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Hampden Park – Pioneiro das Multidões

 

Por Guilherme Diniz

 

Nome: Hampden Park

Localização: Mount Florida, Glasgow, Escócia

Inauguração: 31 de outubro de 1903

Partida Inaugural: Queen’s Park 1×0 Celtic, 31 de outubro de 1903

Proprietário: Associação Escocesa de Futebol

Capacidade: 51.866 pessoas

Recorde de público: 149.547 pessoas no jogo Escócia 3×1 Inglaterra, 17 de abril de 1937

 

Muito antes do mundo do futebol conhecer estádios gigantes, com arquibancadas voluptuosas e imponentes, Glasgow já abrigava um palco único, capaz de reunir mais de 80 mil pessoas no longínquo ano de 1904. O esporte nem era difundido em outros países, mas já era tradicional por aquelas bandas. Anos depois, mais arquibancadas foram construídas e ele passou a comportar quase 150 mil pessoas – sendo por um determinado período o maior do mundo. E, se fosse possível, caberia até mais. Ano após ano, aquele estádio virou um símbolo do país e de jogos espetaculares, incluindo uma das maiores finais da história da Liga dos Campeões da UEFA, para muitos, a maior. Com mais de 100 anos de histórias, Hampden Park é um patrimônio do esporte escocês e mundial e um dos mais tradicionais do planeta. Em metamorfose desde seus primórdios, ele teve ainda dois “irmãos” de mesmo nome até tomar para si a exclusividade da lenda. E segue intacto como um colosso do futebol. É hora de conhecer tudo sobre o pioneiro das multidões.

 

Por uma casa maior

Local do primeiro Hampden abriga atualmente um clube de boliche e é vizinho à linha férrea da região.

 

Clube mais antigo da Escócia, o Queen’s Park jogava em um estádio chamado Hampden Park desde 1873, uma pequenina casa construída entre o Queen’s Park Recreation Ground e o Hampden Terrace, fazendo com que o estádio fosse batizado em referência aos locais de sua localização. Não demorou muito para o Hampden ser escolhido preferencialmente como sede das finais da Copa da Escócia – incluindo a de 1874, vencida pelo Queen’s Park sobre o Clydesdale por 2 a 0 – e jogos da seleção escocesa. Em 1883, o clube teve que deixar o “primeiro” Hampden por causa de obras da Caledonian Railway, que iria construir uma extensão da linha ferroviária da região, a Cathcart District Railway, para atender a crescente demanda de passageiros.

Com isso, a nova casa do clube passou a 150 metros do antigo Hampden, e o novo estádio também foi batizado de Hampden Park. O Queen’s Park alugou o local até 1903 e queria mais terras para ampliar o estádio, mas seus pedidos foram recusados pela prefeitura. Com isso, o clube tratou de planejar a construção de um novo e definitivo estádio quando Henry Erskine Gordon concordou em vender 12 acres de terra em Somerville Drive em novembro de 1899, a cerca de 500 metros dali. O arquiteto James Miller projetou arquibancadas gêmeas ao longo do lado sul do terreno com um pavilhão encaixado no meio. As encostas naturais do local foram moldadas para formar bancos de arquibancadas, projetados por Archibald Leitch, um dos maiores arquitetos da história da Escócia e responsável integral ou parcial de notáveis projetos em estádios do Reino Unido como Anfield Road, Highbury, Ewood Park, Celtic Park, Ibrox, Old Trafford entre outros. Leitch projetou um estádio com capacidade para 100.000 espectadores, o que o tornaria o maior da época. A construção foi realizada em etapas, com a construção das arquibancadas em cada lado do campo concluída antes da próxima etapa começar.

A construção do novo (e terceiro) Hampden Park levou mais de três anos para ser concluída e, para evitar problemas ou colapsos nas encostas, os terraços em Hampden foram firmemente colocados na terraplenagem e técnicas inovadoras de amortecimento foram usadas para dar estabilidade ao local. O “segundo” Hampden passou a ser utilizado pelo Third Lanark AC e o estádio foi rebatizado como Cathkin Park, enquanto que o Queen’s Park mudou-se para o terceiro e último Hampden em 1903, já com capacidade para pouco mais de 44 mil pessoas. O primeiro jogo aconteceu em 31 de outubro daquele ano, em uma vitória do time da casa sobre o Celtic por 1 a 0, gol de D. Wilson.

Projeto do Hampden final.

 

Um ano depois de sua inauguração, o Hampden Park atingiu a capacidade de 80 mil lugares e, na final da Copa da Escócia daquele ano, teve mais de 64 mil pessoas no Old Firm vencido pelo Celtic por 3 a 2 sobre o Rangers. Após um predomínio do Ibrox nos anos 1910 por medidas de segurança, o Hampden Park seria a casa definitiva da final da Copa da Escócia a partir dos anos 1920, uma tradição seguida à risca pela Associação Escocesa de Futebol e enorme homenagem nesta que é a segunda competição mais antiga do mundo (ela começou na temporada 1873-1874), atrás apenas da FA Cup (que começou em 1871). Por outro lado, o troféu da Copa da Escócia é o mais antigo em disputa no planeta até hoje. Foi a partir daquele final de anos 1900 que o estádio virou, também, a casa da seleção escocesa. Àquela altura, Glasgow era a cidade com os maiores estádios do mundo na época: Hampden Park, Ibrox e Celtic Park.

 

Ampliações e o maior do mundo

A partir da década de 1910, o Hampden Park superou a casa dos 120 mil lugares e virou o maior estádio do mundo. Após um susto em 1914, quando um incêndio destruiu um pavilhão e obrigou a construção de uma nova estrutura central, com sala de imprensa, o auge do estádio aconteceu entre 1927 e 1937, quando o Queen’s Park adquiriu mais 33 acres de terra, construiu mais 25 mil lugares e fez Hampden Park ser capaz de receber mais de 140 mil espectadores! Foi em 1937, inclusive, que o estádio alcançou o recorde oficial de uma partida entre seleções na Europa e do próprio estádio: 149.415 pessoas no duelo entre Escócia e Inglaterra, pelo Campeonato Britânico. Estima-se que 20 mil pessoas ainda tenham entrado no estádio sem ingressos! É que, de forma não-oficial, Hampden Park suportava até 183.388 pessoas em 1937, mas a SFA (Associação de Futebol da Escócia) “só” permitia a carga máxima de 150 mil ingressos… Tanta gente e fanatismo envolvido nos duelos, principalmente nos clássicos entre Celtic e Rangers, acabava gerando brigas e confusões, o que sempre mobilizou muito policiamento em dias de jogos. Embora as arquibancadas atrás dos gols ficassem distantes do gramado, o formato do estádio criava uma atmosfera impressionante, dando ao colosso de concreto uma aura única.

 

Durante a Segunda Guerra Mundial, o estádio recebeu poucos jogos e a carga de ingressos em partidas locais foi reduzida em 50% por conta do medo de ataques da força aérea nazista, a Luftwaffe. Um fato curioso na época é que um grupo da Guarda Nacional montou um comando de controle próximo ao estádio e um funcionário do governo propôs que os gramados de Hampden Park e Lesser Hampden, vizinho ao gigante, fossem utilizados para a plantação de vegetais e hortaliças no período de guerra. O Queen’s Park fingiu que não ouviu aquela sugestão e seguiu com seu estádio intacto. E sem alface, batatas, etc…

 

A era dos jogos espetaculares

Multidão esperando para entrar: cena típica a partir dos anos 1950.

 

Depois da Guerra, o Hampden Park perdeu o posto de maior do mundo para o brasileiro Maracanã, construído para a Copa do Mundo de 1950 e que comportava mais de 190 mil pessoas, além de o estádio escocês passar por uma redução da capacidade para 135 mil por medidas de segurança. Mesmo assim, o Hampden Park não perdeu a fama de casa das multidões e era o local preferido dos torcedores, que puderam voltar a ver sua seleção com mais frequência. Em 1953, o estádio foi escolhido como principal sede da Coronation Cup, torneio realizado como parte das festividades pela coroação da Rainha Elizabeth II, com quatro equipes escocesas e quatro inglesas. Celtic e Hibernian, ambos da Escócia, foram para a final e os alviverdes venceram o título ao derrotarem o Hibernian por 2 a 0 na decisão, vista por mais de 117 mil pessoas.

As imensas arquibancadas transformavam o estádio em um caldeirão.

 

Em dezembro de 1954, mais de 113 mil pessoas viram a Escócia fazer um bom jogo contra a sensacional Hungria de Puskás e companhia da época, vice-campeã mundial, mas os Scots perderam por 4 a 2. Anos depois, em 1960, o estádio entrou em definitivo para a história quando foi palco da final da Copa Europeia (Liga dos Campeões da UEFA) daquele ano entre Real Madrid e Eintracht Frankfurt. Incríveis 127.621 pessoas (recorde em uma final de competição europeia) estiveram presentes e viram um dos maiores espetáculos futebolísticos de todos os tempos. Foram 10 gols. Real Madrid 7×3 Eintracht Frankfurt. Puskás fez quatro. Di Stéfano, três. Jamais houve uma final como aquela. E dificilmente haverá. Os jogadores trajados de branco trataram a bola como um bem precioso, com sutileza, classe, técnica e amplitude. Aquilo tudo parecia um filme de ficção, algo surreal. Mas não foi. Puskás, Di Stéfano, Gento, Canário e Santamaría eram de carne e osso.

Ainda nos anos 1960, o estádio abrigou as finais das Recopas da UEFA de 1962 (Atlético de Madrid 1×1 Fiorentina. O replay foi em Stuttgart e o Atlético venceu por 3 a 0) e de 1966 (Borussia Dortmund 2×1 Liverpool, no primeiro título de um clube alemão em uma competição da UEFA). Em 1967, o estádio foi palco do primeiro jogo da final do Mundial Interclubes entre Celtic e Racing-ARG. O duelo foi vencido pelos escoceses, campeões europeus, por 1 a 0 e sob os olhares de mais de 100 mil pessoas. Na volta, em Montevidéu, o Racing venceu por 2 a 1 e, no replay, venceu por 1 a 0, ficando com a taça.

Anos depois, o Celtic chegou a mais uma final europeia na temporada 1969-1970 e, na semifinal, contra o Leeds United, então campeão inglês, os torcedores alviverdes protagonizaram um feito inédito que entraria para a história do futebol europeu. Mais de 136 mil pessoas se abarrotaram no estádio escocês para torcer pelo Celtic, registrando o maior público da história de uma competição de clubes organizada pela UEFA. Os milhares de torcedores levaram um susto logo aos 14´do primeiro tempo, quando Bremmer abriu o placar para o Leeds. Mas Hughes e Murdoch viraram o jogo, colocando o Celtic pela segunda vez na história em uma final de Liga dos Campeões. A festa foi tremenda, mas a equipe acabou perdendo o título para o Feyenoord na decisão em Milão.

 

Em 1976, Hampden Park abrigou mais uma final de Liga dos Campeões da UEFA, desta vez entre o super Bayern München-ALE e o Saint-Étienne-FRA. Os alemães venceram por 1 a 0 e celebraram o tricampeonato consecutivo, mas o duelo até hoje gera discussões entre os franceses pelo fato de um chute de Bathenay ter ido na trave e, no rebote, uma cabeçada de Santini também ter batido no travessão e voltado ao jogo. Até aí, tudo bem. Mas por que a birra? 

Perceba as traves quadradas do gol.

 

Anos depois, o Saint-Étienne comprou as traves e as levou ao seu museu! ©PHOTOPQR/LE PROGRES/Yves Flammin Photo via MaxPPP

 

É que as traves de Hampden Park eram quadradas e de madeira na época! E foram assim de 1903 até 1987 até serem banidas pela FIFA e substituídas pelas tradicionais, de metal e ovais. Por isso, os franceses dizem até hoje que se elas fossem ovais em 1976, uma daquelas bolas teria entrado e o jogo poderia ter sido outro. Em 2013, veja só, o próprio Saint-Étienne comprou da Associação Escocesa as antigas traves por cerca de 20 mil euros e as inseriu em seu museu, no setor que conta a saga do clube na edição de 1976 da UCL. Vá entender…

 

Reformas, encolhimento e modernização

Hampden ganhou cobertura e teve a capacidade reduzida ao longo das décadas.

 

Nos anos 1980, Hampden Park começou a encolher devido ao avanço das medidas de segurança nos estádios em todo mundo, a fim de acabar de vez com as tragédias que tanto acometiam os estádios britânicos em dias de jogos importantes. Muito antigo, o estádio, bem como seus vizinhos, não oferecia estrutura adequada para saídas rápidas e precisou comportar menos gente para que os processos funcionassem. Com isso, sua capacidade foi para pouco mais de 81 mil espectadores em 1984 e, nos anos 1990, uma ampla reforma estrutural, com demolições de arquibancadas antigas e construção de novas, com assentos no padrão da UEFA, deixou o estádio com capacidade para pouco mais de 50 mil pessoas. Em 1997, a Associação Escocesa de Futebol adquiriu os direitos e comprou o estádio do Queen’s Park, que ainda vigorava como um clube amador – ele permaneceu no amadorismo por 152 anos! Só em 2019 que se profissionalizou – e passou a jogar no Lesser Hampden, adjacente ao Hampden Park. Vale lembrar que, mesmo amador, o Queen’s Park disputou regularmente os principais torneios do país.

Esse gol foi em Hampden Park…

 

Em 2002, o estádio viu o Real Madrid vencer mais uma Liga do Campeões da UEFA e contra outro clube alemão, o Bayer Leverkusen, no lendário 2 a 1 dos merengues pra cima dos rubro-negros. Foi nesse jogo que Zidane marcou o espetacular gol de voleio que até hoje é tido como um dos mais bonitos da história do torneio continental. Em 2007, foi a vez do Sevilla fazer a festa na final da Copa da UEFA daquele ano, ao vencer o Espanyol nos pênaltis por 3 a 1 após empate em 2 a 2. Em 2012, o estádio foi um dos palcos do futebol nos Jogos Olímpicos de Londres, com três jogos do torneio masculino e cinco do feminino. Hampden ainda abrigou quatro jogos da Eurocopa de 2020.

Além do futebol, o estádio acolheu (e acolhe) outros esportes, sendo o principal deles o Rugby, além de tênis, softball, baseball, entre outros. O estádio é também um importante palco de grandes shows e recebeu ao longo das décadas nomes como The Rolling Stones, Tina Turner, Rod Stewart, Bon Jovi, Eagles, U2, Oasis, George Michael, Neil Diamond, Take That, AC/DC, Bruce Springsteen, Coldplay, Pink, Paul McCartney, Rihanna, Beyoncé, entre outros. Atualmente, Hampden Park é um dos raros estádios com quatro estrelas da UEFA e possui modernos sistemas de som, estacionamento, cabines de imprensa, iluminação e acessibilidade. Moderno e clássico ao mesmo tempo, Hampden Park é um patrimônio sagrado do futebol e sua lenda rompe gerações. Impossível não vê-lo e relembrar momentos marcantes do esporte, bem como rememorar as multidões que tanto vibraram e se aglomeraram naquelas arquibancadas. Que ele siga assim por séculos.

Curiosidades:

  • Ao longo de sua história, o Hampden Park sofreu três incêndios: um em 1914, que destruiu um pavilhão; um em 1945, que acabou com a cabine de imprensa e outras salas; e o último em 1968, que destruiu 1400 assentos e um dos vestiários. Felizmente, nenhum deles teve vítimas;
  • Em seus tempos áureos, o Hampden Park ficou conhecido pelo “rugido” ensurdecedor que as torcidas produziam no estádio. Essa dimensão do barulho começou a ganhar fama em 1929, quando um gol da Escócia contra a Inglaterra no último minuto fez a torcida da casa gritar tanto que Alex Jackson, jogador escocês que se lesionou e estava em um hospital a cerca de 2km dali – o Glasgow Victoria Infirmary -, ouviu o som e sabia que havia sido gol da Escócia! A média de decibéis em grandes jogos e nos clássicos entre Celtic e Rangers era de 85 db a 115 db! 
  • Por causa dos Jogos do Commonwealth de 2014, Hampden Park foi transformado em um grande centro de atletismo. Naquele ano, o estádio não recebeu jogos de futebol para ser exclusivo da competição, que teve sua cerimônia de encerramento em Hampden Park.

 

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