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Fenerbahçe x Galatasaray – The Intercontinental Derby

 

Por Guilherme Diniz

 

Este é o maior clássico do mundo de uma lista especial do Imortais. Confira a relação completa no link ao final deste texto!

 

 

A rixa: um está do lado asiático da cidade (Fenerbahçe) e representa o povo. O outro, do lado europeu (Galatasaray), e representa a elite. São separados apenas pelo estreito de Bósforo. No começo do século XX, faziam partidas amenas, sem grandes emoções. Até pensaram em se unir num só clube, em 1912, que se chamaria O Clube Turco, ou Türkkulübü. No entanto, as Guerras dos Balcãs, confronto bélico pelas terras remanescentes do Império Otomano, minaram tal ideia e prenunciaram a I Guerra Mundial. Alguns anos depois, em 1934, um simples amistoso entre ambas as equipes terminou em pancadaria. E a rivalidade começou ali.

Quando começou: eles começaram a se enfrentar no dia 17 de janeiro de 1909, com vitória do Galatasaray por 2 a 0. Mas o “pega para capar” começou no dia 23 de fevereiro de 1934, com a pancadaria no duelo nada amistoso entre os times que terminou sem vencedor.

Maior Artilheiro: Zeki Riza Sporel-TUR (Fenerbahçe): 27 gols

Quem mais venceu: Fenerbahçe – 148 vitórias (até fevereiro / 2024). O Galatasaray venceu 127. Foram 123 empates.

Maiores goleadas: Galatasaray 7×0 Fenerbahçe, 12 de fevereiro de 1911

Fenerbahçe 0x6 Galatasaray, 04 de maio de 1913

Fenerbahçe 6×0 Galatasaray, 06 de novembro de 2002

 

Tudo era muito calmo em Istambul naquele começo de século XX. O povo turco já adorava o futebol e se divertia com os duelos entre os clubes da cidade e das adjacentes. O Galatasaray, fundado em 1905 por estudantes da Galatasaray High School, e o Fenerbahçe, fundado por cidadãos comuns do distrito de Kadiköy, em 1907, eram os mais famosos e tinham a particularidade de serem divididos pelo estreito de Bósforo. O Fener ficava do lado asiático da cidade. O Gala, do lado europeu. Eles começaram a se enfrentar em 1909, com vitória do Galatasaray por 2 a 0 na casa do vizinho. A hegemonia do time amarelo e vermelho foi absoluta nos primeiros anos e chegou a oito vitórias seguidas sobre o Fenerbahçe, recorde até hoje na história do confronto. Em 1909, aconteceu um curioso duelo: o Galatasaray não conseguiu começar a partida com seus 11 jogadores porque seis deles não cruzaram o estreito de Bósforo devido a uma grande tempestade.

Só depois que a partida começou é que um deles, Emin Bülent Serdaroglu – um dos fundadores do clube – conseguiu entrar em campo. Mesmo com sete atletas, o Galatasaray goleou o Fenerbahçe por 7 a 0, um feito histórico e que é até hoje a maior goleada do confronto. Mesmo com essas particularidades, o duelo entre ambos era tranquilo a ponto de os presidentes de ambos os clubes, Ali Sami Yen (Galatasaray) e Galip Kulaksızoglu (Fenerbahçe) terem a ideia de unir os dois clubes e formar um só. Mas aí veio a Guerra dos Balcãs. A I Guerra Mundial. E tal projeto desapareceu.

Um duelo lá em 1914. Eram tempos sem ira…

 

Foi então que chegou o ano de 1934. Era para ser apenas um amistoso entre ambos lá no dia 23 de fevereiro, no estádio Taksim. Mas ambos queriam muito a vitória. Pareciam até entorpecidos. Com a bola parecendo o último prato de comida da terra, as jogadas foram ríspidas. Botinadas eram frequentes. O juiz suava bicas para tentar conter aquela ferocidade toda. Até que não deu mais. Era muita tensão. Que inflamou a torcida nas arquibancadas. Os jogadores saíram na mão. E o jogo foi adiado sem vencedor, mas com um resultado: o início da lendária rivalidade entre os vizinhos separados por um estreito que deu ao dérbi a alcunha de Dérbi Intercontinental, o maior clássico da Turquia, o mais perigoso, o que mais tempera estádios com fumaças e o mais ensurdecedor de todo país, que coloca o “povo” contra a “elite” em campo.

A briga do clássico de 1934 iniciou a tensa relação entre vizinhos.

 

Após a confusão daquele amistoso nada amigo de 1934, nunca mais os duelos entre asiáticos e europeus foi o mesmo. Seus torcedores, tão apaixonados, passaram a encarar o confronto como um acontecimento. Era preciso ser superior ao rival e vencê-lo a qualquer custo, seja em casa, seja fora. Ano a ano, o dérbi virou a grande atração do calendário futebolístico turco. Nos anos 40, a primeira grande hegemonia no duelo foi do Fenerbahçe, que ficou 18 jogos sem perder do rival entre maio de 1942 e dezembro de 1946 e sacramentou a maior série invicta da história do clássico. Em 1959, foi criada a liga profissional da Turquia e justamente os dois rivais fizeram a primeira final do Campeonato Turco, após cada um vencer seu respectivo grupo na primeira fase.

Na decisão, o Galatasaray venceu a primeira partida por 1 a 0, mas o Fenerbahçe goleou por 4 a 0 os “europeus” e ficou com a taça, que se somou às da Istambul League conquistadas ao longo das décadas passadas – o Fener era o recordista de títulos com 16 taças, uma a mais do que o rival. Na era profissional, porém, foi o Galatasaray quem tomou a dianteira e chegou aos 21 títulos, contra 19 do Fenerbahçe. O Gala passou a frente também em número de títulos da Copa da Turquia – 18 a 6 – e Supercopa da Turquia – 16 a 9.

O Galatasaray só conseguiu a revanche de 1959 à altura na decisão da primeira Copa da Turquia da história, em 1963, quando venceu os dois jogos por 2 a 1. O feito se repetiria em 1965, mas, nos anos 70 e 80, o Fenerbahçe conseguiu equilibrar as coisas com grandes períodos de invencibilidade sobre o rival: 13 jogos, entre 1973 e 1975, e 14 jogos, entre 1976 e 1980, além do fato de a equipe vencer seis títulos nacionais e três copas nacionais contra cinco títulos nacionais do Gala. E os amarelos ainda tiveram nos anos 70 o brasileiro Didi como técnico!

Zeki Riza Sporel, maior artilheiro do clássico.

 

Nos anos 90, a rivalidade esquentou ainda mais por causa de um fato histórico e inusitado. Na final da Copa da Turquia de 1996, o Galatasaray foi para o segundo jogo na casa do Fener com a vantagem do empate. Após vitória por 1 a 0 no tempo normal do time da casa, os amarelos e vermelhos empataram na prorrogação faltando quatro minutos para o fim e conquistaram o título. Não bastasse ter vencido ali, no hostil alçapão do inimigo, o ex-jogador Graeme Souness, técnico do Galatasaray, pegou uma enorme bandeira do time e a fincou no centro do gramado do Fenerbahçe, inspirado em Ulubatlı Hasan, um dos heróis da conquista de Constantinopla (atual Istambul), em 1453, pelo Império Otomano, quando colocou a bandeira otomana em um dos muros da cidade. Imediatamente, a bandeira foi tirada dali e a torcida do Fenerbahçe entrou em ira profunda, arremessando fogos, objetos e tudo o que tinham nas mãos nos jogadores do Galatasaray enquanto eles levantavam a taça. Souness disse após o pitoresco episódio que viu vários torcedores do Fenerbahçe prontos para invadir o gramado com uma ira nos olhos que dava até medo. Felizmente, a polícia conseguiu conter os fervorosos ultras.

 

Souness vai até o meio de campo…

 

… Crava a bandeira no campo do rival…

 

… E faz a alegria eterna da torcida…

 

… Que relembrou o feito em 2014, com uma bela homenagem nas arquibancadas.

 

Curiosamente, foi após esse episódio que o Galatasaray entrou em seu mais vertiginoso período de conquistas, com as históricas taças da Copa da UEFA e da Supercopa da UEFA de 2000, com um esquadrão imortal que fez do clube o primeiro – e até hoje único – da Turquia a possuir troféus continentais em sua galeria. Mesmo com um time tão forte, o Galatasaray viu que em clássico nunca tem favorito ao empatar um jogo em 4 a 4 com o rival em 2001. Em 2002, o Fenerbahçe conseguiu uma goleada histórica de 6 a 0 sobre o rival. Mas, em 2005, o time amarelo e vermelho teve sua desforra e manteve a sina de vitórias em finais de Copa da Turquia ao golear o rival, que tinha o brasileiro Alex como principal maestro, por 5 a 1, com três gols do artilheiro Sukur, uma final que não sai da memória do torcedor até hoje.

Uma década depois, em 2010, casos graves de violência viraram notícia em todo mundo. Em 2010, torcedores do Galatasaray agrediram jogadores sub-17 (!) do Fenerbahçe. Um deles teve o nariz quebrado e outros 13 foram hospitalizados. Dois dos agressores foram presos. E, em um clássico disputado no dia 12 de maio de 2013, cânticos racistas da torcida do Fenerbahçe contra os jogadores do Galatasaray foram um prenúncio de uma tragédia. No final do jogo, um jovem de 19 anos e torcedor do Fenerbahçe foi espancado e morto por fanáticos do Galatasaray, em um dos mais tristes episódios do dérbi na história. Isso motivou o banimento da torcida dupla nos confrontos entre os rivais.

A rivalidade é tão grande que atinge até jogos sub-17!

 

E, claro, jogos do time profissional.

 

Em 2020, o Galatasaray conseguiu quebrar uma sequência histórica de 21 anos sem vencer o Fenerbahçe na casa dos canários e derrotou o rival por 3 a 1, de virada, calando o estádio Şükrü Saracoğlu, algo que não acontecia desde 1999. Na época, o Fener se vangloriava por manter a “maldição de Kadikoy” perante o rival, porém, a escrita foi interrompida naquele clássico que teve 15 cartões e três expulsões. Isso porque a torcida dos canários ainda fez um mosaico com o escrito “Round 21”, dando como certa a manutenção dos 21 anos de hegemonia em casa…

 

Desde então, o policiamento segue intenso nos duelos, casos mais graves diminuíram, mas a tensão sempre existe. A rivalidade é tão grande que algumas lojas e grandes redes precisam adequar suas cores em cada lado da cidade só para não despertar a ira dos fanáticos! Um exemplo é um Mc Donald’s localizado no lado asiático que tirou o vermelho de sua fachada por não lembrar uma das cores do Galatasaray! O lado positivo é a verdadeira festa que as torcidas fazem antes dos jogos, com mosaicos, pirotecnia e um fanatismo gigante e que contagia há mais de um século uma das mais energéticas capitais do futebol mundial.

 

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