade máxima do Velho Continente e, com as criações de outros torneios após a Liga dos Campeões, a loba nunca conseguiu erguer uma taça continental. Porém, a equipe da Cidade Eterna já chegou perto de uma glória europeia em duas oportunidades.

A primeira foi na temporada 1983-1984, quando disputou a final da Liga dos Campeões da UEFA. Pelo caminho, a loba despachou Göteborg-SUE, CSKA Sofia-BUL, Dynamo Berlin-ALE e Dundee United-ESC antes de enfrentar o bicho-papão da época, o Liverpool. Os romanos tiveram o privilégio de decidir o título em casa, no Estádio Olímpico de Roma, algo raro no torneio. O jogo foi bastante pegado e o Liverpool fez uma partida inteligente, sem deixar a Roma pressionar ou fazer o clima hostil da torcida influenciar nos ânimos dos ingleses. Com isso, os Reds abriram o placar aos 13´, em gol de Phil Neal. No final do primeiro tempo, foi a vez da Roma marcar com o matador Pruzzo, aos 42´, que chegou ao seu 5º gol na competição.

Roma_1984
O time da final de 1984. Em pé: Toninho Cerezo, Falcão, Righetti, Di Bartolomei, Graziani e Tancredi. Agachados: Pruzzo, Conti, Nela, Bonetti e Nappi.

 

No segundo tempo, a Roma dominou o meio de campo, mas não conseguiu furar a forte defesa inglesa. Com poucas emoções, o jogo foi para a prorrogação, e, depois, para os pênaltis. Nas cobranças, o Liverpool contou com a malandragem do goleiro Grobbelaar, que distraiu os jogadores romanos Conti e Graziani, que chutaram para fora. O Liverpool venceu por 4 a 2 e faturou, em pleno estádio Olímpico, seu quarto título europeu. Foi um desastre para a Roma. Em sua primeira final, com o privilégio de jogar em seu próprio estádio, o time sucumbiu nos pênaltis. A derrota foi amarga e é um dos capítulos mais tristes da história do clube, que perdeu a chance de colocar seu nome e de seus jogadores no mais alto escalão do futebol europeu.

Grobbelaar enervou os cobradores da Roma. Deu certo. E o Liverpool ficou com a taça.

 

Anos depois, a Roma enfrentou a compatriota Inter de Milão na final da Copa da UEFA de 1990-1991. Na época, o torneio era decidido em dois jogos, sendo o primeiro na casa nerazzurri. Mais de 68 mil pessoas lotaram o Giuseppe Meazza, em Milão, para empurrar a Inter em busca da vitória e da invencibilidade em casa no torneio. A Roma tinha uma boa equipe com Berthold, Aldair, Giannini e Rudi Völler, mas nada que pudesse agredir o esquadrão da Internazionale composto por Zenga, Bergomi, Battistini, Ferri, Brehme, Paganin, Bianchi, Berti, Matthäus, Serena e Klinsmann. Um time de respeito. 

O time da final de 1991. Em pé: Sebastiano Nela, Aldair, Rizzitelli, Cervone, Rudi Völler e Berthold. Agachados: Fabrizio Di Mauro, Gerolin, Desideri, Giannini e Tempestilli. Foto: Alain Gadoffre / Onze / Icon Sport.

 

Depois de um primeiro tempo morno, no segundo a Inter tratou de se impor. Matthäus, de pênalti, abriu o placar aos 10´. Doze minutos depois, Berti ampliou e decretou a vitória por 2 a 0. Em Roma, a Inter se segurou, levou um gol apenas no final do jogo, mas a derrota por 1 a 0 não impediu o inédito título milanista.

Na temporada 2021-2022, a Roma conseguiu reencontrar o caminho de uma final europeia após três décadas com um percalço. Depois de eliminar o Trabzonspor-TUR por 5 a 1 no agregado, a equipe avançou ao Grupo C, venceu CSKA Sofia-BUL (5 a 1) e Zorya Luhanski-UCR (3 a 0) sem problemas, mas levou de 6 a 1 (!) do Bodo/Glimt-NOR, uma “romanada” daquelas e que levantou velhos fantasmas de goleadas passadas sofridas pelo time em torneios europeus. Porém, o experiente técnico José Mourinho conseguiu mexer com o ânimo de seus jogadores e a equipe se classificou em primeiro lugar com 13 pontos, após empatar com os noruegueses em 2 a 2 (em casa) e vencer mais uma vez ucranianos (4 a 0) e búlgaros (3 a 2).

Mourinho quer sua 5ª taça europeia. Foto: Getty Images.

 

Na etapa de mata-mata, após os duelos dos terceiros colocados da fase de grupos da Liga Europa da UEFA contra os segundos colocados da etapa de grupos da Conference, a Roma enfrentou nas oitavas de final o Vitesse-HOL e venceu por 2 a 1 no agregado. Nas quartas, o tenso reencontro contra o Bodo/Glimt… No primeiro jogo, na Noruega, derrota por 2 a 1. Novo fantasma? Que nada! A Roma goleou por 4 a 0, conseguiu a revanche e se classificou para a semifinal, na qual fez um duelo eletrizante contra o Leicester City-ING, um dos favoritos ao título e oriundo da Liga Europa. Após empate em 1 a 1 na Inglaterra, a Roma venceu por 1 a 0 em casa e carimbou sua vaga na decisão. 

Será a 5ª final europeia da carreira de José Mourinho, que venceu a Copa da UEFA de 2002-2003 e a Liga dos Campeões de 2003-2004 com o Porto; a Liga dos Campeões de 2009-2010 com a Inter, e a Liga Europa de 2016-2017 com o Manchester United. Ele pode ser o primeiro técnico a vencer todos os principais torneios da UEFA em disputa. Uma façanha e tanto. Mas que também é cobiçada lá pelo lado de Roterdã…

 

Feyenoord – Para fazer a trinca

Dessers (centro) e outros jogadores do Feyenoord comemoram um dos gols sobre o Olympique de Marselha, na ida da semifinal da Conference. Foto: Getty Images.

 

O adversário dos italianos possui uma bagagem de respeito quando o assunto é Europa e vai em busca de algo histórico. Se vencer a final da UEFA Europa Conference League, a equipe holandesa pode ser a primeira a ter em sua galeria todos os torneios da UEFA em disputa atualmente: Liga dos Campeões, Liga Europa e Conference League. Aliás, pioneirismo é algo comum na história do clube, pois o Feyenoord foi o primeiro clube holandês campeão da Liga dos Campeões da UEFA, lá em 1969-1970, quando derrotou o Celtic-ESC na final por 2 a 1. Naquela temporada, os comandados do lendário técnico Ernst Happel superaram pelo caminho KR Reykjavík-ISL com um pirotécnico 16 a 2 no agregado; Milan-ITA (2 a 1 no agregado); Vorwärts Berlin-ALE (2 a 1 no agregado) e Legia Warsaw-POL (2 a 0 no agregado).

Kindvall marca, e o Feyenoord conquista sua primeira Liga dos Campeões da UEFA.

 

Kindvall e Israël carregam a Liga dos Campeões de 1970.

 

Em pé: Jan Boskamp, Eddy Treytel, Joop Van Daele, Rinus Israël, Theo Laseroms, Matthias Maiwald, Abraham Geilman e Wilhem Van Hanegem. Sentados: Henk Wery, Dick Schneider, Franz Hasil, Theo Van Duivenbode, Wim Jansen, Coen Moulijn, Piet Romeijn and Ove Kindvall.

 

Meses depois, o time holandês venceu o Mundial Interclubes e consagrou de vez nomes como Rinus Israël, Wim Jansen, Willem van Hanegem, Coen Moulijn, Ove Kindvall e Joop van Daele. Em 1973-1974, os alvirrubros disputaram mais uma decisão europeia: a Copa da UEFA, e outra vez saíram vencedores. Enfrentando o Tottenham Hotspur-ING, a equipe holandesa empatou o primeiro jogo, fora de casa, em 2 a 2 e venceu a partida de volta, no De Kuip, por 2 a 0. Muito tempo depois, na temporada 2001-2002, o Feyenoord conseguiu o bicampeonato da Copa da UEFA – já em tempos de final única – em um jogo histórico diante de sua torcida, no De Kuip, em Roterdã.

O time de 2002. Em pé: Bonaventure Kalou, Tomasz Rząsa, Van Hooijdonk, Tomasson, Van Persie e Zoetebier. Agachados: Christian Gyan, Shinji Ono, Paul Bosvelt, Patrick Paauwe e Kees van Wonderen.

 

Os alvirrubros derrotaram o fortíssimo Borussia Dortmund de Lehmann, Kohler, Evanílson, Rosicky, Reuter, Koller e Amoroso por 3 a 2 em um jogo memorável e energético, consagrando ídolos como Patrick Paauwe, Paul Bosvelt, Bonaventure Kalou, Shinji Ono e um trio que marcou época em Roterdã: Tomasson, Van Hooijdonk e um jovem Van Persie, responsáveis diretos pelo fim de um jejum de 28 anos sem títulos europeus do Feyenoord e que deram ao futebol holandês o primeiro título continental do século XXI – e que ainda hoje é o único do país neste período. 

Para chegar até a decisão da Conference League de 2021-2022, o Feyenoord teve que disputar longos 18 jogos, pois o clube começou lá na segunda etapa eliminatória, na qual despachou o Drita-KOS por 3 a 2 no agregado. Na sequência, o time holandês eliminou o Luzern-SUI (6 a 0 no agregado) e o IF Elfsborg-SUE (6 a 3 no agregado) antes de avançar ao Grupo E, do qual saiu classificado em primeiro lugar após vitórias sobre Slavia Praga-RCH (2 a 1), Union Berlin-ALE (3 a 1 e 2 a 1), Maccabi Haifa-ISR (2 a 1) e empates contra israelenses (0 a 0) e tchecos (2 a 2). Nas oitavas de final, o Feyenoord passou pelo Partizan-SER com um categórico 8 a 3 no agregado, eliminou o Slavia Praga nas quartas de final após dois jogaços (3 a 3 e 3 a 1) e superou o favorito Olympique de Marselha-FRA com vitória por 3 a 2 no caldeirão do De Kuip e empate sem gols na França.

Se vencer a final da Conference de hoje, o Feyenoord pode ostentar mais um pioneirismo na Holanda, assim como em 1970 e em 2002. E ser o único em toda a Europa com todos os troféus da UEFA. Um privilégio muito difícil de ser igualado dadas as circunstâncias do torneio, afinal, para um Bayern ou Real Madrid disputarem a Conference, eles teriam que abdicar totalmente da Liga dos Campeões e da Liga Europa para entrar na competição, por exemplo. De fato, a primeira final da UEFA Europa Conference League já é histórica. E recheada de ingredientes imperdíveis para qualquer amante do futebol.

Nota do Editor: a Roma venceu o Feyenoord por 1 a 0 e acabou com o jejum de títulos internacionais! Além disso, José Mourinho conseguiu completar a trinca de grandes troféus da UEFA na carreira, algo alcançado também pelo lendário Udo Lattek, vencedor em sua época da UCL, da Copa da UEFA e da Recopa.

 

Festa romana em Tirana! Foto: Alex Pantling / Getty Images.

 

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