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Esquadrão Imortal – Feyenoord 2001-2002

Em pé: Bonaventure Kalou, Tomasz Rząsa, Van Hooijdonk, Tomasson, Van Persie e Zoetebier. Agachados: Christian Gyan, Shinji Ono, Paul Bosvelt, Patrick Paauwe e Kees van Wonderen.

 

 

Grandes feitos: Campeão Invicto da Copa da UEFA de 2001-2002. Encerrou um jejum de 28 anos sem títulos continentais do clube de Roterdã.

Time-base: Zoetebier; Christian Gyan, Van Wonderen, Patrick Paauwe e Tomasz Rzasa (Mauricio Aros); Paul Bosvelt, Shinji Ono (Emerton), Bonaventure Kalou e Van Persie (Elmander); Tomasson (Leonardo) e Van Hooijdonk. Técnico: Bert van Marwijk.

 

“Com a força do caldeirão”

 

Por Guilherme Diniz

Poucos estádios no mundo intimidam tanto o adversário quanto o De Kuip, casa do Feyenoord, em Roterdã. Com capacidade para pouco mais de 50 mil torcedores, o local é um verdadeiro caldeirão e simplesmente transforma uma partida de futebol. Por conta disso, grandes decisões já aconteceram por lá: foram seis finais da Recopa da UEFA, duas finais de Liga dos Campeões da UEFA – entre elas a lendária Ajax 2×0 Inter de Milão, em 1972 -, uma final de Eurocopa, em 2000, e uma final de Copa da UEFA. Bem, esta última não foi apenas uma final. Foi “A” final do dono da casa, um dos poucos privilegiados que já decidiu um título europeu jogando em seu campo. 

No dia 08 de maio de 2002, o Feyenoord levantou sua segunda Copa da UEFA diante do seu torcedor ao vencer o fortíssimo Borussia Dortmund de Lehmann, Kohler, Evanílson, Rosicky, Reuter, Koller e Amoroso por 3 a 2 em um jogo memorável e energético, consagrando ídolos como Patrick Paauwe, Paul Bosvelt, Bonaventure Kalou, Shinji Ono e um trio que marcou época em Roterdã: Tomasson, Van Hooijdonk e um jovem Van Persie, responsáveis diretos pelo fim de um jejum de 28 anos sem títulos europeus do Feyenoord e que deram ao futebol holandês o primeiro título continental do século XXI – e que ainda hoje é o único do país neste período. É hora de relembrar.

 

Sob os louros de 1999

Depois de ver o rival Ajax colecionar títulos nos anos 1990 com um esquadrão lendário, o Feyenoord ansiava pelas grandes glórias no final da década. O clube de Roterdã não levantava o caneco do Campeonato Holandês desde 1993 e viu a chance de encerrar esse incômodo jejum surgir na temporada 1998-1999 graças à queda brusca do Ajax, que perdeu seus principais jogadores da era de ouro e não conseguiu repor as peças com a mesma qualidade. Sob o comando de Leo Beenhakker, o Feyenoord venceu o campeonato nacional com 25 vitórias, cinco empates e quatro derrotas em 34 jogos, uma conquista que levou mais de 250 mil pessoas às ruas de Roterdã, uma festa absurda e histórica de um clube com uma torcida apaixonada. Ainda em 1999, o Feyenoord faturou a Supercopa da Holanda com vitória por 3 a 2 sobre o Ajax em plena Johan Cruyff Arena. Naquele time campeão, já se destacavam nomes como o lateral Christian Gyan, o zagueiro Patrick Paauwe, o meia Bonaventure Kalou e o meia-atacante Tomasson. Além deles, o goleiro Dudek e o atacante Julio Cruz também eram titulares absolutos.

Em 1999-2000, a equipe ficou em segundo lugar na fase de grupos da Liga dos Campeões da UEFA com uma vitória e cinco empates em seis jogos, mas, na nova etapa de grupos, os holandeses foram eliminados após duas vitórias, dois empates e duas derrotas, ficando atrás de dois timaços da época: Lazio e Chelsea. A manutenção da coroa em casa não aconteceu – eles terminaram na 3ª colocação, e, ao término da temporada, o técnico Beenhakker deixou o clube para assumir um cargo administrativo no rival Ajax e alguns jogadores também se transferiram – entre eles o argentino Julio Cruz.

Julio Cruz celebra: argentino brilhou no Feyenoord, mas deixou o clube para jogar no Bologna.

 

Só que a diretoria trabalhou rápido e trouxe o treinador Bert van Marwijk, que havia começado sua carreira apenas em 1998, mas tinha no currículo um vice-campeonato da Copa da Holanda pelo Fortuna Sittard em 1999, comandando nomes como Mark van Bommel, Kevin Hofland e Wilfred Bouma. O desafio do treinador em um clube de ponta do país seria enorme, afinal, era preciso aproveitar o ostracismo do rival Ajax e tentar o título nacional e, quem sabe, uma boa campanha em alguma competição continental. 

A primeira parte da temporada 2000-2001 foi boa, com o Feyenoord na liderança do Campeonato entre as 14ª e 20ª rodadas – com destaque para a vitória por 3 a 1 sobre o rival Ajax, no De Kuip tomado por 46 mil pessoas -, só que o segundo turno foi um desastre. O time perdeu demais – foram oito derrotas em 17 jogos – e o título acabou nas mãos do PSV do goleador Ruud van Nistelrooy. O Feyenoord terminou na segunda colocação e venceu o Ajax também fora de casa por 4 a 3, em jogo frenético disputado na Johan Cruyff Arena. Na Copa da UEFA, a equipe passou pelas duas primeiras fases, mas acabou sucumbindo na terceira etapa diante do Stuttgart-ALE após empate em 2 a 2 no De Kuip e derrota por 2 a 1 fora. 

Após a saída de Cruz, o dinamarquês Tomasson assumiu o protagonismo no ataque do Feyenoord.

 

O destaque da temporada foi o atacante Tomasson, que anotou 17 gols e se tornou artilheiro do time. O marfinense Kalou também marcou presença entre os artilheiros com 14 tentos, seguido do meio-campista Bosvelt, com 10. Mesmo sem títulos, o clube conseguiu uma vaga na Liga dos Campeões de 2001-2002 e foi novamente às compras. Ex-goleiro do clube, Edwin Zoetebier retornou para suprir a ausência de Dudek, que foi para o Liverpool. Chegaram também o meio-campista japonês Shinji Ono e o defensor belga Pieter Collen  – este sofreria bastante com as lesões e praticamente não jogaria na temporada. Quem também passou a figurar no time foi um jovem de 17 anos das categorias de base chamado Robin van Persie, que demonstrava muito talento com a bola nos pés, criatividade, técnica e capacidade de criar boas jogadas pela ponta-esquerda do ataque.

Um novato Van Persie, em 2002: garoto foi a sensação do futebol holandês.

 

Mas a grande contratação da temporada seria o atacante holandês Pierre van Hooijdonk, experiente e que marcou época durante toda a década de 1990 sendo artilheiro pelo NAC Breda, Celtic, Nottingham Forest, Vitesse e Benfica, seu ex-clube na época. Com uma precisão notável em cobranças de falta e muito oportunismo, Van Hooijdonk era o típico matador que levava perigo às defesas rivais e que só não teve destaque maior pela seleção da Holanda pela ferrenha concorrência no setor ofensivo da laranja na época. Com esses reforços e a manutenção do elenco, o Feyenoord não queria passar mais uma temporada sem títulos. Era de hora de ser campeão.

 

A eliminação que veio para o bem!

O artilheiro Pierre van Hooijdonk.

 

O elenco do Feyenoord não era tão vasto como o de outros clubes da Europa na época, nem tinha reservas tão bons quanto os titulares. Por isso, disputar várias competições na temporada iria exigir mais do que o time realmente poderia oferecer. E a prova disso foi o desempenho dos alvirrubros de Roterdã na Liga dos Campeões da UEFA. Em seis jogos, foram três derrotas, dois empates e apenas uma vitória, deixando os holandeses na 3ª colocação do Grupo H, atrás do líder Bayern München-ALE e o segundo colocado, o Sparta Praga-RCH. Com a Copa da Holanda e a Eredivisie em andamento, foi complicado para o técnico Van Marwijk fazer o time manter vitórias constantes, embora isso tenha sido possível na primeira parte da temporada nos torneios nacionais, com boas vitórias no Holandês e ida até as quartas de final da Copa da Holanda, quando o Feyenoord acabou caindo nos pênaltis diante do PSV.

O De Kuip, casa do Feyenoord.

 

Porém, a eliminação da UCL deu ao Feyenoord uma vaga na Copa da UEFA (atual Liga Europa da UEFA), competição na qual os holandeses entraram já na terceira fase eliminatória – na época o torneio não tinha fase de grupos. Como era em formato de ida e volta, a competição poderia ser uma grande oportunidade de conquista. E havia um motivador extra: a final seria no estádio De Kuip, casa do Feyenoord. Imagine vencer um título jogando em Roterdã e acabando com um jejum de 28 anos sem taças internacionais? Era tudo ou nada em busca do sonho europeu!

 

No embalo do goleador

Foto: Cees van Hoogdalem.

 

A estreia do Feyenoord na Copa da UEFA foi contra os alemães do Freiburg, em casa. Sem contar com Van Hooijdonk, a equipe holandesa saiu com a vitória por 1 a 0 graças ao japonês Shinji Ono, autor do gol do triunfo. Na volta, em Freiburg, Sebastian Kehl abriu o placar para os alemães no primeiro tempo e Kobiashvili, de pênalti, ampliou. Quando parecia que tudo iria ruir, Van Hooijdonk mostrou sua estrela e, em cobrança de falta sensacional, diminuiu para 2 a 1.

O gol inspirou o Feyenoord, que foi pra cima, empatou com o brasileiro Leonardo e garantiu a vaga com o empate em 2 a 2. O adversário seguinte foi o Rangers-ESC, com o primeiro duelo disputado no Ibrox, em Glasgow. Ono abriu o placar para o Feyenoord já na etapa complementar, mas Barry Ferguson empatou. Na volta, o De Kuip lotou para ver um show de Van Hooijdonk, que sabia bem o que era enfrentar os escoceses por conta de seus tempos vestindo a camisa do rival Celtic. Após o Rangers abrir o placar, aos 26’, o atacante empatou aos 37’, em cobrança de falta, e virou o jogo aos 44’ em mais uma bola parada, praticamente um replay do primeiro gol! No comecinho do segundo tempo, Kalou ampliou após cruzamento de Van Hooijdonk, o Rangers descontou, mas o 3 a 2 permaneceu e a vaga ficou com os holandeses.

Àquela altura, a Copa da UEFA já era o grande foco da temporada. O Campeonato Holandês ficava cada vez mais difícil com a nova ascensão do Ajax, que brilhava com a dupla Ibrahimovic e Rafael van der Vaart. Por isso, o Feyenoord passou a utilizar sua força máxima no torneio continental. Nas quartas de final, a equipe de Roterdã teve pela frente o rival PSV, que tinha no elenco nomes como Van Bommel, Kezman, Ooijer, Jan Heintze e o atacante com nome de lorde – Jan Vennegoor of Hesselink. O equilíbrio prevaleceu nos dois jogos e, tanto na ida, em Eindhoven, quanto na volta, em Roterdã, o placar foi o mesmo: 1 a 1. Van Hooijdonk mais uma vez foi o matador alvirrubro e marcou o gol do Feyenoord no primeiro jogo e também o gol agônico da volta, no De Kuip, aos 48’ do segundo tempo, em cabeçada oriunda de um cruzamento pela direita de Elmander após muita briga pela bola.

Jan Heintze, do PSV, disputa a bola com Tomasson.

 

 

Van Hooijdonk e Zoetebier: duelo contra o PSV foi um sufoco!

 

Após mais 30 minutos de prorrogação, a vaga foi decidida nos pênaltis. E foi na marca da cal que o Feyenoord se vingou do rival – que o eliminou nas quartas de final da Copa da Holanda também nos pênaltis – com vitória por 5 a 4, com o goleiro Zoetebier defendendo o pênalti de Gakhokidze. Enfim, o Feyenoord estava em uma semifinal europeia! Após a partida, o técnico Van Marwijk não exitou em dizer que Van Hooijdonk era o herói da noite. “Pierre foi nosso herói. Marcou o gol do empate e converteu o pênalti decisivo. Não poderíamos estar mais felizes!”. Mas o adversário seguinte seria ainda mais difícil: a Inter de Milão.

 

Para ficar em casa!

Seedorf e Van Persie durante os duelos nas semifinais. © Pim Ras

 

Após anos fenomenais, literalmente, a Inter de Milão passava por uma pequena entressafra. Recoba, Vieri, Seedorf, Zanetti, Materazzi, Córdoba e Sergio Conceição estavam por lá, além do brasileiro Ronaldo, que se recuperava da segunda cirurgia no joelho e tentava ficar em forma para a Copa do Mundo da FIFA – bem, podemos dizer que ele conseguiu! -, mas o time ainda não tinha força para brigar com os rivais Juventus e Milan, que iriam iniciar uma era de louros e títulos a partir de 2002. Aproveitando a ausência de Ronaldo na equipe titular, o Feyenoord foi com tudo pra cima da Inter no primeiro jogo, em Milão, e conseguiu a vitória por 1 a 0 após jogada do capitão Bosvelt, que passou para Van Hooijdonk, este cruzou e o zagueiro colombiano Córdoba acabou fazendo contra. 

A Inter que encarou o Feyenoord no De Kuip. Em pé: Nicola Ventola, Clarence Seedorf, Francesco Toldo, Marco Materazzi e Javier Zanetti. Agachados: Ronaldo, Salvatore Ferraro, Emre Belözoglu, Luigi Di Biagio, Cristiano Zanetti e Stéphane Dalmat. © Pro Shots

 

A vitória deixou o Feyenoord muito mais confortável para a volta, no De Kuip, só que Ronaldo entrou como titular para amedrontar os holandeses. Acontece que quem se amedrontou foi a Inter! Em um De Kuip tomado por 50 mil torcedores enlouquecidos, o caldeirão do Feyenoord jogou junto, literalmente. Com mosaico, papel picado, fumaça e muita gritaria, o clima criado pela fanática torcida foi espetacular. E, como retribuição, o Feyenoord jogou os primeiros 45 minutos completamente “pilhado”. Logo aos 17’, Van Persie fez linda jogada pela esquerda e cruzou para o artilheiro Van Hooijdonk testar firme para abrir o placar: 1 a 0.

Ronaldo disputa a bola com Paauwe. Foto: Robert Vos/EPA/Shutterstock.

 

Aos 34’, contra-ataque mortal com Van Hooijdonk, que tocou para Kalou, este avançou, ficou cara a cara com o goleiro, mas chutou em cima do arqueiro nerazzurri. A sorte é que teve rebote, e Tomasson apareceu para marcar 2 a 0. A confortável vantagem de três gols no placar agregado fez o Feyenoord relaxar no segundo tempo e levar dois gols, mas o empate classificou o time para a final. E em casa! O técnico Van Marwijk comentou sobre a classificação.

 

“Ganhamos o nosso lugar na final na primeira mão devido à forma como abordamos esse jogo. Não era uma questão de saber se poderíamos jogar nesse nível, mas se acreditávamos que poderíamos”.

 

Na outra semifinal, o Borussia Dortmund despachou o Milan com um categórico 5 a 3 no agregado e arruinou a esperança dos italianos em ver uma final milanista. Dias depois, o clube aurinegro assegurou o título alemão e entrou com a condição de favorito ao título da Copa da UEFA não só por isso, mas pelos nomes que tinha no elenco: Lehmann, Kohler, Evanílson, Rosicky, Reuter, Koller e Amoroso. Mesmo com o fator casa, o Feyenoord era o azarão. Mas, em campo, os holandeses iriam provar que tinham futebol, mística e história.

 

A tensão pré-jogo

Dois dias antes da final, a cidade de Roterdã e toda a Holanda foram pegos de surpresa por uma fatalidade: o político Pim Fortuyn, candidato ao parlamento holandês em 2002, foi assassinado a tiros por um radical em Hilversum, na província da Holanda do Norte. O crime aconteceu em um estacionamento de uma rádio após Fortuyn participar de uma entrevista. Concentrados para a partida, os jogadores do Feyenoord receberam a notícia com muito espanto e o ambiente ficou tenso. O atacante Van Hooijdonk comentou ao The Guardian (Reino Unido) na época que “estamos concentrados no jogo, no entanto, não quero dizer que isso não está me influenciando”. Muitos pensaram que a partida poderia até ser adiada, mas o jogo ficou marcado mesmo para o dia 08 de maio de 2002. Antes do jogo, inclusive, foi respeitado um minuto de silêncio em memória de Fortuyn.

 

De Kuip e mais uma noite europeia para a história!

Em pé: Bonaventure Kalou, Tomasz Rząsa, Van Hooijdonk, Tomasson, Van Persie e Zoetebier. Agachados: Christian Gyan, Shinji Ono, Paul Bosvelt, Patrick Paauwe e Kees van Wonderen.

 

Com quase 50 mil pessoas e efervescência pura nas arquibancadas, o De Kuip estava pronto para mais uma final europeia. A torcida do Feyenoord criou uma atmosfera única, vibrante, digna das melhores e mais emblemáticas já vistas em uma decisão continental e capaz apenas por torcedores fervorosos e apaixonados como o do clube de Roterdã. Por mais que o Borussia Dortmund tivesse um grande e experiente time, com remanescentes das conquistas da segunda metade da década de 1990 – incluindo aí a Liga dos Campeões da UEFA e o Mundial Interclubes de 1997 -, enfrentar o Feyenoord ali, naquele território, seria uma missão dificílima. E ela se mostrou ainda mais complicada quando a bola rolou. 

Pela marra do garotinho, dá pra perceber o clima hostil que esperava pelo Borussia naquela final… Veja mais no vídeo ao final deste texto! Foto: Jamie McDonald / Getty Images.

 

Incisivo e impondo pressão, o Feyenoord queria o gol rapidamente e levou bastante perigo ao time alemão. Após algumas tentativas, a primeira grande oportunidade surgiu aos 19’, quando o artilheiro Van Hooijdonk cobrou falta de fora da área e carimbou a trave direita do goleiro Lehmann! Foi então que a missão do Borussia se tornou quase impossível quando, aos 31′, o zagueirão Jürgen Kohler, que disputava seu último jogo na carreira naquela noite, levou cartão vermelho após derrubar Tomasson dentro da área com um carrinho por trás. Na cobrança do pênalti, Van Hooijdonk bateu e fez 1 a 0.

O lance que originou o pênalti para o Feyenoord.

 

O Feyenoord campeão: os avanços dos pontas e também dos volantes dava bastante volume ofensivo ao time. Isso explicava os gols em profusão e também a defesa mais vulnerável.

 

O gol explodiu o De Kuip e tornou a final ainda mais eletrizante, com o Borussia indo ao ataque e cedendo contra-ataques perigosos ao Feyenoord. Em um deles, a triangulação holandesa no ataque estava prestes a chegar à grande área quando os aurinegros cometeram falta. Que erro… Fazer falta perto da área em um time que tinha Pierre van Hooijdonk era como pedir para levar gol. E não deu outra: o camisa 9 cobrou com perfeição e ampliou, aos 40 minutos: 2 a 0. Que fase do artilheiro! Simplesmente espetacular! Foi o 8º gol dele na Copa da UEFA, isolando-o ainda mais na artilharia da competição!

Pierre van Hooijdonk cobra a falta com perfeição: holandês foi um dos maiores especialistas no quesito nos anos 1990 e 2000. (Photo by Popperfoto/Getty Images)

 

A taça estava muito perto. Mas, logo aos 2’ do segundo tempo, Amoroso, de pênalti, descontou para o Borussia e acendeu a chama da esperança aurinegra. Só que ela foi apagada rapidamente por Tomasson, que recebeu de Ono, aproveitou uma bobeada da zaga alemã, avançou sozinho e fuzilou o goleiro Lehmann: 3 a 1. Desesperado, o Borussia foi com tudo para o ataque mais uma vez, enquanto o Feyenoord tentava administrar a vantagem com a posse de bola. Oito minutos depois, Jan Koller acertou um belo chute de fora da área e outra vez colocou fogo no jogo: 3 a 2. Os minutos seguintes foram tensos, com as melhores chances do Borussia em cruzamentos para a área, mas a falta de pontaria e a zaga holandesa conseguiram evitar o empate. Ao apito do árbitro, a festa no De Kuip eclodiu: Feyenoord campeão da Copa da UEFA! E fim do jejum de 28 anos sem títulos continentais!

 

A alegria tomou conta não só da torcida no estádio como nas ruas de Roterdã, abarrotadas de pessoas bastante emocionadas em uma semana tão carregada por causa do assassinato de Pim Fortuyn. A glória do Feyenoord veio após 9 jogos, cinco vitórias, quatro empates, 15 gols marcados (eles fizeram gols em todos os jogos!) e 11 gols sofridos. Invictos, os holandeses tiveram o artilheiro da competição, o iluminado Van Hooijdonk, com 8 gols. A glória provou que era possível um time holandês vencer jogando no pouco usual 4-4-2, contrariando o clássico 4-3-3 tão em voga no país. Foi, sem dúvida, um trabalho brilhante de Bert van Marwijk.

 

Na expectativa de uma nova glória

Sempre lotando o De Kuip, a torcida jogou junto com o time na temporada 2021-2022 e conduziu o Feyenoord até a final da Conference League. Foto: Perfil do Feyenoord no Twitter.

 

Depois do título, o Feyenoord perdeu alguns importantes jogadores – entre eles Tomasson -, acabou derrotado na final da Supercopa da UEFA de 2002 pelo Real Madrid e se desmanchou de vez em 2003-2004, quando o ídolo Van Hooijdonk foi jogar no futebol turco, Kalou foi vestir a camisa do Auxerre e o técnico Bert van Marwijk partiu, curiosamente, para o Borussia Dortmund. O clube de Roterdã só voltaria a levantar títulos em 2007-2008, com a conquista da Copa da Holanda, e também em 2015-2016 (Copa da Holanda), 2017-2018 (Copa da Holanda) e 2016-2017 (Campeonato Holandês).

Na temporada 2021-2022, a torcida viu o time renascer no cenário europeu na UEFA Europa Conference League, nova competição do Velho Continente e opção para aqueles que quiserem seguir apostando de forma segura e legal na internet. Os alvirrubros chegaram à final, mas acabaram perdendo para a Roma a chance de serem os primeiros campeões do torneio, assim como foram lá em 1970 os primeiros holandeses campeões da Liga dos Campeões da UEFA e como foram em 2002 os primeiros – e até hoje únicos – campeões continentais da Holanda no século XXI. Mesmo assim, a torcida ficou feliz com esse retorno continental do clube no ano que marcou os 20 anos daquele título no De Kuip, que imortalizou para sempre mais um grande Feyenoord.

 

Os personagens:

 

Zoetebier: após quase uma década vestindo a camisa do Volendam, o goleirão de 1,91m chegou ao Feyenoord em 1998, mas não teve muitas chances por causa da titularidade do polonês Dudek. Com a saída do então titular para o Liverpool, Zoetebier assumiu a meta alvirrubra e fez grandes jogos, em especial nas quartas de final contra o PSV, quando defendeu um pênalti e classificou o time para a etapa seguinte da Copa da UEFA.

Christian Gyan: cria do Feyenoord, o ganês começou a jogar na equipe profissional em 1997, foi emprestado ao Excelsior e retornou para assumir a titularidade na lateral-direita do time de Van Marwijk. Muito regular, foi um dos mais queridos pela torcida no período. Diagnosticado com câncer em novembro de 2021, Gyan faleceu um mês depois, em dezembro do mesmo ano, aos 43 anos.

Van Wonderen: o zagueiro vestiu a camisa do Feyenoord de 1996 até 2004 e foi titular absoluto do setor defensivo do time no período. Fez grandes jogos e formou uma boa dupla de zaga com Paauwe.

Patrick Paauwe: outro que vestiu a camisa do Feyenoord por muitos anos – de 1998 até 2006 – Paauwe compôs o miolo central do time de Roterdã naquela época e se entrosou bem com Van Wonderen. Era eficiente na marcação e também no desarme, condições que possibilitaram o defensor a atuar, também, como volante.

Tomasz Rząsa: o polonês chegou em 1999 ao Feyenoord e fez grandes jogos pelo setor esquerdo atuando como lateral e também como meia-esquerda. Rząsa vestiu a camisa da Polônia em 36 jogos e marcou um gol, na Copa do Mundo de 2002, a primeira disputada pelo país desde 1986.

Mauricio Aros: o chileno chegou em 2001 ao Feyenoord após boas temporadas pela Universidad de Chile, mas não teve muitas chances por causa da boa fase do polonês Rząsa. Aros deixou o clube em 2002 para jogar no futebol israelense.

Paul Bosvelt: o meio-campista não ganhou a braçadeira de capitão por acaso: era um líder feroz, cheio de raça e que jogava ligado ao máximo o tempo todo. Sem nunca aliviar nas divididas, brigava por todas as bolas e ajudava, também, a iniciar contra-ataques com bons passes – além de marcar gols (foram 8 na época 2001-2002). Em 1997, em uma partida contra o Manchester United pela UCL, quase quebrou a perna de Denis Irwin, do Manchester United, em uma roubada de bola por trás. Bosvelt pediu desculpas publicamente pelo ocorrido após a partida. O capitão jogou de 1997 até 2003 no Feyenoord e vestiu a camisa da Holanda em 24 jogos.

Shinji Ono: o interminável japonês (ele joga até hoje, com 42 anos!) foi um dos principais destaques do time de Roterdã por ajudar na marcação do meio de campo, construir jogadas ofensivas e também marcar gols importantes. Com visão de jogo, técnica e passes precisos, Ono brilhou não só pelo Feyenoord, mas também pela seleção japonesa, pela qual disputou as Copas de 1998, 2002 e 2006. Shinji Ono venceu, em 2002, o prêmio de Melhor Futebolista Asiático do Ano.

Emerton: o meio-campista australiano foi um dos jogadores mais utilizados pelo técnico Bert van Marwijk e dava bastante velocidade ao setor ofensivo do time pelo lado direito do campo, além de ajudar na marcação. Foi titular em várias partidas, mas acabou fora da final por suspensão. Ele e Shinji Ono praticamente se revezavam ao lado de Bosvelt no meio de campo do Feyenoord.

Bonaventure Kalou: o marfinense não era um grande finalizador, mas ajudava bastante na construção de jogadas pela direita com sua velocidade. Jogou de 1997 até 2003 no Feyenoord não só como meia, mas também como ponta-direita e atacante. Pela seleção da Costa do Marfim, foram 51 jogos e 12 gols, além de participar da campanha dos Elefantes na Copa do Mundo de 2006 – ele marcou, inclusive, o gol da vitória sobre Sérvia e Montenegro por 3 a 2 na fase de grupos.

Van Persie: temperamental, habilidoso, técnico, criativo e destemido. O garoto Van Persie já demonstrava tudo isso naquele início de carreira no Feyenoord, clube que o acolheu quando tinha apenas 16 anos, após deixar o Excelsior por “atitude petulante” (!). Van Persie foi fundamental na reta final da Copa da UEFA e fez jogos impressionantes para um garoto de 17 anos, virando um xodó natural da torcida. Em 2002, além do título continental, Van Persie venceu o prêmio de Melhor Jogador Jovem do Ano da Holanda. Em 2004, após desentendimentos com o técnico Van Marwijk, foi jogar no Arsenal, onde virou ídolo e uma estrela mundial. Pela seleção holandesa, disputou 102 jogos, marcou 50 gols e fez uma Copa do Mundo espetacular em 2014. Pelo Feyenoord, Van Persie disputou 78 jogos e marcou 21 gols. Ele retornou para encerrar a carreira no clube de Roterdã no período de 2017 e 2019, disputou 45 jogos, marcou 25 gols e venceu dois títulos: a Copa da Holanda e a Supercopa da Holanda.

Elmander: o sueco chegou em 2000 ao Feyenoord e, com apenas 18 anos, demonstrou muita habilidade e técnica nos passes e cruzamentos. Elmander podia jogar como segundo atacante, como ponta e também como meia. Foi dele o cruzamento para o gol salvador de Van Hooijdonk que manteve o Feyenoord vivo nas quartas de final contra o PSV, no duelo da volta. Por causa da ascensão de Van Persie, acabou perdendo espaço no time na reta final, mas era muito importante no esquema tático do técnico Van Marwijk.

Tomasson: o dinamarquês viveu uma das melhores fases da carreira com a camisa do Feyenoord. Com gols, grandes jogadas e bom posicionamento, foi o artilheiro do time na temporada 2000-2001 e um dos destaques em 2001-2002 com 23 gols marcados, além de ser o craque da final da Copa da UEFA de 2002, ano em que ele venceu o prêmio de Melhor Futebolista Dinamarquês do Ano. Em 152 jogos pelo Feyenoord entre 1998 e 2002, Tomasson marcou 70 gols. Ele retornou em 2008 aos alvirrubros, disputou 44 jogos, marcou 22 gols e encerrou a carreira em Roterdã em 2011.

Leonardo: o atacante nem sequer jogou no Brasil na juventude e começou a carreira já no Feyenoord em 2000. Por conta de problemas burocráticos, não teve uma sequência até completar 18 anos, mas foi utilizado em alguns jogos na temporada 2001-2002. Ele deixou o clube em 2006.

Van Hooijdonk: o atacante foi o grande estandarte do Feyenoord naquela temporada inesquecível. Com o faro de gol apuradíssimo, precisão absurda nas bolas paradas e oportunismo, o atacante provou que tinha estrela e conduziu com maestria o time de Roterdã ao título europeu. Van Hooijdonk marcou 8 gols e foi artilheiro da Copa da UEFA, marcou 24 gols e foi artilheiro do Campeonato Holandês, registrou 33 gols na temporada e foi o artilheiro máximo do clube na temporada e foi o Futebolista do Ano na Holanda. Em apenas duas temporadas, Van Hooijdonk disputou 84 jogos e marcou 62 gols. Pela seleção, o atacante disputou a Copa de 1998, mas não conseguiu ser titular por causa da ferrenha concorrência com Bergkamp e Kluivert.

Bert van Marwijk (Técnico): o título da Copa da UEFA de 2002 foi um dos pontos altos da carreira do treinador, que superou o ceticismo de seu início de trajetória formando um dos mais lembrados esquadrões do futebol holandês deste século. Após a conquista, Van Marwijk permaneceu no Feyenoord até 2004, mas deixou o clube para comandar o Borussia Dortmund. Após retornar ao clube de Roterdã em 2007 e vencer a Copa da Holanda de 2007-2008, Van Marwijk assumiu o comando da seleção da Holanda e conduziu a laranja até a final da Copa do Mundo de 2010 baseando o estilo de jogo da equipe na força e na competitividade, deixando de lado o brilho e a técnica tão comuns em seleções anteriores, algo que gerou muitas críticas, inclusive, no próprio país. Naquela primeira passagem pelo Feyenoord, Van Marwijk comandou a equipe em 182 jogos, com 110 vitórias, 32 empates e 40 derrotas, aproveitamento de 60,4%.

 

Extra:

Veja os gols da final.

 

 

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