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Seleções Imortais – Uruguai 1995

Em pé: Álvaro Gutiérrez, Fernando Álvez, Tabaré Silva, José Óscar Herrera, Eber Moas e Gustavo Méndez. Agachados: Diego Dorta, Gus Poyet, Francescoli, Daniel Fonseca e Marcelo Otero.

 

Grande feito: Campeã da Copa América de 1995. 

Time-base: Fernando Álvez, Gustavo Méndez, José Herrera, Eber Moas e Tabaré Silva (Edgardo Adinolfi); Diego Dorta  (Pablo Bengoechea), Álvaro Gutiérrez e Gus Poyet (Marcelo Saralegui); Enzo Francescoli; Daniel Fonseca (Sergio Martínez) e Marcelo Otero. Técnico: Héctor Núñez.

 

“La Gloria junto a la gente”

 

Por Leandro Stein

 

O Uruguai possui 15 títulos da Copa América em sua história, mas a campanha de 1995 ocupa um lugar especial neste passado vitorioso. Foi um torneio que resgatou o orgulho dos torcedores charruas pela Celeste, depois de anos bastante difíceis à seleção e ao próprio país. A competição sediada pelos uruguaios não foi um primor de organização. Ainda assim, os anfitriões superaram as desconfianças dentro de campo e conquistaram uma taça para consagrar lendas do futebol local. Enzo Francescoli vivia seu grande torneio com a camisa celeste, enquanto Pablo Bengoechea brilhou na decisão. Foi uma vitória do Centenário pulsante e de uma reaproximação da seleção com a população. É hora de relembrar.

 

Problemas e mais problemas

Não fazia tanto tempo que o Uruguai havia conquistado a Copa América. A década de 1980 no continente, afinal, havia sido da Celeste – ao mesmo tempo em que Peñarol e Nacional viviam suas últimas glórias na Libertadores. Em 1983, na última edição sem sede fixa, os uruguaios levaram a taça da Copa América. A equipe de Omar Borrás já tinha Enzo Francescoli dando seu toque de classe ao setor ofensivo, contando também com Rodolfo Rodríguez no gol e o ascendente Carlos Aguilera. O troféu veio contra o Brasil na decisão. Já em 1987, na Argentina, o Uruguai faturou mais uma vez a competição ao bater o Chile na finalíssima dentro do Monumental de Núñez. Rubén Sosa e Antonio Alzamendi davam ainda mais qualidade ao setor ofensivo, ao lado de Francescoli. O gol do título à equipe de Roberto Fleitas seria anotado por Pablo Bengoechea, no triunfo por 1 a 0 contra a Roja.

Gol de Bengoechea na final contra o Chile. Foto: Arquivo / El Gráfico.

 

Aquela geração do Uruguai, entretanto, também possuía suas frustrações. A Copa do Mundo permanecia como uma lacuna. No Mundial de 1986, a Celeste seria eliminada sem uma vitória sequer, mesmo avançando aos mata-matas como um dos melhores terceiros colocados de seu grupo. Os charruas foram humilhados na famosa goleada da Dinamáquina por 6 a 1 e sucumbiram à rival Argentina nas oitavas. Já em 1990, depois de fazer uma campanha digna na Copa América anterior e representar a principal ameaça ao campeão Brasil, nova frustração no Mundial. O Uruguai de Maestro Tabárez até venceu uma, contra a Coreia do Sul, que valeu a passagem às oitavas. Porém, não seria páreo à anfitriã Itália.

Era um momento de transformação no futebol uruguaio, com os empresários tomando conta dos jogadores e uma debandada massiva de talentos rumo ao exterior. Peñarol e Nacional se afundaram na virada da década, permitindo que clubes bem menos expressivos levassem o título no Campeonato Uruguaio. E o clima ruim impactaria diretamente na seleção. Por conta de entraves com os “expatriados”, a Celeste disputou a Copa América de 1991 composta basicamente por jogadores que atuavam nos clubes locais – exceção feita a um atleta em atividade na Argentina.  Em consequência, a equipe sequer passou ao quadrangular final do torneio continental, eliminada em seu grupo por Brasil e Colômbia.

Maradona(E), da Argentina; e Francescoli, do Uruguai, se cumprimentam antes da partida válida pela Copa América de 1989 – Estádio Mário Filho (Maracanã) – Rio de Janeiro – RJ – Brasil – 14/07/1989 – Foto: Acervo/Gazeta Press

 

O técnico Luis Cubilla firmava uma queda de braço com os astros que jogavam por clubes no exterior, liderados por Francescoli – este em defesa do mega empresário Paco Casal. Enquanto os atletas locais conviviam com as dificuldades financeiras da liga e os salários paupérrimos, dizia-se que os expatriados só pensavam em dinheiro. Chamado de mercenário, o próprio Francescoli passou a ser atacado pela torcida, com muitos afirmando que ele não tinha amor à camisa celeste. O imbróglio se seguiu e houve mesmo uma greve de jogadores para desestabilizar a federação uruguaia em 1992. Os medalhões recusavam convocações a amistosos.

Até houve uma trégua em 1993, quando Cubilla contou com a volta de Francescoli, Sosa e outros destaques do exterior. Estes, porém, preferiram não jogar a Copa América, se concentrando nas Eliminatórias – que aconteceriam nos meses seguintes ao torneio continental. Sem unidade, a campanha do Uruguai na Copa América de 1993 seria fraca. Num grupo contra Equador, Venezuela e Estados Unidos, a Celeste só venceu os americanos para avançar às quartas de final. E, então, os uruguaios não resistiram à Colômbia, eliminados nos pênaltis.

A infelicidade vivida naquele junho de 1993 se somaria, três meses depois, à queda nas Eliminatórias para a Copa do Mundo de 1994. A campanha começaria ruim, com direito a um empate dentro do Centenário com o Equador e a uma derrota em La Paz contra a Bolívia. Cubilla seria demitido no meio da campanha, com Ildo Maneiro assumindo a direção. A Celeste até melhorou um pouco seu desempenho e chegou ao último jogo com chances de classificação. Mas nem Francescoli ou Sosa foram capazes de barrar Romário dentro do Maracanã, com a histórica vitória do Brasil por 2 a 0 que culminaria no tetra. A Celeste veria o Mundial de casa pela primeira vez em 12 anos.

 

Pela volta do orgulho

 

 

A Copa América de 1995 seria diferente ao Uruguai, mordido e centrado em dar sua volta por cima. A competição seria realizada no próprio país, onde nunca os anfitriões haviam perdido o torneio e onde seguiam invictos em jogos oficiais desde 1971. Existia uma motivação diferente para recuperar a glória dentro do Centenário. De qualquer maneira, os principais concorrentes no certame pareciam mais fortes que os charruas para sonhar com o troféu.

A bicampeã Argentina vivia uma fase de transição e ainda assim tinha uma equipe respeitabilíssima, com Gabriel Batistuta, Diego Simeone, Marcelo Gallardo, Javier Zanetti, Roberto Ayala e Ariel Ortega entre suas figuras. Já eram treinados por Daniel Passarella. O Brasil de Zagallo não tinha todos os campeões do tetra, mas mantinha referências como Taffarel, Aldair e Dunga ao lado de nomes em ascensão como Roberto Carlos, César Sampaio, Juninho Paulista, Edmundo e Túlio. E a Colômbia ainda merecia sua menção com Carlos Valderrama, Freddy Rincón, Faustino Asprilla e a volta de René Higuita ao gol, mesmo depois de todos os problemas vividos a partir do Mundial de 1994.

O Uruguai não tinha uma equipe fraca, mas também não parecia no mesmo patamar desses outros elencos. O treinador desde 1994 era Héctor Núñez, antigo jogador do Nacional que fez carreira na Espanha, dentro e fora de campo. Havia dirigido diversos clubes em La Liga, incluindo Atlético de Madrid e Valencia – no qual foi ídolo como atleta. Ao seu lado, o assistente era Fernando Morena, lenda do Peñarol, enquanto o preparador de goleiros era o igualmente mítico Ladislao Mazurkiewicz. A principal missão da comissão técnica era reencontrar a gana da seleção. Para tanto, também buscavam um estilo de jogo mais ofensivo e cadenciado, com trocas de passes, sem necessariamente apelar à “garra charrua”. O treinador escalava o time num 4-3-1-2, com Francescoli livre para armar e laterais soltos no apoio.

“O técnico Héctor Núñez se afastou da controvérsia, confiou em nós quando muitos duvidavam. Além disso, é um grande tipo, com muito humor, sabe o que quer e se preocupa com tudo. Tomara que com ele cheguem os êxitos. Ainda que, é claro, aqueles que definem as coisas são sempre os jogadores. O técnico pode influenciar a mentalidade ou a organização da equipe, mas não sai para jogar”, refletia Francescoli, já durante a Copa América, em entrevista à revista El Gráfico. “Temos uma grande solidariedade em grupo, garra nos momentos difíceis e o poder ofensivo que Daniel Fonseca nos dá. É algo, não?”.

“Temos que ganhar pelo nosso povo. O que aconteceu antes, fora de campo, é parte do passado. Dei a cara em um momento no qual devia fazer isso e não me arrependo. Apesar de tudo o que aconteceu depois, tinha que ser assim”, complementava o capitão. “A esta altura da minha vida, tomo tudo com outra filosofia. Se as pessoas pensam que fiz uma boa carreira profissional, melhor. Eu me sentiria gratificado. Mas, se não, não faço drama. Eu sei que entreguei tudo o que pude. Não me culpo por nada”.

 

Montando a base

A fórmula de Héctor Núñez estaria em mesclar experiência e juventude. Medalhões dos outros títulos do Uruguai na Copa América e de participações em Copas do Mundo seguiriam por lá. O goleiro Fernando Álvez e o zagueiro José Herrera compunham as lideranças na defesa. Mais à frente, apareciam heróis de outros momentos, como Sosa e Bengoechea. Mas o nome inescapável era mesmo de Francescoli, camisa 10 e capitão. O craque já se encaminhava ao final de sua carreira e havia retornado ao River Plate, onde terminaria de escrever sua lenda. Estava claro que a Copa América seria um excelente palco para se eternizar um pouco mais.

Além dos veteranos, havia também um grupo de jogadores um pouco menos tarimbados com a Celeste. Alguns deles até tinham participado das frustrações no ciclo anterior e jogavam fora do país, mas aguardavam seu grande momento pela seleção. Daniel Fonseca e Gus Poyet encabeçavam esta geração, assim como alguns nomes que despontavam nos gigantes locais, a exemplo de Marcelo Otero, Diego Dorta e Gustavo Méndez. Eles davam liga à equipe, ajudando os veteranos a resolver as partidas. Álvaro Recoba, então uma promessa que havia estreado pela seleção principal com Pichón Núñez, ficaria de fora. Assim seria com Darío Silva e Paolo Montero, outros que ascendiam, mas acabaram cortados da lista final.

“Estamos mais entrosados nesta Copa América. Sobretudo porque é a última oportunidade para uma geração como a minha, que viveu momentos muito duros. É algo como um sonho, porque depois deveríamos nos adaptar mais à realidade. Somos um país pequeno, afundado em uma crise econômica. É custoso nos organizarmos, nossa seleção teria que jogar uma ou duas partidas por mês, mas isso não se pode. Depois de 1950, ganhamos pouco. E isso porque já vamos chegar ao ano 2000. Navegamos na instabilidade. Que surjam jogadores como Fonseca, Sosa, Poyet, Herrera ou Dorta já é um milagre”, comentaria Francescoli, também à El Gráfico.

E, do alto de seus 33 anos, o Príncipe imaginava a glória em suas mãos: “Quando coloco a cabeça no travesseiro, sonho em levantar a Copa América no meio da minha gente. Com o Centenário cheio, gritando ‘Uruguai, Uruguai’. Seria um belo adeus para meu ciclo na seleção, depois de 13 anos jogando por ela. Seria lindo”.

 

O caminho das pedras

A estreia na Copa América seria animadora. A Venezuela tinha complicado o Uruguai algumas vezes nos anos anteriores, mas a Celeste não titubeou na abertura da competição e goleou a Vinotinto por 4 a 1. Daniel Fonseca abriu o placar aos 14 minutos e, aproveitando uma saída ruim de Dudamel, Marcelo Otero ampliou aos 25. Os venezuelanos até descontaram aos oito minutos do segundo tempo, com José Luis Dolgetta, artilheiro da Copa América anterior. Porém, as estrelas trataram de aparecer no fim. Francescoli converteu um pênalti que ele mesmo sofreu, rendendo o terceiro. E, a cinco minutos do apito final, Gus Poyet fechou a goleada com uma cabeçada certeira.

Motivado, o Uruguai veria o nível de desafio aumentar no segundo jogo. Encarou o Paraguai, que ainda amargava seu período ausente dos Mundiais, mas já tinha um elenco de ótima projeção. O cracaço Ladislao Kubala era o treinador e contava com os serviços de Carlos Gamarra, Celso Ayala, Chiqui Arce, Roberto Acuña, José Cardozo e outras figuras históricas da Albirroja – a exceção ficava por José Luis Chilavert, melhor goleiro do mundo na época, mas que recusava as convocações por seus problemas com a federação. Deu Celeste, por 1 a 0, em um gol lindamente construído pelos charruas. O time trocou passes com qualidade no contra-ataque, puxado por Francescoli. Fonseca recebeu na esquerda e cruzou. Mandou a bola no peito do Príncipe, que invadia a área. Francescoli dominou e fuzilou para determinar o resultado logo aos 13 minutos.

Neste momento, o Uruguai estava classificado às quartas de final. Precisava apenas cumprir tabela contra o México de Jorge Campos, Alberto García Aspe e Luis García. Héctor Núñez preferiu poupar alguns titulares, entre eles o próprio Francescoli, e o empate por 1 a 1 bastou para confirmar a primeira colocação. El Tri até saiu em vantagem aos 22 do segundo tempo. Luis García chutou em cima do goleiro Fernando Álvez, que falhou no lance e permitiu o gol. Jorge Campos salvou uma bola em cima da linha, mas o empate se deu aos 34, em bobeada da zaga mexicana. Marcelo Saralegui aproveitou o espaço dentro da área e arrematou.

Triunfos e vaga na final

Os principais favoritos seguiram aos mata-matas. Mas, enquanto Brasil e Argentina se pegariam logo nas quartas de final, por causa da surpreendente derrota da Albiceleste por 3 a 0 contra os EUA, o Uruguai só tinha chances de cruzar com a Colômbia nas semifinais. Antes disso, a Celeste precisaria se vingar da Bolívia, uma das responsáveis por sua ausência na Copa de 1994. La Verde havia perdido para o Chile o técnico Xabier Azkargorta, agora treinada por Antonio López, mas seguia com várias de suas estrelas presentes no Mundial. Carlos Trucco, Marco Sandy, Marco Etcheverry e Julio César Baldivieso formavam a espinha dorsal – apesar da ausência de Erwin ‘Platini’ Sánchez, enorme talento boliviano que não foi à Copa América.

A base uruguaia de 1995: meio de campo era o principal setor do time celeste.

 

O Uruguai precisou de apenas dois minutos para anotar o seu primeiro gol. Depois de uma cobrança de lateral, os charruas trocaram passes dentro da área e Fonseca deu um belíssimo toque para Otero finalizar, no meio de dois marcadores. E, com meia hora de partida, a Celeste encaminhava a classificação no Centenário. Francescoli cobrou uma falta com genialidade e a cavadinha encontrou Fonseca livre dentro da área. O atacante emendou um voleio: não pegou na bola em cheio, mas o quique foi suficiente para encobrir Trucco. O camisa 9 sentiu uma lesão muscular no lance e precisou ser substituído por Sosa. Apesar do sufoco no final, os uruguaios mantiveram a vantagem. Óscar Sánchez descontou aos 25’ do segundo tempo e quase Álvaro Peña empatou, mas os anfitriões seguraram na unha a vitória por 2 a 1.

O adversário na semifinal, então, seria a Colômbia. Os Cafeteros bateram o Paraguai nos pênaltis durante a fase anterior e buscavam o título que sua geração fantástica ainda não havia conseguido – apesar de se acostumar com boas campanhas na Copa América. Hernán Darío Gómez contava com um time fortíssimo, com destaque ao meio-campo formado por Leonel Álvarez, Valderrama e Rincón, mas também a presença de personagens como Higuita, Asprilla e Jorge Bermúdez. A Celeste precisaria se virar sem a presença de Fonseca, um de seus destaques, que não se recuperou a tempo da lesão. Mesmo assim, o triunfo por 2 a 0 veio com autoridade e garantiu a classificação dos anfitriões à decisão no Centenário.

Seria um jogo travado, com poucas chances claras de gol. O Uruguai conseguiu impedir a criação de Valderrama, ao mesmo tempo que via Francescoli mais próximo do ataque, na função de Fonseca. E a categoria do Príncipe seria decisiva naquela noite. Durante o primeiro tempo, Higuita não faria defesas tão difíceis, mas seria bem mais testado. Os gols ficaram para a volta do intervalo. O primeiro sairia numa jogada maravilhosa. Otero deu um lançamento no peito de Francescoli dentro da área. Marcado por dois, o camisa 10 entortou Wilmer Cabrera e cruzou. Otero furou o chute, mas Edgardo Adinolfi apareceu e concluiu às redes. Já o segundo tento nasceu aos 25, em mais um lance organizado por Francescoli. Poyet recebeu na direita e cruzou cirurgicamente. Otero passou às costas da zaga e chutou antes que Higuita chegasse. A festa era uruguaia. E só faltava um desafio para o sonhado título.

A glória

Por fim, dois anos depois das Eliminatórias, surgiria a chance de vingança contra o Brasil. A Seleção havia passado sem sobressaltos na fase de grupos, mas enfrentara jogos mais difíceis nos mata-matas. A classificação contra a Argentina só veio nos pênaltis, depois do sofrido empate por 2 a 2 – com direito ao famoso gol de Túlio em que o atacante dominou a bola com o braço e o árbitro nada marcou. Já na semifinal, o time de Zagallo superaria os Estados Unidos com uma magra vitória por 1 a 0, garantida por Aldair. Não era uma campanha tão impressionante dos tetracampeões. Mesmo assim, era necessário respeitar um time que, no papel, seguia superior à Celeste.

A boa notícia para o Uruguai rumo à final estava no retorno de Fonseca ao ataque. Formaria dupla com Otero na linha de frente, ambos abastecidos por Francescoli. Se fosse necessário, havia Bengoechea e Sosa como excelentes opções no banco. A escalação da decisão reunia: Fernando Álvez, Gustavo Méndez, José Herrera, Eber Moas e Tabaré Silva; Diego Dorta, Álvaro Gutiérrez e Gus Poyet; Enzo Francescoli; Daniel Fonseca e Marcelo Otero. Já o Brasil tinha cinco remanescentes do tetra entre os titulares: Taffarel, Jorginho, Aldair, Dunga e Zinho. Eram acompanhados por André Cruz, Roberto Carlos, César Sampaio, Juninho Paulista, Edmundo e Túlio. Não era a melhor Seleção possível à época, o que não desconsiderava sua força mesmo com os novatos chamados, querendo seu espaço.

“Passávamos cada fase e sabíamos que mais cedo ou mais tarde nos encontraríamos com o Brasil. Pensávamos que seria melhor jogar contra eles na final e foi isso que aconteceu. Saímos da concentração e, no caminho ao estádio, as pessoas estavam nas ruas agitando bandeiras e nos empurrando. Foi incrível ver o apoio que nós estávamos recebendo e como havíamos mobilizado Montevidéu e todo o país. Realmente arrepiava, foi muito animador. Sabíamos que não podíamos decepcioná-los. De tudo isso, o que mais me lembro foi quando nos preparávamos para descer do ônibus e o nosso goleiro, Fernando Álvez, disse: ‘Temos que ganhar, rapazes, caso contrário a volta para casa será dura’. E ele estava certo. Não sei o que teria acontecido se tivéssemos perdido a final”, relembraria Poyet, em seu site oficial.

Outro motivo para o Uruguai buscar a vitória seria como forma de homenagear o técnico Héctor Núñez. Antes do jogo contra a Colômbia, o comandante recebeu a notícia de que sua mãe, aos 94 anos, estava internada em estado grave e havia sido desenganada pelos médicos. O técnico trabalhou na partida e, horas depois, a idosa faleceu. Núñez preferiu não desmarcar nenhum compromisso prévio à final, afirmando que “o interesse do futebol uruguaio estava em jogo”. Seus atletas tentariam compensar todo o seu esforço em seguir em frente, apesar da dor. O veterano tinha uma relação excelente com o elenco, tratado feito um pai.

Por conta dos problemas econômicos no Uruguai, o Centenário não havia lotado em nenhum compromisso anterior. No máximo, 45 mil tinham assistido à vitória sobre a Bolívia nas quartas de final. A decisão, com descontos nas entradas, realmente mobilizou a população e mais de 60 mil estiveram presentes no mítico estádio. Teriam que suportar uma dose de sofrimento com o empate por 1 a 1, mas o final seria feliz aos charruas naquela noite.

Num primeiro tempo duro, o Uruguai não conseguia ameaçar a meta de Taffarel – no máximo, teve um pênalti sobre Fonseca negligenciado pelo árbitro. O estado do gramado, castigado pelo frio e pelas chuvas de julho, não ajudava que a partida fluísse. O Brasil, apesar disso, empurrava os adversários para trás e pressionava bem mais. Os anfitriões teriam que buscar o prejuízo, depois que os brasileiros inauguraram o marcador aos 30 minutos. Numa ótima troca de passes, a Seleção envolveu a defesa adversária e Edmundo recebeu sozinho o passe por elevação de Zinho. O atacante bateu cruzado, até que Túlio aparecesse na pequena área para concluir com o peito. Como se não bastasse, a Celeste ainda perdeu o lateral Tabaré Silva no mesmo instante. O defensor sofreu uma fratura na perna ao tentar evitar o tento e precisou ser substituído por Adinolfi.

Taffarel só olhou a bola no golaço de Bengoechea.

 

Héctor Núñez foi bastante ousado na volta ao segundo tempo. Era certo que o Uruguai não jogava bem, mas o treinador arriscou ao queimar suas duas últimas substituições logo de cara. Acionou o veterano Pablo Bengoechea no lugar de Diego Dorta no meio-campo e também mandou Sergio Martínez na vaga de Marcelo Otero no ataque. A história daquela decisão começaria a mudar ali.

Aos 30 anos, Bengoechea atravessava uma fase espetacular no Peñarol. E, apesar das frustrações, tinha a sua história na seleção – inclusive com o gol do título na Copa América de 1987. A decisão no Centenário, contudo, tornaria o maestro ainda maior. Núñez confiava que o craque poderia resolver em apenas um lance. E ele surgiu logo aos seis minutos do segundo tempo, a partir de uma falta frontal. Bengoechea cobrou com um capricho enorme e a bola, após superar a barreira, morreu perfeita no ângulo. Taffarel sequer se mexeu sob os paus.

A decisão seguiria com um futebol mais brigado que jogado e raras chances de gol. As equipes se limitavam a cobranças de falta e bolas cruzadas na área, sem oferecer grande perigo aos goleiros. O Uruguai, pelo menos, havia melhorado e saía mais ao ataque – menos encaixotado pela marcação, Francescoli aparecia. Entretanto, o time da casa também não reclamaria da ajuda que recebeu da arbitragem, compensando o pênalti negado no primeiro tempo: quando o Brasil conseguiu marcar o segundo gol, em cabeçada de Edmundo, o assistente anulou por impedimento. Porém, a posição do atacante era legal. A pressão enorme dos uruguaios sobre os árbitros antes da decisão, principalmente por conta do gol de Túlio contra a Argentina, resultou em um apito desastroso naquela noite.

A igualdade prevaleceria até o final e, pela primeira vez na história, o título da Copa América seria definido nos pênaltis – sem prorrogação na época. Francescoli havia deslocado o ombro nos últimos instantes. Mesmo assim, assumiu a primeira cobrança e venceu Taffarel. Roberto Carlos empatou com uma bomba que passou por baixo de Álvez. Mas, mesmo que Taffarel tenha acertado o canto pela segunda vez, Bengoechea recolocou o Uruguai em vantagem. Zinho chutou muito bem o segundo tiro do Brasil. E, depois de Herrera de novo frustrar Taffarel no canto certo, o próprio Túlio iniciaria a comemoração do Centenário. O centroavante bateu a meia altura, facilitando a defesa de Álvez à sua direita. Na quarta série, Álvaro Gutiérrez finalmente fez com que Taffarel não saísse nem na foto. Mas Dunga, numa bomba, manteria a esperança do Brasil.

Para que a Seleção sobrevivesse, teria que secar Sergio Martínez no último tiro do Uruguai e ainda fazer a sua parte. Não daria. Manteca Martínez, o outro herói a sair do banco no intervalo, deslocou Taffarel com enorme segurança e fez o Centenário explodir com o triunfo por 5 a 3. A Copa América era do Uruguai. “Essa caminhada é diferente de tudo. Você pode estar acostumado a bater pênaltis, mas as definições são distintas, e ainda mais essa. Fui o último da série, estava em jogo o campeonato, o estádio repleto, em nossa casa. Um monte de coisa cruza seu caminho enquanto você vai até a bola e o goleiro fica cada vez maior”, contaria Martínez, anos depois, à Tenfield.

Francescoli, enfim, deixava para trás todos os questionamentos e consagrava-se como um verdadeiro herói. Eleito o melhor jogador da América do Sul em 1995, o capitão beijaria a taça com imensa emoção durante a premiação. E a Celeste daria uma volta olímpica lenta no Centenário, como se quisesse saborear toda aquela comoção. Os maiores campeões do continente voltavam ao topo, empatando com os 14 títulos da Argentina até então – antes de passarem à frente em 2011.

Aposentado da seleção, Francescoli pôde se dedicar ao River Plate e liderar a conquista da Libertadores em 1996. E, diante do sucesso no Monumental, até aceitaria o chamado de volta à Celeste em outubro daquele ano. A equipe de Héctor Núñez não fazia uma boa campanha nas Eliminatórias para a Copa de 1998 e precisava da ajuda de seu craque. Mesmo com o Príncipe, não foi possível se classificar ao Mundial da França.

A Copa América de 1995, no fim das contas, não geraria tantos frutos depois. Os uruguaios mantiveram bons nomes em seu elenco e revelaram outros, mas só se tornaram competitivos novamente sob o projeto de Maestro Tabárez e a ascensão do trio Forlán, Suárez e Cavani. Aquele título no Centenário, de qualquer maneira, marca uma geração de torcedores. Resiste um orgulho pela maneira como a Celeste superou as adversidades e entregou à sua torcida a taça em casa – com um toque de maestria dado por Francescoli e Bengoechea.

 

Os personagens:

 

Fernando Álvez: goleiro que marcou época no Peñarol, Álvez defendeu a seleção em duas Copas do Mundo – 1986 e 1990 – e foi figura constante no selecionado celeste nos anos 1980 e 1990. Fez uma grande Copa América em 1995 e defendeu o pênalti de Túlio na decisão. Foram 40 jogos pelo Uruguai na carreira.

Gustavo Méndez: o lateral disputou 45 jogos pela seleção entre 1993 e 2002 e esteve no grupo que disputou a Copa do Mundo de 2002. Colecionou títulos no Nacional e conquistou ainda uma Copa da Itália em 1996-1997 pelo Vicenza. Era muito eficiente no apoio ao ataque e também na proteção pelo lado direito do campo.

José Herrera: cria das bases do Peñarol, começou a ganhar mais espaço no time após 1984. Foi campeão da Libertadores em 1987 e, graças às suas boas atuações no miolo de zaga, foi contratado pelo Cagliari em 1990, onde jogou por um tempo com Francescoli. Pela seleção, jogou de 1987 até 1997, disputou 57 jogos e marcou 4 gols.

Eber Moas: presente nas convocações da seleção desde 1988, o zagueiro atuava no América de Cali-COL quando foi disputar a Copa América de 1995. Fez uma grande parceria com Herrera no time campeão e deixou o veterano Aguirregaray no banco.

Tabaré Silva: lateral-esquerdo muito regular, ganhou suas primeiras convocações em 1994 e já foi para a disputa da Copa América em 1995. Começou no Defensor e teve uma passagem pelo Sevilla-ESP na virada dos século.

Edgardo Adinolfi: reserva de Silva, entrou no duelo contra a Colômbia e deixou sua marca na vitória que classificou o time celeste. Começou no River Plate-URU e passou por várias equipes do futebol argentino, uruguaio e grego.

Diego Dorta: jogava mais à direta do meio de campo e ajudava na criação de jogadas, contenção e distribuição da bola. Ganhou o apelido de “El Sheriff” pela liderança e seriedade. Disputou 23 jogos pela seleção entre 1990 e 1996.

Pablo Bengoechea: muito técnico e já consagrado, foi para a Copa América como um dos mais veteranos da equipe e levou sua experiência aos mais jovens durante aquela caminhada vencedora. Com grande visão de jogo, perito em bolas paradas e excelente nos passes, “O Professor” foi um dos mais talentosos jogadores uruguaios dos anos 1980 e 1990 e esteve no time que disputou a Copa do Mundo de 1990. Pé-quente, marcou gol tanto na final da Copa América de 1987 quanto na de 1995. Foram 43 jogos e seis gols pela Celeste.

Álvaro Gutiérrez: meio-campista muito eficiente na marcação e no jogo aéreo, dava proteção à defesa e fez uma grande Copa América em 1995. Com a visibilidade na competição, foi contratado pelo Valladolid, onde ficou até 1998.

Gus Poyet: formou uma dupla marcante com Gutiérrez no meio de campo da Celeste naquela Copa América. Habilidoso, com qualidade no passe e presença ofensiva, foi outro meio-campista que brilhou no futebol internacional ao ser contratado pelo Real Zaragoza em 1990, onde permaneceu até 1997, vencendo uma Copa do Rei e uma Recopa da UEFA no período. Depois, foi para o Chelsea, onde também levantou títulos e até marcou o gol da vitória por 1 a 0 sobre o Real Madrid na decisão da Supercopa da UEFA de 1998. Pela seleção, foram 26 jogos e três gols. Após se aposentar dos gramados, virou técnico.

Marcelo Saralegui: não era titular da equipe, mas entrava bem e dava força ao setor ofensivo da Celeste. Atuou em 33 jogos pela seleção entre 1992 e 1997 e marcou seis gols.

Enzo Francescoli: considerado por muitos como um dos maiores jogadores uruguaios de todos os tempos, Enzo Francescoli encantou o planeta por mais de uma década com uma habilidade extrema, visão de jogo incrível e faro goleador – deixando vários atacantes com inveja. Em tempos de entressafra, Francescoli foi a estrela solitária da seleção uruguaia durante toda a década de 1980 e até meados da década de 1990, disputando 73 jogos e marcando 17 gols, além de vencer três edições da Copa América – a de 1995 como capitão. Francescoli é um dos poucos jogadores do país a não ter jogado nos maiores clubes do Uruguai (Peñarol e Nacional) e é mais adorado na Argentina (país onde vive atualmente) do que em sua própria casa. Motivo? Francescoli simplesmente arrebentou no River Plate e foi o maior ídolo do clube por muitos anos. O craque jogou muito e conquistou inúmeros títulos, incluindo cinco Campeonatos Argentinos e uma Copa Libertadores, além de vários títulos individuais. Sua passagem pela França lhe rendeu a idolatria de um jovem jogador que brilharia anos mais tarde: Zinedine Zidane, que batizou o próprio filho com o nome de Enzo, em homenagem ao uruguaio. Leia mais sobre ele clicando aqui!

Daniel Fonseca: o atacante debutou no Nacional e, em 1990, foi jogar no futebol italiano, onde fez carreira em toda a década de 1990, com passagens por Cagliari, Napoli, Roma e Juventus. Marcou dois gols na caminhada do título da Copa América de 1995 e, em 31 jogos pela Celeste, marcou 10 gols.

Sergio Martínez: o atacante entrava em alguns jogos e abria espaços na zaga com sua movimentação. Marcou o gol que selou a vitória nos pênaltis sobre o Brasil, na final daquela Copa América. Martínez teve destaque no Boca Juniors, onde foi artilheiro do Campeonato Argentino-Clausura de 1997.

Marcelo Otero: o atacante conseguiu deixar o experiente Ruben Sosa no banco e foi o artilheiro da Celeste na Copa América de 1995 com 3 gols. El Marujo fez grandes jogos pela seleção e, em 24 jogos e marcou 10 gols entre 1994 e 2000.

Héctor Núñez (Técnico): assumiu a seleção em 1994 aos frangalhos e, com muita dedicação, conseguiu reorganizar a equipe em busca do sonhado título continental. Apostou nos jovens, deu a braçadeira de capitão ao craque Francescoli e conseguiu o troféu. Deixou a seleção em 1997 e só teve dois trabalhos bem curtos no Al Nassr-ARS e Tacuarembó-URU.

 

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Comentários encerrados

Um Comentário

  1. Parabens pelo post guilherme essa copa salvou uma das piores decadas do futebol uruguaio sendo uma conquista isolada e que nao deixou uma continuidade.el principe francescoli era tao bom que de 4 finais de copa america ele perdeu apenas 1 a de 89 pro brasil e das outras 3 finais ele venceu o brasil em 2.o cara dava trabalho pra nos.

Bahia x Vitória – Ba-Vi

O Fluminense estará mais perigoso no campeonato desta temporada após o sucesso na Copa Libertadores?