Por Guilherme Diniz
Desde aquele jogo conturbado contra o Tigre-ARG na final da Copa Sul-Americana de 2012 que a história se repetia no Morumbi: qualquer que fosse a competição, o time não vencia. Algumas até brigava, mas levantar a taça? De jeito nenhum. Para piorar, os fracassos e vexames viraram rotineiros e um clube tão acostumado às glórias passou a ver os rivais levantarem troféus e mais troféus e igualarem feitos do tricolor até então únicos. Em 2020, a equipe flertou com o fim da fila no Brasileirão, foi líder, mas perdeu força na reta final. Em 2021, conquistou o Campeonato Paulista, mas ainda era pouco. Faltava uma taça gigante, imponente. Em 2022, o tricolor alcançou a final da Copa Sul-Americana sob o comando de seu ídolo Rogério Ceni, mas fez um jogo desastroso e perdeu para o Independiente Del Valle-EQU.
O ano de 2023 chegou e a eliminação precoce no Campeonato Paulista acendeu o sinal de alerta. Mais um ano de decepções? Parecia que sim. Bem, parecia. A diretoria encontrou a solução com um técnico menosprezado pelo Flamengo mesmo após ser campeão da Copa do Brasil e da Copa Libertadores em 2022. Dorival Júnior assumiu o São Paulo e disse que “coisas boas” aguardavam o tricolor. Pediu para a diretoria não vender os jovens talentosos nem jogadores importantes. Devolveu a confiança. E focou nas copas: a Sul-Americana e a do Brasil.
Na continental, o time teve a melhor campanha da fase de grupos, venceu o Tigre-ARG nos dois jogos daquela etapa inicial e “acabou com a zica” de 2012, eliminou o San Lorenzo-ARG nas oitavas de final e chegou às quartas de final para encarar a LDU-EQU. Perdeu no Equador, ganhou no Morumbi. Mas a igualdade no placar agregado levou a decisão para os pênaltis. E, na marca da cal, os equatorianos levaram a melhor. Mas tudo bem. Aquela o São Paulo já tinha. A outra copa, não…
Do susto aos delírios
O tricolor entrou na terceira fase e eliminou o Ituano após empate sem gols em casa e vitória por 1 a 0 em Itu. Nas oitavas de final, enfrentou o Sport e venceu em plena Ilha do Retiro por 2 a 0. Ah, barbada, vaga garantida, ainda mais depois de abrir o placar no Morumbi. O Leão da Ilha, porém, foi pra cima, empatou, virou e ampliou para 3 a 1 de maneira heroica (!). O jogo foi para os pênaltis. Tudo levava a crer que o rubro-negro iria sair com a vaga graças ao moral elevado e ao pânico tricolor depois de levar uma virada daquele tamanho. Mas o goleiro Rafael defendeu o chute de Juba e o tricolor venceu por 5 a 3. Que alívio!
Nas quartas, um novo e tenso duelo contra o rival Palmeiras, em um repeteco do Choque-Rei de 2022 pelo mesmo torneio (no ano anterior, foi nas oitavas). Na partida de ida, no Morumbi, o São Paulo foi melhor, criou chances, mas o gol teimava em não sair. Foi então que o capitão Rafinha acertou um chutaço de fora da área que garantiu o 1 a 0. Precisando de um empate para se classificar, lá foi o São Paulo para o hostil Allianz Parque. A pressão alviverde foi grande e Piquerez abriu o placar aos 34’ do primeiro tempo. O torcedor tricolor ficou tenso, relembrou da final do Paulistão de 2022, quando o Palmeiras goleou e ficou com a taça. Mas aquele São Paulo de 2023 era diferente. Logo no início da segunda etapa, Luciano aproveitou sobra de Mayke, tocou para Caio Paulista, que driblou Luan e fez 1 a 1. Calleri ainda virou minutos depois, mas o gol foi anulado por falta de Diego Costa em Zé Rafael – um lance bem contestado.
Muito bem postado na defesa, o tricolor não deixou o Palmeiras ir pra cima e o time da casa se limitou aos chutes de longe. Foi então que o São Paulo, aproveitando um vacilo da zaga rival, foi em direção ao gol em tabela de Juan e David pelo meio. David chegou à grande área e chutou na saída de Weverton: 2 a 1. Virada tricolor. E vaga garantida nas semifinais. Pelo segundo ano seguido, o Verdão era eliminado da Copa do Brasil pelo rival. Faltava pouco para a decisão. E o torcedor são-paulino tinha esperança. Tinha fé.
Na semi, um outro rival pela frente: o Corinthians. Historicamente, o tricolor levava desvantagem em duelos eliminatórios contra o Timão, mas ainda sim seus triunfos eram memoráveis para o torcedor. Para animar ainda mais a torcida, a diretoria anunciou as contratações de Lucas Moura, ídolo justamente do último grande título lá de 2012, da Sul Americana, e James Rodríguez, maestro da Colômbia na Copa do Mundo de 2014. Eram nomes badalados e que poderiam ajudar o time do Morumbi naquela reta final tão importante. O primeiro Majestoso foi em Itaquera, onde o São Paulo jamais havia vencido o rival. O Corinthians saiu na frente, mas Luciano empatou. Na comemoração, causou polêmica ao chutar a bandeirinha de escanteio e provocar a torcida corintiana. Tempo depois, Renato Augusto fez 2 a 1 e deu a vantagem do empate do alvinegro para a volta.
No Morumbi, mais de 62 mil pessoas transformaram a casa tricolor em um caldeirão. Em um ambiente espetacular, a equipe da casa provou naquele dia que a vaga era sua. E Lucas Moura encarnou Raí para fazer seu retorno triunfal assim como o ídolo fez em 1998. Wellington Rato, em lindo chute de fora da área, abriu o placar com um golaço, aos 12’ do primeiro tempo. O São Paulo não deixava o Corinthians jogar. Pressionava, queria mais. Aos 31’, Lucas Moura apareceu, tocou na ponta, foi pro meio para receber de volta, a bola veio e ele empurrou para o gol: 2 a 0. Era o suficiente. Tricolor na final da Copa do Brasil pela segunda vez na história.
O sonho perfeito
Só faltava um desafio para o título inédito. A taça que faltava na galeria tricolor. Um troféu tão esguio, que escorregou das mãos naquela final de 2000, no gol de falta de Geovanni nos minutos finais no Mineirão. E qual seria a maneira perfeita para levantar a primeira Copa do Brasil? Derrotando os principais rivais do estado e o clube mais popular do país. Sonho demais? Pois aconteceu. O São Paulo encontrou o Flamengo, campeão em 2022, na grande final. No sorteio dos mandos de campo, o primeiro jogo ficou para o Maracanã. A finalíssima, no Morumbi. Imagine a festa que a torcida iria fazer no Templo de Emoções? Bem, só teria festa se o tricolor saísse vivo do Maraca, ainda mais diante dos últimos jogos da equipe contra o Fla: seis jogos, cinco derrotas, um empate e uma eliminação nas semifinais da Copa do Brasil de 2022. E, no dia do primeiro jogo, o Fla foi com o trio Bruno Henrique, Pedro e Gabigol em busca do placar favorável. Seria dificílimo para o São Paulo sair dali sem levar um golzinho. Pois saiu. Fez um jogo tático, inteligente. Fechou os espaços, forçou erros e mais erros de passe do Flamengo e aproveitou a total falta de comando do time rubro-negro sob Jorge Sampaoli.
Aos 45’+1’ do primeiro tempo, Rodrigo Nestor cruzou e Calleri fez 1 a 0. Era a justiça pelo time que melhor jogava. A inoperância rubro-negra continuou. Rafael mal tocava na bola. Bruno Henrique, o carrasco, era anulado por Rafinha. E a dupla de zaga Arboleda e Beraldo comandavam a zaga como Darío Pereyra e Oscar, Ronaldão e Adílson, Lugano, Fabão e Edcarlos, Alex Silva, Miranda e Breno, um dia comandaram. A vitória no Maraca aumentou ainda mais a esperança da torcida tricolor, que via o fim do jejum de grandes títulos prestes a terminar.
No domingo, dia 24 de setembro de 2023, mais de 63 mil pessoas fizeram do “Morumbi raiz” a casa do futebol brasileiro. O palco de um jogo para a história. Quando Careca entrou no gramado com a taça, o torcedor sabia que era um bom sinal. Bem ele, o herói do título brasileiro de 1986, conduzir o cobiçado e inédito troféu! Tudo bem que na sequência ele recebeu a ajuda de Leandro, imortal do Flamengo e do nosso futebol, na condução do troféu e o Peixe Frito também jogou algumas vibrações para ajudar seu Mengão, mas aquele sinal foi notado.
A linda (e quente! Mais de 36ºC) tarde de sol em SP ajudava ainda mais a transformar o cenário da final. Quando a bola rolou, o Flamengo começou melhor, levou perigo. O São Paulo respondeu pouco. E, aos 43’, Pulgar chutou cruzado da direta, a bola passou por Rafael, tocou na trave e voltou para ele, Bruno Henrique, fazer 1 a 0. Será que tudo iria ruir? Mais fantasmas? Mais decepções? Será que a Copa do Brasil era mesmo inconquistável?? De jeito nenhum! Aos 45’+5’, Rodrigo Nestor, o garçom do gol do Maraca, emendou de primeira uma bola rebatida pelo goleiro Rossi. A bola foi no canto do goleiro e explodiu o Morumbi: 1 a 1.
A vantagem voltava a ser tricolor. O Morumbi raiz pulsava de novo, cantava, pressionava. No segundo tempo, o jogo continuou tenso, com o Fla tentando o gol, mas sem organização nem o apetite de outrora. O São Paulo fazia um jogo mais tático, gastando o tempo, impondo velocidade quando preciso. O árbitro ainda deu 10 minutos de acréscimos só para aumentar a tensão e a angústia, mas o São Paulo não deixou o rival lhe assustar. Ali, naquele dia, quem assustava era o tricolor. Ao apito do árbitro, a espera acabou. Depois de 11 anos desde o título da Sul-Americana, o São Paulo voltava a levantar um grande troféu. E conquistava seu primeiro título nacional desde 2008. Sua primeira e sonhada Copa do Brasil após despachar Palmeiras, Corinthians e Flamengo. “Só” isso. Se tinha como uma Copa do Brasil ser inesquecível, de cinema, foi a de 2023. A Copa do Brasil do São Paulo FC.