Grandes feitos: Campeão do Campeonato Inglês de 1994-1995. Encerrou um jejum de 81 anos sem títulos no principal torneio inglês do clube.
Time-base: Tim Flowers; Henning Berg, Colin Hendry, Ian Pearce (Tony Gale) e Graeme Le Saux; Stuart Ripley, Mark Atkins, Tim Sherwood e Jason Wilcox (Paul Warhurst); Chris Sutton e Alan Shearer. Técnico: Kenny Dalglish.
“O sonho de um torcedor que virou realidade”
Por Leandro Stein
A Premier League possui um grupo restritíssimo de candidatos ao título. Não foi à toa que o quarteto formado por Manchester United, Arsenal, Chelsea e Liverpool ficou conhecido como Top Four ao longo dos anos 2000 – por mais que a taça não vá para Anfield desde que a liga inglesa mudou de nome e de status. O Manchester City só conseguiu se juntar ao clubinho quando passou a ser bancado pelos xeiques. E, de vez em quando, as potências do passado Everton e Tottenham aparecem para brigar por uma vaga na Liga dos Campeões da UEFA, não mais do que isso. Entre os campeões desde 1992-1993, ano de transformação da liga, só existem dois pontos fora da curva: o Leicester de 2016 e o Blackburn, que fez história em 1995. A trajetória dos Rovers é o elo entre o passado e o presente do futebol inglês. Tempos em que os jogadores britânicos ainda eram a maioria dentro de campo e no qual era possível ver outros clubes tradicionais figurando nas primeiras posições, como o Newcastle, o Nottingham Forest ou o Leeds United. Entretanto, em certa medida, foi o Blackburn que abriu o caminho para uma era que acabou sufocando ele próprio.
O time bancado por um magnata que não economizava para reforçar o time e ajudava a inflacionar o mercado de transferências. O homem por trás do sucesso do Blackburn, porém, não era um russo enriquecido com o fim da União Soviética ou um monarca árabe que tem petróleo jorrando em todo o seu país. Jack Walker, aliás, nem era tão rico quanto os atuais bilionários que povoam a Premier League. Os £ 30 milhões que desembolsou em cinco anos hoje não pagariam um Diego Costa, e, mesmo corrigido, o valor estaria muito aquém de bancar a transferência de Ángel Di María. No início dos anos 1990, no entanto, foi o suficiente para rechear o elenco comandado por Kenny Dalglish e estrelado por Alan Shearer. Para levar os Rovers a conquistar a Premier League apenas três anos após sair dos playoffs da segundona, façanha que agora parece impossível. É hora de relembrar.
Sumário
A antiga força que vivia em baixa
O Blackburn teve seus momentos como potência nos primórdios do futebol inglês. Fundado em um centro industrial no norte do país, tornou-se o primeiro clube de fora de Londres a ser finalista da Copa da Inglaterra, em 1882. Eram tempos em que o profissionalismo ainda não existia no país e os Rovers pagavam seus jogadores de maneira ilegal, arranjando empregos de fachada nas fábricas locais. E, na transição do amadorismo, os alviazuis dominaram o torneio, conquistando cinco títulos entre 1884 e 1891. Membro-fundador do Campeonato Inglês, o Blackburn só conseguiu conquistar o taça em 1911-1912, repetindo a dose duas temporadas depois. Era um clube de elite, mas que apenas de vez em quando ocupava a parte de cima da tabela. Ao lado do Aston Villa, foi a equipe que mais demorou a sofrer um rebaixamento na liga, só amargando a queda em 1935-1936. A partir de então, contudo, os Rovers se tornaram um time ioiô. E o fundo do poço pareceu ter vindo mesmo a partir dos anos 1970, se alternando entre a segunda e a terceira divisão.
Na década de 1980, enfim, o Blackburn se estabeleceu na segundona. E faltou pouco para retornar à elite em várias oportunidades. Entre 1980-1981 e 1990-1991, os alviazuis ficaram entre os seis primeiros da Division Two seis vezes. Quase sempre faltavam apenas detalhes para o acesso. Algo que veio com sobras a partir de janeiro de 1991, quando o clube foi comprado por Jack Walker, magnata da indústria metalúrgica e fanático pelo Blackburn.
O torcedor que mudou a história dos Rovers
A história de Jack Walker é típica do homem que fez sua riqueza vindo das camadas de baixo da sociedade. Nascido em uma família da classe trabalhadora de Blackburn, foi operário antes de herdar o negócio do pai. Transformou a pequena empresa de sucatas em uma gigante do aço, aproveitando a reconstrução do Reino Unido após a Segunda Guerra Mundial. Quando o futebol cruzou o seu caminho, tinha uma riqueza estimada em centenas de milhões de libras, entre os 30 homens mais ricos do país. O envolvimento do magnata com o Blackburn aconteceu a partir de 1986, doando dinheiro para a reforma do estádio Ewood Park. Em seguida, passou a se envolver nas transferências, ajudando a trazer Osvaldo Ardiles e Steve Archibald. No entanto, foi em 1991 que Walker assumiu o controle da equipe realmente e investiu alto no sucesso dos alviazuis. Na primeira metade de temporada sob o novo dono, o time escapou por pouco do rebaixamento na segundona, terminando na 19º colocação. Já na temporada seguinte, o início da campanha também não era tão promissor. Então, o industrial foi buscar um novo técnico.
Dentro do projeto grandioso de Walker, um técnico de primeira linha chegou a Ewood Park. Kenny Dalglish sequer tinha pendurado as chuteiras quando se tornou técnico do Liverpool, substituindo o mítico Bob Paisley. Manteve os Reds no topo do futebol inglês, com três títulos da liga e dois da copa. Entretanto, deixou Anfield em fevereiro de 1991, por causa de problemas de saúde. Oito meses depois, foi convencido a assumir os Rovers, esperando um trabalho de menor pressão. Mas que teria um sucesso tão grande quanto.
O Blackburn viveu altos e baixos em 1991-1992. Sob o comando de Dalglish, a equipe assumiu a liderança da segunda divisão em dezembro e se manteve assim por três meses. Porém, uma sequência de seis derrotas consecutivas colocou os Rovers em sétimo. Somente uma guinada nas quatro rodadas finais colocaria o time nos playoffs da segundona. E sendo copeiro é que o Blackburn conquistou o acesso, derrotando o Leicester City em Wembley. Com um estilo motivador e ótima capacidade de montar o time, Dalglish iniciou seu reinado em Ewood Park.
Como Dalglish formou o seu esquadrão
O retorno do Blackburn à primeira divisão após 27 anos coincidia com uma virada histórica no futebol do país. Naquela temporada, nascia a Premier League. E os Rovers se adaptaram muito bem à liga que propunha um novo modelo de gestão. O clube chegava à elite já prometendo brigar pelas primeiras colocações, graças ao dinheiro de Jack Walker. Com sobras, foi o clube que mais investiu em contratações: £ 11,4 milhões, quase o dobro do segundo que mais gastou, o Tottenham, com £ 5,9 milhões.
A base do futuro campeão inglês começou a se formar naquela temporada. Principal contratação do miolo de zaga no ano anterior, o xerifão escocês Colin Hendry ganhou a companhia de duas boas promessas do futebol escandinavo, ambos com menos de 23 anos: o norueguês Henning Berg e o sueco Patrik Andersson. Já a lateral esquerda passava a contar com Graeme Le Saux, trazido do Chelsea. No meio-campo, o meia Stuart Ripley vinha a peso de ouro do Middlesbrough, enquanto Tim Sherwood era outro em crescente, após se afirmar no Norwich. O principal reforço, todavia, estava mesmo no ataque: Alan Shearer.
O garoto de 22 anos já chegava badalado ao Blackburn, após estourar com o Southampton. Mais jovem da história do Campeonato Inglês a anotar um hat-trick, o atacante atraía o interesse de Manchester United e Liverpool. No entanto, fechou mesmo com os Rovers após disputar a Eurocopa de 1992. Shearer se tornou a contratação mais cara de um clube britânico até então, comprado por £ 3,6 milhões. A grande aposta dos alviazuis para subir de patamar.
A primeira temporada completa de Dalglish à frente do Blackburn, com tantos reforços, mostrou bem a capacidade do time. Shearer começou arrebentando, marcando 10 gols em seus 10 primeiros jogos pela liga. Uma ótima fase que se refletiu na tabela, com o clube terminando o primeiro mês da Premier League 1992-1993 na ponta da tabela, algo que não acontecia desde 1966. O problema é que Dalglish perdeu Shearer em dezembro, após romper os ligamentos do joelho. Sem o artilheiro, o desempenho caiu e os Rovers acabaram na quarta colocação, a um ponto da vaga na Copa da Uefa.
A boa campanha foi um sinal de que o investimento de Walker estava no caminho certo. O magnata voltou a quebrar a banca na temporada seguinte, com mais £ 10 milhões investidos, valor alto para a época. Os meio-campistas David Batty e Paul Warhurst se igualaram como a quinta maior compra de clubes britânicos, cada um comprado por £ 2,75 milhões. Já a grande novidade era Tim Flowers, goleiro do Southampton e da seleção, que se tornou o mais caro de sua posição na história do futebol inglês ao ser contratado £ 2,4 milhões.
Com o time ainda mais redondo e Shearer voltando à ativa, o Blackburn ficou mais próximo da conquista. O início da temporada não foi tão promissor, depois que o Manchester United disparou e abriu 15 pontos de vantagem ainda em janeiro. Contudo, a queda dos Red Devils permitiu que os alviazuis conseguissem alcançá-los na ponta. Por fim, o time de Alex Ferguson conseguiu se recuperar, terminando oito pontos à frente dos Rovers, vice-campeões. Como prêmio de consolação, ao menos, a equipe de Dalglish descolou uma vaga na Copa da Uefa e Shearer recebeu o prêmio de craque da liga pela FWA, autor de 31 gols.
O início da temporada histórica
O momento do Blackburn chegou em 1994-1995. Se a equipe já vinha fortíssima, ganhou a peça que faltava para se completar. Chris Sutton tinha causado grande impacto no Norwich, e, aos 21 anos, marcou 25 gols na temporada anterior. O suficiente para fazer Jack Walker crescer os olhos sobre o prodígio e desembolsar £ 5 milhões, novo recorde de transferência mais cara. O centroavante de ótimo porte físico se tornou o parceiro perfeito para Alan Shearer, botando no banco Mike Newell. Além dele, outros novatos importantes foram o meia Robbie Slater e o defensor Tony Gale – enquanto Shay Given chegava como goleiro reserva.
O grande favorito ao título, de qualquer forma, era o Manchester United. A equipe de Alex Ferguson era bicampeã da Premier League e contava com Éric Cantona inspiradíssimo, acompanhado por medalhões do porte de Peter Schmeichel, Ince, Roy Keane e Mark Hughes. Quem também parecia ganhar força era o Liverpool. Encabeçados pelos veteranos Ian Rush e John Barnes, os Reds viviam a ascensão de promessas como Robbie Fowler e Steve McManaman. O Tottenham corria por fora, aproveitando a Copa para dar peso ao time com Jürgen Klinsmann e Gheorghe Popescu. E o Newcastle de Kevin Keegan tinha Andy Cole, autor de 34 gols na temporada anterior.
Apesar da concorrência forte, o início da campanha do Blackburn foi satisfatório. Os sete jogos de invencibilidade na arrancada permitiram aos Rovers assumir a vice-liderança. Ao mesmo tempo, o time de Dalglish naufragava na Copa da Uefa, eliminado logo na primeira rodada para o Trelleborgs, da Suécia. Como vantagem, a dedicação à Premier League seria máxima. De qualquer forma, a torcida dos alviazuis precisou esperar até outubro para o time engrenar. E o ponto de partida seria justamente a derrota em um confronto direto. Pela 11ª rodada, o Blackburn perdeu de virada para o Manchester United em Ewood Park. Warhurst e Hendry deixaram o time da casa por duas vezes em vantagem, mas Andrei Kanchelskis comandou a reação dos Red Devils. O momento que fez a equipe acordar para os seus objetivos.
Uma dupla de ataque inesquecível
A partir do fim de novembro, o Blackburn parecia imbatível. Até janeiro, o time de Kenny Dalglish emendou 11 vitórias e apenas um empate. Ninguém conseguiu impedir que os Rovers assumissem a liderança em meados de novembro. O Newcastle, que aparecia em primeiro até então, começou a exagerar na quantidade de empates. Problema apenas era o Manchester United, que não tinha ido tão bem no início, mas conseguiu colar no topo da tabela.
O mais impressionante no Blackburn era a consistência. O time armado por Kenny Dalglish possuía qualidade defensiva. Flowers era um dos goleiros mais respeitados do futebol inglês naquele momento, enquanto a linha defensiva contava com bastante solidez entre Hendry e Pearce. A segurança era complementada por Berg mais preso na lateral direita, dando liberdade às subidas de Le Saux do outro lado.
O clássico esquema 4-4-2 adotado pelo técnico, no melhor estilo inglês com duas linhas de quatro jogadores, garantia compactação e bom fluxo pelos lados do campo, também com os pontas Stuart Ripley e Jason Wilcox avançando. No miolo, Mark Atkins era o cão de guarda – ao lado de Wilcox, o único remanescente da era pré-Walker entre os titulares. Já a tarefa de pensar o jogo e sair um pouco mais ficava com Tim Sherwood. O talentoso meia dava o toque de classe na distribuição e era o principal responsável pelo jogo vertical da equipe, que apostava bastante na ligação direta em lançamentos. Todavia, a alma do time estava mesmo na dupla de ataque.
Juntos, Shearer e Sutton marcaram 49 dos 80 gols do Blackburn na campanha. Shearer foi o artilheiro da Premier League, com 34 tentos. O faro de gols do camisa 9 estava mais apurado do que nunca, combinando o seu oportunismo, o chute poderoso e a explosão. Aproveitava muito bem os espaços abertos por Sutton, que saía da área para se combinar com o parceiro e também servia como referência para bolas longas. O jogo aéreo, aliás, era um dos trunfos dos Rovers, principalmente nas cobranças de escanteio e nos avanços dos defensores à área.
A voadora que ajudou o Blackburn
A reabertura do mercado em janeiro colocou o Blackburn em risco. Afinal, o Manchester United queria o tricampeonato a qualquer custo. E superou o recorde de Sutton nos Rovers ao tirar Andy Cole do Newcastle por £ 7 milhões. O inglês prometia uma dupla de ataque insaciável ao lado de Cantona. Entretanto, o gênio difícil do francês acabou com essas chances logo no fim de janeiro. Foi naquele mês que o craque acertou o seu famoso chute em um torcedor do Crystal Palace. Acabou suspenso pelo resto da temporada.
O último jogo de Cantona antes do episódio foi justamente contra o Blackburn, em Old Trafford. E seu legado final naquela campanha foi o gol na vitória por 1 a 0, que encerrou a sequência de 11 jogos de invencibilidade dos visitantes. A partir de então, os alviazuis perderam fôlego e acabaram entregando a liderança de bandeja aos Red Devils no início de fevereiro, ao serem engolidos pelo Tottenham de Klinsmann em White Hart Lane. Ao menos o susto não durou muito. A equipe de Dalglish voltou a emendar triunfos e recuperou a primeira posição duas rodadas depois.
De gol em gol (de Shearer), o Blackburn se mantinha no topo. Enquanto isso, o United não era tão efetivo, mesmo com Andy Cole acumulando ótimos números já em sua chegada. A seis rodadas do final, os Rovers tinham uma vantagem de oito pontos em relação aos Red Devils. Só que passaram a tropeçar, quase deixando a taça escapar pelos dedos. Nas cinco partidas seguintes, só duas vitórias. A vantagem de dois pontos levou a decisão para a rodada final. E a situação não seria nada fácil, com o Blackburn visitando o Liverpool em Anfield, enquanto o Manchester United pegaria o West Ham em Upton Park.
O milagre estava feito
O Blackburn não foi capaz de cumprir o seu papel. Shearer abriu o placar em Anfield, mas Barnes e Jamie Redknapp, com um gol aos 45 do segundo tempo, buscaram a virada para o Liverpool. Uma vitória simples dava o tri ao Manchester United. O que não aconteceu. Os Red Devils não foram capazes de ir além do empate por 1 a 1 contra o West Ham, após começarem atrás no placar. Um gol bastaria, mas não rolou. A taça foi mesmo para as mãos do capitão Sherwood, encerrando o jejum de 81 anos. Foram 27 vitórias, oito empates, sete derrotas, 80 gols marcados (melhor ataque) e 39 gols sofridos em 42 jogos.
A façanha com o Blackburn colocou Dalglish ao lado de duas lendas do futebol inglês. O ex-campeão à frente do Liverpool se tornou apenas o terceiro técnico a conquistar o Campeonato Inglês por duas equipes diferentes – marca então limitada a Herbert Chapman (Huddersfield Town e Arsenal) e Brian Clough (Derby County e Nottingham Forest). O comandante era aclamado pela forma eficiente como montou o time, sobretudo porque a maioria dos jogadores foi trazida por suas mãos. Em Ewood Park, tinha poucas expectativas, liberdade, ambiente amistoso e todo apoio da diretoria, chaves para formar um esquadrão.
Jack Walker era o mais orgulhoso da conquista. Não poupou esforços nem dinheiro para fazer seu time do coração chegar ao topo novamente. “Walker é um torcedor, não um caçador de glórias ou um animal político. Ele não participa da política do futebol, só quer ver o Blackburn vencer. Diferentemente da maioria dos torcedores, ele está em uma posição para fazer isso. Qual de nós, na mesma posição, não seria igualmente tentado?”, analisava a edição do jornal The Independent no dia seguinte à conquista. O magnata era apontado como culpado por elevar os gastos na Premier League e criar um abismo financeiro entre os times. Porém, era o único capaz de criar uma concorrência ao Manchester United de Ferguson naquele momento.
Já entre os jogadores, o mais aclamado acabou sendo Alan Shearer. Artilheiro do campeonato, o centroavante também foi eleito o melhor jogador pela PFA e pela Premier League, nos prêmios mais prestigiados da Inglaterra. A seleção ideal contava com outros três jogadores dos Rovers: Colin Hendry, Graeme Le Saux e Tim Sherwood. E Dalglish ainda faturou o prêmio de melhor técnico. A consagração do Blackburn era total.
Sem Dalglish e nem Zidane
O título colocou o Blackburn pela primeira vez em sua história na Liga dos Campeões. Todavia, ao invés de reforçar o time ainda mais, Jack Walker preferiu manter a base que já contava. Alan Shearer era bastante assediado e o dirigente conseguiu segurar o seu craque. Em contrapartida, investiu £ 8,2 milhões em transferências, o menor valor desde o retorno à primeira divisão. O principal contratado foi Gary Flitcroft, jovem meia do Manchester City.
Não era exatamente o craque que Dalglish queria. O treinador tinha pedido dois reforços do Bordeaux a Walker: o atacante Christophe Dugarry e o meia Zinedine Zidane. Sim, o Blackburn queria Zidane, então com 23 anos, que meses antes estreara na seleção francesa como protagonista. A resposta do magnata foi emblemática: “Por que vou querer Zidane se nós temos Sherwood?”. Por mais que o capitão dos Rovers fosse mesmo um dos melhores meio-campistas do futebol inglês naquele momento, a decisão é indefensável.
Outra perda significativa para o Blackburn foi no próprio banco de reservas. Dalglish deixou o cargo de técnico e assumiu como diretor de futebol. A função coube a seu assistente Ray Harford, que já era o responsável pela parte de treinamentos. Contudo, não era o mais capacitado para substituir o escocês. Com o novo comandante, os alviazuis perderam a sua consistência e a sua ambição. Começou então, a derrocada do timaço montado por Walker.
A tragédia na Champions e o fim da fortuna
O elenco do Blackburn não teve profundidade o suficiente para aguentar a rotina de duas competições pesadas como a Premier League e a Champions League. No torneio continental, os Rovers seguraram a lanterna do grupo, somando apenas uma vitória contra Spartak Moscou, Legia Varsóvia e Rosenborg. Já no Inglesão, o time acabou na modesta sétima colocação, bem longe de concorrer pelo título contra Manchester United e Newcastle. Shearer foi o único alento, fazendo mais 31 gols e passando da marca de 100 tentos pela liga.
Não havia mais como segurar o craque. Por £ 18,5 milhões, o Newcastle contratou Shearer e quebrou o recorde de transferência mais cara da história. Naquele mesmo ano de 1996, o atacante ficou em terceiro na Bola de Ouro e no prêmio de melhor do mundo da Fifa. E, na contramão dos lucros, Jack Walker não gastou um tostão sequer em contratações. Em uma cidade de 100 mil habitantes e com um estádio para 30 mil torcedores, era difícil tornar o clube estável por si só. Para piorar, a região sofria forte influência de Manchester United e Liverpool. O Blackburn era forte por seu dono, mas o projeto grandioso não era sustentável.
As torneiras iam se fechando, era claro. Para piorar a situação, o mercado de transferências se inflacionava ainda mais, especialmente com a abertura paulatina aos jogadores estrangeiros. Os Rovers ficaram em 13º na Premier League e viram o desmanche total do time campeão, com as vendas de Le Saux, Berg, Warhurst e Pearce em 1997. Chegaram por um preço alto Martin Dahlin e Stéphane Henchoz, mas a renovação estava longe de ser satisfatória. Já no comando, Roy Hodgson e Brian Kidd fracassaram.
Em 1998-1999, quatro temporadas após o título, o Blackburn foi rebaixado na Premier League. Meses antes de Walker falecer por causa de um câncer, aos 71 anos, em agosto de 2000. Por mais que os Rovers não tenham se mantido entre os primeiros, nenhum outro torcedor pode culpá-lo por não se esforçar a honrar o clube. Afinal, foi pelas mãos do milionário que os alviazuis ressurgiram das cinzas para ver o ouro novamente. “Você tem que ter prazer nisso. O Blackburn voltou ao topo e mostrou que, se você acredita nas coisas, elas podem ser feitas. Se o time não ganha, sou um maldito miserável em um domingo”, dizia.
Qual a importância de Walker? Ninguém definiu melhor do que Shearer: “A palavra ‘benfeitor’ poderia ter sido inventada para Jack Walker. Ele deu um orgulho à cidade de Blackburn. Ele era um tipo de homem generoso e emotivo. O futebol perdeu um grande amigo”. Nos anos 2000, os Rovers se estabeleceram como um time de meio de tabela na Premier League, voltando à segundona em 2012-2013. No entanto, com um diferencial: o gosto de se declarar o único campeão surpreendente – isso até o Leicester City em 2015-2016 – desde que a liga se tornou um grande negócio. Um esquadrão imortal.
Os personagens:
Tim Flowers: viveu grande fase na temporada 1994-1995 e foi um dos destaques do time campeão. Foi naquela época que o goleirão passou a ser convocado para a seleção inglesa regularmente e acumulou 11 jogos pelo English Team. O Blackburn levou apenas 39 gols em 42 partidas – menos de um gol por jogo – e essa média se deve principalmente ao bom desempenho do camisa 1. Jogou de 1993 até 1999 no clube alviazul.
Henning Berg: lateral-direito norueguês, era muito eficiente pelo setor e ajudava mais na marcação e na proteção à zaga. Podia atuar também como zagueiro. Disputou 40 dos 42 jogos da campanha do título inglês. Jogou de 1993 até 1997 pelo Blackburn e atuou em 100 jogos pela seleção norueguesa, incluindo as Copas do Mundo de 1994 e 1998, nas quais foi titular.
Colin Hendry: zagueiro de muita personalidade, teve uma passagem pelo Blackburn no final dos anos 1980 e retornou em 1991 para ficar até 1998. Demonstrava muita raça e não aliviava para os atacantes rivais. Por ter sido atacante no começo de carreira, costumava ir ao ataque e vez ou outra marcava gols – foram quatro na campanha vitoriosa dos Rovers. Outro com ampla bagagem internacional, Hendry disputou 51 jogos pela seleção da Escócia e foi titular do time na Copa do Mundo de 1998. Disputou mais de 300 jogos pelo Blackburn.
Ian Pearce: chegou com 19 anos ao Blackburn e, aos 20, já virou titular da zaga do time. Com mais de 1,90m de altura, se impunha no jogo aéreo e na presença física. Jogou de 1993 até 1997 no Blackburn.
Tony Gale: zagueiro experiente e com grandes passagens pelo Fulham, entre 1977 e 1984, e West Ham United, entre 1984 e 1994, Gale não foi titular absoluto, mas atuou em 15 partidas da campanha do Blackburn naquela temporada, quase sempre no lugar de Ian Pearce. Ficou só até a conquista do título e deixou os Rovers para jogar no Crystal Palace em 1995.
Graeme Le Saux: um dos mais talentosos laterais do futebol inglês nos anos 1990, Le Saux jogou 39 dos 42 jogos da campanha do título dos Rovers e marcou três gols. Aparecia constantemente no ataque, era eficiente na saída de bola e tinha um chute poderoso na perna esquerda. Ficou de 1993 até 1997 no Blackburn e disputou mais de 120 jogos pelo clube. Foi titular também na seleção inglesa, pela qual disputou 36 partidas, incluindo os quatro jogos da campanha inglesa na Copa do Mundo de 1998, entre eles o lendário Inglaterra 2×2 Argentina.
Stuart Ripley: era o meio-campista mais aberto pelo lado direito do esquema tático do técnico Dalglish. Não marcou gols, mas foi fundamental nas jogadas de ataque e nos cruzamentos, além da recomposição defensiva do time. Foram quase 200 jogos pelo Blackburn na carreira entre 1992 e 1998.
Mark Atkins: entrou no time no lugar de David Batty, lesionado, e cumpriu muito bem sua função no meio de campo mesmo sendo lateral-direito. Disputou 34 jogos e marcou seis gols, um deles na vitória sobre o Liverpool por 3 a 2, no primeiro turno. Jogou de 1988 até 1995 no clube e acumulou mais de 250 jogos pelo clube.
Tim Sherwood: grande capitão do time, foi um dos principais nomes da campanha do título e realmente viveu uma temporada dos sonhos em 1994-1995. Era um volante muito eficiente na marcação e também nos passes, além de ter boa visão de jogo. No entanto, Sherwood não era o “craque extraterrestre”, que fez com que Walker soltasse a pérola mencionada no texto, do naipe de Zidane.
Jason Wilcox: atuava pelo lado esquerdo do meio de campo, mais aberto. Aparecia bem no ataque e marcou cinco gols na campanha do título dos Rovers. Cria das bases, jogou de 1989 até 1999 nos alviazuis.
Paul Warhurst: polivalente, podia atuar como meio-campista, zagueiro e até atacante. Atuou em 27 partidas da campanha do título e marcou dois gols. Foram 73 jogos pelo clube entre 1993 e 1997.
Chris Sutton: era perigosíssimo nas jogadas aéreas e fez uma dupla de ataque inesquecível com Shearer naquele Blackburn. Marcou 15 gols nos 40 jogos que disputou e mostrava enorme entrosamento com seu companheiro, além de ficar muitas vezes livre quando a zaga adversária ia toda em Shearer. Ficou no Blackburn de 1994 até 1999.
Alan Shearer: um dos maiores atacantes ingleses de todos os tempos, inteligente, prolífico, técnico e criativo, Shearer arrebentou naquele campeonato ao marcar 34 gols em 42 jogos da campanha vitoriosa do Blackburn. Tinha um faro de gol impressionante e se posicionava muito bem. Viveu o auge da forma naqueles anos 1990 e no começo dos anos 2000. Jogou de 1992 até 1996 no Blackburn, marcando 130 gols em 171 jogos. Foi ídolo, também, no Newcastle United, onde permaneceu até o fim da carreira. Pela seleção, foram 63 jogos e 30 gols. É o segundo jogador com mais hat-tricks na história da Premier League (11 vezes), sendo sete pelo Blackburn e três na campanha do título de 1994-1995. É, também, o maior artilheiro da história da Premier League com 260 gols. Leia mais sobre ele clicando aqui!
Kenny Dalglish (Técnico): tirou o Blackburn da segunda divisão em 1992 para, em apenas três anos, levantar o título da elite mesmo com tantos outros clubes poderosos no páreo. Multicampeão como jogador do Liverpool e também como treinador dos Reds no final dos anos 1980, Dalglish manteve sua sina vencedora nos Rovers e construiu um time altamente competitivo que fez por merecer o caneco naquela temporada. Após o título, deixou o banco para virar diretor do clube, mas saiu já em 1996 para assumir o Newcastle, em 1997.
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Obrigado por publicar o texto sobre esse time lendário, para mim qualquer clube de “pequena expressão” que ganha títulos importantes devem ser lembrados sempre, o futebol não teria nenhuma graça sem essas equipes.
Leandro, uma correção no texto. Em um momento diz que quem preteriu o Zidane pelo Sherwood foi o Jack Walker mas nas secção “os personagens” diz que foi o Dalglish.
Bem lembrado! Corrigido! Obrigado! 🙂
Allan Shearer era cabuloso mesmo nessa época. Era o maior jogador inglês do período.
Primeira vez que comento aqui no Imortais, parabéns pelo trabalho de vocês. Alan Shearer, incrível como marcava gol, até hoje maior artilheiro da PL sendo que não jogou em nenhum dos ” grandes “…