Data: 05 de março de 2023
O que estava em jogo: três pontos e a vitória na 26ª rodada do Campeonato Inglês de 2022-2023.
Local: Anfield Road, Liverpool, Inglaterra.
Juiz: Andy Madley (ING)
Público: 53.001 pessoas
Os Times:
Liverpool FC: Alisson; Alexander-Arnold, Konaté, Van Dijk e Robertson; Fabinho (Milner), Elliott (Curtis Jones) e Henderson (Bajcetic); Salah, Gakpo (Roberto Firmino) e Darwin Núñez (Diogo Jota). Técnico: Jürgen Klopp.
Manchester United FC: De Gea; Dalot, Varane, Lisandro Martínez (Malacia) e Luke Shaw; Casemiro (Sabitzer) e Fred (McTominay); Antony, Weghorst (Garnacho) e Bruno Fernandes; Rashford (Elanga). Técnico: Erik Ten Hag.
Placar: Liverpool 7×0 Manchester United. Gols: (Gakpo-LIV, aos 42’ do 1º T; Darwin Núñez-LIV, a 1’ e aos 29’, Gakpo-LIV, aos 5’, Salah-LIV, aos 20’ e aos 37’ e Roberto Firmino-LIV, aos 43’ do 2º T).
“The Seven, 128 anos depois…”
Por Guilherme Diniz
Sábado, 12 de outubro de 1895. Pouco mais de 10 mil pessoas estavam presentes naquela tarde em Anfield para o jogo entre Liverpool e Newton Heath, de Manchester, pela 2ª divisão do Campeonato Inglês. O duelo entre os clubes já era tenso desde o ano anterior, quando os Reds, após terminarem na primeira colocação a temporada 1893-1894 da segunda divisão do futebol inglês, disputaram a Test Match, uma espécie de tira-teima para ver se o time que vinha da segunda divisão realmente estava “pronto” para a elite. Os quatro melhores colocados da segundona enfrentavam os quatro piores da primeira divisão. E adivinhe quem foi o último colocado da elite daquela temporada? O Newton Heath. O Liverpool venceu por 2 a 0 o primeiro jogo da história do clássico, foi para a primeira divisão, rebaixou os vizinhos e iniciou de vez a rivalidade.
Só que a alegria do Liverpool durou pouco e o clube terminou na lanterna a época 1894-1895, sendo rebaixado. Já na temporada 1895-1896, eis que o clube reencontrou o Newton Heath na Segundona inglesa. E, no tal duelo de outubro de 1895, enfiou 7 a 1 no rival de Manchester, gols de Harry Bradshaw (2), Frank Becton (2), Fred Geary (2) e Jimmy Ross. Aquela goleada foi apenas o segundo encontro entre a dupla na história. E foi, durante 128 anos, a maior goleada de um clássico que se transformou no maior da Inglaterra. Ao longo do tempo, vimos outras goleadas, claro – incluindo um 6 a 1 do United, em 1928 -, mas nenhum outro 7 a 1. Foi então que, no começo de março de 2023, Anfield, de novo, foi palco de um massacre inacreditável do Liverpool para cima do agora chamado Manchester United.
Havia expectativa de equilíbrio e mesmo de vitória dos Red Devils, campeões da Copa da Liga Inglesa, em êxtase após eliminar o Barcelona da LIga Europa da UEFA, enfim, em profunda harmonia. Só que, depois de uma vitória por 1 a 0 no primeiro tempo, o Liverpool foi fazendo gols. Gols. E mais gols. Três jogadores anotaram dois tentos cada. E Firmino fechou a conta. Harry Bradshaw, Frank Becton, Fred Geary e Jimmy Ross viraram Cody Gakpo, Darwin Núñez, Mohamed Salah e Roberto Firmino. E, diferente de 1895, os Reds não levaram nenhum gol. Placar final? Inapeláveis 7 a 0. A maior goleada da história do The North West Derby, 128 anos depois. E a maior derrota da história do Manchester United. É hora de relembrar.
Pré-jogo
O maior clássico inglês foi a atração principal da rodada de número 26 do Campeonato Inglês 2022-2023. Mesmo com muito frio em Liverpool, o torcedor lotou Anfield para ver um jogo que poderia embalar um ou outro no decorrer da temporada. Do lado do Liverpool, a equipe da casa vinha de altos e baixos, principalmente na Liga dos Campeões da UEFA, quando levou de 5 a 2 do Real Madrid em casa, no primeiro jogo das oitavas de final, resultado que para muitos praticamente enterrou qualquer chance de virada na volta, no Santiago Bernabéu. O time de Klopp estava longe de brigar pelo título nacional, mas precisava da vitória para seguir em busca de uma vaga na UCL da temporada seguinte e manter a boa fase diante do rival, que venceu apenas dois dos últimos 10 clássicos. Além disso, o Liverpool havia aplicado duas goleadas recentes nos Red Devils em jogos pela Premier League: um 5 a 0 em outubro de 2021, em Old Trafford, e um 4 a 0 em abril de 2022, em Anfield.
Do lado do Manchester, a equipe era só alegria. Depois de perder para o Arsenal, em janeiro, o time de Erik ten Hag não perdeu mais. Contando com as ótimas fases do volante Casemiro e dos atacantes Rashford e Antony, o MU emendou nove vitórias e dois empates em 11 jogos, com destaque para o empate em 2 a 2 e a vitória por 2 a 1 sobre o Barcelona-ESP no play-off da Liga Europa da UEFA, e o triunfo por 2 a 0 sobre o Newcastle United na decisão da Copa da Liga Inglesa, que garantiu o primeiro título do técnico holandês no comando dos Red Devils e a volta da confiança do fanático torcedor com o clube após anos de angústias e resultados ruins.
Esse bom momento não era visto em Old Trafford desde o título da Liga Europa de 2017, sob o comando de José Mourinho, e a ascensão da equipe na temporada era visível. Por isso, o confronto era aberto e as expectativas apontavam para um empate com gols ou mesmo uma vitória do United, que ia com sua força máxima, assim como o Liverpool, que foi ousado com uma linha de três atacantes composta por Salah, Gakpo e Núñez. Chance de goleada? Praticamente zero.
Primeiro tempo – Tudo normal
O jogo começou dentro dos conformes, com faltas mais ríspidas e poucos espaços. Mais ofensivo, o Liverpool criou as primeiras oportunidades e arriscou pela primeira vez aos 2’, em chute de Elliott. Depois de alguns lances sem perigo, o Manchester United respondeu aos 9’, com Antony, em chute da entrada da área defendido por Alisson, que mandou para escanteio. O Liverpool mantinha a posse de bola, mas era difícil encaixar um ataque preciso. Aos 13’, Gakpo conseguiu fazer o passe no meio de dois para Núñez, mas o uruguaio caiu e pediu pênalti, ignorado pelo árbitro. Na conclusão da jogada, Salha chutou, mas a bola foi por cima. Aos 18’, outra chance com Núñez, mas o atacante desperdiçou o chute de voleio. Aos 21’, Robertson conseguiu avançar com liberdade, puxou para o pé-direito e chutou, mas o zagueiro Lisandro Martínez tirou de cabeça. Um minuto depois, mais uma vez o argentino interceptou uma jogada dos Reds, se mostrando o mais seguro da zaga dos Devils até aquele momento do jogo.
O troco do United veio aos 26’, quando Dalot cruzou na segunda trave, Bruno Fernandes mergulhou de cabeça e a bola passou perto do gol de Alisson. Foi a melhor chance do jogo até aquele momento, curiosamente do time que tinha menos posse de bola. Um minuto depois, Rashford tentou o chute, mas a bola foi fraca, para tranquila defesa de Alisson. O United controlou mais o jogo dos 25’ aos 32’, mas faltou pontaria e objetividade. Aos 41’, o iluminado Casemiro até marcou de cabeça, mas o brasileiro estava muito impedido na hora do lançamento e o gol foi anulado.
E parece que esse lance mexeu com o Liverpool, que acordou, se mandou para o ataque e abriu o placar exatamente um minuto depois. Alisson lançou na esquerda para Robertson, que dominou e esperou o momento certo para tocar para Gakpo, nas costas de Fred. O holandês tirou de Varane e chutou colocado, sem chances para o goleiro De Gea: 1 a 0. Era o gol na hora certa. Ir para o intervalo com a vantagem dava mais energia aos anfitriões. E, com um técnico como Jürgen Klopp no comando, a energia poderia ser em dobro.
Segundo tempo – You’ll Never See Anything Like it Again – The Massacre!
O auge do Liverpool de Klopp foi entre 2017 e 2021, como já contamos aqui. Foi o time campeão mundial, europeu, inglês, especialista no contra-ataque, na pressão, objetivo e capaz do impossível. E, no segundo tempo, parece que Anfield entrou em uma máquina no tempo e viu diferentes facetas e estilos do Liverpool de Klopp, de Dalglish, de Paisley, de Shankly, de esquadrões que percorreram décadas vencendo os mais diversos adversários sob as mais hostis circunstâncias. No primeiro minuto da etapa complementar, blitz vermelha na zaga do United, Shaw e Casemiro se atrapalharam e Fabinho mandou na direita para Salah, que cruza, mas a zaga afasta. No rebote, Elliott cruzou e Núñez, de cabeça e sozinho, fez 2 a 0. Os Red Devils nem sequer deram a saída e, em contra-ataque, o Liverpool fez mais um. Salah gingou pra cima de Martínez, deixou o argentino no chão, e, nesse intervalo, tocou rápido para a pequena área. Por lá, estava Gakpo, que tocou por baixo do goleiro De Gea e ampliou para 3 a 0.
A torcida da casa ficou alucinada. A visitante, atordoada. O United até tentou a resposta em uma bobeada de Alisson, aos 8’, mas Bruno Fernandes tentou cavar pênalti e não aproveitou. O Liverpool estava tinindo. Não queria deixar escapar a vitória como havia deixado contra o Real Madrid, pela UCL, nem como havia permitido no péssimo começo da temporada em jogos da própria Premier League. Aos 10’, Robertson chutou forte e a bola passou raspando a trave do goleiro De Gea. Aos 12’, Konaté, sempre perigoso nas jogadas aéreas, apareceu pelo alto após cobrança de escanteio, mas a cabeçada foi para fora. Aos 12′, Ten Hag mexeu duas vezes no time tentando algo novo, um fôlego, com as entradas de Garnacho no lugar de Weghorst e McTominay no lugar de Fred, mas nada adiantou. Pior: o Liverpool chegou ao quarto gol.
Aos 20’, outro contra-ataque mortal. Darwin Núñez tentou o passe uma vez, mas a zaga tirou. Na segunda, ele tocou para Salah, que dominou e chutou alto, sem chance alguma para De Gea: 4 a 0. Um golaço, plástico, com a bola batendo na trave antes de entrar. A vitória estava mais do que consolidada. Aos 25’, a torcida gritava “olé”, na terceira goleada nos últimos quatro jogos aplicada pelo Liverpool no clássico. Dois minutos depois, Rashford tentou por duas vezes descontar, mas foi travado por Alexander-Arnold na primeira e mandou uma bola na trave na segunda. E, no chavão “quem não faz, leva”, o Liverpool marcou o quinto gol dois minutos depois. Aos 29’, Arnold cobrou falta na área, a zaga tirou, mas a bola sobrou para Henderson, que levantou na cabeça de Darwin Núñez, que escorou e fez 5 a 0.
Delírio em Anfield! Nem o mais fanático torcedor poderia esperar um placar daquele, um repeteco dos 5 a 0 em Old Trafford de 2021. Na sequência do jogo, várias substituições, entre elas a entrada de Roberto Firmino no lugar de Gakpo. E, aos 37’, o brasileiro participou da jogada do sexto gol, quando recebeu de Elliott, mas perdeu o controle da bola e ela sobrou para Diogo Jota, que acabou chutando em cima do brasileiro. Porém, a redonda voltou para o meio da área e foi de encontro a Mohamed Salah, que só teve o trabalho de escorar pro gol: 6 a 0. Era mais do que um gol. Era o 129º gol de Salah com a camisa do Liverpool na Premier League, quebrando o recorde de Fowler, autor de 128 gols. Na comemoração, o egípcio tirou a camisa, extravasou e levou à loucura a massa vermelha de Anfield. Que goleada! Que placar! Mas peraí, quem disse que acabou?
Faltando três minutos para o fim, Salah recebeu na direita e tocou no meio para Firmino, como nos bons e (já velhos) tempos do esquadrão campeão de quase tudo entre 2018 e 2020. De costas, o brasileiro girou chutando e a bola entrou no gol: 7 a 0. SEVEN! Pela primeira vez desde 1895, o The North West Derby tinha sete gols de um só time. Se a torcida do Liverpool sempre canta You’ll Never Walk Alone, naquele dia, ela poderia cantar You’ll Never See Anything Like it Again (você nunca verá nada igual de novo). Era a história sendo contada diante dos olhos de milhares em Anfield e milhões no mundo do futebol. E não era qualquer história. Era a maior goleada em 128 anos. Quase um século e meio! Você consegue entender a dimensão disso??
Ao apito do árbitro, uma hecatombe de emoções tomou conta dos torcedores do Liverpool, que cantaram, vibraram e fizeram uma festa rara, daquelas para a memória. Naquele dia, todos viajaram no tempo como se estivessem no clássico de 1895. Mudaram os personagens, mudaram os tempos, as cores. Ficou a devastação de gols. O presente repetiu o passado. Só que muito melhor. Simplesmente eterno.
Pós-jogo: o que aconteceu depois?
Liverpool: a vitória colocou o time de Anfield de vez na briga por uma vaga nas competições europeias, o que de fato aconteceu, pois eles foram para a Liga Europa de 2023-2024. Em entrevista à Sky Sports, o técnico Jürgen Klopp comentou: “Sem palavras. Um espetacular jogo de futebol. Incrível. Jogamos um futebol de primeira linha contra um time em forma. O começo do segundo tempo foi muito bom e o fim foi muito bom. Isso é futebol, pode acontecer. É o empurrão que queríamos. Ele nos coloca na direção certa. Todos têm que saber que ainda estamos por aqui. Não foi o caso por um tempo, mas esta noite foi uma demonstração do que podemos ser e do que temos que ser daqui para frente”.
Manchester United: os 11 jogos de invencibilidade na temporada foram destruídos e obviamente que o mundo desabou nas bandas de Old Trafford após o massacre. O técnico Ten Hag comentou no pós-jogo que “o segundo tempo não foi profissional. Não pode acontecer e vamos conversar sobre isso. Foi o time todo, eu vi 11 indivíduos perdendo a cabeça. Isso não é o Manchester United. Nós temos padrões mais altos. O resultado é bem óbvio. Não foi profissional”. O revés para o rival foi a maior derrota do Manchester United em uma partida oficial em todos os tempos, ao lado de goleadas também de 7 a 0 para Wolverhampton (1931), Aston Villa (1930) e Blackburn (1926). E o United não concedia sete gols em uma partida de Campeonato Inglês desde os 7 a 3 para o Newcastle em 2 de janeiro de 1960. Os 7 a 0 em Anfield será um pesadelo que o torcedor do United terá que conviver por muito tempo…
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Textaço. Liverpool voltou no tempo e encarnou tudo aquilo que fez entre 2017 e 2020 para reescrever uma nova historia
Rapaz, eu esperava que esse jogo fosse eternizado aqui no Imortais, sim, mas não imaginei que seria tão rapidamente…