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Borussia Dortmund x Schalke 04 – Revierderby

Por Leandro Stein e Guilherme Diniz

A rixa: separadas por poucos quilômetros, Gelsenkirchen e Dortmund são as mais notáveis cidades do Vale do Ruhr. E, no futebol,  Schalke 04 e Borussia Dortmund construíram ao longo das décadas reputações notáveis na Alemanha com títulos, grandes esquadrões e craques, além de torcidas gigantes e apaixonadas. E, como não poderia deixar de ser, a dupla duelou ao longo dos anos pelo posto de maior clube da região. Com isso, nasceu o Revierderby, também conhecido como Derby do Vale do Ruhr.

Quando começou: no dia 03 de maio de 1925, na vitória do Schalke sobre o Borussia por 4 a 2.

Maior artilheiro: Ernst Kuzorra (Schalke 04) – 16 gols

Quem mais venceu: Schalke 04 – 60 vitórias (até outubro / 2024). O Borussia Dortmund venceu 56. Foram 44 empates.

Maiores goleadas: Schalke 04 10×0 Borussia Dortmund, 20 de outubro de 1940

Schalke 04 9×0 Borussia Dortmund, 10 de dezembro de 1939

Borussia Dortmund 0x7 Schalke 04, 07 de março de 1937

Borussia Dortmund 7×0 Schalke 04, 26 de fevereiro 1966

Borussia Dortmund 5×1 Schalke 04, 16 de outubro 1949

Schalke 04 1×5 Borussia Dortmund, 22 de fevereiro de 1959

O Vale do Ruhr possui uma importância imensa ao desenvolvimento histórico da Alemanha. A Revolução Industrial fincou bases no local durante o início do Século XIX. A partir das fábricas estabelecidas às margens do Rio Ruhr, em área rica também para a exploração de carvão mineral, a Confederação Germânica prosperou. A região acompanhou as transformações da nação e absorveu uma enorme massa de migrantes, sobretudo vindos do leste, como poloneses e prussianos. E o território mais populoso do país guarda o coração do futebol nacional. A Renânia do Norte-Vestfália vários clubes da Bundesliga. E abriga aquele que é considerado por muitos o clássico germânico mais ferrenho e apaixonado: Borussia Dortmund e Schalke 04. Nem o duelo Bayern x Borussia, que ganhou mais peso no século XXI por conta do sucesso de ambos dentro e fora da Alemanha possui tanta rixa quanto os vizinhos do Ruhr. É hora de conhecer a história desse duelo.

Vizinhança hostil 

A proximidade das cidades de Dortmund e Gelsenkirchen, separadas por cerca de 30 quilômetros, torna a rivalidade fácil de se compreender. Contudo, a animosidade entre aurinegros e azuis reais não foi imediata. O primeiro confronto aconteceu em 1925, em vitória do Schalke por 4 a 2. Mas naquelas primeiras décadas, o domínio do Schalke era gritante, maior potência nacional. Não à toa, o primeiro duelo pelo Campeonato Alemão só ocorreu nos anos 1930, e com a interferência de um personagem em comum: Ernst Kuzorra, maior artilheiro do clássico e considerado um dos maiores craques alemães da época, chegou a trabalhar como técnico interino do Dortmund enquanto era capitão do Schalke. Havia um sentimento de gratidão dos aurinegros, pelo ídolo que se disponibilizou a ajudá-los. Em partes, havia até uma amizade.

A proximidade entre os rivais e uma mostra do “mapa de torcidas” na região do Ruhr. Foto: SPIEGEL ONLINE
 
Kuzorra, maior artilheiro do clássico com 16 gols.
 

Entre 1934 e 1944, o Schalke dominou o duelo e venceu 14 jogos contra o Borussia, empatando um e perdendo apenas um. Em 1940, inclusive, aconteceu a maior goleada da história do clássico: Schalke 10×0 Borussia, placar jamais igualado desde então. O time ainda venceu no período seis campeonatos alemães e uma copa nacional, confirmando sua condição de maior do país no período da Gauliga. Porém, após a Segunda Guerra Mundial, o cenário começou a mudar. O Schalke ainda era uma força, mas longe da hegemonia vivida até o início da década de 1940. Enquanto isso, o Dortmund ganhou relevância e passou a disputar os títulos nacionais. Neste momento, de qualquer maneira, as principais rivalidades eram outras: os aurinegros viam o Colônia como seu principal inimigo, assim como o ranço dos azuis reais era contra o Rot-Weiss Essen. O cenário se transformou de vez apenas nos anos 1960, em tempos tumultuados no Vale do Ruhr.

A vez dos aurinegros e o jogo mais lendário

Os “Gêmeos Terríveis” Emmerich e Held, dupla que fez história para o Borussia na conquista da Recopa.
 

A região foi atingida em cheio pela recessão na década de 1960. Dezenas de milhares de trabalhadores foram demitidos das minas de carvão de Gelsenkirchen. Já em Dortmund, era a indústria do aço que sofria as consequências. No futebol, ao menos o Borussia Dortmund conseguia se manter nas cabeças. O clube vivia um dos melhores momentos de sua história, conquistando inclusive a Recopa Europeia de 1966, naquele que foi o primeiro título continental de um time alemão. 

Época em que o domínio no confronto direto era estridente: após vencer o primeiro duelo válido pela recém-estabelecida Bundesliga, o Schalke sofreu oito derrotas consecutivas. E o pior não era necessariamente a sequência, com direito a cinco goleadas aurinegras (incluindo um 7 a 0 e dois 6 a 2) pelo caminho. Foi nessa época que a estrela do Borussia, Lothar Emmerich, virou o carrasco dos azuis ao anotar 11 gols na história do clássico e se tornar o maior artilheiro aurinegro no duelo. Antes dele, o já citado Ernst Kuzorra foi o maior artilheiro do Schalke com 16 gols marcados. 

A reviravolta do Schalke só aconteceu a partir da derrocada do Dortmund, afetado pela crise econômica. Os azuis reais quebraram o jejum em abril de 1968. Golearam no embate seguinte, por 4 a 1, e alcançaram o terceiro triunfo consecutivo meses depois. Até o jogo que, enfim, fez o dérbi eclodir, em 6 de setembro de 1969. Em tempos de desesperança e de desemprego, o futebol servia de alento. Era uma válvula de escape à população, para extravasar as emoções, mesmo que os times não viessem tão bem. E este descarrego de energias ficou bem claro no Estádio Rote Erde, casa dos aurinegros na época.

Os números oficiais dizem que 39 mil pessoas encheram as arquibancadas, com capacidade para 42 mil espectadores. As imagens, porém, deixam claro que o número de presentes no local era muito maior do que isso. A estimativa aponta para 50 mil, com centenas destes se amontoando na pista de atletismo ao redor do campo e nas próprias laterais. Um caos relativamente organizado, diante da predisposição de todos em assistir ao jogo. Queriam saber se, enfim, o Dortmund quebraria a série negativa contra o Schalke.

Todavia, a paz voou pelos ares aos 37 minutos do primeiro tempo. Neste instante, Hans Pirkner balançou as redes e abriu o placar para o Schalke. Nada pôde conter os seus torcedores, que invadiram o gramado para comemorar com o atacante. O problema veio com a reação dos seguranças que tentavam inutilmente manter a ordem. Irracionalmente, eles partiram para cima dos azuis reais com seus cães. E os animais miraram os calções brancos. O defensor Friedel Rausch foi abocanhado no traseiro por um pastor alemão, enquanto o meio-campista Gerd Neuser também recebeu uma mordida na perna. 

A fatídica mordida do cão em Rausch. Foto: Acervo / Imago.
 

“De repente, meu calção estava ensopado de sangue. O choque e a dor eram grandes. Eu tive que dormir debruço por duas noites seguidas. A cicatriz tem seis centímetros, permanece visível até hoje. Um presente para sempre”, relembra Rausch.

Apesar do incidente, a dupla permaneceu em campo. Rausch tomou uma injeção antitetânica nos vestiários e jogou os 90 minutos. Neuser só saiu aos 30 do segundo tempo, ao sentir uma paralisia na perna por conta da dor. Entretanto, o Schalke acabou cedendo o empate na etapa complementar, com Werner Weist decretando o 1 a 1 no placar. E aquela confusão toda que se deu em Rote Erde se tornou fundamental para impulsionar a rixa entre os vizinhos. Para que aurinegros e azuis reais, enfim, se tornassem rivais.

Eles tinham cães? Nós temos leões!
 

O presidente do Dortmund ofereceu flores e uma compensação em dinheiro aos dois jogadores mordidos, mas a confusão não parou por aí. O reencontro dos times em Gelsenkirchen, pelo segundo turno da Bundesliga, contou com a resposta do mandatário do Schalke. Se os cães rondavam o gramado em Rote Erde, ele levou filhotes de leões (!) para Glückaufkampfbahn, o antigo estádio do clube. Os animais selvagens foram alugados junto a um zoológico e permaneceram por perto enquanto a bola rolava. Segundo Werner Weist, por mais que fosse uma ironia, os jogadores visitantes ficaram desconfortáveis e intimidados com a situação. No fim das contas, o marcador terminou com outro empate por 1 a 1.

O maior do país

O pandemônio em Rote Erde acabou sendo determinante para que os estádios alemães contassem obrigatoriamente com alambrados a partir dos anos seguintes. Além disso, aqueles jogos estiveram entre os últimos nas antigas casas de Dortmund e Schalke. Em 1972, os aurinegros foram rebaixados na Bundesliga. Quando o clássico voltou a acontecer, em 1975/76, passou a lotar os recém-inaugurados Parkstadion e Westfalenstadion. A rivalidade, inclusive, influenciou o nascimento da Muralha Amarela: os azuis reais ocuparam a tribuna norte do seu estádio, aberto primeiro; em oposição, os aurinegros preferiram se instalar na ala sul, a hoje célebre Südtribune.

Desde então, o clássico ganhou maiores proporções, seja pela paixão nas arquibancadas ou pelas brigas que se tornaram frequentes. Em campo, os times compensaram com episódios inesquecíveis, principalmente a partir dos anos 1990, com o renascimento de ambos como potências continentais. Na temporada 1996-1997, tanto Schalke quanto o Borussia venceram torneios europeus. Os azuis foram campeões da Copa da UEFA, ao derrotarem a Internazionale-ITA nos pênaltis por 4 a 1 em pleno estádio San Siro. Já os aurinegros levantaram uma histórica Liga dos Campeões da UEFA, com vitória por 3 a 1 sobre a Juventus-ITA. Naquele ano, a lenda alemã Franz Beckenbauer chegou a dizer que “o coração do futebol alemão batia em Ruhr” na época.

E, em um dos dérbis daquele ano de ouro da dupla, o Schalke arrancou um empate em 2 a 2 contra o rival com um gol de goleiro! Após uma cobrança de escanteio de Olaf Thon, Thomas Linke tentou marcar, mas acabou errando o alvo. Só que, para sorte do Schalke 04, Jens Lehmann estava exatamente onde a finalização de Linke foi e só precisou colocar a cabeça na bola. Foi o primeiro gol de um goleiro na Bundesliga sem ser de bola parada. O curioso é que Lehmann vestiu a camisa do Borussia anos depois, entre 1999 e 2003, vencendo inclusive uma Bundesliga na temporada 2001-2002.

Lehmann celebra o gol de empate em 1997. Foto: Getty Images.
 
Dortmund deu o troco tempo depois e evitou o título dos azuis. Foto: Imago
 

Em 2007, outro dérbi entrou para a história quando o Borussia conseguiu atrapalhar o rival na caminhada pelo título alemão. Na nona colocação, o Dortmund chegou à penúltima rodada com um propósito: estragar a festa dos azuis reais. Àquela altura, o Schalke liderava a Bundesliga com um ponto de vantagem sobre o Stuttgart. Pois o Borussia venceu por 2 a 0 o clássico no Signal Iduna Park e abriu caminho para que o Stuttgart assumisse a liderança da competição. Na rodada final, o Schalke até conseguiu vencer seu jogo, mas o Stuttgart não tropeçou e ficou com o troféu. Sem muito o que festejar, restou à torcida aurinegra celebrar a vitória sobre o rival como se fosse uma grande conquista. Afinal, ela impediu que o Schalke fosse campeão do Campeonato Alemão após 49 anos de jejum. 

Em 2011, o Schalke celebrou o título da Supercopa da Alemanha em cima do rival.
 
Naldo celebra o gol de empate épico Borussia 4×4 Schalke de 2017.
 

Em 2011, os rivais decidiram pela primeira vez um torneio nacional: a Supercopa da Alemanha. O Schalke, então campeão da Copa da Alemanha e com nomes como Höwedes, Fuchs, Papadopoulos, Matip, Draxler, Raúl González e Klaas-Jan Huntelaar, encarou um favorito Borussia, então campeão da Bundesliga, comandado por Jürgen Klopp e com nomes como Weidenfeller, Hummels, Gündogan, Götze, Kagawa e Lewandowski. Em um jogo tenso na Veltins-Arena, o placar ficou 0 a 0 e, na disputa de pênaltis, os azuis reais venceram por 4 a 3, celebrando um troféu histórico.

Anos depois, em 2017, o Schalke foi heroico jogando fora de casa e, perdendo por 4 a 0, conseguiu empatar em 4 a 4 com um gol do brasileiro Naldo, aos 94’, de cabeça. Embora esteja passando por maus bocados há alguns anos, no limbo da segunda divisão, o Schalke espera recuperar o prestígio de outrora e reviver com o rival os grandes jogos do passado. Sua imensa e fanática torcida merece. Bem como todo o futebol alemão.

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