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Torneios históricos: a Recopa da UEFA

 

Por Guilherme Diniz

 

Até o ano de 1999, a UEFA organizava anualmente três grandes torneios de clubes: a Liga dos Campeões da UEFA, a Copa da UEFA e a Recopa da UEFA, esta conhecida também com o pitoresco nome de Taça dos Clubes Vencedores de Taças. Atrás apenas da UCL em grau de importância, a competição foi extinta na temporada 1998-1999, deixando o Velho Continente com apenas dois torneios anuais. Só em 2021 que a entidade máxima do futebol europeu voltou a organizar mais uma competição com a criação da Conference League, mantendo novamente três torneios.

Embora tivesse um nome bem peculiar, a Recopa da UEFA foi um dos grandes torneios da história e teve esquadrões memoráveis em sua galeria de campeões. Além disso, possibilitou títulos a clubes considerados “fora do eixo” e histórias marcantes. É hora de relembrar.

 

Só entra quem tem Copa

Flâmula da primeira final. Foto: Acervo Scottish Football Memorabilia.

 

No começo da década de 1960, o Comitê Organizador da Copa Mitropa – torneio interclubes que desde 1927 reunia majoritariamente equipes da Europa Central. Foi um dos primeiros torneios de clubes do mundo – decidiu organizar uma competição que reunisse os principais clubes vencedores das copas nacionais de seus países. Era uma ideia mais do que válida, afinal, a Copa dos Campeões, já consolidada e organizada pela UEFA, reunia apenas os campeões das ligas nacionais. Portanto, por que não ter uma competição que premiasse os vencedores das copas? 

O torneio teve sua primeira edição na temporada 1960-1961 apenas com o crivo do Comitê da Copa Mitropa, sem o aval da UEFA, ainda cética quanto ao torneio e com foco maior na recém-criada (em 1960) Eurocopa de seleções. Devido ao baixo interesse e também pelo fato de vários países ainda não terem na época copas nacionais, a edição inaugural não teve muitos participantes – apenas 10 equipes. O módulo de disputa era simples: jogos de ida e volta eliminatórios, valendo critério de gol qualificado. O time com maior placar agregado ficava com a vaga.

O troféu da Recopa.

 

Rangers (Escócia), Wolverhampton (Inglaterra), Dinamo Zagreb (Iugoslávia), Austria Viena (Áustria), Luzern (Suíça) e Borussia Mönchengladbach (Alemanha Ocidental) foram os representantes campeões das copas nacionais de seus respectivos países, enquanto Vorwärts Berlim (Alemanha Oriental), Ferencváros (Hungria) e Fiorentina (Itália) foram enviados como vice-campeões das copas. Já o Spartak Brno (Tchecoslováquia) foi enviado como campeão de uma copa local de caráter amistoso.

Após as classificações de Rangers e Spartak Brno sobre Vorwärts Berlim e Ferencváros, respectivamente, o torneio seguiu a partir das quartas de final. Nela, Rangers, Wolves, Fiorentina e Dinamo avançaram. Nas semis, Rangers e Fiorentina superaram seus desafios e fizeram a primeira final, disputada naquela temporada em dois jogos (a partir da temporada seguinte, a decisão seria em apenas um jogo, em campo neutro, como na Liga dos Campeões). No primeiro jogo da final, em Glasgow, a Fiorentina não se intimidou com a pressão da torcida escocesa no Ibrox e venceu por 2 a 0 (dois gols de Luigi Milan). Na volta, em Florença, Milan e Hamrin fizeram os gols da vitória por 2 a 1 que deu o título continental à Viola, fechando um período de ouro do esquadrão italiano.

A partir da época 1961-1962, a UEFA assumiu a organização da competição e o número de participantes mais que dobrou. A entidade padronizou o modo de disputa mudando apenas a regra da final (jogo único, em sede escolhida antes da competição) e permitia apenas os campeões das copas e o campeão vigente. Só seriam aceitas outras equipes se houvesse um mesmo campeão na liga nacional e na copa, com isso, o campeão do double iria para a Liga dos Campeões e o vice-campeão da copa iria para a Recopa.

A Fiorentina, campeã em 1961, voltou à final em 1962 e encarou o forte Atlético de Madrid, invicto. A final terminou empatada em 1 a 1 e, como na época não havia decisão por pênaltis, uma partida replay foi marcada para quatro meses depois (!). Nela, os colchoneros derrotaram os italianos por 3 a 0 e ficaram com o título. Na época seguinte, foi a vez do Tottenham Hotspur de Blanchflower e Jimmy Greaves ficar com o troféu e se tornar o primeiro clube inglês a vencer um torneio da UEFA. Os Spurs levantaram a taça com imensa categoria: enfiaram 5 a 1 no Atlético de Madrid na final em Roterdã (HOL). Foi a partir de 1963, também, que a UEFA passou a produzir pôsteres para as finais a exemplo do que ela já fazia na Liga dos Campeões da UEFA.

Nos anos seguintes, a competição continuou a ter um campeão diferente por temporada e clubes como Sporting, West Ham United, Borussia Dortmund, Bayern München, Milan, Slovan Bratislava, Manchester City e Chelsea foram campeões. A partir de 1971, a UEFA passou a organizar três competições, com a incorporação da Copa da UEFA, assumindo o lugar da antiga Copa das Cidades com Feiras. E, a partir de 1973, o campeão da Liga dos Campeões e o campeão da Recopa iriam disputar o título da Supercopa da UEFA, provando que a Recopa era, de fato, o segundo torneio mais importante do continente.

 

Anos 1970 e 1980 – surpresas

 

Festa do Milan campeão da Recopa de 1968.

 

Em 1973, o Milan se tornou o primeiro clube a vencer a Recopa duas vezes, pois também foi campeão em 1968. Em 1974, o Magdeburg, da Alemanha Oriental, surpreendeu e levantou o troféu ao derrotar o então campeão Milan na final por 2 a 0, gols de Lanzi (contra) e Seguin. Na época seguinte, foi a vez do Dynamo de Kiev do lendário Valeriy Lobanovskyi ficar com a taça – os soviéticos iriam repetir a façanha em 1986. Em 1976 e 1978, os belgas do Anderlecht levaram o bicampeonato da Recopa para a Bélgica e só não ficaram com um tri consecutivo porque perderam a final de 1977 para o Hamburgo. Em 1979, o Barcelona venceu sua primeira Recopa e, no ano seguinte, o Valencia de Kempes – artilheiro daquele ano com 9 gols – manteve a competição na Espanha com o troféu de 1980. Em 1981, outra surpresa: o Dinamo Tbilisi, então da URSS, hoje no território da Geórgia, foi campeão ao derrotar o Carl Zeiss Jena (Alemanha Oriental) na final por 2 a 1, título que até hoje é o maior de um clube do país em competições europeias. 

Dynamo, campeão em 1975.

 

Anderlecht e West Ham na final de 1976.

 

Rob Rensenbrink: holandês foi o maior artilheiro da história da Recopa com 25 gols.

 

Em 1982, o Barça ficou com o bicampeonato e, em 1983, o continente conheceu um tal de Alex Ferguson, técnico do Aberdeen-ESC campeão da Recopa daquele ano em cima do poderoso Real Madrid. Em 1984, a Juventus foi campeã e seguiu firme em busca de sua Placa da UEFA, pois em 1985, com o título da Liga dos Campeões, a Velha Senhora se tornou o primeiro clube do continente a ter em sua galeria os três principais torneios da UEFA: Copa da UEFA, Liga dos Campeões e Recopa.

Alex Ferguson levantou seu primeiro grande título europeu pelo Aberdeen.

 

A cobiçada e única UEFA Plaque.

 

Em 1985, o Everton foi o primeiro clube da Inglaterra a levantar o torneio desde o título do Chelsea em 1971. Em 1987, um brilhante Ajax comandado pelo técnico Johan Cruyff e com nomes como Rijkaard, Aron Winter, Wouters, Arnold Mühren e Van Basten levantou o troféu após vencer o Lokomotive Leipzig (Alemanha Oriental) por 1 a 0 em Atenas. Os alvirrubros tentaram o bi no ano seguinte, mas os belgas do Mechelen e seu fenomenal goleiro Michael Preud’homme venceram por 1 a 0 a final de Estrasburgo e repetiram a glória que só o Anderlecht havia conseguido na Bélgica.

O Ajax de 1987 – Em pé: Marco van Basten, Stanley Menzo, John van’t Schip, Frank Rijkaard, Franck Verlaat e Jan Wouters. Agachados: Sonny Silooy, Aron Winter, Rob Witschge, Peter Boeve e Arnold Mühren.

 

O Mechelen, do goleiro Preud’homme, surpreendeu e ficou com a taça em 1988. Foto: Acervo / Trivela / via Getty Images.

 

O inglês Gary Lineker ergue a taça da Recopa de 1989 pelo Barcelona.

 

A Sampdoria deu a volta por cima depois do revés de 1989 e ficou com o título já em 1990.

 

Em 1989, o Barcelona se tornou o primeiro tricampeão graças a vitória por 2 a 0 sobre a Sampdoria na final. Curiosamente, em 1992, espanhóis e italianos iriam se enfrentar em outra final europeia, mas na Liga dos Campeões, com novo triunfo blaugrana (1 a 0). Em 1990, porém, a Sampdoria voltou à final da Recopa e conseguiu o título que lhe escapou em 1989 ao superar o Anderlecht na final com dois gols de Vialli na prorrogação. Em 1991, o Manchester United deu à Alex Ferguson seu segundo título na competição, quando Mark Hughes fez os dois gols da vitória por 2 a 1 sobre o Barcelona.

 

Últimos anos

Rehhagel beija a taça da Recopa conquistada pelo Werder Bremen.

 

Depois dos títulos de Werder Bremen, Parma, Arsenal, Real Zaragoza e PSG, a Recopa começou a perder prestígio devido ao aumento no número de clubes participantes na Liga dos Campeões da UEFA e seu consequente apelo midiático. Ficava difícil concorrer com a Velhinha Orelhuda e a Copa da UEFA também rivalizava cada vez mais por ter até clubes mais fortes do que na Recopa na disputa. Em 1997, o Barcelona de Ronaldo levantou o quarto título e fez do clube o maior campeão da história do torneio. Em 1998, o Chelsea ficou com o bicampeonato. E, em 1999, a super Lazio de Nesta, Mihajlovic, Nedved, Roberto Mancini, Almeyda, Salas e Vieri encerrou com chave de ouro a história da competição com o título daquela temporada.

Tony Adams ergue a Recopa do Arsenal: único título continental dos Gunners.

 

O Parma campeão de 1993. Em pé: Luigi Apolloni, Thomas Brolin, Massimo Crippa, Roberto Nestor Sensini, Lorenzo Minotti e Luca Bucci. Agachados: Antonio Benarrivo, Gabriele Pin, Gianfranco Zola, Alberto Di Chiara e Faustino Asprilla.

 

O PSG campeão de 1996. Em pé: Guérin, Le Guen, Bruno N’Gotty, Raí, Bernard Lama e Alain Roche. Agachados: Laurent Fournier, Patrice Loko, Djorkaeff, Bravo e Colleter.

 

Ronaldo marcou o gol do 4º título do Barça, em 1997.

 

A partir de 1999-2000, a UEFA encerrou a Recopa e manteve em seu calendário a Liga dos Campeões e a Copa da UEFA, que absorveu os clubes campeões das copas nacionais para si e ganhou mais participantes. Com isso, a Supercopa da UEFA passou também a reunir os vencedores da UCL e da Copa da UEFA. Em quase 40 anos, a Recopa marcou seu nome na história do futebol europeu e teve grandes campeões, alguns que até hoje têm apenas ela como grande glória continental. Por isso, ela tem uma enorme importância e merece sempre ser lembrada.

 

Curiosidades:

  • Com 4 títulos e 2 vices, o Barcelona foi o maior campeão da história da Recopa da UEFA e o clube que mais disputou finais – 6 vezes;
  • Anderlecht, Milan, Chelsea e Dynamo de Kiev veem logo atrás com 2 títulos cada um;
  • Fiorentina e Barcelona foram os únicos clubes que tiveram o privilégio de serem campeões jogando em suas casas. A Fiorentina, por conta do critério de jogos de ida e volta na primeira edição, fez a festa no Comunale em 1961. Já o Barça foi campeão no Camp Nou em 1981-1982, quando derrotou o Standard Liège na final. Este jogo foi a final com maior público da história da Recopa: 100 mil pessoas;
  • Outros clubes foram campeões em seus países, mas não em seus estádios, como West Ham (1965), Bayern (1967) e Anderlecht (1976);
  • Real Madrid e Rapid Wien disputaram duas finais e perderam ambas;
  • A Inglaterra foi o país que mais fez campeões: 8 vezes, seguida da Espanha, com 7 campeões, e da Itália, também com 7 campeões;
  • Quatro técnicos foram bicampeões: Nereo Rocco (Milan, 1968 e 1973); Valeriy Lobanovskyi (Dynamo de Kiev, 1975 e 1986); Johan Cruyff (Ajax, 1987, e Barcelona, 1989) e Alex Ferguson (Aberdeen, 1983, e Manchester United, 1991);
  • O holandês Rob Rensenbrink é o maior artilheiro da história da Recopa com 25 gols. Depois dele, aparecem o alemão Gerd Müller (20 gols), o italiano Gianluca Vialli (19 gols) e o belga François Van der Elst (18 gols);
  • Lothar Emmerich, com 14 gols pelo Borussia Dortmund em 1965-1966, é o maior artilheiro em uma só edição de Recopa;
  • Lobo Carrasco é o jogador com maior número de títulos da Recopa: 3 troféus (1978-1979, 1981-1982 e 1988-1989), todos pelo Barcelona;
  • O Cardiff City, de País de Gales, foi o clube que mais participou da Recopa da UEFA na história: 14 vezes. Na sequência, veem Barcelona-ESP (13 participações) e Steaua Bucareste-ROM (11 participações); 
  • A Recopa teve alguns placares agregados absurdos ao longo de sua história. Eis os maiores: 

Levski Spartak-BUL 19×3 Lahden Reipas-FIN – 12×2 e 7×1;

Chelsea-ING 21×0 Jeunesse Hautcharage-LUX – 8×0 e 13×0;

Újpest-HUN 15×4 Floriana-MAL – 5×2 e 10×2;

Sporting-POR 18×1 APOEL-CPR – 16×1 (recorde em um só jogo na história das competições da UEFA) e 2×0;

Rangers-ESC 18×0 Valletta FC-MAL – 8×0 e 10×0

 

Os campeões

 

 

 

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