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Jogos Eternos – Brasil 3×3 Itália 1997

Maldini, Ronaldo e Cannavaro. Foto: Franck Seguin / Getty Images.
Uma imagem vale mais que mil palavras: Maldini, Ronaldo e Cannavaro. Colossos do futebol mundial em um só lance. Que nostalgia…

 

Data: 08 de junho de 1997

O que estava em jogo: uma melhor colocação no Torneio da França de 1997.

Local: Stade de Gerland, Lyon, França.

Árbitro: Serge Muhmenthaler (SUI)

Público: 30.000 pessoas

Os Times:

Brasil: Taffarel; Cafu, Célio Silva, Aldair e Roberto Carlos; Mauro Silva (Flávio Conceição), Dunga e Denílson; Leonardo; Romário e Ronaldo. Técnico: Mario Zagallo.

Itália: Pagliuca; Panucci, Cannavaro, Costacurta e Maldini (Di Livio); Di Matteo, Albertini, Dino Baggio (Fuser) e Lombardo; Vieri (Inzaghi) e Del Piero. Técnico: Cesare Maldini

Placar: Brasil 3×3 Itália (Gols: Del Piero-ITA, aos 6’, Albertini-ITA, aos 23’, e Roberto Carlos-BRA, aos 34’ do 1º T; Del Piero-ITA, pênalti, aos 16’, Ronaldo-BRA, aos 25’, e Romário-BRA, aos 39’ do 2º T).

 

“Quando os gigantes caminhavam sobre a Terra”

 

Por Guilherme Diniz

 

Três anos depois de decidirem o título da Copa do Mundo de 1994, Brasil e Itália se reencontraram para um novo duelo. Não valia grande coisa – a partida era por um torneio amistoso -, mas se tratava de um clássico do futebol mundial. E colocou frente a frente duas seleções repletas de craques inesquecíveis. O Brasil tinha Taffarel, Cafu, Roberto Carlos, Aldair, Mauro Silva, Dunga, Romário e Ronaldo. A Itália tinha Pagliuca, Cannavaro, Costacurta, Maldini, Albertini, Dino Baggio, Vieri e Del Piero. E o público em Lyon viu simplesmente uma partida histórica, com gols, grandes jogadas e um duelo bastante especial entre a muralha defensiva italiana contra uma das duplas de ataque mais devastadoras que a seleção já teve – Romário e Ronaldo. Aquele jogo não foi simplesmente um jogo. Foi um acontecimento para os amantes do futebol. Da época em que os gigantes caminhavam sobre a Terra. É hora de relembrar.

 

Pré-jogo

Romário e Ronaldo: dupla de ataque do Brasil em 1997.

 

Como forma de testar sua estrutura para a realização da Copa do Mundo de 1998, a França organizou em junho de 1997 o Tournoi de France (também conhecido como Le Tournoi), disputado por quatro seleções em formato todos contra todos. Inglaterra, França, Brasil e Itália se enfrentaram em quatro cidades diferentes – Paris, Nantes, Lyon e Montpellier – e levaram aos torcedores um aperitivo do Mundial que seria realizado na temporada seguinte. A estreia aconteceu no Stade de Gerland, em Lyon, no duelo entre França e Brasil. O time brasileiro abriu o placar em uma lendária cobrança de falta de Roberto Carlos – que instigou até mesmo os cientistas (!) -, mas a equipe levou o empate no segundo tempo e o placar ficou em 1 a 1. Na partida seguinte, a Inglaterra venceu a Itália por 2 a 0 e largou na frente em busca do título. Três dias depois, o English Team derrotou a França por 1 a 0 e poderia vencer a competição em caso de empate entre Brasil e Itália, que iriam se enfrentar no dia seguinte.

Roberto Carlos enche o pé: lateral marcou um gol épico contra a França em 1997.

 

Rivais na final da Copa do Mundo de 1994, Brasil e Itália despertaram grande expectativa para o jogo no Stade de Gerland. Ambos ainda tinham chance de título, principalmente o Brasil, que teria o confronto direto com a Inglaterra na última rodada e poderia chegar aos 7 pontos se vencesse a Azzurra e os ingleses. A Itália também tinha chances, desde que vencesse o Brasil e a França com um bom saldo de gols e a Inglaterra não vencesse o Brasil. O técnico Zagallo apostava na manutenção do esquema tático 4-3-1-2, com a entrada de Denílson no lugar de Giovanni e uma formação mais cautelosa, apostando na troca de passes e nas bolas para a dupla Romário e Ronaldo. Já a Itália ia com sua forte retaguarda e a dupla de ataque Vieri e Del Piero, este vivendo grande fase e principal jogador ofensivo da Itália na época. 

Contra a França, o Brasil jogou com este time. Em pé: Taffarel, Célio Silva, Aldair, Mauro Silva, Cafu e Roberto Carlos. Agachados: Ronaldo, Romário, Dunga, Giovanni e Leonardo. Foto: Bongarts

 

A Itália de 1997. Em pé: Maldini, Di Matteo, Vieri, Panucci, Pagliuca e Dino Baggio. Agachados: Costacurta, Lombardo, Del Piero, Cannavaro e Albertini. Foto: Popperfoto / Kicker

 

O problema era que o Brasil, mesmo com tantos craques, não demonstrava muita eficiência, perdia muitas bolas e era fraco na zaga, em especial no jogo aéreo. Zagallo vivia mudando suas duplas defensivas e teria naquele jogo Aldair e Célio Silva. Só nas laterais e no meio que os nomes eram unânimes: Cafu e Roberto Carlos, Dunga e Mauro Silva. A torcida local só temia um roteiro como o de 1994: nada de gols e monotonia. Mas, felizmente, tudo foi bem diferente da agonizante final do Rose Bowl.

 

Primeiro tempo – Azzurra dominante

Albertini e Ronaldo.

 

Quando a bola rolou no Stade de Gerland, 13 jogadores que estiveram nos times de 1994 estavam em campo. Só isso já tornava aquele duelo especial. E, minuto a minuto, o jogo mostrou que passaria longe do 0 a 0. Mais organizada e ousada, a Itália marcou a saída de bola do Brasil e anulou a dupla Romário-Ronaldo, colocando três jogadores para marcá-los: Cannavaro, Costacurta e Maldini. “Só” isso. A tática cautelosa do Brasil, que queria fechar o meio de campo com Denílson no lugar de Giovanni, fracassou. Com muito espaço, a Itália criava mais e levou perigo em escanteio cobrado por Del Piero e afastado por Taffarel. Minutos depois, Leonardo fez boa jogada pela esquerda, driblou Panucci, mas o cruzamento foi ruim. A Itália percebeu que o jogo aéreo brasileiro era frágil e foi assim que chegou ao primeiro gol, aos 6’. Vieri recebeu na direita, ganhou de Aldair e cruzou para Del Piero, que aproveitou a falha de marcação de Célio Silva e marcou de cabeça, livre. Cafu ainda tentou atrapalhar o italiano, mas chegou tarde demais.

O Brasil tentou reagir explorando as jogadas pela esquerda, com Roberto Carlos e Denílson, mas não tinha criatividade quando a bola chegava nos volantes Mauro Silva e Dunga. Por outro lado, a Itália roubava várias bolas da seleção e, em uma dessas, no meio de campo, quase chegou ao segundo gol quando Albertini lançou Vieri na esquerda, o atacante cruzou e Del Piero pegou mal na bola. O Brasil dava muito espaço e isso gerava preocupação em Zagallo e, claro, no torcedor, pois eram erros que poderiam custar caro no ano seguinte. Em cobrança de falta, Del Piero alçou a bola na área, ela passou por dois italianos, mas Taffarel defendeu. A resposta brasileira veio aos 21’, quando Mauro Silva conduziu a bola até a entrada da área e tocou para Ronaldo, que se livrou de Cannavaro e chutou, mas a redonda carimbou o pé da trave de Pagliuca.

Dois minutos depois, o árbitro marcou falta para a Itália após a bola bater no braço de Denílson. Na cobrança, Albertini surpreendeu ao chutar direto para o gol. E fez bem, pois nem barreira a zaga fez direito! A bola acabou batendo na cabeça de Aldair, enganou Taffarel e entrou: 2 a 0. O gol obrigou o Brasil a ir para o tudo ou nada. Em uma disparada, Ronaldo avançou, mas levou um carrinho duplo de Cannavaro e Maldini, na foto que ilustra este texto e que você pode ver a seguir. O árbitro foi solidário com o Fenômeno e marcou a falta – apelação ter essas duas lendas de uma vez no seu pé! Na cobrança, Leonardo cobrou, a bola bateu na barreira e foi para escanteio. Na sequência do lance, a bola sobrou para Dunga, que chutou forte, Ronaldo desviou e ela foi para fora.

Só apelando para parar o Fenômeno!

 

O ligeiro alívio veio só aos 34’, quando Roberto Carlos cobrou escanteio curto na esquerda para Denílson. O meia devolveu para Roberto, que chutou cruzado, a bola desviou em Lombardo e entrou: 2 a 1. Foi o gol que manteve o Brasil ainda vivo, mas longe do empate por causa da lentidão com a qual atacava a Itália, que prendia o time brasileiro na marcação. Panucci ficava de olho em Romário (simplesmente nulo no primeiro tempo), Cannavaro em Ronaldo, Albertini em Denílson, Dino Baggio em Leonardo, Di Matteo em Dunga e Lombardo em Roberto Carlos. Além disso, Del Piero ficava na esquerda e não deixava Cafu avançar.

 

A Itália dominou o meio de campo no primeiro tempo e encurralou o Brasil. Na segunda etapa, time canarinho melhorou e conseguiu o empate.

 

O meio de campo era o local onde mais o Brasil se perdia, com espaços de 20, 30 metros para os italianos aproveitarem, além de uma marcação falha e sem organização. Tempo depois, Del Piero cobrou outra falta com perigo e, de novo, a zaga brasileira não cortou, deixando Taffarel sozinho com Lombardo, que não conseguiu escorar. Aos 43’, o Brasil tentou um ataque pela direita com Cafu, mas o cruzamento do lateral não encontrou ninguém dentro da área. Ao apito do árbitro, a Itália foi para o intervalo confiante na vitória e muito melhor no jogo. Já o Brasil precisava acertar suas investidas no ataque se quisesse ir para a última rodada com chance de levantar o Tournoi de France.

 

Segundo tempo – Reação tardia

Romário em ação: Baixinho jogou melhor no segundo tempo. Foto: Gerard Ejnes

 

Zagallo consertou o posicionamento do Brasil para a segunda etapa e o time começou a jogar melhor e com mais velocidade. O time canarinho quase empatou em duas jogadas individuais de Denílson: uma, aos 5’, após receber de Romário – o baixinho saiu mais da área e ficou mais solto na etapa final – e chutar forte, exigindo grande defesa de Pagliuca, e outra aos 8’, quando fez fila na zaga italiana, invadiu a área, mas chutou para fora – seria um golaço! Aos 9’, Mauro Silva fez falta em Del Piero dentro da área, mas o árbitro ignorou. 

Mauro Silva fez falta em Del Piero, mas árbitro não marcou pênalti.

 

Minutos depois, Denílson fez outro belo lance ao dar de calcanhar para Romário, mas a bola foi muito forte para o baixinho. Na sequência, Del Piero tentou responder para a Itália em cobrança de falta, mas a redonda passou por cima da trave de Taffarel. Porém, aos 15’, o árbitro suíço assinalou um pênalti de Aldair em Inzaghi, que havia entrado no lugar de Vieri. Del Piero bateu bem, deslocando Taffarel, e fez 3 a 1.

Aqui, o árbitro deu pênalti.

 

Imediatamente, Zagallo sacou Mauro Silva, que já tinha cartão amarelo, e colocou Flávio Conceição. E, com o volante, o time brasileiro teve mais velocidade no meio de campo para buscar o resultado, além de demonstrar garra e vontade para provar a força do time tetracampeão. O volume de jogo dos sulamericanos aumentou, a equipe criou mais chances, mas perdia muitos gols a exemplo do duelo de 1994. Já na casa dos 20’, Romário recebeu de Cafu, deixou com Flávio Conceição e este chutou da entrada da área, exigindo uma grande defesa de Pagliuca. A Itália resistia e parecia confortável com a vitória. O Brasil queria um gol para seguir vivo. Romário era mais ativo, pedia a bola, saía da área, fazia desarmes. Ele não queria perder de jeito nenhum. E, claro, ansiava por deixar o seu. Mas quem deixou primeiro foi Ronaldo.

Aos 25’, após troca de passes no campo de ataque, Roberto Carlos recebeu na esquerda, olhou e tocou em profundidade para Ronaldo. O craque dominou, cortou Cannavaro e Costacurta e chutou rasteiro para marcar um golaço digno do Fenômeno: 3 a 2. Pagliuca não teve chance alguma. A bola foi no contrapé do goleirão, que sentou e viu a redonda no fundo do gol. Ainda dava tempo para mais. E o Brasil foi só pressão. Aumentando a velocidade, a seleção brasileira escapou da marcação individual montada pela Itália naquele segundo tempo. Denílson, Roberto Carlos, Ronaldo e Flávio Conceição desmontaram a parede dos italianos.

Denílson teve outra boa chance na sequência, quando recebeu de Roberto Carlos, gingou e chutou, mas a bola foi para fora. Em outro ataque rápido, Denílson tocou para Leonardo, que deixou na esquerda para Roberto Carlos. O lateral saiu em disparada e chutou forte, mas a bola explodiu no travessão! Já na reta final da partida, a Itália teve um raro ataque naquela segunda etapa com Inzaghi, pela direta, que recebeu nas costas de Aldair e chutou, mas Taffarel defendeu. Dunga arriscou em seguida, em chute de fora da área, mas Pagliuca defendeu e mandou para escanteio. 

Roberto Carlos carimbou o travessão de Pagliuca.

 

A resposta italiana veio logo depois, aos 36’, em contra-ataque engatilhado por Inzaghi, que tabelou com Del Piero e chutou de primeira para a defesa de Taffarel. Três minutos depois, Romário começou jogada no meio de campo e deixou com Flávio Conceição. O volante tocou para Ronaldo, que deixou com Leonardo, mas a bola escapou. Num lapso de segundo, Ronaldo percebeu a chegada de Romário, tocou para o Baixinho e aí ele fez a festa: invadiu a área, passou por três de uma vez, driblou Pagliuca e marcou um golaço: 3 a 3. Com o Baixinho não tinha talvez. Era caixa!

O gol saiu aos 39’ e o Brasil seguiu no ataque. Romário era praticamente um meia àquela altura, chamando a marcação, atraindo os defensores, construindo as jogadas. Em uma delas, a bola sobrou para Aldair, de surpresa lá na frente, mas o zagueiro chutou fraco e Pagliuca defendeu. Aos 45’, Ronaldo recebeu na área, cabeceou, mas a bola foi nas mãos de Pagliuca. Após dois minutos de acréscimos, o empate acabou dando de bandeja o título do Tournoi de France à Inglaterra, que, com 6 pontos, não poderia mais ser alcançada por ninguém. 

O resultado foi frustrante para o Brasil, que jogou melhor no segundo tempo, criou muitas chances, mas pecou nas finalizações e nas boas defesas de Pagliuca. Após o jogo, Romário não escondeu a decepção: “Estamos muito desatentos nos três setores. Sofremos gols que não podemos sofrer, erramos passes importantes e perdemos gols imperdoáveis”. No fim, as duas seleções foram aplaudidas e valeu demais o entretenimento ao privilegiado torcedor que esteve ali no Stade de Gerland e viu tantos craques desfilarem suas virtudes com camisas emblemáticas do futebol, que se enfrentaram mais quatro vezes após aquele encontro de 1997, mas nunca mais com tantos craques como naquele dia em Lyon. 

 

Pós-jogo: o que aconteceu depois?

 

Brasil: embora tivesse um ataque devastador, o time canarinho demonstrou naquele jogo muitos dos seus problemas defensivos. No último jogo do Tournoi de France, o time venceu a Inglaterra por 1 a 0, gol de Romário, e terminou na segunda colocação. Em seguida, foi campeão da Copa América na Bolívia. Em 1998, o time era favorito para vencer a Copa do Mundo, mas Romário acabou cortado por lesão e foi prejudicado pela falta de paciência da comissão técnica, que não acreditou na recuperação do Baixinho. Sem ele, o Brasil perdeu muita qualidade no ataque e acabou dependente de Ronaldo e Rivaldo durante o Mundial. O time chegou à final levando gols bobos e sofrendo muito nas jogadas aéreas como sofreu diante da Itália. O resultado? A França venceu o time brasileiro por 3 a 0 com dois gols de cabeça de Zidane, ambos oriundos de jogadas de escanteios. Os sinais foram apresentados um ano antes…

 

Itália: a Azzurra empatou em 2 a 2 com a França sua última partida no Tournoi e terminou na última colocação, com dois empates e uma derrota. O único consolo foi a artilharia de Del Piero, com 3 gols. O time de Cesare Maldini tinha algumas virtudes, mas ainda não era uma seleção pronta para ser campeã do mundo. Em 1998, os europeus chegaram até as quartas de final, enfrentaram a anfitriã França e, após empate sem gols no tempo normal e na prorrogação, foram eliminados nos famigerados pênaltis. Só em 2006 que a Azzurra iria acabar com a maldição dos pênaltis e foi campeã do mundo dessa maneira, contra a França, após empate em 1 a 1 e vitória na marca da cal por 5 a 3 em Berlim.

Presentes no Tournoi de France em 1997, Del Piero e Cannavaro foram campeões do mundo em 2006 diante da França. Foto: Getty Images

 

 

 

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