Data: 13 de julho de 1950
O que estava em jogo: a vitória, claro, e um passo adiante em busca do título da Copa do Mundo da FIFA de 1950.
Local: Estádio Jornalista Mário Filho, Maracanã, Rio de Janeiro, Brasil.
Árbitro: Reginald Leafe (Inglaterra)
Público: 152.772 pessoas
Os Times:
Brasil: Barbosa; Augusto e Juvenal; Danilo, Bauer e Bigode; Friaça, Zizinho, Ademir, Jair e Chico. Técnico: Flávio Costa.
Espanha: Ramallets; Alonso, Parra e Gonzalvo II; Gonzalvo III e Puchades; Basora, Igoa, Zarra, Panizo e Gaínza. Técnico: Guillermo Eizaguirre.
Placar: Brasil 6×1 Espanha. Gols: (Ademir-BRA, aos 15’, Jair-BRA, aos 21’, e Chico-BRA, aos 31’ do 1º T; Chico-BRA, aos 10’, Ademir-BRA, aos 12’, Zizinho, aos 22’, e Igoa-ESP, aos 26’ do 2º T).
“Touradas no Maracanã”
Por Guilherme Diniz
De um lado, uma seleção conhecida como Fúria e que acumulou 100% de aproveitamento na primeira fase. Do outro, o anfitrião, favorito e que vinha de uma goleada de 7 a 1 aplicada sobre a Suécia. A expectativa era de um duelo parelho, com várias chances para ambos os lados, ataques frenéticos e um espetáculo visto por mais de 150 mil pessoas. Mas, quando a bola rolou, tudo isso aconteceu graças a uma só equipe: o Brasil, que transformou um duelo complicado em um show, uma goleada rara, estonteante, categórica. Cada jogada arquitetada por Danilo ou Zizinho e finalizada por Ademir, Chico e companhia levou ao delírio a multidão ensandecida no Maracanã. No primeiro tempo, 3 a 0. No segundo, 6 a 0 com apenas 22 minutos. Dali em diante, foi só tocar a bola. E, como retribuição, quem começou outro show foi a torcida brasileira, cantarolando a marchinha “Touradas em Madri”, composta por João de Barro e Alberto Ribeiro. A Espanha ainda fez seu gol de honra, um golaço, mas nem ele impediu a multidão de seguir cantando, acenando lenços e embalando o jogo até o apito final. O Brasil domou o touro espanhol e fez do Maracanã uma plaza de touradas em um dos maiores jogos da seleção brasileira na história das Copas. É hora de relembrar.
Pré-jogo
O sistema da Copa de 1950, como de praxe, era bem confuso. Seriam quatro grupos, dois com quatro equipes, um com três e um com apenas duas (o do Uruguai…). Os melhores de cada grupo disputariam um quadrangular final, onde o primeiro colocado ficaria com o título. Depois de duas vitórias e um empate na primeira fase, o Brasil iniciou a fase final com uma goleada de 7 a 1 sobre a Suécia, a mais elástica do time sul-americano na história dos Mundiais. O show brasileiro aumentou ainda mais as expectativas e rendeu vários elogios na imprensa internacional, a ponto do jornalista inglês Brian Glanville dizer que o estilo de jogo brasileiro era “o futebol do futuro, quase surrealista”. O Brasil deu 31 chutes a gol e acertou a trave três vezes. Se o placar fosse 11 a 1 (contando as bolas na trave e o tento anulado de Zizinho), não seria nenhum exagero.
O adversário brasileiro seguinte era a Espanha, do goleiro Ramallets, do grande defensor Parra, do ponta Basora e do prolífico atacante Telmo Zarra, maior artilheiro do Campeonato Espanhol e da Copa do Rei no século XX. A Fúria teve um grande desempenho na primeira fase, quando venceu os três jogos: 3 a 1 nos EUA, 2 a 0 no Chile e 1 a 0 na Inglaterra, resultados que motivaram a imprensa brasileira a destacar o time ibérico como o “principal adversário do Brasil na disputa do título” – ainda mais pela invencibilidade espanhola de mais de um ano.
E, como a Espanha vinha de um empate em 2 a 2 com o Uruguai naquele quadrangular final, a partida contra o Brasil era essencial para as pretensões do time europeu, pois, em caso de derrota, os espanhóis já não iriam mais brigar pelo título. Com exceção de Maneca, que sentiu uma lesão na coxa no duelo contra a Suécia e não poderia mais jogar no Mundial, Flávio Costa escalou o Brasil com o mesmo time que derrotou a equipe escandinava, com Friaça na ponta-direita, Zizinho e Jair pelo meio, Ademir como centroavante e Chico na esquerda.
A Espanha ia com praticamente o mesmo elenco do duelo contra o Uruguai. A exceção era Molowny, substituído por Panizo no ataque. Era, sem dúvida, o duelo mais esperado da Copa e isso atraiu mais de 150 mil pessoas ao Maracanã, o que provocou uma debandada de pessoas dos trabalhos e fez o governo federal decretar, na véspera, meio expediente nas repartições públicas. Às 14h40, a seleção brasileira entrou no gramado do Maracanã e foi recebida com uma festa gigantesca e fogos de artifício. Dois minutos depois, a Espanha entrou e também foi aplaudida. Após os protocolos e solenidades, estava tudo pronto para a bola rolar. E um inesperado show começar.
Primeiro tempo – Segurando o touro à unha
O início do jogo foi equilibrado, com a Espanha atacando de maneira mais incisiva e obrigando o defensor Bigode a dar uma tesoura no ponta Basora logo aos 2’. Tempo depois, Zarra desperdiçou uma ótima oportunidade dentro da área ao tocar a mão na bola na hora de dominar. O Brasil não deixou por menos e também flertou com o primeiro gol com seus toques no campo de ataque e a genialidade de seus astros. E, aos 15’, Ademir chutou da entrada da área, a bola desviou em Parra, mudou de trajetória e entrou no gol: 1 a 0. Por muito tempo, a FIFA considerou o tento como contra. Mas, anos depois, o gol foi creditado a Ademir de Menezes.
Na sequência, a Espanha tentou o empate e só não conseguiu porque o capitão Augusto tirou uma bola em cima da linha. Aos 21’, Jair chutou de fora da área, o goleiro Ramallets não segurou e a redonda foi parar no fundo do gol. Esse segundo gol desmantelou a Espanha, que parou de atacar e tentou se defender. Mas, aos 31’, após bate e rebate, Chico aproveitou a sobra do goleiro e fez 3 a 0. Com uma ampla vantagem, o Brasil administrou a vantagem e controlou o jogo até o final do primeiro tempo. A Espanha parecia combalida e a chance de uma virada era quase impossível. Já o Brasil tinha futebol para mais. Muito mais.
Segundo tempo – Touradas
Quando a bola rolou para a etapa complementar, parecia que o Brasil estava atrás do placar ou perdendo o jogo. Motivo? A equipe foi como uma locomotiva para cima da Espanha e disparou cinco chutes perigosos em 10 minutos. Em dois deles, o grande goleiro barcelonista Ramallets evitou gols certos de Friaça e Ademir, mas não conseguiu fazer nada aos 10’, quando Chico chutou no ângulo direito e fez 4 a 0, no gol de número 300 da história das Copas. Na saída de bola, a Espanha, atordoada com a goleada e o barulho da torcida, perdeu a posse e o Brasil contra-atacou. Bauer tocou para Zizinho, que cruzou para Ademir, este deu um leve toque para vencer Ramallets e fez 5 a 0.
O Maracanã vivia uma festa. E, sem nenhum roteiro pré-definido, a torcida começou a cantar a marchinha “Touradas em Madri”, composta por João de Barro, o “Braguinha”, e Alberto Ribeiro. Tremulando lenços brancos, as milhares de pessoas começaram a cantar:
“Eu fui às touradas em Madri
E quase não volto mais aqui
Pra ver Peri beijar Ceci.
Eu conheci uma espanhola
Natural da Catalunha;
Queria que eu tocasse castanhola
E pegasse touro à unha.
Caramba! Caracoles! Sou do samba,
Não me amoles.
Pro Brasil eu vou fugir!
Isto é conversa mole para boi dormir!”
Foi um dos momentos mais épicos da história das Copas. Zizinho ainda fez o sexto gol, após receber passe de Ademir, deslocar o marcador e chutar forte, sem chance para Ramallets. A Espanha diminuiu, em gol de Igoa, de voleio, mas o show dos 26 minutos até o final foi todo da torcida, que cantou e cantou nas arquibancadas do Maracanã, prosseguindo com aquela festa pelas ruas do Rio. Em uma entrevista à ESPN reproduzida no blog Três Pontos, o jornalista João Máximo, que estava presente no estádio naquele dia, relatou como tudo começou:
“Quando fui ao jogo, havia pequenos grupos de torcedores que distribuíam uma paródia para ser cantada com o ‘Touradas em Madri’. Essa paródia mexia com Basora, Parra, Gaínza, Puchades, Panizo, jogadores espanhóis. O que eu acho é que esse papel se espalhou por vários grupos da arquibancada, as pessoas tentaram cantar a paródia. Mas claro que não pegou. O estádio de repente começou a cantar a mesma letra original que todo mundo conhecia.”
A goleada de 6 a 1 pegou de surpresa a todos, afinal, a Espanha era o adversário mais temido de todos. E, colocada na roda daquela maneira e com tanta intensidade, fez o Brasil se tornar o favorito disparado ao título mundial. “Ouvi várias vezes as ordens do Flávio Costa para que a gente voltasse um pouco e não se excedesse. Mas não havia ordem que nos segurasse ali. Era a gente jogando e os gols acontecendo”, comentou Danilo Alvim ao jornalista Geneton Moraes Neto no livro “Dossiê 50”, anos depois, sobre a força ofensiva do time brasileiro. E era assim mesmo. A fragilidade no setor esquerdo da defesa passava despercebida diante de tanto talento no ataque. Não havia chance alguma daquele time perder o título, acreditavam todos. Pelo menos naquele dia, o Brasil jogou como um legítimo campeão mundial. Um show pirotécnico, histórico, único. Eterno.
Pós-jogo: O que aconteceu depois?
Brasil: a perigosa crença de que o Brasil era favorito ao título começou a fazer a seleção perder a Copa a partir do dia seguinte. Antes do jogo decisivo contra o Uruguai – que venceu a Suécia e também tinha chance de ser campeão -, o clima de “já ganhou” e a festa da torcida foram claros e explícitos no país. Todos tinham a certeza de que o Brasil sairia do Maracanã com a taça de campeão do mundo. Os jornais do dia do jogo davam até mesmo cartões postais da “Seleção Brasileira – Campeã Mundial”.
Essa atmosfera toda de festa culminou com uma desastrosa preparação dos atletas brasileiros, que saíram da concentração para o turbulento estádio de São Januário, que vivia cheio de políticos que se aproveitavam do momento da seleção e da Copa para aparecer. Lá, os jogadores mal puderam almoçar direito nem ao menos descansar, indo ao Maracanã logo em seguida e ficando concentrados por horas dentro do vestiário, naquela tensão pré-jogo terrível e sobre-humana. Do lado uruguaio, o oba-oba foi utilizado como arma para mexer com os brios dos jogadores. Em campo, o Brasil abriu o placar, mas tomou a virada e perdeu por 2 a 1, culminando no Maracanazo, uma das maiores histórias das Copas. Leia mais clicando aqui.
Espanha: eliminada, a Espanha perdeu para a Suécia por 3 a 1 em seu último jogo do quadrangular e deu adeus ao Mundial de forma melancólica. De lá pra cá, a equipe ainda enfrentou o Brasil em três oportunidades e não conseguiu vencer. A primeira foi em 1962, na fase de grupos do Mundial do Chile, e perdeu por 2 a 1, em jogo polêmico no qual um pênalti não foi marcado para os espanhóis e que acabou classificando o time canarinho e eliminando a Fúria da Copa. Em 1978, no Grupo 3 do Mundial da Argentina, houve empate sem gols e, em 1986, mais um duelo entre ambos na fase de grupos, com vitória brasileira por 1 a 0. E, para aumentar a freguesia, o Brasil derrotou a Espanha por 3 a 0 na final da Copa das Confederações de 2013, disputada no Maracanã. Com isso, a única vitória espanhola em Copas foi os 3 a 1 no Mundial de 1934.
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