Grandes feitos: Campeão da Recopa da UEFA (1994-1995), Campeão da Copa do Rei (1993-1994) e 3º colocado no Campeonato Espanhol (1993-1994).
Time-base: Cedrún; Belsué (Cafu), Fernando Cáceres, Xavi Aguado e Solana; Aragón, Nayim (José Aurélio Gay), Miguel Pardeza e Higuera (Geli / Sanjuán); Poyet; Juan Esnáider (Darío Franco). Técnico: Víctor Fernández.
“Os Heróis de Paris”
Por Guilherme Diniz
Na década de 1960, o Real Zaragoza fez história ao levantar pela primeira vez um título continental: a Copa das Cidades com Feiras de 1963-1964, ao derrotar o compatriota Valencia na final por 2 a 1. Eram tempos de Severino Reija, Canário, Duca, Marcelino – que seria herói do primeiro título da Eurocopa da Espanha, também em 1964 – Juan Manuel Villa e Lapetra, base de um esquadrão que venceu ainda duas Copas do Rei. Os anos se passaram e os Blanquillos só conseguiram vencer mais uma Copa do Rei nos anos 1980 e viveram altos e baixos, com duas quedas para a segunda divisão e campanhas medianas em torneios nacionais. Até que, em 1993-1994, o Zaragoza voltou a fazer história com um 3º lugar em La Liga, goleadas sobre Barcelona, Atlético de Madrid e Real Madrid, e o título da Copa do Rei, que encerrou um jejum de quase uma década sem troféus e abriu caminho para a disputa da Recopa da UEFA, então o segundo maior torneio da Europa.
Com a mesma base vencedora do ano anterior, o Zaragoza foi despachando grandes e tradicionais rivais pelo caminho e alcançou a final, onde enfrentou o perigoso Arsenal-ING, campeão da Recopa do ano anterior e querendo o bi. Jogando em um Parque dos Príncipes com mais de 42 mil pessoas, o Zaragoza derrotou os Gunners por 2 a 1, com um gol antológico na prorrogação de Nayim, e ficou com o troféu continental. Foi o auge de um time copeiro, organizado e muito bem comandado por Víctor Fernández, técnico que começou treinando as equipes de base, alcançou o posto principal em 1991 e fez história ao lado de Cedrún, Fernando Cáceres, Xavi Aguado, Solana, Aragón, Nayim, Poyet, o goleador Esnáider e o capitão Miguel Pardeza. É hora de relembrar.
Sumário
A vez de Fernández

Depois de terminar na 9ª colocação o Campeonato Espanhol de 1989-1990 e alcançar as quartas de final da Copa do Rei do mesmo ano, o Zaragoza passava por apuros a época 1990-1991. Lutando contra o rebaixamento, os Blanquillos precisavam somar pontos na reta final da temporada se não quisessem cair para a segundona mais uma vez – a última havia sido em 1977. Com isso, a diretoria decidiu apostar em Víctor Fernández, técnico das equipes de base e que assumiu o Zaragoza já em 1991 no lugar do uruguaio Ildo Maneiro, que pediu demissão devido aos resultados ruins e à pressão da torcida. Fernández tinha apenas 30 anos quando chegou ao posto e demonstrou grandes ambições. “Todos os jogadores me conhecem, eu conheço eles e espero que me apoiem. Pedi a eles muita entrega, que lutem mais e que tenham mais vontade. Confio neles para tirar o clube dessa situação”, disse Fernández ao Mundo Deportivo (ESP), em março de 1991.
Aos trancos e barrancos, Fernández conseguiu evitar a queda dos Blanquillos ao terminar na 17ª colocação e superar o Real Murcia nos playoffs após empate sem gols fora de casa e vitória por 5 a 2 em La Romareda, com dois gols de Poyet, dois de Pardeza e um de Higuera. A permanência na elite deu mais tranquilidade ao técnico Fernández, que pôde trabalhar o elenco com mais calma para a temporada 1991-1992. E uma das principais mudanças do treinador foi transformar o atacante uruguaio Gus Poyet em meia, ao perceber as qualidades no passe e visão de jogo que ele tinha e não eram aproveitadas com Poyet jogando mais avançado. Essa mudança surtiu efeito e o Zaragoza terminou La Liga na 6ª colocação.

A boa temporada coincidiu com a mudança estrutural do clube, que passou a ser uma SAD (Sociedade Anônima Desportiva) e viu Alfonso Solans assumir a presidência. Essa nova fase deu mais estabilidade financeira ao Zaragoza, que pôde ir às compras na temporada 1992-1993 e trouxe o lateral-esquerdo alemão Andreas Brehme (ex-Internazionale), o meio-campista Santiago Aragón (ex-Real Madrid) e o meio-campista Nayim (ex-Tottenham Hotspur). Em La Liga, o Zaragoza fez uma campanha mediana – terminou na 9ª colocação -, mas o destaque foi mesmo na Copa do Rei, competição que o clube de La Romareda se classificou para a final após superar pelo caminho Sporting de Gijón, Real Oviedo e Valencia.
Na final, no Mestalla, a equipe de Fernández teve pela frente o Real Madrid, vivendo uma seca de títulos e com alguns remanescentes do esquadrão dos anos 1980 como Paco Buyo, Chendo, Sanchís, Míchel e Butragueño. O jogo foi disputado e o Zaragoza perdeu muitas chances, além de ter sofrido com a péssima arbitragem de Joaquín Urío Velázquez, que não marcou um pênalti claro de Luis Milla em José Aurelio Gay – quando o placar ainda estava 0 a 0 – e a aplicação de cinco cartões amarelos nos jogadores do Zaragoza. Butragueño, aos 29’ do 1º T, e Lasa, aos 78’, fizeram os gols da vitória merengue por 2 a 0 que selou o título do Real e a decepção dos Leones. Mas não era hora de lamentar. O trabalho estava sendo bem feito e era questão de tempo até o Zaragoza chegar ao topo.
Dos tropeços ao Top 3

Para a temporada 1993-1994, o Zaragoza trouxe o atacante argentino Juan Eduardo Esnáider e o defensor argentino Fernando Cáceres, que vinha de boas temporadas no River Plate, pelo qual venceu o campeonato nacional de 1991-Apertura. A expectativa do torcedor era de mais uma boa temporada, mas o desempenho do Zaragoza no começo de La Liga foi o pior possível: três derrotas e dois empates nos primeiros cinco jogos, incluindo um revés de 4 a 1 para o Barcelona. A permanência de Fernández no comando técnico do Zaragoza estava por um triz e ele precisava da vitória na sexta rodada se quisesse seguir no clube. Para isso, o espanhol mexeu na parte ofensiva e colocou Pardeza, Esnáider e Higuera mais avançados, praticamente um trio de ataque. A mudança deu certo e os Leones bateram o Osasuna por 2 a 1, em casa, com dois gols de Esnáider.
Embora a equipe tenha ficado na parte de baixo da tabela até a 11ª rodada, tudo começou a mudar a partir de novembro de 1993, quando o Zaragoza venceu o Atlético de Madrid por 2 a 1, e, após tropeçar diante do Racing Santander, goleou o Tenerife por 6 a 2, triunfo que embalou os Leones em sete rodadas seguidas sem perder – foram seis vitórias e um empate. Da 17ª colocação, o Zaragoza saltou ao 12º lugar e seguiu sua guinada até o 6º lugar na rodada 21, quando venceu a Real Sociedad por 3 a 0.

Após perder para o Albacete na rodada 22, os Leones enfrentaram o Dream Team do Barcelona, que brigava ponto a ponto com o Deportivo La Coruña na liderança. Jogando em casa, o Zaragoza realizou uma partida histórica e venceu por 6 a 3, o que fez do clube o primeiro a marcar seis gols no Barcelona em incríveis 32 anos! Vale lembrar que o Barça jogou com várias de suas estrelas da época como Zubizarreta, Ferrer, Koeman, Sergi Barjuán, Guardiola, Amor, Bakero, Michael Laudrup e Romário!
Cáceres abriu o placar para os Leones aos 5′ e José Aurélio Gay ampliou, aos 15′. Romário descontou, aos 31′, e Esnáider balançou as redes duas vezes, aos 39′ e aos 44′. No segundo tempo, Laudrup diminuiu, mas Higuera e Poyet aumentaram para 6 a 2 até Romário fazer o terceiro e dar números finais ao jogo. Johan Cruyff, técnico do Barça na época, não deixou se abater com o placar e comentou: “Pode ser a maior goleada que sofri como treinador, mas quando era jogador, com a camisa do Feyenoord, o Ajax nos goleou por 8 a 2 e mesmo assim terminamos campeões”.


O Zaragoza permaneceu mais oito jogos sem perder, arrancou um ponto precioso do La Coruña em pleno Riazor e cravou seu lugar entre os primeiros da tabela. Os Leones ainda golearam o Atlético de Madrid em pleno Vicente Calderón por 4 a 0, confirmando a excelente fase do time de Fernández. A equipe de Aragón seguiu na 4ª colocação até a rodada final, quando enfrentou o Real Madrid, em casa, no duelo direto pelo terceiro lugar – o Barça foi campeão – e sapecou os merengues por 4 a 1, resultado que deu a 3ª colocação aos Blanquillos, a melhor do clube em La Liga desde o vice-campeonato de 1974-1975.
Em 38 jogos, o Zaragoza venceu 19, empatou 8 e perdeu 11, com 71 gols marcados (segundo melhor ataque e melhor ataque do clube na história de La Liga na época) e 47 gols sofridos. Esnáider foi o artilheiro da equipe com 13 gols, seguido de Higuera, com 12. O defensor Cáceres foi eleito para o time do ano de La Liga e o técnico Víctor Fernández ganhou o prêmio Don Balón de melhor treinador da competição.
A campanha consolidou um time muito competitivo, que jogava num 4-4-2 com a linha central onde Poyet e Aragón eram os responsáveis pela contenção e criação no meio, enquanto Pardeza e García Sanjuán (ou José Aurélio Gay) jogavam mais abertos. Na frente, Higuera e Esnáider eram os atacantes fixos. Na parte defensiva, o Zaragoza adiantava a marcação para favorecer a recuperação da bola no campo rival. Graças à capacidade ofensiva dos laterais – especialmente Belsué –, o Zaragoza dificultava o jogo para qualquer rival e ainda podia jogar num 4-3-3, com Nayim no meio junto a Poyet e Aragón, o que permitia que Pardeza, Gay ou Sanjuán não tivessem tantos afazeres defensivos.
A saga da Copa do Rei

Além da excelente campanha no Campeonato Espanhol, o Zaragoza refez seu caminho de volta à final da Copa do Rei. A trajetória começou nas oitavas de final com um susto: derrota por 1 a 0 para o modesto Badajoz, de Extremadura. Na volta, em casa, os Blanquillos venceram por 3 a 0 (dois gols de Pardeza e um de Aragón) e garantiram a vaga nas quartas, quando derrotaram o Sevilla por 2 a 1 em casa (gols de Aragón e Poyet) e empataram em 1 a 1 fora. Na semifinal, o rival foi o Real Betis. Na ida, o Zaragoza venceu por 1 a 0 na casa do Betis (outro gol de Aragón) e, na volta, os Blanquillos tiveram a vaga nas mãos com o empate sem gols até os 90’+1’ quando Roberto Ríos fez 1 a 0 para o Betis e forçou a prorrogação. A derrota no tempo regulamentar mexeu com o Zaragoza, que foi pra cima no tempo extra e virou o jogo para 3 a 1: Poyet fez o dele, aos 4’, José Aurélio Gay virou três minutos depois e Moisés fechou a conta aos 5’ do segundo tempo.
Na decisão, disputada no Vicente Calderón tomado por 60 mil pessoas, o Zaragoza teve pela frente o Celta de Vigo, do goleiro Cañizares e do capitão Vicente. Mesmo sem o atacante Esnáider, suspenso, o time de Fernández tomou a iniciativa do jogo no primeiro tempo e criou algumas chances, mas parou na falta de pontaria e no goleiro Cañizares, que evitou gols de Higuera e Poyet. Na etapa complementar, o Celta adiantou a marcação e equilibrou o jogo. Faltando cinco minutos para o fim, o Celta quase fez o gol da vitória em cabeçada de Salva defendida por Cedrún. O zero não saiu do placar e, na prorrogação, embora tenha ficado com um jogador a menos (Aragón levou o segundo amarelo e foi expulso), o Zaragoza teve controle do jogo e soube dominar as ações com sua qualidade técnica superior a do rival.




A partida acabou indo para os pênaltis e todos foram convertendo seus chutes até Alejo Índias chutar rasteiro, fraco, e o goleiro Cedrún encaixar a bola para defender! Era só Higuera converter seu chute que o título da Copa do Rei ficaria com o Zaragoza. Higuera chutou forte e fechou o 5 a 4 que deu o caneco histórico ao clube de Aragón. Na comemoração, o espanhol foi celebrar com a torcida como um legítimo torcedor, expressando toda a alegria e euforia pelo fim de um jejum angustiante e que lavou a alma do clube após a derrota para o Real Madrid no ano anterior.
“Tivemos a sensação de alegria e tranquilidade, porque ainda tínhamos a memória amarga da derrota injusta para o Madrid. Quando ficamos com um a menos foi muito complicado, partimos como favoritos e assim nos demonstramos. Chegar aos pênaltis com dez era como uma vitória e alcançamos o título”, comentou o lateral Solana ao site do Real Zaragoza sobre a conquista. Um momento curioso aconteceu durante as celebrações do título, quando o goleiro Cedrún cravou que o time iria conquistar a Recopa no ano seguinte. Será que ia mesmo?
Manutenção da base e passagem relâmpago de um tetra

Campeão e com vaga garantida na Recopa da UEFA de 1994-1995, o Zaragoza manteve a base vencedora e ainda trouxe (na janela de inverno) para a lateral-direita o brasileiro Cafu, estrela do São Paulo bicampeão mundial e da Libertadores em 1992 e 1993 e presente na seleção brasileira campeã da Copa do Mundo da FIFA de 1994, nos EUA. Veloz, com um fôlego invejável e capaz de atuar até como ponta-direita na época, o craque seria uma arma e tanto para o time de Aragón seguir competitivo e ainda mais forte. Porém, a passagem de Cafu no clube espanhol durou apenas meia temporada, pois ele acabou deixando o Zaragoza em 1995 e retornou ao Brasil. Ele mesmo comentou sobre sua passagem à Four Four Two (UK), em maio de 2019.
“Meu contrato era de seis meses, com opção de mais dois anos. No meio da temporada, tive uma lesão no púbis que me impediu de jogar. Eu estava sempre no banco. Quando me ofereceram um contrato para ir ao Juventude, aceitei. O técnico Fernández disse que eu deveria ficar, mas eu sabia que não conseguiria ajudar muito o time. Eu me sentia péssimo por estar lá sem ajudar em campo”, comentou Cafu, que não teve problemas com Belsué, titular absoluto do time na época.
“É difícil ir para um time novo, mas cheguei como campeão da Copa do Mundo e tinha acabado de jogar a final. Eu me dava bem com Belsué. Costumávamos jantar juntos; nos divertíamos muito. O respeito era mútuo, mas o treinador tinha a decisão final. Para ser sincero, talvez ele às vezes tivesse uma vantagem por ser o herói local, mas, no geral, a competição era muito saudável”.
Cafu disputou apenas 16 jogos em La Liga pelo Zaragoza, dois na Copa do Rei e um na Recopa da UEFA, totalizando 19 jogos com a camisa branca. Antes da chegada do brasileiro, o Zaragoza disputou uma final eletrizante da Supercopa da Espanha contra o Barcelona. No primeiro jogo, em casa, os Blanquillos acabaram perdendo por 2 a 0, em gols de Stoichkov e Amor. Na volta, no Camp Nou com mais de 70 mil pessoas, o Zaragoza fez um grande jogo e passou perto da taça. Belsué abriu o placar aos 10′ e Begiristain empatou. Esnáider fez 2 a 1 e Higuera ampliou para 3 a 1, resultado que levava o duelo para a prorrogação. No segundo tempo, Stoichkov descontou e, na sequência, empatou. Aos 77′. Higuera fez 4 a 3 e Begiristain empatou de novo, aos 87′. Dois minutos depois, Higuera fez 5 a 4 (foi o terceiro gol dele no jogo!), mas era tarde demais, pois o placar agregado de 6 a 5 deu o caneco aos blaugranas. Mesmo com o vice, o Zaragoza provou que seguia forte e disposto a vencer pelo menos mais um título.
Bom início em La Liga garante o 7º lugar

Após a grande apresentação no Camp Nou pela Supercopa, o Zaragoza fez um ótimo primeiro turno no Campeonato Espanhol. A equipe perdeu apenas um dos primeiros 11 jogos e ainda derrotou Barcelona (2 a 1), Real Madrid (3 a 2), Betis (1 a 0) e Celta (4 a 0). Os Blanquillos lideraram La Liga por duas rodadas e permaneceram no top 3 até a rodada 18, quando começaram a perder posições a medida em que a Recopa da UEFA ia ficando cada vez mais palpável e possível.
O returno do Zaragoza foi muito ruim, a equipe perdeu demais e a campanha do turno acabou segurando o time lá em cima. A equipe de Aragón terminou a competição na 7ª colocação, com 18 vitórias, sete empates e 13 derrotas em 38 jogos. Esnáider mais uma vez foi o goleador máximo do time com 16 gols, seguido de Poyet e Pardeza, ambos com 11 gols. Na Copa do Rei, os Blanquillos acabaram eliminados já na primeira etapa após revés para o Albacete.
Destino final: Paris

Por ser uma competição de tiro curto e de extrema importância, a Recopa da UEFA representava muito para o Zaragoza. E obviamente que o clube tratou o torneio europeu como meta principal naquela temporada, o que acabou custando um melhor desempenho no segundo turno de La Liga. Tudo começou na Romênia, no revés por 2 a 1 para o desconhecido Gloria Bistrita. Na volta, em Valência (o estádio La Romareda estava em reforma para se adequar às normas da UEFA, que exigia que as arquibancadas tivessem assentos numerados), o Zaragoza goleou por 4 a 0 – dois gols de Poyet, um de Aguado e outro de Pardeza – e avançou às oitavas de final, quando encarou o Tatran Presov-RCH e venceu por 4 a 0 na ida, com dois gols de Esnáider, um de Poyet e outro de Varga, contra. Na volta, ainda em Valência, Esnáider e Celada fizeram os gols da vitória por 2 a 1 que classificou os espanhóis.
Nas quartas, o primeiro grande desafio: enfrentar o tradicional Feyenoord, comandado por Willem van Hanegem e que tinha o goleiro De Goey, o lateral Van Bronckhorst e a dupla Larsson e Witschge. No jogo da ida, no caldeirão do De Kuip com quase 42 mil pessoas, o Zaragoza fez um jogo duro, segurou a pressão o quanto pôde, mas acabou levando um gol de Larsson, aos 62’. O placar magro manteve os espanhóis vivos, e, na volta, o clube pôde voltar à sua casa, ainda sem a capacidade total, mas com 25 mil torcedores que transformaram La Romareda em um caldeirão.
Depois de um primeiro tempo sem gols, o Zaragoza abriu o placar aos 59’, quando Pardeza recebeu dentro da área, ajeitou para a perna esquerda e mandou um chutaço sem chance para o goleiro De Goey. A partida ficou dramática, com chances para ambos os lados, mas com o Zaragoza tendo mais posse de bola. Até que, aos 72’, uma cobrança de falta na área holandesa foi rebatida pela zaga e, no rebote, Esnáider acertou um lindo chute de primeira e marcou um golaço que explodiu La Romareda: 2 a 0.


Era o suficiente. Com 2 a 1 no agregado, os espanhóis conseguiram a vaga na semifinal! Faltava pouco para a decisão. Só que o próximo adversário da equipe do técnico Víctor Fernández também era difícil: o Chelsea, de Johnsen, Sinclair, Rocastle e o veterano Hoddle. Pela primeira vez o Zaragoza começou a disputa em casa, e, por isso, tratou de fazer o resultado logo de cara. Com 35 mil pessoas em La Romareda, a equipe espanhola fez uma partida perfeita e venceu por 3 a 0, com Pardeza abrindo o placar aos 8’, Esnáider ampliando aos 26’ e fechando a conta aos 57’. Que fase do argentino! E que fase do Zaragoza, com os pés na final!
Duas semanas depois, a equipe viajou até Londres podendo perder por até dois gols. No primeiro tempo, Furlong abriu o placar para os Blues, mas Aragón empatou no começo da segunda etapa e ampliou a vantagem espanhola. O Chelsea ainda marcou dois gols, mas o placar de 3 a 1 foi insuficiente para tirar a vaga dos Blanquillos. O título europeu estava muito perto. Só faltava um desafio: enfrentar o então campeão Arsenal, de Seaman, Tony Adams, Lee Dixon, Ray Parlour e Ian Wright.
Os lendários campeões!

Embora estivesse embalado na Recopa, o Zaragoza não era favorito para levar o título. O Arsenal, campeão em 1994 e com a mesma base, exceto o célebre técnico George Graham, era o forte candidato ao bicampeonato, principalmente após despachar o bom Auxerre-FRA da época e a fortíssima Sampdoria-ITA de Zenga, Mannini, Lombardo, Jugovic, Roberto Mancini e Evani. A partida foi disputada no Parque dos Príncipes, em Paris, com mais de 42 mil pessoas. A estratégia do Zaragoza era abusar dos lançamentos em profundidade e chutes de longa distância para aproveitar a lentidão da zaga inglesa e a mania do goleiro Seaman de jogar adiantado.
A final foi equilibrada e, após um primeiro tempo sem gols, o Zaragoza abriu o placar exatamente depois de explorar as lacunas na zaga inglesa. Após uma disputa no campo do Arsenal, Esnáider, sempre bem colocado, dominou, ajeitou e chutou de fora da área para vencer Seaman e abrir o placar aos 68’. “O gol de Esnáider foi de beleza, plasticidade e agilidade no tiro tremenda. Esse gol corresponde a um craque, como era Juan”, comentou anos depois o técnico Fernández ao diário Marca (ESP). Mas a festa espanhola durou pouco, pois o Arsenal chegou ao empate após gol do galês Hartson, aos 75’. O empate persistiu até o fim e o jogo foi para a prorrogação. Foi aí que o técnico Fernández mexeu no time de maneira providencial.


“O destino estava preparado para Nayim. Você não estava pensando na festa nos últimos minutos. Estava pensando nos pênaltis. Tomei a decisão de colocar o Geli, um especialista, e tirar o García Sanjuán. Essa mudança fez com que Geli passasse para a esquerda e Nayim para a direita, de onde ele poderia chutar melhor. Ele não marcou nenhum gol em toda a temporada, mas quis o destino que ele fizesse naquele dia”. – Víctor Fernández, técnico do Real Zaragoza em 1995, em entrevista ao Diário Marca (ESP), maio de 2020.
Quando a decisão parecia ir para os pênaltis, aos 119’, Nayim aproveitou uma deixa da zaga inglesa, avançou pela direita, percebeu Seaman adiantado e chutou. A bola foi com efeito, o goleirão não alcançou e ela foi parar dentro do gol. Foi um golaço, que selou a vitória por 2 a 1 e o título do Zaragoza. O mais irônico é que Seaman levaria um gol parecido, mas de falta, do brasileiro Ronaldinho alguns anos depois, nas quartas de final da Copa do Mundo da FIFA de 2002.
“Disse aos meus companheiros que tínhamos que ganhar essa partida, não só por nós, mas por muito mais gente e por aqueles que estavam nos vendo em todo mundo. Sabia que procuraria passar por trás da defesa porque não tinham os zagueiros mais rápidos e o Seaman jogava adiantado. Lembrei-me de que Santi Aragón tentou durante o jogo, inclusive. Marcar daquele jeito foi da melhor forma que você poderia imaginar, como um quadro de Picasso ou de Van Gogh. É magnífico. É um grande sentimento que você sempre lembrará”. – Nayim, em entrevista ao Diário AS (ESP), maio de 2020.


O título tornou os atletas conhecidos como “os heróis de Paris” e foi o ápice de um time competitivo, ofensivo e vencedor, que encheu de orgulho o torcedor do Zaragoza. “A nível profissional e pessoal representou tudo. Foi uma vitória de todo Aragón. Como técnico, alcançar um título europeu é muito difícil, ainda mais naqueles tempos. Foi como tocar o céu”, comentou o técnico Fernández. Em 9 jogos, o Zaragoza venceu 6 e perdeu 3, marcou 19 gols e sofreu 7. Juan Esnáider, com 8 gols, foi o vice-artilheiro da competição, atrás apenas do inglês Ian Wright, do Arsenal, que anotou 9 tentos.
O fim do esquadrão

Para a temporada 1995-1996, o Zaragoza se reforçou com o atacante Fernando Morientes e o meia Sergio Berti, mas perdeu Juan Esnáider para o Real Madrid e o defensor Geli para o Celta. Embora Morientes tivesse qualidade, Esnáider estava muito mais entrosado com o esquema de jogo dos Blanquillos e a equipe perdeu a intensidade. Na Supercopa da UEFA, os espanhóis enfrentaram o poderosíssimo Ajax, campeão da UCL de 1995 e com craques do naipe de Van der Sar, Reiziger, Blind, Frank de Boer, Finidi George, Litmanen, Ronald de Boer e Kluivert. No duelo de ida, em La Romareda, o Zaragoza abriu 1 a 0 com Aguado, mas Kluivert empatou no segundo tempo. Na volta, em Amsterdã, os alvirrubros golearam por 4 a 0 e ficaram com o troféu.
No restante da temporada, o Zaragoza fez uma campanha apenas regular em La Liga e terminou na 13ª colocação, enquanto nas competições copeiras o clube caiu nas quartas de final tanto da Copa do Rei quanto na Recopa da UEFA. Na temporada seguinte, o técnico Fernández acabou deixando o clube por causa dos resultados ruins e a equipe não levantou títulos.
Nos anos 2000, veio outra Copa do Rei (em 2000-2001), mas já em 2001-2002 os Blanquillos foram rebaixados em La Liga. A equipe retornou rápido e levantou outra Copa do Rei em 2003-2004, mas novos altos e baixos seguiram até o clube ser rebaixado em 2007-2008 e 2012-2013, esta em definitivo, pois os Leones não voltaram mais para a elite desde então. Com isso, a torcida do Zaragoza segue nas memórias de um esquadrão memorável, que venceu títulos inesquecíveis, derrotou gigantes e encheu de orgulho toda a região de Aragón.
Os personagens:
Cedrún: com 1,98m de altura, o goleirão foi um dos mais regulares do futebol espanhol por décadas e ídolo do Zaragoza, clube que defendeu de 1984 até 1996 e disputou mais de 300 jogos. Com grandes defesas e bom senso de colocação, foi decisivo em vários jogos, em especial na decisão da Copa do Rei de 1994, quando defendeu um pênalti contra o Celta. Uma lenda do clube e tido por muitos como o melhor e mais importante goleiro da história do Zaragoza.
Belsué: lateral-direito muito forte no apoio ao ataque, Belsué jogou durante uma década no Zaragoza – de 1988 até 1998 -, acumulou 345 jogos e foi referência no setor, principalmente naquela era de ouro entre 1993 e 1995. A boa fase o levou para a seleção espanhola, pela qual disputou 17 jogos na carreira.
Cafu: consagrado no São Paulo e tetracampeão com a seleção em 1994, o brasileiro tinha tudo para fazer história no Zaragoza, mas a falta de espaço e a lesão no púbis acabaram minando sua estadia no clube. Mesmo assim, a carreira do craque seguiu em alta nos anos seguintes e ele se consagrou com um dos melhores não só do Brasil, mas de todos os tempos, a ponto de vencer outra Copa do Mundo em 2002, como capitão da seleção. Leia mais sobre ele clicando aqui!
Fernando Cáceres: o argentino chegou em 1993 ao Zaragoza e foi direto para o time titular, onde fez história com grandes jogos e atuações impecáveis no miolo de zaga do time espanhol. El Negro virou ídolo da torcida e permaneceu até 1996 (disputou 124 jogos), quando acabou retornando à Argentina para jogar no Boca Juniors. Depois de se aposentar, chocou o mundo ao sofrer um tiro na cabeça em uma tentativa de assalto em Buenos Aires. Ele perdeu um olho e teve uma severa fratura na base do crânio que o deixou mais de dois meses em coma. Felizmente ele se recuperou, mas ficou com uma visível saliência na cabeça e em reabilitação para recuperar os movimentos das pernas.
Xavi Aguado: jogador que mais vestiu a camisa do Real Zaragoza na história – 473 jogos – o defensor foi uma lenda no clube de Aragón e impunha temor nos rivais pelo seu estilo de jogo mais viril e raçudo. Levava muitos cartões – foram 18 vermelhos pelos Leones na carreira, ele é o segundo com mais vermelhos na história de La Liga -, mas ainda sim era muito importante não só no setor defensivo, mas também em aparições no ataque – anotou 28 gols pelo clube. Jogou de 1990 até 2003 no Zaragoza.
Solana: cria do Real Madrid, o lateral-esquerdo, que podia jogar também como zagueiro, chegou ao Zaragoza em 1991 e permaneceu até 2000, sendo a principal opção do lado esquerdo da zaga blanquilla. Tinha qualidade nos passes, em lançamentos e também na marcação.
Aragón: meio-campista muito técnico e com boa visão de jogo, disputou 350 jogos pelo Zaragoza entre 1993 e 2003 e foi essencial no esquema tático do técnico Fernández na época. Marcava gols importantes – foram 41 pelos Blanquillos, 11 deles na lendária temporada 1993-1994 – , dava passes precisos e podia jogar mais recuado, ajudando na contenção e na cadência.
Nayim: outro jogador bastante técnico daquele meio de campo de sonhos do Zaragoza, Nayim começou a jogar no Barcelona e teve uma boa passagem pelo Tottenham (onde venceu a Copa da Inglaterra de 1990-1991 e a Supercopa de 1991) até chegar ao clube de La Romareda em 1993. Com boa inteligência tática e precisão nos passes, o jogador alternava jogos na reserva com outros no time titular, mas sempre cumprindo bem seu papel. Foi dele o gol do título da Recopa da UEFA e a experiência de ter atuado na Premier League ajudou bastante naquela final. Foram 146 jogos e 7 gols pelos Blanquillos entre 1993 e 1997.
José Aurélio Gay: fez uma grande temporada em 1993-1994, quando marcou 9 gols em 40 jogos e foi um dos destaques na conquista do título da Copa do Rei e na campanha que rendeu o 3º lugar em La Liga ao Zaragoza. O espanhol podia jogar tanto na meia esquerda quanto na meia direita, com características de criação e força ofensiva. Foram 137 jogos e 26 gols pelos Blanquillos.
Miguel Pardeza: atacante de enorme talento, foi uma das crias do Real Madrid na época da Quinta del Buitre, mas acabou se destacando mesmo com a camisa do Zaragoza, clube que defendeu entre 1985 e 1986 e de 1987 até 1997. Pardeza podia jogar como atacante mais centralizado, segundo atacante ou ponta, e não só marcava gols como dava passes para os companheiros, além de abrir espaços nas zagas rivais com sua velocidade, raça e entrega. Em 343 jogos, marcou 97 gols pelos Leones – é o 4º maior artilheiro da história. Uma verdadeira lenda.
Higuera: meia e atacante, o espanhol foi outro extremamente identificado com o Zaragoza e brilhou de 1988 até 1997 na equipe de Aragón. Com boa presença de área, rompedor de defesas e muito inteligente taticamente, El Paquete foi um terror para os adversários e um dos principais goleadores do Zaragoza na época. Em 322 jogos, marcou 72 gols, além de ter sido o vice-artilheiro do time na temporada 1993-1994 com 14 gols em 47 jogos.
Geli: o meio-campista chegou ao Zaragoza na temporada 1994-1995 e foi uma boa alternativa para o esquema tático do técnico Fernández. Foram 40 jogos e um gol naquela época.
Sanjuán: outro meio-campista de talento e boa visão de jogo, com características mais defensivas, foi titular absoluto do Zaragoza entre 1991 e 1994. Disputou 47 jogos e marcou 3 gols na temporada 1993-1994 e outros 32 jogos (com um gol) na temporada seguinte.
Poyet: o uruguaio foi uma “transformação” do técnico Fernández, que recuou o então atacante para o meio e fez dele um dos principais jogadores do futebol europeu na época. Poyet virou o famoso “box to box”, aquele que percorre todo o miolo central e aparece no ataque para marcar gols e dar passes. Foi assim que ele marcou 9 gols em 1993-1994 e 14 gols em 1994-1995. Ele é o 6º maior artilheiro do Zaragoza na história com 80 gols em 276 jogos. Brilhou também pelo Chelsea, onde venceu outra Recopa da UEFA em 1997-1998 e pela seleção do Uruguai, pela qual levantou a Copa América de 1995.
Juan Esnáider: o atacante argentino foi praticamente dispensado pelo Real Madrid em 1993 e chegou ao Zaragoza com muito apetite. E, jogo a jogo, virou a principal referência ofensiva dos Blanquillos com golaços, faro de gol e atuações dignas do clássico camisa 9. Foram 16 gols em 40 jogos em 1993-1994 e 25 gols em 43 jogos em 1994-1995, oito deles na campanha do título da Recopa da UEFA, sendo um na final. O argentino retornou ao Real Madrid já em 1995, mas não repetiu o brilho que teve no Zaragoza nem no clube merengue nem com outra camisa. Em 96 jogos, marcou 49 gols e deu 5 assistências. Ídolo efêmero, mas eterno dos Leones.
Darío Franco: outro argentino que fez bons jogos pelo Zaragoza, Franco jogou de 1991 até 1995 no clube e fez bons jogos, a maioria vindo do banco de reservas.
Víctor Fernández (Técnico): sem dúvidas um dos mais importantes técnicos da história do Zaragoza e responsável por mudar a trajetória do clube naqueles anos 1990. Com muita inteligência tática, conhecimento dos rivais e com o elenco na mão, criou um time competitivo, talentoso e com um meio de campo e ataque fabulosos. Venceu títulos irrepreensíveis e poderia ter vencido mais se não fosse a péssima arbitragem na final da Copa do Rei de 1992-1993 e a falta de concentração no início de La Liga de 1993-1994. Entre março de 1991 e novembro de 1996, comandou o Zaragoza em 279 jogos, com 112 vitórias, 72 empates, 95 derrotas, 391 gols marcados e 345 sofridos.
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Muito legal o texto e esse gol antológico do nayim incrível como nunca entra na lista dos maiores gols da história pois pra mim isso tem que ser obrigatório.agora um tira teima: qual Zaragoza foi melhor,o dos anos 60 da delantera de Los cinco magníficos ou esse dos anos 90? fica a dúvida certo.