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Jogos Eternos – Vasco 3×1 Manchester United 2000

Foto: Acervo / FIFA.com

Data: 08 de janeiro de 2000

O que estava em jogo: a vitória, claro, e pontos preciosos na luta por uma vaga na final do Mundial de Clubes da FIFA de 2000.

Local: Estádio do Maracanã, Rio de Janeiro, RJ, Brasil.

Árbitro: Saad Maneh (Kuwait)

Público: 73.000 pessoas

Os Times:

Vasco: Hélton; Jorginho (Paulo Miranda), Júnior Baiano, Mauro Galvão e Gilberto; Amaral, Felipe, Juninho Pernambucano (Alex Oliveira) e Ramon (Nasa); Edmundo e Romário. Técnico: Antônio Lopes.

Manchester United: Bosnich; Gary Neville, Stam (Jordi Cruyff), Silvestre e Irwin; Keane, Butt, Philip Neville e Giggs (Fortune); Solskjaer (Sheringham) e Yorke. Técnico: Alex Ferguson.

Placar: Vasco 3×1 Manchester United. Gols: (Romário-VAS, aos 24’ e aos 26’, e Edmundo-VAS, aos 43’ do 1º T; Butt-MAN, aos 36’ do 2º T).

 

O Vasco é quem manda!

Por Guilherme Diniz

O Brasil começou o novo milênio em polvorosa. Logo em janeiro, a FIFA organizou o seu primeiro Mundial de Clubes, na primeira tentativa de ter sob seu comando uma grande competição envolvendo grandes equipes do planeta. E não havia um clube mais temido do que o Manchester United, então campeão europeu e mundial. Os ingleses desembarcaram no Rio de Janeiro sob festa e atenção. Todos queriam ver de perto nomes como Stam, Keane, Giggs e David Beckham. A equipe, claro, era a favorita, mas esqueceram de avisar que eles teriam pela frente o Vasco de Romário e Edmundo, que fizeram as pazes por um momento para maravilhar o torcedor vascaíno com uma partida lendária, uma das maiores do clube em todos os tempos. 

Em apenas 45 minutos, o time brasileiro trucidou o Manchester United como se ele fosse um rival qualquer do Campeonato Carioca. Atacou, colocou na roda, encantou. Romário marcou dois gols em apenas dois minutos, mostrando a Alex Ferguson que ele ainda podia correr como antes, ao contrário do que o técnico havia dito no pré-jogo. E Edmundo também marcou o seu de maneira espetacular, em um lance plástico, para ver e rever inúmeras vezes. 

Na segunda etapa, foi só tocar a bola e esperar o tempo passar, pois a vaga na final estava praticamente garantida. O United poderia ser campeão de tudo, mas no Rio, quem mandava era o Vasco, que virou “inimigo” dos ingleses e entrou até em uma música feita pela torcida dos Red Devils chamada Rule United, na qual eles xingam os seus maiores desafetos. Os principais citados são Liverpool, Arsenal, Manchester City, Barcelona, Real Madrid, La Coruña, Bayern e um único time fora da Europa: justamente o Vasco. Culpa do passeio de 08 de janeiro de 2000… É hora de relembrar.

Pré-jogo

O troféu do primeiro Mundial da FIFA.
 

Após quatro décadas, a entidade máxima do futebol decidiu, enfim, criar um Mundial de Clubes para chamar de seu. O anúncio foi feito em 1999 e o torneio iria acontecer em janeiro de 2000, no Brasil, com os campeões de todos os continentes. A princípio, todos receberam a notícia com muito entusiasmo e boas perspectivas. Mas, conforme os dias foram passando, o torneio não foi lá muito bem organizado. O representante da Ásia foi o Al Nassr, da Arábia Saudita, campeão da Supercopa da Ásia de 1998. O campeão da Liga dos Campeões do continente em 1999, o Jubilo Iwata-JAP, não participou. O representante da América do Sul deveria ser o Palmeiras-BRA, campeão da Libertadores de 1999, mas acabou sendo o Vasco-BRA, campeão de 1998

Apenas Europa (Manchester United-ING), América do Norte e Central (Necaxa-MEX), África (Raja Casablanca-MAR) e Oceania (South Melbourne-AUS) levaram seus campeões corretos. Além deles, Corinthians-BRA, campeão do país-sede, e Real Madrid-ESP, como convidado, compuseram o escrete de oito clubes. Vale lembrar que o Corinthians entrou como campeão nacional do país-sede de 1998 também, pois a CBF alegou não ter tempo hábil para informar o campeão de 1999. Curiosamente, o Timão também venceu o Brasileiro de 1999.

Com distorções e falta de critérios, a competição seguiu mesmo assim. Os times foram divididos em dois grupos de quatro. Após jogos todos contra todos em cada grupo, os campeões de cada grupo fariam a final. Os segundos colocados disputariam o terceiro lugar. As partidas foram realizadas em São Paulo (Morumbi) e Rio de Janeiro (Maracanã), e, como não poderia deixar de ser, o torneio foi um sucesso de público – foram mais de 500 mil espectadores em todos os jogos e mais de 73 mil na final. O Vasco estava no grupo do Rio de Janeiro, ao lado de Necaxa-MEX, South Melbourne-AUS e Manchester United-ING. Avesso a tudo aquilo, o clube carioca tinha confiança na classificação não só pela dupla Edmundo / Romário, mas por manter a base competitiva dos anos anteriores e contar com um elenco entrosado e muito talentoso que tinha nomes como o ótimo goleiro Hélton, o zagueiro Mauro Galvão, os laterais Gilberto e Jorginho, os meias Ramon e Juninho Pernambucano, e o polivalente Felipe. Era um timaço!

Vasco 2000 Mundial
O Vasco do Mundial. Em pé: Hélton, Jorginho, Mauro Galvão, Gilberto e Júnior Baiano. Agachados: Edmundo, Felipe, Romário, Juninho Pernambucano, Ramon e Amaral.
 

Embora fossem as estrelas do ataque vascaíno, Edmundo e Romário nutriam uma inimizade bem conhecida na época. Mas, para tentar amenizar o clima entre as duas feras do elenco, o presidente do Vasco, Eurico Miranda, disse a Edmundo no final de 1999 que Romário, reforço do clube no final daquele ano, só ficaria no Vasco até o término do Mundial de 2000. Com isso, a liderança do time continuaria com o Animal e a situação entre a dupla ficou um pouco mais amistosa dentro de campo.

Do lado do Manchester United, a equipe vivia seu auge após se tornar em 1999 o primeiro clube inglês a levantar uma Tríplice Coroa (UCL, Campeonato Inglês e Copa da Inglaterra), além de ter vencido o Mundial Interclubes com vitória por 1 a 0 sobre o Palmeiras. Os Red Devils vieram ao Brasil com seu elenco completo, após Ferguson perguntar aos atletas se eles preferiam disputar a Copa da Inglaterra ou o Mundial naquele mês de janeiro. “Entendemos que muitos de nossos torcedores estarão tão desapontados quanto nós com nossa decisão de não disputar a Copa da Inglaterra,” dizia o comunicado do clube publicado na época. “O Manchester United enxerga isso como uma oportunidade de competir pela enorme honra de ser o primeiro campeão mundial de clubes da FIFA.” Além disso, o clube foi ao Brasil também por uma recomendação da Federação Inglesa, que buscava sediar a Copa do Mundo de 2006 e não queria desagradar a FIFA. 

Sir Alex Ferguson e seus “brinquedinhos” de 1999.
 
Torcida do Flamengo recepcionou os ingleses no Rio. Foto: Matthew Ashton/EMPICS via Getty Images.
 
Beckham e companhia curtem a praia. Foto: Antônio Gaudério / Folhapress.
 

Quando chegaram ao Rio, os jogadores foram recebidos com muita festa, em especial da torcida do Flamengo, que declarou apoio total aos ingleses para que vencessem o rival Vasco. Hospedados em um hotel a poucos metros da praia de Copacabana, os atletas se divertiram com os cariocas na orla mais famosa da cidade. Além disso, os jogadores do United comeram churrasco, fizeram turismo e tudo mais. Até que, na estreia do time contra o Necaxa-MEX, os ingleses foram surpreendidos e empataram em 1 a 1 com a equipe mexicana, além de David Beckham levar um cartão vermelho e ser ausência confirmada para o duelo seguinte, contra o Vasco, que venceu o South Melbourne por 2 a 0 em seu jogo inaugural.

Precisando da vitória para seguir com chances de classificação, o Manchester United foi com força máxima para o jogo contra o Vasco e Alex Ferguson disse que jogaria com uma linha de marcação alta, porque “Romário e Edmundo já não são mais tão rápidos como eram”. Mas, como bem disse o goleiro Bosnich anos depois, em entrevista à ESPN, “depois de uns 20 segundos de jogo, nós vimos que isso não era verdade (risos)”.

Primeiro tempo – Atropelados!

O Maracanã no dia do jogo. Foto: Tom Shaw / Allsport
 

No dia do jogo, 73 mil pessoas lotaram o Maracanã, em um lindo dia de muito sol no Rio. O calor seria um ponto forte ao Vasco, já que os ingleses não estavam acostumados com aquele nível de temperatura, ainda mais em janeiro. Quando a bola rolou, o United só levou perigo em uma bola alçada na área por Neville que foi defendida por Hélton. Depois, o Vasco tomou conta do jogo e ficou cada vez mais perto de abrir o placar, principalmente pelas investidas em velocidade pelo meio, aproveitando os espaços que a zaga inglesa deixava por conta da marcação alta proposta por Ferguson. Até que, aos 24’, Neville errou feio no campo de defesa e deu um verdadeiro passe para Edmundo, que só teve o trabalho de chamar a vinda do goleiro e esperar a chegada de Romário. Ele tocou para o baixinho, que empurrou a bola para o gol vazio: 1 a 0.

Para provar que estavam bem naquele momento, Romário foi de encontro a Edmundo e o abraçou, para delírio da torcida. Apenas dois minutos depois, o Vasco fez o segundo gol em outra grata contribuição de Neville. Juninho tentou um lançamento pelo alto, buscando Romário. No meio do caminho, o lateral inglês tentou cortar de peito, mas acabou facilitando a chegada do camisa 11, que dominou, driblou o goleiro e fez um belo gol: 2 a 0. Anos depois, Neville comentou sobre aquele fatídico jogo.

Edmundo e Romário, unidos. Pena que foi por pouco tempo…
 

“Estava tentando me esquecer da minha última vez aqui jogando no Maracanã (risos). Foi provavelmente a experiência mais triste da minha carreira. Dois grandes jogadores como Edmundo e Romário, não são bons nomes para jogar contra. Foi muito difícil. Eu lembro de sofrer quase seis meses em razão do Mundial porque eu falhei. Mas também foi uma lição. Foi difícil jogar no calor do verão brasileiro. Lembro que jogamos após o meio-dia, estava muito quente. Para jogadores ingleses isso é muito complicado. Mas ficou como lição”.Gary Neville, em entrevista ao GE, maio de 2013.

O lateral não teve um ano 2000 bom e, tempo depois, fez uma péssima Eurocopa, como ele mesmo lembrou em entrevista à BBC. “Eu dei dois gols contra o Vasco no Mundial de Clubes no início dos anos 2000. Seis meses depois, eu tive um torneio (Eurocopa) horrível com a Inglaterra na Bélgica e Holanda. Minha dor durou cerca de oito meses. Estava mal, sem confiança, não queria a bola. Eu procurei um psicólogo para me ajudar nesse momento”, comentou o jogador. 

Suspenso, Beckham teve que ver a partida do lado de fora do gramado. Foto: Matthew Ashton/EMPICS via Getty Images.
 
Edmundo em ação. Foto: Getty Images.
 

O Vasco seguiu no ataque e quase fez o terceiro com Felipe, em lance de frente para o gol que acabou defendido por Bosnich. Mas faltava o gol dele: Edmundo. Aos 43’, Gilberto avançou pelo lado esquerdo e viu Edmundo na meia-lua, cercado por Silvestre. O Animal recebeu, e, de costas, deu um toque que tirou completamente o rival da jogada. Ele saiu em disparada e chutou rasteiro, sem chances para o goleiro, para marcar o gol mais bonito do dia – e um dos mais antológicos do Maracanã. “Dá para falar também que o gol do Edmundo talvez foi o mais bonito que já levei. Nunca é bom perder, mas ficam algumas boas memórias, sim”, disse o goleiro Bosnich, à ESPN, tempo depois. O placar de 3 a 0 era sensacional, inimaginável até mesmo para o mais fanático torcedor vascaíno. O time brasileiro foi absoluto, incontestável, e letal nas chances que teve. A vaga na final estava muito perto. 

Segundo tempo – Gastando o tempo

Foto: Matthew Ashton/EMPICS via Getty Images
 

No segundo tempo, Ferguson colocou Teddy Sheringham, um dos heróis do título europeu de 1999, e o Manchester United melhorou. Sheringham quase descontou por cobertura e teve um gol anulado por falta marcada em Hélton. Keane, de fora da área, exigiu boa defesa do goleiro brasileiro, e Giggs mandou uma excelente oportunidade por cima. Yorke, dentro da área, também levou perigo, mas a bola teimava em não entrar. Mas comedido, o Vasco esperava o Manchester United e praticamente não atacou no segundo tempo, já se poupando para os jogos seguintes. Só aos 36’ que Jordi Cruyff, filho de Johan Cruyff, cobrou falta ensaiada para Keane pela esquerda. O volante rolou e Nicky Butt completou: 3 a 1. 

Foi o gol de honra do United, mas em vão. A vitória foi vascaína, em um jogo no qual o clube brasileiro precisou de apenas 45 minutos para vencer. “Romário e Edmundo nos destruíram,” disse Bosnich. “Eles nos cortaram em pedaços no primeiro tempo. Um gol como aquele do Edmundo merece ganhar qualquer jogo.” Após a partida, Alex Ferguson resmungou: “Estou frustrado. Não quer dizer que o Vasco não seja bom, mas cometemos erros muito grandes. Se o jogo fosse em Manchester, o resultado seria diferente.” Bem, poderia até ser. Mas, naquele dia, quem deu show foi o Vasco, suas estrelas e seu ataque dos sonhos.

Pós-jogo: O que aconteceu depois?

Vasco: a partida seguinte foi uma definição pela vaga na final, pois o Necaxa, com 4 pontos, poderia chegar a 7 se vencesse o Vasco, que tinha 6. Mas os cruzmaltinos venceram de virada por 2 a 1 e conseguiram a vaga na final. O adversário na decisão foi o também embalado Corinthians, bicampeão brasileiro em 1998 e 1999 e recheado de grandes jogadores. Com dois times tão bons e equilibrados, o placar não saiu do zero nem no tempo normal nem na prorrogação e a final foi para os pênaltis. Os vascaínos temiam o goleiro Dida, que vivia grande fase e já possuía uma lendária fama de exímio pegador de pênaltis. Como não poderia deixar de ser, ele defendeu uma cobrança – de Gilberto – e viu Edmundo, justo ele, bater o seu para fora. O Corinthians venceu por 4 a 3 e ficou com o título. O torcedor ficou frustrado com uma nova derrota, mas terminou o ano com alegrias: título da Copa Mercosul e do Campeonato Brasileiro. Leia mais clicando aqui!

Dida e Edmundo, na final do Mundial. Foto: Delfim Vieira / AE.
 

Manchester United: a equipe inglesa venceu o South Melbourne por 2 a 0 em seu último compromisso, mas não conseguiu nem se classificar para a disputa do terceiro lugar. Os Red Devils venceram o Campeonato Inglês da temporada e amenizaram a decepção no Mundial, que nunca foi esquecida pela torcida. Afinal, ela criou uma música chamada “Rule United” (United domina), na qual enaltece o clube e xinga todos os rivais e desafetos da história dos Red Devils. E o Vasco está presente no trecho:

Fuck Barcelona and fuck Real Madrid

I’ve loved United since I was a kid

Fuck Bayern Munich and AC Milan

Fuck Deportivo and Vasco Da Gama

Pois é. Aquele baile de 08 de janeiro de 2000 jamais será esquecido…


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