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Jogos Eternos – Corinthians 2×3 Santos 2002

Data: 15 de dezembro de 2002

O que estava em jogo: o título do Campeonato Brasileiro de 2002.

Local: Estádio Cícero Pompeu de Toledo (Morumbi), São Paulo (SP), Brasil.

Juiz: Carlos Eugênio Simon (FIFA – RS)

Público: 74.586 pessoas

Os Times:

Sport Club Corinthians Paulista: Doni; Rogério, Fábio Luciano, Ânderson e Kléber; Fabinho (Fabrício), Vampeta e Renato (Marcinho); Deivid, Guilherme (Leandro) e Gil. Técnico: Carlos Alberto Parreira.

Santos Futebol Clube: Fábio Costa; Maurinho, Alex, André Luís e Léo; Paulo Almeida, Renato, Elano e Diego (Robert)(Michel); Robinho e William (Alexandre). Técnico: Émerson Leão.

Placar: Corinthians 2×3 Santos. Gols: (Robinho-SAN, aos 37’ do primeiro tempo; Deivid-COR, aos 30’, Ânderson-COR, aos 39’, Elano-SAN, aos 43’, e Léo-SAN, aos 46’ do segundo tempo).

Cartões Amarelos: Fabinho, Fábio Luciano e Fabrício (COR); Maurinho e Fábio Costa (SAN).

 

“Pedaladas, puro futebol e renascimento: o último domingo romântico do futebol brasileiro”

 

Por Guilherme Diniz

Domingo, 15 de dezembro de 2002. Mais de 74 mil pessoas tingem o Morumbi de preto e branco. De um lado, os corintianos, sedentos pelo terceiro título no ano após as conquistas do Torneio Rio-SP e da Copa do Brasil. Do outro, o Santos e seus meninos. Um time que saiu do primeiro turno lá na oitava colocação, e, após derrotar o líder São Paulo, mostrou que tinha futebol de gente grande. Futebol dos tempos de ouro do clube mais místico do país. Era a final perfeita na última da história do Campeonato Brasileiro. O último domingo para reunir os familiares e amigos para acompanhar uma decisão de campeonato. A partir de 2003, o torneio seria por pontos corridos. Seria o último domingo romântico. O último domingo de futebol pleno, de calor, de emoção, de taça à beira do gramado, de tempero. Para presentear toda aquela atmosfera, Corinthians e Santos fizeram jus à rica história do Brasileirão em uma das finais mais eletrizantes de todos os tempos. Uma final com times jogando para frente, sem medo de errar. Em busca da glória para encerrar um ano tão bom para o Brasil, após a conquista do Penta no Japão e Coreia. Foi um jogo de dribles. Um jogo de gols. Um jogo de minutos que voavam e ao mesmo tempo se arrastavam, dependendo da torcida e do momento.

Foi a final das pedaladas mais famosas do futebol mundial em mais de um século. Sim. Muitos demoraram para contá-las. Cinco? Quatro? Trinta? Quantas foram!? Oito. Aplicadas por um menino de 18 anos que conseguiu, naquele jogo, fazer coisas que o mais saudosista torcedor santista jurava ser coisas de Pelé. Foi também o jogo das viradas. Duas. Com broncas dos técnicos. Com um dos astros santistas saindo por contusão. Com técnico expulso. Com gol nos acréscimos. Foi, na mais pura essência, um jogo de futebol que valia título. Completo. Sem faltar um só ingrediente. É hora de relembrar a última final do Brasileirão. E do despertar do Santos Futebol Clube.

 

Pré-jogo

A taça do Brasileirão de 2002: aquele era o último ano do mata-mata. Foto: Léo Simonini.

 

Após anos de projetos e reivindicações para adequar o Campeonato Brasileiro ao “padrão” mundial, enfim, a famigerada CBF decidiu que, em 2003, o torneio nacional seria por pontos corridos. Muitos celebraram, pois venceria o time com mais elenco, planejamento, fôlego e outras qualidades. Outros criticaram o fim da essência que a massa sempre gostou: os mata-matas, a emoção, as finais. Mesmo com a comoção, não tinha mais jeito e ficou tudo sacramentado. Com isso, o torneio de 2002 seria o último no formato de turno único com os oito melhores classificados para as quartas de final, com vantagem para os primeiros quatro colocados sobre os demais nos critérios gols marcados e partida de volta em casa. Ou seja, se o 2º colocado vencesse o 7º por 1 a 0 no primeiro jogo e perdesse a partida seguinte também por 1 a 0, o 2º colocado se classificaria por ter melhor campanha.

Gil, uma das estrelas do ataque do Corinthians em 2002.

 

Jogadores alvinegros celebram a Copa do Brasil de 2002.

 

No primeiro turno, Corinthians e Santos viveram caminhos distintos ao longo da competição. O Timão ficou na terceira colocação, atrás do vice-líder São Caetano (ainda o grande e inesquecível Azulão – leia mais clicando aqui) e do líder São Paulo, que emendou dez vitórias seguidas na reta final do torneio. O time alvinegro vinha de uma ótima temporada com os títulos do Torneio Rio-SP – o Campeonato Paulista acabou disputado apenas pelas equipes do interior justamente por causa da realização da competição interestadual – e da Copa do Brasil.

No mata-mata, o time de Parreira despachou o Atlético-MG com um sonoro 6 a 2 no primeiro jogo e vitória por 2 a 1 na volta, e bateu o Fluminense de Romário por 3 a 2 na volta, após derrota por 1 a 0 na ida. Jogando no 4-3-3 e com um trio de ataque entrosado composto por Deivid, Gil e Guilherme, o time do experiente técnico Carlos Alberto Parreira era equilibrado e muito competitivo, embora sofresse problemas na defesa. Na final, eles eram ligeiramente favoritos. Motivo? O adversário, uma verdadeira surpresa na época: o Santos.

Diego e Robinho, os grandes nomes do Peixe em 2002.

 

Pode parecer (e é!) uma heresia, mas a chegada do Santos à final foi totalmente surreal naquela competição. O time praiano buscava uma grande glória há 18 anos. Naquele período, conquistou títulos – o Torneio Rio-SP de 1997 e a Copa Conmebol de 1998 – essa com Emerson Leão como técnico, inclusive -, mas a torcida queria um torneio diferente, de peso. Desde 1984 que os rivais colecionavam taças nacionais e internacionais e o Santos ficava para trás. Era difícil. Em 1995, a equipe passou perto da taça no Brasileiro, protagonizou um jogo memorável com o Fluminense, mas perdeu a decisão para o Botafogo. Em 2002, o time que tentava o fim do estigma sem grandes títulos era composto por jovens, a maioria das bases, frutos da política da diretoria em gastar pouco e sanar as dívidas.

No primeiro turno, o time fez uma campanha razoável, mas conseguiu a classificação em oitavo lugar, na bacia das almas, muito graças às derrotas do Coritiba nas duas rodadas finais. Foram 11 vitórias, seis empates e oito derrotas em 25 jogos. Entre os últimos classificados, a equipe teve pela frente um São Paulo embalado por dez vitórias seguidas com Rogério Ceni, Kaká, Ricardinho, Fábio Simplício e Luís Fabiano. Favoritíssimo, o Tricolor acabou caindo na ida, na Vila, por 3 a 1. Na volta, todos acharam que o líder iria derrotar facilmente os garotos do técnico Emerson Leão. Ledo engano. Com nova atuação de gala dos alvinegros, o Santos venceu por 2 a 1, de virada, e eliminou o badalado rival. Na semifinal, outra pedreira: o Grêmio do técnico Tite e de jogadores como Danrlei, Anderson Polga, Emerson e Rodrigo Fabri. Na ida, o Santos devastou o copeiro gaúcho: 3 a 0. Na volta, a derrota por 1 a 0 não tirou o time da final.

Diego comemora: vitória santista sobre o Tricolor em pleno Morumbi!

 

Jogando um futebol vistoso, rápido e eficiente, o Santos era visto como o time do futebol bonito, mas que talvez seria incapaz de superar a experiência de um rival tarimbado e multicampeão. Ainda mais o Corinthians, que vivia uma era recente de títulos conquistados em mata-matas entre 1998 e 2000 (leia mais clicando aqui). Porém, o que poucos sabiam é que aquele Santos estava invicto para os corintianos em 2002. No Rio-SP, vitória do Peixe por 1 a 0. Em julho, num amistoso de alto risco que deixou Zito, ídolo do clube e assessor do clube na época, em pânico pelo fato de o time santista correr o risco de ser goleado, terminou 3 a 1 para os praianos. E, na fase de classificação do Brasileiro, o Santos venceu por 4 a 2.

Ou seja, para aquela garotada que apostava cobranças de pênaltis nos treinos e fazia os derrotados pagarem lanches do McDonald’s, o Corinthians era um velho conhecido. Robinho, 18 anos, Diego, 17, Paulo Almeida, 21, Fabio Costa, 25, Renato, 23, Elano, 21, e William, 19, davam uma média de idade de 22 anos ao time. Com exceção do goleiro Costa, não havia ninguém casado no elenco. Era uma garotada que brincava de jogar bola e que deixava o sisudo Leão doido da vida. O mesmo Leão que, no começo da temporada, chegou a dizer “estamos mortos, não temos jogadores” ao presidente do Santos após conhecer o elenco e ter a noção de que não teria reforços nem investimentos. No fim, ele conseguiu montar um time, cair nas graças dos meninos e entrar na brincadeira de jogar futebol e despachar titãs.

Alberto, Robinho e Elano vibram no primeiro duelo contra o Timão na final. Foto: Ivan Storti/ Lancepress; Digital.

 

No primeiro jogo, mais de 58 mil pessoas viram o Peixe fazer 2 a 0 no Corinthians e levar uma ótima vantagem para a volta. Os problemas após aquele duelo foram a suspensão do atacante Alberto, que levou o terceiro amarelo, e a lesão de Diego dois dias depois, nos treinos, que gerou dúvida quanto a sua escalação na final. No dia do jogo, mais de 74 mil pessoas lotaram o Morumbi para ver a última decisão do Brasileiro. A maior parte da torcida era do Corinthians, mandante. Mas a do Santos também preenchia um espaço enorme do estádio. Era um dia histórico. Até minutos antes de a bola rolar, eis que Diego apareceu na lista do time titular do Santos, enquanto que William foi o escolhido para o lugar de Alberto.

No mais, o alvinegro praiano era o mesmo das partidas anteriores, com seus laterais rápidos e técnicos (Maurinho e Léo), as “torres gêmeas” na zaga (André Luís e Alex), um meio de campo marcador e ao mesmo tempo criativo (Elano e Renato, com Paulo Almeida mais recuado), e um ataque letal, cheio de alternativas e dribles com Diego, Robinho e William. Do lado corintiano, era o time ideal de Parreira, com o trio de ataque formado por Deivid, Gil e Guilherme, o meio de campo com o bom e velho Vampeta ao lado de Fabinho e Renato, os laterais rápidos e talentosos Kléber e Rogério e a zaga composta pelo bom Fábio Luciano e o regular Ânderson, com Doni no gol.

Os dois times iriam com o que tinham de melhor. Os prognósticos eram os melhores possíveis. O Corinthians estava pronto para reverter a desvantagem e levantar o terceiro título no ano. E o Santos queria acabar com os dramas vividos em 1983 e 1995, suas finais nacionais perdidas para Flamengo e Botafogo, respectivamente, e levantar, enfim, o título do Campeonato Brasileiro de futebol.

 

Primeiro tempo – Que jogaço! Mas… Quantas foram mesmo?

Robinho e Vampeta na decisão. Foto: Maurício Lima / AFP PHOTO / Getty Images.

 

Quando a bola rolou no Morumbi, logo aos 17 segundos, Diego colocou a mão na coxa. Na primeira corrida em campo, ele sentiu a dor que tanto lhe perseguiu durante a semana. Sem se preocupar com aquilo, o Corinthians chegou à área santista naquele primeiro minuto, e, em uma cabeçada de Guilherme, exigiu que Fábio Costa fizesse uma defesa impressionante e mandasse a bola para escanteio. Era o prenúncio do que estava por vir. O Morumbi se incendiou! Do outro lado, o camisa 10 santista não podia mais continuar e Leão chamou Robert, meia presente no Santos de 1995. Aos prantos, Diego deixou o gramado e apreensiva a torcida do Peixe.

No entanto, com a entrada de Robert, o Santos conseguiu se arrumar, impôs velocidade e adiantou a marcação. O Corinthians conseguia mais posse de bola e focava as principais ações ofensivas pelas laterais, explorando a velocidade de Rogério e a técnica de Kléber. O problema era que o Santos também tinha grandes laterais, em especial Léo, que fazia um duelo muito interessante com o camisa 2 do Corinthians. Aos seis minutos, após o Timão mandar uma bola na área e ninguém aparecer para receber, o Santos tentou engatilhar um contra-ataque com Robert, pela direita, que passou por Fabinho, mas perdeu a bola na sequência.

Diego sai de maca: torcida ficou preocupada. Foto: J.F. Diorio / Agência Estado.

 

Aos 7’, Robinho aplicou as primeiras pedaladas pra cima de Rogério (apenas duas), tabelou com Maurinho pela direita, mas a zaga corintiana conseguiu cortar. O alvinegro da Vila ainda não tinha chegado com perigo nem oferecido trabalho ao goleiro Doni. Dos 8’ aos 9’, o Corinthians tocou a bola, tentou encontrar espaços, mas era nítida a marcação santista, homem a homem. Embora fosse mais experiente, o time do Parque São Jorge enfrentava dificuldades com aquele Santos. Aos 9’, o peixe adiantou ainda mais a marcação e conseguiu encurralar o rival, que ficou preso em seu próprio campo.

Robert (à esq.) entrou no lugar do camisa 10 e fez uma partida deslumbrante, dando trabalho para Fabinho (à dir.). Foto: Epitácio Pessoa / Ag. Estado.

 

Com uma falta perigosa a seu favor, o time praiano fez levantar sua torcida, que emudeceu a corintiana no Morumbi. Robert cobrou para a área e obrigou Doni a fazer uma defesaça após cabeçada de Alex. Após a cobrança de escanteio, Renato escapou da marcação e tocou de calcanhar para Robert, na direita, que ganhou mais um escanteio para o Peixe. Depois de três minutos intensos, enfim, o Corinthians conseguiu afastar o perigo e voltou à área santista quando Gil, aos 12’, foi derrubado quase dentro da área. A torcida pediu pênalti, mas Simon marcou corretamente a infração pouco antes da linha da grande área. Na cobrança, Kléber mandou na cabeça de Ânderson, mas o zagueiro mandou para fora. O jogo seguiu rápido, com toques plásticos, invertidas de jogo, matadas no peito. Dava gosto ver os dois times jogando o puro futebol brasileiro em tempos que dão muita saudade. O embalo do penta parecia refletir na qualidade do jogo, para encerrar um ano mágico com chave de ouro.

Aos 18’, após Fabinho fazer fila na zaga santista, mas não conseguir concluir um bom passe, o Santos contra-atacou com uma arrancada fulminante de Robert que resultou em outro escanteio para o Peixe. No lance, Leão pediu pênalti e ficou furioso. Aliás, o treinador não sossegava um minuto sequer e já tinha a atenção do árbitro, que poderia expulsá-lo de campo a qualquer momento de tanto que ele reclamava. Na cobrança, Doni tirou a bola na primeira, e, na segunda alçada para a área, o zagueiro Ânderson cortou e deu outro tiro de canto para o rival.

Robert cobrou de novo e a bola foi venenosa e quase surpreendeu o camisa 1 num gol olímpico, mas tocou o travessão, na mão do goleiro e foi para fora. Na terceira cobrança, a zaga corintiana conseguiu afastar. Após os 20’, o jogo ganhou suas primeiras faltas mais assíduas e os primeiros cartões – para Fabinho, do Corinthians, e Maurinho, do Santos. Aos 28’, outra vez o Corinthians mandou uma bola que cruzou a área santista sem ninguém para mandar a redonda para o gol.

Robinho prepara o show…

 

Aos 35’, porém, a decisão começaria a mudar completamente. Fábio Costa lançou na esquerda para Léo, que tocou para o capitão Paulo Almeida. Ele foi desarmado, mas Robert roubou a bola e tocou para Léo. O lateral tocou para Robinho, na esquerda. O atacante avançou em velocidade e viu o lateral Rogério a sua frente. Ele poderia tocar de lado, cruzar. Mas ele preferiu driblar. Partir pra cima. No estilo moleque. O estilo que tanto caracterizou o Santos em seus anos mágicos. Com arte. Robinho pedalou uma. Duas. Três. Quatro. Cinco. Seis. Sete. Oito vezes. Mas pareciam umas 20, 30. Foi rápido. Letal. Rogério ficou tonto. Sem rumo. Robinho passou por ele, e, no susto, o corintiano não teve outra ação que não fosse derrubar o franzino camisa 7. Dentro da área… Pênalti!

O Morumbi enlouqueceu. Robinho pediu a bola como um veterano, chamando a responsabilidade. Ele queria bater. O atacante nem tomou distância. Bateu bem, no cantinho de Doni, que foi para o lado oposto: 1 a 0 Santos! Estava 3 a 0 no agregado. O Morumbi viu seus céus serem temperados pela fumaça da torcida do Santos. Da esperança de um título de expressão nacional que não vinha desde os tempos de Pelé.

 

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Dois minutos depois, o Corinthians tentou responder num chute de Fabinho, que passou perto da trave. Aos 41’, William tentou seu gol, mas perdeu a chance, e, no chão, levou um toque na cabeça do joelho de Fábio Luciano. Ele sentiu dor, mas o árbitro não viu nada – hoje, com o recurso de vídeo, o capitão corintiano seria expulso na hora. Inconformado, Leão não sabia o que fazer enquanto o rival ganhava um escanteio e William era atendido fora de campo, deixando seu time com dez.

Nos acréscimos, Fábio Costa interceptou uma chegada de Gil indo em seus pés. A bola ia para a lateral quando o camisa 1 deu um chutão em direção à torcida corintiana. Na sequência do lance, Guilherme cabeceou à queima roupa e o goleiro santista fez uma defesa sensacional, plástica, linda, invocando Rodolfo Rodríguez e Gylmar dos Santos Neves. Que primeiro tempo! Que jogo! Depois de um lance daquele, Simon apitou o final da primeira etapa. Todos precisavam de fôlego. Até a torcida! O segundo tempo prometia muito, mas muito mais futebol.

 

Segundo tempo – A essência do futebol e um título merecido

Foto: Ag. Estado.

 

O Corinthians entrou com Marcinho no lugar do apagado Renato para a segunda etapa. A ideia era sufocar o rival e alcançar a mesma velocidade daquele time atrevido. Porém, após dar a saída, foi o Santos quem pressionou e logo ganhou um escanteio. Na cobrança, a zaga corintiana deu outro tiro de canto para o Peixe e, no seguinte, William desperdiçou a chance do segundo gol. Aos 5’, Renato deu de calcanhar para Léo, na esquerda, que cruzou. Elano escorou e Robinho tentou por cobertura, mas a bola subiu demais. Aos 8’, falta na entrada da área para o Corinthians. A cobrança foi quase um cruzamento, que resultou num chute de Gil por cima do gol dentro da grande área.

Na sequência, Robert sofreu um tapa na cabeça de Fabinho e o árbitro nada fez, para a fúria de Leão, que não se bicava com Simon desde o primeiro tempo. Aos 12’, veio a gota d’água. Vampeta sofreu falta e Leão, que ainda continuava esbravejando contra o árbitro, perdeu o controle de vez. Simon olhou para o treinador e expulsou o mandatário do alvinegro praiano. Leão simplesmente mandou o juiz “comer biju” (se é que você, caro (a) leitor (a), me entende…) e saiu ainda mais furioso. O Santos, depois de perder Diego, perdia seu comandante.

A ira de Leão.

 

É claro que ele falou para o árbitro gentilmente ir comer biju!

 

Na volta ao jogo, Rogério cobrou rasteiro, Paulo Almeida desviou e Fábio Costa teve que fazer uma defesa milagrosa. Aliás, a partir dali, o camisa 1 começou a fazer uma sequência de defesas impressionantes, de tirar o fôlego. No lance seguinte, outra defesaça do camisa 1 e novo escanteio. Com os nervos à flor da pele, André Luís e Paulo Almeida se desentenderam por causa de uma falha na marcação e rapidamente a turma do “deixa disso” apartou a confusão. Em mais um escanteio, Fábio Luciano deu uma cabeçada fulminante e Fábio Costa faz mais uma grande defesa. Ele estava de corpo fechado! Era impressionante! Era a quinta defesa milagrosa do camisa 1. Em um novo escanteio, após os gritos de Fábio Costa para a zaga afastar de qualquer maneira, enfim, o alvinegro praiano tirou a redonda de lá e deu um pouco de alívio para o torcedor.

Fábio Costa: goleiro fez uma partida sensacional naquela tarde.

 

Nos túneis do Morumbi, Leão arrumou um rádio para poder se comunicar com o banco do Santos. Aos 21’, Parreira chamou Leandro e Fabrício para os lugares de Guilherme e Fabinho, respectivamente. Eram suas últimas tacadas. O Timão precisava de três gols. Aos 27’, um torcedor santista invadiu o gramado. Simon demorou para ver e parou o jogo. Aos 29’, enquanto William deixava o campo para a entrada de Alexandre, a torcida do Santos gritava “é campeão”. Era a certeza do título. Ninguém imaginava aquele time perder o caneco. Porém, os cânticos enervaram o Corinthians. Um minuto depois, Gil, pela esquerda, cruzou na medida para o goleador Deivid escorar de cabeça e, enfim, superar Fábio Costa: 1 a 1. O Timão se inflou. A massa alvinegra também. Só deu Corinthians. O Santos sentiu o baque. De tanto pressionar, aos 39’, Vampeta cruzou na área e Ânderson, de cabeça, virou: 2 a 1. Explosão no Morumbi.

A Fiel ficou enlouquecida. Restavam seis minutos mais os acréscimos. Sim, era possível mais um gol. O placar de 3 a 1 daria o título ao Corinthians. No mesmo instante do gol, a torcida do Santos tremeu. Começou a passar o filme de 2001, na semifinal do Campeonato Paulista, aquele gol de Ricardinho, do mesmo Corinthians, aos 47’ do segundo tempo, que tirou o Santos da final. Corinthians de Rogério. De Kléber. De Fábio Luciano. De Gil. Todos ainda remanescentes naquele domingo de 2002. O filme de 1995, da conturbada final contra o Botafogo. Os traumas do passado pareciam aflorar naquele presente. Será que, de novo, o Santos iria deixar escapar a chance de uma taça, de uma redenção?

Os times na final: Robert manteve a velocidade e criatividade no ataque santista, enquanto que o Corinthians parou na tarde iluminada de Fábio Costa.

 

Aos 42’, o próprio Santos tratou de reverter aquele cenário de trevas colocando a bola no chão e mostrando como ele iria terminar aquela partida: campeão. Doni mandou a bola para frente, mas a zaga santista tirou. No meio, Renato tocou para Robinho, que deixou com Elano. O camisa 7 foi para o lado oposto e Elano devolveu. Na velocidade, o atacante passou por Ânderson, foi para a linha de fundo, olhou para a área e viu Elano. Robinho tocou e o meio-campista só empurrou a bola para o gol: 2 a 2. Alívio! Gritos de “é campeão!” do lado alvinegro praiano no Morumbi! Leão mexeu de novo no time e colocou Michel no lugar de Robert, exausto após um jogo fantástico e sem deixar o torcedor com saudades de Diego. Aos 45’, Marcinho tentou uma jogada pela direita, mas Léo não deixou o meia cruzar nem chutar.

Aos 46’, o golpe fatal. Robinho recebeu um lançamento longo. Matou no peito. Encarou Kléber. Pedalou um pouco aqui. Um pouco acolá. Viu a chegada de Vampeta. Num só corte, deixou a dupla para trás. A torcida ficou louca. Vampeta foi atrás do moleque abusado e deu um toque na bola, mas ela foi parar nos pés de Léo. O lateral avançou, ajeitou, foi para a entrada da grande área, na meia lua, e chutou alto, forte, pro gol: 3 a 2. Virada. E ponto final. Simon nem se deu ao trabalho de pedir recomeço ou outros “trâmites burocráticos”. Ele apitou o fim do jogo.

Aquele era o fim mais apropriado. Com o grito de “gol!”. De “acabou!”. De torcida pulando, chorando, festejando. De técnico quase caindo de emoção. De craque tirando a camisa e indo pra galera. De autor do gol deitado e os companheiros em cima. De um time de história tão rica, enfim, celebrar seu primeiro Campeonato Brasileiro de futebol. Justamente o último dos mata-matas. Justamente no ano do Penta.

Foi o final mais justo para o time mais artístico daquele torneio. O que aquela molecada santista jogou foi de encher os olhos. Nos dois anos seguintes, eles continuariam a brilhar. Mas, naquela tarde, eles brilharam de maneira única. Foram as vedetes do último domingo romântico do futebol brasileiro. Um domingo em que os times alvinegros escreveram um dos capítulos mais sublimes do esporte nacional com um jogo marcante, limpo, sem grandes polêmicas, apenas futebol e todos, absolutamente TODOS os ingredientes que compõem uma grande final de futebol. Aquele domingo foi especial. Todos foram especiais. Quanta saudade. E que jogo para a eternidade…

 

Pós-jogo – O que aconteceu depois?

 

Corinthians: depois do vice, o Timão esperou três anos para dar o troco no rival. E com juros e correção. No dia 06 de novembro de 2005, embalado pelo tango e por Tévez, o alvinegro enfrentou o Santos pelo Brasileiro daquele ano e venceu por um inimaginável 7 a 1, uma goleada que marcou época e que já foi relembrada aqui no Imortais. Nos anos seguintes, a equipe ainda celebrou uma memorável vitória na final do Paulista de 2009, com show de Ronaldo, e um triunfo na semifinal da Libertadores de 2012, que terminou com o Corinthians campeão. Em 2013, outro título sobre o rival, dessa vez pelo Paulista de 2013. Essas saborosas vitórias fizeram o torcedor se esquecer daquela tarde de 2002. Mais do que isso, viu nascer uma grande rivalidade e ter no Santos um grande rival em duelos decisivos nesse século XXI.

Santos: demorou para o torcedor santista ver seu time perder para o Corinthians tão cedo. Após o título de 2002, só em 2005 que o Peixe sofreu um revés para o rival. Antes disso, a equipe empatou uma e ganhou outra no Brasileiro de 2003, venceu uma e empatou outra no Brasileiro de 2004 e ganhou uma no Paulista de 2005. Só no Brasileiro de 2005 que a equipe perdeu a invencibilidade de quase 10 jogos. Em 2011, eis que o time conseguiu uma desforra com o título paulista em cima do Timão, com vitória por 2 a 1 com um gol do “terceiro raio” que caiu na Vila Belmiro na história: Neymar, que, assim como Robinho em 2002, foi o carrasco do Timão naquele jogo.

Falando em Robinho, o atacante enfrentou o Corinthians mais cinco vezes com a camisa do Santos após 2002 e não perdeu nenhum jogo até 2014, quando viu seu time cair por 1 a 0 no Brasileiro daquele ano. Porém, o eterno camisa 7 tem um retrospecto invejável contra o rival: sete vitórias, dois empates e apenas uma derrota vestindo a camisa do alvinegro praiano, além de um título e oito pedaladas para a eternidade.

 

Leia mais sobre o Santos 2002-2004 clicando aqui.

 

Extra:

Veja os gols e lances daquele jogaço.

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Comentários encerrados

8 Comentários

  1. Mata Mata é milhões de vezes melhor,as finais de 2000,2001 e 2002 estão na minha memória até hoje
    Em 2003 fiquei triste quando o Cruzeiro foi campeão jogando um jogo qualquer.
    Lembro de não ter entendido o porque daquilo.
    Mas felizmente eu vivi alguns anos de mata mata e foram maravilhosos

  2. Não tem nem comparação, Cristiano. O mata-mata é anos-luz melhor do que os pontos corridos (que eu chamo de pontos sonolentos). Um dos piores erros da CBF (quase um crime) foi ter implementado os pontos corridos por aqui.

    Quanto ao jogo, que eu felizmente assisti, foi simplesmente eletrizante. Uma das finais mais inesquecíveis do Campeonato Brasileiro.

  3. Grande jogo com certeza. Foi uma nova geração que despontou no futebol brasileiro, acredito que depois da passagem de Pelé pelo Santos foi o maior time até então. Gostaria que fizessem uma reportagem sobre Ortiz um goleiro argentino que jogou no Atlético Mineiro por volta de 1976-1977 e se não me engano fez o primeiro gol de um goleiro no Campeonato Brasileiro de 1976 na vitória do Galo sobre o Vasco por 4 x 0 no Maracanã e também fez o primeiro gol de goleiro no Mineirão na vitória do Galo sobre o CRB. Ele fez muitas coisas interessantes que depois consagrou Rogério Ceni. Ortiz foi o meu primeiro ídolo no futebol e de uma geração de crianças. Mais uma vez parabéns pela excelente matéria.

  4. O Raúl, um dos maiores ídolos do Real Madrid, que por anos foi o maior artilheiro da história da Champions League, merece um espaço aqui. O Barcelona do final dos anos 90, que tinha Figo, Rivaldo, Ronaldo, entre outros e que ganhou vários títulos nesse período (Recopa Européia, Supercopa da UEFA, Campeonato Espanhol, Copa do Rei, entre outros), também merece.
    Por fim, tenho que parabenizar as últimas atualizações. A qualidade só aumenta.

Esquadrão Imortal – Sporting 1945-1949

Craque Imortal – Careca