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Esquadrão Imortal – West Ham United 1963-1966

Em pé: Brown, Bond, Peters, Standen, Burkett e Bobby Moore. Sentados: Brabrook, Boyce, Byrne, Hurst e Sissons.
Em pé: Brown, Bond, Peters, Standen, Burkett e Bobby Moore. Sentados: Brabrook, Boyce, Byrne, Hurst e Sissons.

 

Grandes feitos: Campeão da Recopa da UEFA (1964-1965), Campeão da Copa da Inglaterra (1963-1964), Campeão da Supercopa da Inglaterra (1964) e Campeão da International Soccer League (1963). Conquistou o título mais importante da história do clube e foi o 2º clube inglês a conquistar um título europeu.

Time-base: Jim Standen; Joe Kirkup (John Bond) e Jack Burkett; Martin Peters (Eddie Bovington), Ken Brown e Bobby Moore; Alan Sealey (Peter Brabrook), Ronnie Boyce, Geoff Hurst, Brian Dear (Johnny Byrne) e John Sissons. Técnico: Ron Greenwood.

 

“The Academy of Europe”

Por Guilherme Diniz

Fundado por trabalhadores da Thames Ironworks and Shipbuilding Company, um estaleiro no rio Tâmisa, em Londres, o West Ham United adotou desde sempre um escudo com os chamados “rivet hammers” (martelos de rebite, em tradução literal), muito utilizados na indústria naval. Esses símbolos criaram o apelido do clube, que ficou conhecido em toda a Inglaterra como The Hammers e também The Irons. Mas, nos anos 60, o West Ham incluiu um novo apelido em sua história: The Academy of Football. Com um time de jogadores formados em suas categorias de base, o clube londrino se transformou em um dos maiores produtores de talento do país. E foi com essa garotada que ele construiu sua mais lendária era de títulos, iniciada em 1963 e que terminou com a histórica conquista da Recopa da UEFA de 1965, em uma das mais brilhantes finais já vistas no continente. Aquele time não jogava apenas para ganhar. Jogava para encantar. Era um raro exemplo de técnica, equilíbrio e força em todos os setores do campo.

Mas algumas ferramentas eram fundamentais para forjar aquele esquadrão. No setor defensivo, ninguém mais ninguém menos que Bobby Moore, maior zagueiro da história do futebol inglês e um dos maiores de todos os tempos, capaz de desarmar os mais habilidosos atacantes, os mais temidos meias, os mais impetuosos centroavantes com um só toque, uma antecipação. No elo entre meio de campo e ataque, Martin Peters cuidava dos passes precisos (com ambas as pernas), das construções de jogadas, das investidas ao ataque. Era, como diziam na época, o meio-campista completo, incansável, daqueles que não paravam nunca e que se movia constantemente.

E, para os gols, opções não faltavam: Geoff Hurst, atacante habilidoso, oportunista. Alan Sealey, ponteiro herói do título europeu. Brian Dear, que marcou certa vez cinco gols em menos de 20 minutos, recorde que durou décadas. E ainda John Sissons e Ronnie Boyce. Isso sem falar no grande comandante daquele elenco: Ron Greenwood, um estrategista nato. Com talentos feitos em casa, o West Ham dos anos 60 fez história e ensinou o caminho para o sucesso dos clubes ingleses dali em diante no continente. E foi o principal provedor da Seleção Inglesa que viria a ser campeã do mundo em 1966. É hora de relembrar.

 

A academia

Ted Fenton, último à direita, no West Ham em 1958. Foto: Spartacus Educational.

 

Caso raro no mundo, o West Ham United sempre valorizou o trabalho de seus técnicos. Após os primeiros anos de sua história, nos quais o clube era comandado por um comitê, Syd King assumiu a prancheta em 1901 e permaneceu até 1932. Depois, Charlie Paynter comandou os Hammers de 1932 até 1950. E, em 1951, Ted Fenton assumiu a frente técnica. Foi sob sua batuta que o West Ham iniciou naqueles anos 1950 um profundo trabalho de formação não só de jogadores, mas de pessoas. A ideia de construir uma academia de futebol surgiu muito por causa da “devastação” causada pela Hungria de Puskás, Kocsis e companhia após o triunfo por 6 a 3 sobre a Inglaterra em pleno estádio de Wembley no ano de 1953. Com jogadores fortes e métodos de treinamento avançados para a época, o time magiar foi a grande inspiração para a mudança no West Ham. Com pouco dinheiro para as contratações, o clube tratou de focar seus trabalhos nos jovens formados em casa.

Dia após dia, Fenton começou a implantar uma nova rotina no clube. Os jogadores permaneciam por mais tempo no gramado a fim de discutir filosofias de jogo e táticas e os atletas passaram a ter acompanhamento nutricional e dietas balanceadas para aumentar seus rendimentos em campo. E, claro, o treinador fez com que todos tivessem uma noção mais ampla do que estava acontecendo no futebol do continente, principalmente com os ensinamentos da Hungria de Puskás. Além dos trabalhos internos, Fenton se reunia com os jogadores em verdadeiras sessões da tarde no Café Cassettari, que ficava em frente ao estádio do clube na época, o Boleyn Ground. Ele usava os saleiros e pimenteiros para esboçar táticas, planos de jogo e jogadas ensaiadas. Tudo era feito em um bate-papo bem informal e agradável, para que os jogadores se sentissem mais confortáveis e saíssem da rotina.

Os campeões da segundona de 1958. Foto: Site do West Ham United.

 

O primeiro desafio daquela nova era, no entanto, era refazer o caminho de volta até a primeira divisão do futebol inglês, da qual o clube estava ausente desde os anos 1930. E, após algumas tentativas, a equipe conseguiu a promoção na temporada 1957-1958 e, na temporada seguinte, um ótimo sexto lugar na elite do futebol inglês, conquistando resultados estrondosos ao longo da campanha como o 7 a 2 no Aston Villa, 6 a 3 no Blackburn Rovers, 5 a 1 no Manchester City, 6 a 0 no Portsmouth e 4 a 1 no Tottenham, este fora de casa. A academia do clube já começava a produzir talentos notáveis como Bobby Moore, Geoff Hurst, Ken Brown, Malcolm Musgrove, Ronnie Boyce e Martin Peters, todos recrutados por Ted Fenton para o time titular.

Era nítido o bom futebol praticado pelos Hammers. Com toque de bola envolvente, muito vigor físico e táticas elaboradas, a equipe não se intimidava com as potências do futebol do país na época e protagonizava grandes partidas. Embora não tivesse força para ser campeão nacional, o West Ham era um dos mais elogiados pela imprensa britânica, que aumentava o número de adjetivos à medida que Bobby Moore, Peters, Hurst, Boyce e companhia assumiam a titularidade. Mas, no final de março de 1961, a diretoria do clube decidiu fazer uma mudança inesperada no comando técnico ao trazer Ron Greenwood para o lugar de Ted Fenton. O real motivo para a saída de Fenton, após 11 anos, nunca foi explicado. Talvez fosse por causa das campanhas ruins de 1959-1960 (14ª colocação) e aquela de 1960-1961 (a equipe terminaria na 16ª colocação). O fato é que tudo estava pronto para o time começar a prosperar.

 

Quando os meninos viram homens

Hurst, Moore e Peters, a tríade de ouro do West Ham.

 

Greenwood chegou com muita bagagem ao West Ham naquele ano de 1961. Após jogar profissionalmente por 11 anos como zagueiro, ele virou técnico e passou por Eastbourne United, Oxford University até assumir as seleções de base da Inglaterra – em paralelo ao trabalho no time nacional, Greenwood foi também assistente técnico do Arsenal. Com a experiência de ter lidado com jogadores jovens e a base montada por seu predecessor, o técnico armou seu time para conseguir enfrentar de igual para igual qualquer adversário, principalmente em torneios eliminatórios. No longo campeonato inglês da época – com 42 rodadas – ele sabia que era difícil manter a regularidade com um elenco tão enxuto. Mesmo assim, logo em sua primeira temporada completa, em 1961-1962, o treinador colocou o West Ham entre os dez primeiros – na 8ª colocação -, algo que não acontecia desde a temporada pós-acesso de 1958-1959.

Após as importantes contratações do goleiro Jim Standen, do atacante Johnny Byrne e do ponta-direita Alan Sealey, a equipe disputou, em 1963, a International Soccer League, em Nova York, um torneio de prestígio no futebol internacional nos anos 60 e que reunia diversos clubes da Europa e das Américas – foram seis edições, entre 1960 e 1965, cujo intuito principal era popularizar o esporte nos EUA. E, em uma primeira mostra da força que aquele time começaria a desempenhar em competições de tiro curto, os ingleses venceram o título com três vitórias, dois empates e uma derrota em seis jogos, à frente de Mantova-ITA, Kilmarnock-ESC, Sport Recife-BRA, Preussen Munster-ALE, Deportivo Oro-MEX e Valenciennes-FRA.

Na temporada 1962-1963, o West Ham terminou na 12ª colocação o campeonato nacional, que ficou parado de 29 de dezembro de 1962 até 04 de fevereiro de 1963 por causa do famoso Big Freeze de 1963, um dos invernos mais rigorosos da história do Reino Unido, com temperaturas que chegaram aos -20ºC. O lado positivo em meio a tanto frio e a uma colocação ruim foi a consolidação de Martin Peters no time titular. Com ele atuando no elo entre meio de campo e ataque, o West Ham ganhava muito em ofensividade. Além disso, o defensor Bobby Moore, capitão da equipe, demonstrava um talento fora do comum com jogos estupendos e seria, já em 1964, aos 23 anos, capitão da seleção inglesa. Mas a torcida dos Hammers começava a pensar: quando será que esse time vai vencer algo por aqui?

 

Da glória ao susto

 

Na temporada 1963-1964, o West Ham outra vez não foi bem no campeonato nacional – apenas o 14º na tabela. É que os esforços do time ficaram concentrados na disputa da tradicional Copa da Inglaterra. A equipe iniciou sua trajetória vencendo o Charlton Athletic por 3 a 0, em janeiro de 1964. Na fase seguinte, os Hammers despacharam o Leyton Orient após empate em 1 a 1 e vitória por 3 a 0. Nas oitavas, vitória por 3 a 1 sobre o Swindon Town, seguida de um triunfo por 3 a 2 sobre o Burnley nas quartas de final. Na semifinal, a equipe teria um duro teste pela frente: o temido Manchester United de George Best, Bobby Charlton e Denis Law.

Pior: o West Ham vinha de derrota por 2 a 0 pelo Campeonato Inglês para os próprios Red Devils uma semana antes da partida semifinal. E pior ainda: o técnico Matt Busby havia poupado suas três estrelas naquele jogo! Ou seja, o West Ham era a zebra. Mesmo com o time titular que Greenwood escalava em todos os jogos daquela Copa da Inglaterra – que tinha Bovington no lugar de Peters, por opção do técnico -, enfrentar o United seria uma missão bem difícil. Mas os Hammers provaram, naquele dia, que podiam encarar aquele titã. E muito por causa da parte motivacional que o técnico Greenwood utilizou para com seus jogadores.

Moore e Law, capitães de West Ham e Manchester, antes do duelo semifinal pela Copa da Inglaterra.

 

Ele relembrou o caso de John Lyall, cria das bases dos Hammers que teve que encerrar a carreira prematuramente em janeiro daquele ano de 1964, aos 23 anos, por causa de uma lesão no joelho inoperável. Greenwood lembrou do antigo colega e do quão sortudos eles eram por estarem naquela semifinal. Disse também que a final de Wembley seria uma bela despedida para Lyall. Diante de um estádio Hillsborough lotado com mais de 65 mil pessoas e muita chuva – que transformou o gramado em um verdadeiro lamaçal -, o West Ham entrou com tudo e conseguiu se beneficiar das condições adversas para neutralizar as investidas em velocidade de Best, além de cadenciar mais a partida e usar as jogadas aéreas. No começo do segundo tempo, Boyce abriu o placar com um chutaço de fora da área. O mesmo Boyce ampliou minutos depois, após cruzamento de Sissons. O matador Denis Law diminuiu, mas Hurst, aos 34’, aproveitou um belo lançamento de Bobby Moore e decretou a vitória por 3 a 1 que garantiu o West Ham na grande final.

 

Veja os gols:

No dia 02 de maio de 1964, Wembley estava tomado por quase 100 mil pessoas para a grande final da Copa da Inglaterra entre West Ham e Preston North End, do novato Howard Kendall, de apenas 17 anos, que se tornou naquele dia o jogador mais jovem a disputar uma final de FA Cup. Com um ligeiro favoritismo, o West Ham não teve tempo de impor tal condição ao levar o primeiro gol logo aos 10’, após falha do goleiro Standen. Um minuto depois, Sissons tratou de empatar com um chute cruzado. O jogo seguiu elétrico, com os times jogando para frente e com um futebol muito bonito. Aos 40’, Dawson colocou o Preston na frente mais uma vez. Aos 7’ do segundo tempo, Hurst cabeceou, a bola bateu no travessão, no chão, no rosto do goleiro e entrou, em um lance bem curioso (seria um prenúncio de 1966?): 2 a 2.

O time campeão de 1964: força pelas laterais e consistência defensiva no meio de campo eram as virtudes daquele esquadrão.

 

O West Ham continuou no ataque e perdeu várias chances até Boyce, aos 45’, cabecear livre dentro da área para fazer 3 a 2 e sacramentar o título do West Ham, o primeiro do clube na história da competição e que vinha após o vice conquistado lá em 1923, na lendária final do cavalo branco e das 300 mil pessoas (leia mais clicando aqui!). Hurst, com sete gols em sete jogos, Byrne, com quatro gols, Sissons e Boyce, com três cada, foram os artilheiros do time na competição. O West Ham disputou sete jogos, venceu seis, empatou um, marcou 19 gols e sofreu seis. Uma campanha inquestionável.

Bobby Moore ergue a FA Cup no dia 2 de maio de 1964 em Wembley. (Photo by Popperfoto/Getty Images).

 

Uma verdadeira multidão tomou as ruas de East London para celebrar o título do West Ham. Foto: Site do West Ham United.

 

Meses depois de levantar a taça da FA Cup, o capitão Bobby Moore deixou todos no West Ham bastante preocupados. O craque começou a sentir fortes dores em um de seus testículos, que cresceu de tamanho. Relutante para ir ao médico, ele só foi se consultar em novembro de 1964. E o diagnóstico foi assustador: um tumor. O que parecia uma coisa banal causada por um chute virava algo muito maior. Moore teve que ir imediatamente à mesa de cirurgia para a retirada do testículo. Com apenas 23 anos, o zagueiro se viu muito abalado e precisou de bastante apoio da família e da esposa, Tina Moore.

Moore e o tradicional martelo do West Ham durante a comemoração do título de 1964.

 

Ele teve até que esconder o caso dos companheiros pelo fato de o câncer na época ser um tabu, dizendo se tratar de um “problema na virilha”. Após três meses de tratamento e sessões de radioterapia, ele voltou aos treinos escondendo as marcas da radioterapia e mais reservado, temendo pela volta da doença e pela perda da virilidade mesmo com os médicos garantindo que o procedimento não deixaria sequelas – e, de fato, não deixou, pois ele teve um filho tempo depois da cirurgia. Após alguns meses difíceis e introspecção, Moore superou tudo aquilo com confiança. Ele ainda era jovem, o time vinha em uma fase crescente e uma carreira duradoura o esperava. Moore recuperou a autoestima. E quem ganhou foi o West Ham United, a Seleção Inglesa e o futebol.

 

Em busca da Europa

Ron Greenwood, técnico do West Ham na época. Foto: Dailymail.

 

O título da Copa da Inglaterra deu ao West Ham uma vaga na Recopa da UEFA de 1964-1965, a segunda maior competição do continente na época. Ela reunia os campeões das copas nacionais dos principais países do continente, por isso, tinha o nome de UEFA Cup Winner’s Cup, algo como “Copa dos Vencedores de Copas”. Vencer um torneio europeu ainda era algo raro para os clubes britânicos. Prova disso é que apenas o Tottenham Hotspur havia conseguido tal façanha com o título da Recopa de 1962-1963, ao bater o Atlético de Madrid-ESP na decisão. Liverpool, Manchester United, Arsenal? Nenhum deles sabia o que era ser campeão europeu. E, com uma real chance de título, o West Ham tratou a competição como a principal meta da temporada. Antes, eles venceram a Supercopa da Inglaterra, título compartilhado com o Liverpool de Bill Shankly após empate em 2 a 2 em Anfield Road.

A estreia dos Hammers foi contra o Gent-BEL, e a equipe inglesa venceu os belgas no primeiro jogo por 1 a 0, fora de casa, com gol de Boyce. Na volta, o empate em 1 a 1 classificou o time de Greenwood, que despachou o Sparta Praga-RCH após vitória por 2 a 0 em casa e derrota por 2 a 1 fora. Nas quartas, um show de gols contra o Lausanne Sports-SUI. Na ida, fora de casa, vitória inglesa por 2 a 1 (gols de Dear e Byrne). Na volta, triunfo por 4 a 3 de virada, com dois gols de Dear (que vivia a melhor fase da carreira), um de Peters e outro de Tacchella, contra.

O time de 1965 era mais experiente e jogava bonito.

 

Na semifinal, o adversário era o Real Zaragoza-ESP, que vivia uma de suas melhores fases e tinha nomes como Villa, Canário, Marcelino, Reija e Lapetra, estes três últimos presentes na seleção espanhola campeã da Europa em 1964. O primeiro jogo foi na Inglaterra e os Hammers precisavam de uma vitória a qualquer custo. E ela foi construída logo no primeiro tempo, com gols de Dear e Byrne. Na segunda etapa, Canário diminuiu, mas a equipe inglesa controlou as ações com sua força defensiva e foi para a Espanha com a vantagem do empate. Em La Romareda, Lapetra abriu o placar no primeiro tempo para o Zaragoza, mas Sissons, no começo do segundo tempo, garantiu o empate e a vaga na grande final ao West Ham. Para inflar ainda mais os jogadores, a decisão seria no estádio de Wembley. Ou seja: os Hammers jogariam “em casa” por um título histórico, daqueles que marcam uma época e embalam gerações.

 

A final perfeita

No dia 19 de maio de 1965, 97.974 pessoas lotaram Wembley para a final da Recopa. De um lado, o West Ham de Bobby Moore e companhia. Do outro, o 1860 Munich-ALE, que vinha de uma grande campanha após despachar equipes como Porto-POR e Torino-ITA. Embora tivesse um ligeiro favoritismo, o West Ham sabia que os alemães eram perigosos, principalmente com sua linha de frente, com destaque para o atacante Rudi Brunnenmeier e o meia Peter Grosser – na temporada seguinte, aquele time seria campeão da Bundesliga, ou seja, não era qualquer equipe. Por causa disso, o técnico Greenwood fez um minucioso trabalho de estudo do adversário, analisou partidas prévias e trouxe todos os pontos fracos do oponente aos seus jogadores. Geoff Hurst, em entrevista ao site oficial do West Ham, comentou sobre o trabalho motivacional do técnico Greenwood.

 

“Poderia o West Ham se tornar o segundo clube inglês a vencer um torneio europeu? Ron acreditava que sim. Ele estava convencido de que se nós jogássemos nosso melhor, poderíamos bater qualquer time da Europa. Ele assistiu pessoalmente nosso adversário assim que o confronto ficou decidido, e preparou um pequeno dossiê para os jogadores explicando o que poderíamos esperar dos alemães. Não é sempre que um técnico leva o seu time para ver o adversário jogar. Para os jogadores, foi fundamental para ver de perto as qualidades e defeitos deles”.

 

Os capitães Brunnenmeier e Moore.

 

Os jogadores viram um tape do jogo do 1860 Munich contra o Chelsea, ainda na pré-temporada, e também o duelo decisivo contra o Torino, na semifinal daquela Recopa, disputado na Suíça. No dia da final, um fato inusitado aconteceu. Brian Dear, titular dos Hammers, não conseguia esconder seu nervosismo. Jogar uma decisão daquele porte em um Wembley lotado estava sendo um martírio para ele. Foi então que entrou a figura de Bobby Moore. Ele chegou ao companheiro e disse: “Entre junto comigo, logo atrás de mim. Você ficará bem. Além disso, terá uma foto sua garantida se estiver próximo a mim!”. O senso de humor e as palavras de Moore ajudaram o atacante, que conseguiu amenizar a tensão – e, claro, ganhou uma foto ao lado do capitão, como você pode ver abaixo:

Quando a bola rolou, Wembley viu uma partida simplesmente estonteante. O West Ham apresentou um futebol virtuoso e ofensivo desde o início, bem como seu adversário. Sissons perdeu uma chance clara, Hurst quase marcou dois, mas ambos foram evitados pelo goleirão Radenkovic. Do lado alemão, Peter Grosser e Hans Kuppers também levaram perigo ao goleiro Standen, que não queria passar pelo mau bocado da final de 1964, quando falhou feio em um dos gols do Preston North End. Após um primeiro tempo agitado, mas sem gols, o West Ham tirou o zero do placar aos 25’, quando Ronnie Boyce, incansável meio campista, roubou a bola no meio de campo, avançou em direção à grande área e tocou por entre dois defensores para Sealey, na direita, que chutou quase sem ângulo e marcou um belo gol: 1 a 0. Wembley explodiu! As imagens que você pode ver no vídeo ao final deste texto mostram a frenesi da torcida após o gol do atacante, que deu uma cambalhota no chão na comemoração.

Apenas dois minutos depois, o goleiro Radenkovic teve que sair do gol desesperadamente para coibir um avanço dos Hammers e cometeu falta. Na cobrança ensaiada, Bobby Moore mandou com imensa categoria para a área, Peters escorou e Sealey, na pequena área, completou para o gol: 2 a 0. A taça estava encaminhada! Com um futebol de puro entretenimento, rápido, bonito, eficiente e coletivo, o West Ham partia rumo à sua maior glória futebolística. Ao apito final do húngaro István Zsolt, o West Ham United entrava para a história como campeão da Recopa da UEFA de 1964-1965, em uma das mais marcantes finais da Europa, com uma atmosfera incrível, um estádio lendário lotado, e, acima de tudo, o futebol apresentado por ambos os times.

Poucos meses após a cirurgia que quase tirou sua vida, lá estava Bobby Moore subindo as arquibancadas de Wembley para erguer outro troféu para a galeria dos Hammers. Brian Dear, também em depoimento ao site oficial do clube, disse que “aquela noite em Wembley foi, para algumas pessoas, a maior apresentação do West Ham na história. Tudo ocorreu otimamente bem. Foi fantástico”. Já o técnico Ron Greenwood foi categórico: “foi a maior vitória da história do West Ham United”. E, de fato, foi mesmo.

A equipe levantou o troféu após nove jogos, seis vitórias, dois empates, uma derrota, 16 gols marcados e nove sofridos. Brian Dear e John Sissons, com quatro gols cada, foram os artilheiros do time, seguidos de Johnny Byrne, com três. Por incrível que pareça, Hurst não marcou nenhum gol na competição, muito por causa da mudança tática que o técnico Greenwood fez no time ao longo da competição, com o atacante um pouco mais isolado no meio, ao contrário da posição que ele exerceria na seleção inglesa da Copa de 1966, por exemplo, com mais liberdade para avançar pela direita.

 

A inspiração do English Team

Não bastasse o grande título de 1965, o West Ham ainda venceu, em dezembro daquele ano, o conceituado prêmio de “Time do Ano” da BBC pelo feito esportivo que alcançara. E, como prova maior da força da academia, dos 22 jogadores que compunham o elenco do West Ham na temporada 1964-1965, 17 eram formados no clube e apenas cinco vieram de fora. Simplesmente impressionante! E ainda teve outro feito memorável protagonizado por Brian Dear durante o Campeonato Inglês O atacante marcou cinco gols na goleada de 6 a 1 sobre o West Bromwich, marcando tais gols em menos de 20 minutos, um recorde na história da competição! O primeiro saiu aos 44’ do primeiro tempo, e, no segundo, ele marcou mais quatro em 18 minutos. Só em 2015 que o futebol inglês viu algo parecido quando Agüero marcou cinco pelo Manchester City na goleada de 6 a 1 sobre o Newcastle United. O argentino também marcou um no primeiro tempo (aos 42’), e depois marcou aos 4’, aos 5’, aos 15’ e aos 17’ da segunda etapa.

Na temporada 1965-1966, a equipe seguiu competitiva, Geoff Hurst anotou 40 gols e foi o artilheiro do time e os Hammers lutaram pelo bi da Recopa da UEFA. Nas oitavas, os londrinos despacharam o Olympiacos-GRE com uma vitória (4 a 0) e um empate (2 a 2), e eliminaram o Magdeburg-ALE após vitória por 1 a 0 em casa e empate em 1 a 1 fora. Na semifinal, porém, os ingleses sucumbiram diante do forte Borussia Dortmund-ALE do artilheiro Emmerich, que venceu tanto na Inglaterra (2 a 1) quando na Alemanha (3 a 1) e eliminou os comandados de Greenwood. Os aurinegros seriam campeões daquela competição.

A maior decepção acabou sendo na Copa da Liga Inglesa, na qual os Hammers fizeram uma ótima campanha até a final – incluindo um 10 a 3 no agregado pra cima do Cardiff City, na semifinal -, mas sucumbiram diante do West Bromwich Albion após vitória por 2 a 1 em casa e derrota por 4 a 1 fora. O alento veio na Copa do Mundo daquele ano, disputada em solo inglês. Com três jogadores do clube entre os titulares do English Team – o capitão Bobby Moore, o meia Peters e o atacante Hurst, a Inglaterra foi campeã mundial ao derrotar a Alemanha por 4 a 2 na grande final com três gols de Hurst e um de Peters, justamente os craques do clube londrino. E justamente em Wembley, estádio que aqueles Hammers conheciam tão bem. A torcida do West Ham até criou uma canção na época:

 

I remember Wembley,

When West Ham beat West Germany.

Peters one and Geoffrey three,

And Bobby got his OBE!  

 

A foto acima é uma das mais famosas e lendárias da história do futebol: Moore, a Jules Rimet aos céus, e o English Team campeão do mundo em 1966. Foto: Getty Images.

 

A canção dizia, em linhas gerais, que eles se lembravam de quando o West Ham bateu a Alemanha, com um gol de Peters e três de Geoffrey (Hurst), e quando Bobby Moore ganhou sua Ordem do Império Britânico. De fato, naquele final de Copa, o West Ham deu uma eterna contribuição ao futebol inglês.

 

À espera de uma nova academia

Após a safra de ouro dos anos 60, o West Ham perdeu a intensidade no futebol inglês e só levantou taças em 1975 e 1980, ambas da Copa da Inglaterra, além de um vice-campeonato na Recopa da UEFA de 1976. Embora não tenha conseguido brigar com os grandes times do país ao longo das últimas décadas, o clube segue formando jogadores de ponta em sua academia. Harry Redknapp, Trevor Brooking, Alvin Martin, Paul Ince, Rio Ferdinand, Frank Lampard (o pai e o filho), Michael Carrick, Joe Cole, Jermain Defoe, Glen Johnson e John Terry são só alguns exemplos de jogadores que passaram ou se formaram na academia. Apesar de ver seu clube mais formar do que manter seus atletas, a torcida espera que uma nova safra volte a brilhar e permaneça nos Hammers para escrever uma história parecida com a do time dos anos 1960, até hoje reconhecido mundialmente como o maior West Ham United de todos os tempos. Um esquadrão imortal.

O West Ham voltou a conquistar um título europeu em 2023, ao levantar de maneira invicta – 14 vitórias e um empate em 15 jogos! – a UEFA Europa Conference League.

 

Os personagens:

Jim Standen: quando Lawrie Leslie quebrou a perna em 1962, o West Ham teve que contratar um goleiro urgentemente. E Jim Standen foi quem assumiu a meta do clube até 1968. Alternava grandes jogos com outros nem tanto. Disputou mais de 200 jogos com a camisa do West Ham. Foi, também, jogador de críquete.

Joe Kirkup: o lateral iniciou sua trajetória no clube em 1958 e garantiu espaço no time titular com muita regularidade e bons jogos. Jogou até 1966 nos Hammers e disputou mais de 200 jogos pelo clube. Não costumava ir muito ao ataque, mas ainda sim fez seis gols nas 165 partidas que disputou no Campeonato Inglês.

John Bond: com mais de 440 jogos pelo West Ham entre 1950 e 1966, o lateral-direito foi um dos mais famosos jogadores do clube inglês. Muito eficiente na defesa, costumava aparecer no ataque e marcar gols. Foi fundamental nos títulos da segundona inglesa de 1958 e da Copa da Inglaterra de 1964. Acabou perdendo espaço para Joe Kirkup.

Jack Burkett: jogou durante uma década no clube e foi outro defensor muito regular, preenchendo bem o lado esquerdo da defesa e dando segurança para os avanços de Bobby Moore. Chegou a jogar por outros clubes após 1968, mas não repetiu o desempenho dos tempos de West Ham.

Martin Peters: incansável e imparável, o meio-campista foi um dos mais completos jogadores de seu tempo e uma lenda do West Ham. Jogou de 1959 até 1970 nos Hammers e marcou 100 gols em pouco mais de 300 jogos com a camisa do clube. Seu desempenho o levou à seleção em 1966, pela qual foi titular na campanha do título mundial. Disputou 67 jogos e marcou 20 gols pelo English Team entre 1966 e 1974. Era um jogador com ampla visão de jogo e com movimentação constante, o que dificultava bastante sua marcação pelos adversários. Além disso, efetuava passes precisos e aparecia como elemento surpresa no ataque.

Eddie Bovington: jogou a carreira inteira no West Ham, de 1959 até 1968. Atuava no meio de campo, ajudando na marcação e também no apoio ao ataque pelo lado direito. Foi titular em boa parte daquela era de ouro mesmo com a concorrência de Peters. Decidiu pendurar as chuteiras precocemente para atuar no ramo têxtil.

Ken Brown: o volante atuava mais centralizado, compondo o sistema defensivo do time de Greenwood para não sobrecarregar a defesa com as investidas de Peters. Seguro, não brincava em serviço e jogava com muita regularidade. Disputou mais de 400 jogos com a camisa do clube entre 1953 e 1967.

Bobby Moore: “deveria haver uma lei contra Bobby Moore, pois ele sabe o que vai acontecer 20 minutos antes de todo mundo”. A frase que você acabou de ler é de Jock Stein, um dos mais lendários técnicos do futebol e mentor do grande Celtic dos anos 1960. E ele estava coberto de razão. Moore tinha um sentido para antever uma jogada que poucos ou talvez nenhum jogador já tenha tido. Seus desarmes eram de uma precisão impressionante. Sua colocação, plena, impecável, e sua visão de jogo simplesmente formidável. Ele não precisava ficar correndo para lá e para cá atrás de um atacante veloz e intempestivo. Ele lia a jogada e adivinhava para onde o adversário ia e o que ele planejava fazer. Basta ver as atuações do craque não só pelo West Ham, mas principalmente pela seleção inglesa. O que ele jogou nas Copas de 1966 e 1970 é algo difícil de descrever. Ele foi tão sublime que Pelé disse que Moore foi o maior defensor que ele enfrentou em toda carreira, a ponto de trocar de camisa com o inglês ao final do duelo entre Brasil e Inglaterra no Mundial de 1970, no México.

No West Ham, Moore jogou de 1958 até 1974 e atuava um pouco mais à frente da zaga, controlando as ações entre a defesa e o meio de campo e fazendo precisos passes e lançamentos. Disputou 647 jogos e marcou 27 gols pelos Hammers. Ganhou uma estátua em Wembley. Sua camisa 6 foi aposentada no West Ham. E é reverenciado até hoje como um dos maiores craques da história. Bobby Moore faleceu jovem, aos 51 anos, vítima de um câncer no intestino, que dizem ter sido causado por alguma célula não curada do primeiro que ele teve lá em 1964. Pela seleção, foram 108 jogos, dois gols e a honra de ter sido o capitão que levantou a única taça da Copa do Mundo da Inglaterra. Um craque imortal. Leia mais sobre ele clicando aqui.

Alan Sealey: seus dois gols na final da Recopa da UEFA são talvez os mais importantes da história do West Ham. Ponta-direita de muita habilidade e oportunismo, foi um dos grandes nomes do ataque do time na época. Jogou de 1961 até 1967 nos Hammers. Em 1965, quebrou a perna jogando críquete em um simples treinamento de pré-temporada e nunca mais conseguiu jogar em alto nível.

Peter Brabrook: após um longo período no Chelsea, chegou ao West Ham já consagrado, em 1962, e ficou até 1968. Atuava como ponta e foi um dos destaques do time no título da Copa da Inglaterra de 1964.

Ronnie Boyce: outro que só jogou pelo West Ham na carreira – de 1959 até 1973 -, Ron foi um dos grandes nomes do esquadrão dos Hammers na época. Dava passes precisos e se movimentava bastante no setor ofensivo, marcando gols importantes, como o do título da Copa da Inglaterra de 1964.

Geoff Hurst: segundo maior artilheiro da história do clube com 252 gols em 502 jogos entre 1959 e 1972, o artilheiro é mais lembrado pelo inigualável hat-trick em uma final de Copa do Mundo, em 1966, mas seus maiores feitos foram com a camisa do West Ham. O Sir foi um dos mais talentosos atacantes de seu tempo, prolífico, rápido e oportunista. Virou ídolo do clube e manteve uma consistente média de gols ao longo dos anos, principalmente entre 1964 e 1968, sua melhor fase na carreira. Pela seleção, foram 49 jogos e 24 gols.

Brian Dear: atacante que adorava uma noitada – e chegou até a levar os companheiros para a bebedeira em 1970 -, viveu sua melhor fase na temporada 1964-1965, quando marcou vários gols e ajudou o ataque do West Ham a ser um dos mais fortes da Inglaterra na época. Por causa dos excessos extra-campo, não conseguiu deslanchar a carreira e parou de jogar em 1970, com apenas oito anos como profissional.

Johnny Byrne: jogou de 1962 até 1967 no time e atuava como centroavante, principalmente durante a campanha do título da Copa da Inglaterra de 1963-1964. Era muito bom dentro da área e tinha um notável faro de artilheiro, além de boa técnica e precisão nas finalizações. Marcou 33 gols em 45 jogos na temporada 1963-1964, ficando à frente de Hurst na artilharia do time. Ganhou espaço até na seleção inglesa, pela qual disputou 11 jogos e marcou oito gols. Só não jogou a final da Recopa da UEFA de 1965 por causa de uma lesão sofrida em uma partida pela seleção semanas antes da decisão.

John Sissons: foram oito anos de West Ham e grandes partidas atuando na ponta-esquerda do ataque dos Hammers. Marcou o primeiro gol da final da Copa da Inglaterra de 1964 e foi um dos principais nomes do setor ofensivo do time de Greenwood. Disputou quase 300 jogos pelo West Ham e marcou 53 gols.

Ron Greenwood (Técnico): é preciso destacar o trabalho feito por Ted Fenton, que montou a base na qual Greenwood construiu o West Ham que faria história. Ele melhorou o que seu predecessor havia feito e teve o elenco em suas mãos, que soube jogar um futebol bonito, eficiente e competitivo. Com muito trabalho motivacional, táticas e estudo dos adversários com antecedência, ele conseguia antecipar o que seu time poderia encontrar. Com isso, entrou para a história e marcou época no clube. Foi técnico do West Ham de 1961 até 1974 até comandar a seleção da Inglaterra de 1977 até 1982, classificando o English Team para uma Copa do Mundo (em 1982) após 12 anos.

 

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