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Jogos Eternos – Flamengo 2×1 River Plate 2019

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Data: 23 de novembro de 2019

O que estava em jogo: o título da Copa Libertadores da América de 2019.

Local: Estádio Monumental “U”, Lima, Peru

Juiz: Roberto Tobar (CHI)

Público: 59 mil pessoas

Os Times:

Clube de Regatas do Flamengo: Diego Alves, Rafinha, Rodrigo Caio, Pablo Marí e Filipe Luís; Willian Arão (Vitinho, aos 40’ do 2º T) e Gerson (Diego, aos 20’ do 2º T); De Arrascaeta (Piris da Motta, aos 47’ do 2º T), Everton Ribeiro e Bruno Henrique; Gabriel Barbosa. Técnico: Jorge Jesus.

Club Atlético River Plate: Armani; Montiel, Martínez Quarta, Pinola e Casco (Paulo Díaz, aos 31’ do 2º T); Enzo Pérez, Nacho Fernández (Julián Álvarez, aos 23’ do 2º T) e Palacios; De La Cruz; Borré (Lucas Pratto, aos 29’ do 2º T) e Matías Suárez. Técnico: Marcelo Gallardo.

 

Placar: Flamengo 2×1 River Plate. Gols: (Borré-RIV, aos 14’ do 1º T; Gabriel Barbosa-FLA, aos 43’, e aos 46’ do 2ºT).

Cartões Vermelhos: Palacios-RIV e Gabriel Barbosa-FLA.

 

“Só acaba quando termina…”

Por Guilherme Diniz

 

Montevidéu, 23 de novembro de 1981. Com dois gols de Zico, o Flamengo vence o Cobreloa-CHI e conquista sua primeira Copa Libertadores. Lima, 23 de novembro de 2019. No exato aniversário de 38 anos daquela conquista, lá está o Flamengo decidindo uma outra Libertadores. Mas, durante 88 minutos, parecia que ele não havia se dado conta disso. Enfrentando o então campeão River Plate, o rubro-negro – sensação da temporada do futebol brasileiro -, que passou a desfilar pelos gramados do país com um futebol rápido, envolvente e goleador, foi amarrado, empacotado e entrelaçado pelos millonarios. Era chocante. O que o River jogava no belíssimo estádio Monumental de Lima não estava escrito. Disciplina tática. Marcação sob pressão. Espaços reduzidos. Toques rápidos. Jogadores intempestivos criando mais e mais oportunidades de gols. Aos 14’, Borré deixou o seu. Os minutos se passaram e o River poderia ter feito mais. Acabou o primeiro tempo. E só os argentinos haviam jogado.

Onde estava o Flamengo que havia goleado o Grêmio por 5 a 0 nas semis? E Gabriel Barbosa? E Bruno Henrique? E o meio de campo? Eles estavam mesmo ali? Veio a segunda etapa e com ela a esperança de alguma mudança. Zero. O Flamengo até passou a flertar mais com jogadas ofensivas, mas o River seguia impecável, sem errar passes, ao contrário do Flamengo, que errava de uma maneira jamais vista desde a chegada do Mister Jorge Jesus. Será que todo o trabalho iria ruir justamente naquela primeira final única da história da Libertadores? Mas, a partir dos 25’, o River foi afrouxando o nó que dava no rival. Substituindo jogadores. Diminuindo a pressão. Parecia que eles estavam em contagem regressiva pelo título. O relógio estava prestes a chegar aos 45’. A euforia era millonaria. Mas a raça era rubro-negra.

Em uma roubada de bola no campo defensivo, o Flamengo encontrou uma avenida pela frente. O espaço que tanto buscou o jogo inteiro. Foi o suficiente. Bruno Henrique deixou com De Arrascaeta, que cruzou. E Gabriel Barbosa marcou com o gol escancarado à sua frente. 1 a 1. Aos 43’. Haveria prorrogação! Flamengo vivo! Caraca, que coisa que é o futebol, não é mesmo? Quem disse? Três minutos depois, bola na área argentina. O zagueiro Pinola, que fungou no cangote de Gabriel o jogo inteiro, testa pra baixo. E deixa a redonda para o brasileiro. Ele enche o pé. E vira. 2 a 1. Aos 46’. Passam poucos minutos. E fim de jogo. Flamengo campeão da América. Exatos 38 anos depois. Mesma data. Fim do suplício. Fim do estigma. Fim do drama. Início da explosão. Do carnaval. Da emoção. De uma festa que gerações de torcedores jamais sentiram. Consolidação de um título épico. De uma nova pane do River. E da velha máxima que muitos ainda não acreditam: no futebol, só acaba quando termina. É hora de relembrar uma das mais dramáticas finais da história da Libertadores.

 

Pré-jogo

Tirando o contratempo da sede (seria em Santiago, no Chile, mas acabou indo para Lima, no Peru, por causa das manifestações populares ocorridas na capital chilena), a primeira final em jogo único da história da Libertadores não poderia ser mais perfeita. Os dois finalistas eram, de fato, os melhores do continente. De um lado, o Flamengo, que desde junho de 2019 praticava um futebol primoroso, rápido, ofensivo, letal. Do outro, o River Plate, campeão de 2018, talvez o time mais aplicado taticamente das Américas, comandado com maestria por Marcelo Gallardo e com praticamente o mesmo elenco da conquista sobre o maior rival no ano anterior. Sabe quando um troféu pode ser vencido por qualquer time que ficará em boas mãos? Era isso. O equilíbrio tornava a decisão uma das mais abertas em anos. Mas, claro, as torcidas sabiam da força de seus clubes e confiavam no trabalho apresentado ao longo da temporada para a confirmação final.

Estádio Monumental de Lima, palco da decisão.

 

Após meses conturbados e com um time apenas engatinhando mesmo com vários nomes de peso no elenco, o Flamengo viu sua história mudar após a chegada do técnico português Jorge Jesus e de reforços como Pablo Marí, Gerson, Filipe Luís e Rafinha. O início teve um susto, com a eliminação nas quartas de final da Copa do Brasil para o futuro campeão Athletico-PR, mas a equipe deu a volta por cima, engatou uma grande sequência de vitórias no Brasileirão, assumiu a liderança e levou a boa fase também para a Libertadores, na qual o Flamengo estava nas oitavas de final após se classificar em primeiro lugar no complicado Grupo D – ao lado de LDU-EQU, Peñarol-URU e San José-BOL – com 10 pontos, três vitórias, um empate e duas derrotas em seis jogos. Nas oitavas, o rubro-negro superou o Emelec-EQU após derrota por 2 a 0 na ida, vitória por 2 a 0 na volta e triunfo nos pênaltis por 4 a 2.

Nas quartas, duelo doméstico contra o Internacional. No primeiro jogo, no Maracanã, vitória carioca por 2 a 0, com dois gols de Bruno Henrique. Na volta, no Beira-Rio, Rodrigo Lindoso fez 1 a 0 para o Inter, mas Gabriel empatou e sacramentou a classificação do Flamengo às semifinais, algo que não acontecia desde 1984, quando a semifinal ainda era em formato triangular. Curiosamente, quem eliminou o time 35 anos atrás foi o Grêmio, o adversário dos cariocas na semi do novo século.

Festa rubro-negra após o terceiro gol contra o Grêmio. Foto: André Durão / GE.

 

E nela o Flamengo deu seu maior show: após empate em 1 a 1 na ida, em Porto Alegre (mas com três gols anulados do time carioca), o Fla goleou o rival por 5 a 0 no Maracanã, em uma das maiores partidas não só do time no ano, mas também da história do próprio Flamengo. E foi essa atuação impressionante que colocou o time de Jesus na estratosfera e até como favorito ao título. Só que muita gente não notou o tamanho do adversário que o Mengo teria pela frente: o River Plate, dono da América e que buscava um bicampeonato que o continente não via desde 2001, em tempos de Boca Juniors, Riquelme, Carlos Bianchi e La Bombonera pulsante.

Os millonarios avançaram invictos para as oitavas de final, eliminaram o Cruzeiro dentro do Mineirão nos pênaltis, passaram pelo Cerro Porteño-PAR após vitória por 2 a 0 em casa e empate em 1 a 1 fora e eliminaram o rival Boca Juniors após triunfo por 2 a 0 no Monumental e derrota por apenas 1 a 0 fora de casa. Com a manutenção de boa parte do elenco vencedor de 2018 e o técnico Gallardo regendo seu time, o River era um dos times mais fortes do continente e também do mundo. A prova máxima eram os títulos conquistados nos últimos anos, o jogo praticado pelos millonarios e a boa fase de vários jogadores como Borré – marcando pelo menos um gol por jogo nas últimas sete partidas do time -, Palacios, Enzo Pérez, Nacho Fernández, Montiel e o goleiro Armani. Era um esquadrão escalado sem devaneios pelos torcedores e um teste de fogo para o Flamengo, que teria que usar muito mais do que a habilidade de seus jogadores para conquistar a América.

Borré comemora: River despachou o rival Boca pelo segundo ano seguido na Libertadores.

 

Após a definição de Lima como sede do jogo, os torcedores foram chegando à cidade e, no dia da partida, o maravilhoso estádio Monumental “U” – um dos 20 maiores do mundo – ficou tomado por argentinos, brasileiros, peruanos e vários amantes do futebol. Era um momento diferente, uma final única, aos moldes da Liga dos Campeões da UEFA. Perdia-se aquela coisa do calor das torcidas locais, do torcedor clássico, mas ganhava-se mais tensão e emoção que um só jogo causa. Não havia margem para erro. Era ali ou nunca mais. E o tamanho das façanhas que cada clube poderia alcançar dava ao jogo ares épicos e uma expectativa enorme.

O Flamengo não vencia a Libertadores desde 1981, há 38 anos. Era muito, mas muito tempo. Quase quatro décadas! Gerações de torcedores jamais haviam visto seu time tão perto de algo tão grande. Aquela torcida não aguentava mais o estigma da geração de 1981, de viver órfãos de Zico, Adílio, Andrade, Júnior, Leandro, Nunes, Tita, Lico, Mozer, Raul e todos os craques que compuseram aquele Flamengo sensacional. Era o mesmo pelo qual a torcida do Santos, por exemplo, viveu durante décadas até a epopeia do título continental de 2011, que não vinha desde 1963 com a geração de Pelé, Coutinho e companhia. Percebe o tamanho da “glória eterna” que o Fla poderia alcançar naquela tarde? E mais: o dia 23 de novembro era a exata data do aniversário de 38 anos da conquista de 1981 sobre o Cobreloa! Percebe?

Zico e a Liberta: 38 anos que o torcedor do Flamengo esperava por um momento igual.

 

Do lado do River, um bicampeonato continental iria sacramentar de vez – isso para aqueles que ainda não haviam percebido – a melhor era da história do clube de Buenos Aires. Seria a quinta taça, o que deixaria o millonario a apenas uma do rival Boca. A terceira em apenas cinco anos. Uma hegemonia tão marcante como a vivida pelo rival Boca lá nos anos 2000. A consolidação do lado copeiro que tanto o River buscava e que tanto o rival ostentava. Percebe o quão “más grande” o River iria ficar?

River campeão da América em 2018: clube queria o bi consecutivo e a 5ª taça em sua história.

 

Gabriel tocou na taça antes do jogo. Vixe, será que ia dar azar? Ou era um “daqui a pouco te pego”?

 

Com todos esses ingredientes, a final da Libertadores de 2019 já era épica antes mesmo de começar. Antes da partida, shows dignos de um grande evento esportivo, com bandas e artistas dos respectivos países, tudo bem bacana. E, na entrada dos times no gramado, ainda mais beleza com os clubes trajando seus uniformes clássicos, completos, sem desfalques ou problemas – e Gallardo no banco pela primeira vez em uma final de Libertadores, afinal, ele estivera suspenso tanto em 2015 quanto em 2018. Tudo estava perfeito. Estádio lotado. Arquibancadas divididas. Torcidas cantando. Papéis picados (sim, eles estiveram lá mesmo em final única! :D). Sol ávido, temperando tudo e todos. A primeira “finalíssima-íssima” da história da Libertadores estava prestes a começar.

 

Primeiro tempo – Disparidade chocante

Gabriel disputa bola com Pinola. Foto: REUTERS / Pilar Olivares.

 

Quando a bola rolou no Monumental, os dois times demonstraram o natural nervosismo de uma decisão. Com bolas rifadas e sem grandes lances, a partida ainda era de ajustes. Mas, quando a euforia começou a baixar, o River apresentou suas cartas à mesa. Parecia que o time argentino estava jogando em outro Monumental, o de Núñez. Com muita organização e disciplina tática, o time millonario não cedia espaços e o Flamengo não conseguia impor seu futebol rápido e de pressão no ataque. Experiente e frio, o River sabia o que fazer com a bola. Já havia disputado muitas, mas muitas decisões. Incluindo a maior de todas, contra seu maior rival. Nada abalava os nervos daquele esquadrão. E os minutos provavam isso. Só aos 9’ que Bruno Henrique arriscou um tímido chute de longe, sem perigo algum para Armani. Até que, aos 14’, Enzo Pérez tocou na direita para Nacho Fernández, este cruzou na área, a zaga rubro-negra não tirou dali e a bola sobrou para Borré, que chutou de primeira, sem marcação e chance alguma para Diego Alves: 1 a 0.

Borré chuta para marcar o primeiro do River no jogo. Foto: REUTERS / Henry Romero.

 

E comemora ao lado de De La Cruz e Casco. Foto: REUTERS / Pilar Olivares.

 

Todos pensaram que a partida iria pegar fogo, com o Flamengo indo pra cima, ao seu estilo, jogo aberto e tudo mais… Mas não. O River é quem controlava o jogo e as principais jogadas ofensivas. Com lançamentos rápidos para seus jogadores de ataque, o time estava mais perto do segundo gol do que o Flamengo do empate. O meio de campo rubro-negro simplesmente não existia. Gabriel e Bruno Henrique sequer apareciam. A zaga millonaria guardava a dupla e não tirava do bolso. Aos 20’, Suárez recebeu na esquerda, cruzou e De La Cruz quase teve uma grande chance para fazer o segundo. O Flamengo sentia profundamente o gol. Jorge Jesus, ao contrário do habitual, não era o técnico energético de sempre. E seu time não esboçava energia.

Os times em campo: River foi dono do jogo no ataque e na defesa. Mas isso até os 88 minutos…

 

Everton Ribeiro e De Arrascaeta não criavam. Filipe Luís e Rafinha ficavam presos. Willian Arão errava passes. Aliás, o time todo errava passes de maneira incomum. E o River só acertava. E roubava bolas e mais bolas. Em um desses desarmes, De La Cruz tomou de Everton Ribeiro, deixou com Suárez, que chutou de fora da área e quase fez. Aos 36’, Montiel avançou pela direita, tocou para Borré, este deixou com Palacios, que chutou de longe e quase, mas quase fez o gol. Era chocante. O Flamengo não era nem uma caricatura do time que tanto massacrava os rivais nas partidas anteriores. Já o River impunha autoridade. Jogava como o campeão que era e como o bicampeão que almejava ser. Gallardo aplicava um nó no rival. Impedia as ações rápidas, reduzia os espaços dos atacantes brasileiros.

Marcação do River foi implacável com Everton Ribeiro (à esq.) e todas as estrelas do time brasileiro. Foto: REUTERS / Henry Romero.

 

A saída dos jogadores flamenguistas no intervalo: desolação total. Foto: Daniel Apuy / Getty Images.

 

Aos 43’, Borré chutou cruzado para boa defesa de Diego Alves, mas o auxiliar marcou impedimento. Ao apito do árbitro, o final do primeiro tempo foi tudo o que o time carioca precisava. Será que eles não sabiam que aquilo era final de Libertadores? Foram 34 perdas de posse de bola (!), 15 passes errados, uma finalização contra quatro do River e 19 desarmes do River contra apenas dez do Flamengo. Se Jesus não mudasse algo, o sonho do título iria por terra abaixo. O River, naqueles primeiros 45 minutos, era campeão da América mais uma vez.

 

Segundo tempo – Só acaba quando termina…

Foto: Daniel Apuy / Getty Images.

 

Claro que Jorge Jesus deve ter dado uma bronca em seus jogadores, pedido mais empenho e ações ofensivas, mas o jogo recomeçou com poucas mudanças no panorama da partida. Embora Gabriel tenha dado seu primeiro chute no jogo no comecinho daquela segunda etapa, o Flamengo ainda não era incisivo, perigoso. O River seguia com a marcação adiantada, homem a homem, e toques rápidos. Aos 5’, Suárez recebeu na entrada da área, girou e chutou para fora. Dois minutos depois, Palacios mandou outra bola perigosa ao gol de Diego Alves. Só aos 11’ que o Flamengo, enfim, criou sua primeira grande e real chance de gol. Mas a desperdiçou de maneira inacreditável. Bruno Henrique, ao seu estilo, avançou em velocidade pela esquerda e cruzou rasteiro. De Arrascaeta furou, a zaga não afastou, Gabriel pegou a sobra e chutou em cima dos defensores do River. A bola ainda voltou para o Flamengo e Everton Ribeiro teve a chance na pequena área, mas chutou exatamente onde estava o goleiro Armani ao invés de mandar no outro canto, livre, escancarado.

De Arrascaeta tentou aprontar das suas, mas a bola teimava em não entrar. Foto: Pilar Olivares / Reuters.

 

Foi um lance que o time carioca não poderia perder. O River passou a gastar mais o tempo, para esfriar uma possível ressurreição do rival no jogo. Aos 20’, Diego entrou no lugar do exausto e machucado Gerson. Experiente, o meia poderia organizar melhor as jogadas no meio e fazer o que De Arrascaeta e Everton Ribeiro não conseguiam juntos. Um minuto depois, Nacho recebeu livre na área, cruzou rasteiro para Suárez, mas Pablo Marí conseguiu afastar. Mais um minuto passou e Nacho, de novo, quase fez o segundo do River em chute na entrada da área. De fato, não se vislumbrava uma mudança de cenário. A chance do River ser campeão era muito maior do que o Flamengo alcançar o empate. Muitos rubro-negros estavam incrédulos com a mudança drástica de futebol apresentado pelo seu time naquela tarde. Justo na final? Será que a piada do “cheirinho” iria continuar por quanto tempo?

Até que, aos 23’, o técnico Gallardo tirou Nacho Fernández, um dos melhores jogadores do River no jogo, e colocou Julián Álvarez. Foi um erro. A partir daquele instante, o time argentino iria afrouxar a marcação. Por que raios sacar justo aquele jogador? Cansaço? Talvez. Cinco minutos depois, Borré saiu e entrou Lucas Pratto, que não era nem de longe o artilheiro decisivo de 2018. O River foi ficando menos agressivo, menos intenso. E o Flamengo, mais acordado. Dois minutos depois, Diego recebeu na entrada da área, tocou para Gabriel, que deixou com Everton Ribeiro. O camisa 7 cruzou, De Arrascaeta tentou um voleio plástico, ao seu estilo, mas a bola só espichou. Diego ainda pegou o rebote, mas mandou para fora. Segundo lance mais lúcido do Flamengo no jogo. Ainda era pouco.

Pratto e Diego. Foto: Daniel Apuy / Getty Images.

 

Três minutos depois, Pratto roubou de Diego, mas chutou torto. Aos 35’, Palacios, de novo ele, quase fez o gol. O jogador perdeu muitas chances ao longo do jogo. E perder gol atrás de gol causa consequências graves… O jogo entrou nos cinco minutos finais. A tensão e angústia aumentavam. Os argentinos contavam os minutos para uma façanha incrível, um bicampeonato, o terceiro caneco em cinco anos, uma hegemonia avassaladora, a consagração do mais copeiro River de todos os tempos. Já o Flamengo temia o fim, um novo fracasso, mais um ano como órfão de uma geração. Torcedores choravam. Unhas já não existiam mais. Só que mesmo assim a torcida cantava no Monumental. Tentava levar bons fluídos ao seu time. Recordava 1981, nos cânticos que ficaram marcados durante aquela campanha da Libertadores. Criava um pequeno Maracanã no canto de arquibancada que lhe foi concedido. Em campo, os jogadores buscavam o espaço necessário, um vacilo sequer de um rival que não errava.

Jorge Jesus decidiu tirar um volante (Willian Arão) e colocou Vitinho (atacante) para tentar a última cartada. Mas o River seguia ali, no ataque. Até que, aos 42’, Pratto perdeu a bola para De Arrascaeta, que deu um carrinho perfeito e desarmou o rival. Ele mesmo engatilhou um contra-ataque e viu os espaços que tanto o Flamengo buscou o jogo inteiro. O camisa 14 tocou para Bruno Henrique, na esquerda, que escapou da marcação, foi para lá, para cá, chegou perto da meia-lua e devolveu para De Arrascaeta.

O uruguaio cruzou rasteiro, aos 43’ – mesmo minuto do lendário gol dramático de Petkovic na final do Carioca de 2001 -, e adivinhe quem estava na pequena área pronto para só empurrar a bola para dentro do gol vazio? Gabriel. O iluminado. O atacante que fazia jus ao apelido que carregava: Gabigol. Ele que praticamente passara despercebido o jogo inteiro. Mas, sabe como é matador. Ele só precisa de uma bola.

Gabigol marca…

 

… Jogadores celebram (Foto: Daniel Apuy / Getty Images)…

 

… E o artilheiro faz o gesto característico: o Fla ainda tinha força! Foto: Ernesto Benavides / AFP.

 

A torcida flamenguista explodiu em Lima. Os jogadores, extasiados, viam a esperança do título voltar. Jorge Jesus tentou conter a comissão técnica e os reservas, pois ainda havia jogo. O River vivia um pesadelo. E fantasmas do passado já assombravam o torcedor. Gallinas de novo? Assim como em 1966, na final perdida para o Peñarol por 4 a 2 após estar vencendo por 2 a 0? Assim como em 2004, nas semis contra o Boca? Ou como em 2017, nas semis contra o Lanús? Pesadelos não faltavam. E outro parecia surgir. O Flamengo se agigantou. O árbitro sinalizou cinco minutos de acréscimos. Mas o Flamengo não precisava de tudo isso.

No primeiro minuto após o fim dos 45’ regulamentares, Diego, lá no campo de defesa e com a bola dominada, olhou para o campo de ataque e viu Gabriel entre dois defensores. Por que não arriscar um lançamento? Vestindo a camisa 10, que desde 1981 costuma ter poderes místicos quando a data é 23 de novembro, Diego lançou uma bola perfeita. Ela deu um pingo no gramado. O zagueiro Pinola, que passou o jogo inteiro sem dar trégua para Gabriel, deu de presente a bola para o jogador brasileiro. Sem hesitar, sem enrolar, sem lenga lenga, do jeito que ela veio, o camisa 9 disparou o petardo certeiro, indefensável, meteórico, arrebatador. GOL. 2 a 1.

O atacante extravasou. Arrancou a camisa, saiu correndo, ganhou a companhia dos companheiros. Foi um gol de semelhança impressionante com outro gol, ocorrido 15 anos atrás, também em Lima, quando Diego (!) cruzou para o rubro-negro de coração Adriano (!!) fazer um gol épico, mas com a camisa do Brasil, contra a Argentina (!!!) na final da Copa América de 2004. Perceba a quantidade de coincidências e simbolismos!? Esse futebol…

Gabriel sai para comemorar um dos gols mais épicos da história do Flamengo. (Foto: REUTERS / Henry Romero).

 

Foto: REUTERS / Pilar Olivares.

 

A festa de Jorge Jesus e de todos no banco de reservas. Foto: Marcos Brindicci /Jam Media / Getty Images.

 

Zico fez dois na final de 1981. Gabigol também, em 2019. Foto: Pilar Olivares / Reuters.

 

Nas arquibancadas, o êxtase profundo dos rubro-negros contrastava com a incredulidade do River. Em três minutos, dois gols. Um filme inacreditável, visto pouquíssimas vezes na história do esporte, sendo o mais lembrado deles na final da Liga dos Campeões da UEFA de 1999 entre Manchester United e Bayern. Era o gol da ressurreição. O gol do épico. O gol que encerrava quase quatro décadas de sofrimento, de devaneios, de zombarias, de fantasmas. Um gol gritado por novas gerações e também por aqueles que viram o ocorrido 38 anos atrás. O dia 23 de novembro realmente virava data sagrada do Flamengo.

O jogo recomeçou, mas o Flamengo manteve a bola consigo. Teve tempo ainda para Palacios ser expulso após chutar Bruno Henrique no campo de ataque e Gabriel também levar vermelho, após o quarto árbitro flagrar o jogador zombando da torcida argentina e dos jogadores do River no banco sacudindo os órgãos genitais. Passado o rebuliço, que felizmente não teve brigas nem grandes confusões, o árbitro finalizou a partida.

 

Enfim, campeões! Fotos: REUTERS / Guadalupe Pardo.

 

Depois de exatos 38 anos, em um mesmo 23 de novembro, o Flamengo era campeão da Copa Libertadores da América. Campeão no “apagar das luzes”. Campeão em uma das mais dramáticas finais da história da competição. E justamente na primeira em jogo único. A festa no gramado do estádio Monumental foi enorme e ídolos de diferentes épocas se misturaram aos ídolos de agora. Gabriel, autor dos dois gols, se juntou a Júnior e Petkovic, figuras de duas épocas distintas do clube. O torcedor ganhava a partir daquela tarde uma nova geração inteira para adorar. Um time que reconquistou um título que muitos diziam que jamais seria reconquistado. Um time premiado por tudo o que fez naquela Liberta, que soube jogar com o resultado e também sem ele. Que teve raça e técnica. Inteligência e paciência. Esperteza e letalidade. Se desde 1981 sempre foi “uma vez Flamengo, sempre Flamengo”, a partir de 2019 veremos por aí torcedores cantando de um outro jeito: “Duas vezes Flamengo. Para sempre Flamengo”.

 

Pós-jogo: o que aconteceu depois?

Flamengo: após a festa no gramado, o técnico Jorge Jesus revelou que sabia que o River Plate não ia ser intenso o jogo todo e que alguns jogadores iriam “ficar nas covas”, como se diz em Portugal. E ele estava certo. E, claro, o treinador deve ter se apegado também às históricas fraquejadas do River para acreditar na virada até o fim. A volta para casa do Fla foi um verdadeiro evento que parou a cidade do Rio de Janeiro. O centro da cidade foi tomado por torcedores e os jogadores e comissão técnica desfilaram pelas ruas da cidade no domingo, dia 24. Foi uma comemoração histórica para os milhões de rubro-negros que não presenciaram o título de 1981 e puderam vivenciar uma conquista inesquecível.

No mesmo dia, a festa ganhou ainda mais tempero: o Palmeiras perdeu para o Grêmio na rodada do Campeonato Brasileiro e o Flamengo conquistou por antecipação o título nacional, 10 anos após o caneco de 2009. Duas taças em menos de 24 horas! Nem a derrota no Mundial, para o Liverpool (curiosamente o adversário de 1981), apagou os feitos rubro-negros. Nunca um esquadrão teve tanto simbolismo, coincidências e paralelos a seu favor. De fato, 2019 foi o “ano do Urubu” no futebol. O ano do Flamengo.

Vitinho teve um sono tranquilo na volta pra casa – bem como todo flamenguista na noite de sábado (isso os que dormiram, né?!). Foto: Divulgação / Flamengo.

 

A festa no Rio. Foto: Sergio Moraes / REUTERS.

 

River Plate: a derrota nos minutos finais foi dolorida, mas em nada diminuiu a campanha do River na Liberta de 2019. Chegar em duas finais seguidas é algo raro de se ver no continente, principalmente jogando bem e de maneira tão intensa. Os millonarios conseguiram dominar o Flamengo como poucos conseguiram na temporada e foram impecáveis durante 88 minutos da decisão. Só que os comandados de Gallardo se esqueceram que uma partida só acaba quando termina. Mesmo assim, uma enorme multidão recebeu os jogadores na volta para casa em reconhecimento ao trabalho feito pelos jogadores e por Gallardo, que ficou bastante emocionado. Uma linda cena que deu ainda mais beleza a um jogo eterno.

Uma multidão recebeu o River em profunda gratidão ao time, que perdeu, mas perdeu jogando futebol.

 

O técnico Gallardo e os jogadores ficaram bastante emocionados. Fotos Federico Imas / Olé.

 

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Comentários encerrados

18 Comentários

  1. Matéria excelente (mais uma!) deste blog. Um ponto que não foi discutido foi a substituição de Milton Casco, o lateral-esquerdo do time millonario, ocorrida no minuto 77, para a entrada de Paulo Diaz. Ele estava fazendo uma partida exuberante, mas tomou o amarelo ainda no primeiro tempo, e com o desgaste físico foi sacado. Para mim foi a partir dali, e com a inexplicável substituição de Nacho por Pratto que o River perdeu a consistência que teve durante todo o jogo. O heroi da peleja, obviamente, foi Gabriel Barbosa, que decidiu o título e entrou para a história do rubro-negro. Mas objetivamente até os 43 da segunda etapa, ele era disparado o pior em campo. Não havia tocado a bola nenhuma vez perto do gol. Só que o futebol permite essas coisas. Quem está mal, quem é cornetado também pode ser heroi. Foi exatamente o caso de Deyverson 2 anos e 5 dias depois, no Estádio Centenário, na maior final brasileira da libertadores em todos os tempos.

  2. Como Flamenguista, fico eternamente grato ao Imortais do Futebol por me fazer relembrar eternamente os feitos do meu time em 2019! Orgulho define, era o título que eu sonhava, comecei acompanhar futebol com 9 anos, em 1999, e exatamente 20 anos depois eu e a nação fomos presenteados com tamanha conquista. Só deixo uma observação: O jogador que deu o heroico carrinho em Pratto e engatilhou o contra-ataque foi Diego, e não De Arrascaeta. O tão criticado Diego (Até mesmo por mim nesses anos). Essa atuação dele será relembrada por gerações! Obrigado por tudo, galera! Saudações Rubro-negras!

    • Obrigado pelo comentário! Mas o carrinho foi do De Arrascaeta, sim! Ele deu o carrinho, engatilhou o contra-ataque e ele mesmo apareceu lá na grande área para dar a bola pro Gabigol! É só ver o vídeo completo no YouTube!

      • Realmente, amigo! Perdão pelo equívoco! Havia a tensão, a adrenalina pelo jogo, e o lance envolvendo Diego é o anterior ao carrinho de Arrasca. Talvez seja porque a bola que o Pratto perde pro Diego antes seja considerado por muitos o lance capital para o empate e a virada. De qualquer forma, esse é tranquilamente o jogo da minha vida de torcedor. hahaha

  3. Merecido , mesmo se nao ganhar o mundial , merece ser imortalizado , por varios fatores que vc mesmo falou , mesma data da ultima conquista 38 anos atras , menos de 24 horas 2 titulos , brasileirão conquistado com numro de pontos igual do ano que ganharam a 1 libertadores e mundial , etc . historico , mesmo nao sendo flamenguista , sera lindo se conquistar o mundial . River de gallardo merece ser importalizado pelas ultimas conquistas e esse flamengo de jesus, sao as equipes sul americanas que eu gostei de assitir pelo belo futebol apresentado.

  4. Caros Imortais do Futebol, depois que terminar suas conquistas (um possível mundial contra o Liverpool, mais tudo que pode vir no ano que vem), este time entrará para a galeria dos Esquadrões Imortais? Por tudo que ele conquistou (primeiro time pós Santos de Pelé a ser campeão Brasileiro e da Libertadores no mesmo ano, melhor campanha da história dos pontos corridos com 20 clubes, melhor aproveitamento da história dos pontos corridos, superando o Cruzeiro de 2003…) Acredito que mesmo perdendo o Mundial, este esquadrão é merecedor da homenagem.
    Atenciosamente

Esquadrão Imortal – Ajax 1993-1996

Jogos Eternos – Brasil 2×2 Argentina 2004