Grande feito: Campeã da Copa do Mundo da FIFA em 1954 e responsável por neutralizar o maior esquadrão do futebol mundial da época: a Hungria de Puskás.
Time base: Turek; Liebrich, Posipal e Kohlmeyer; Eckel e Mai; Rahn, Morlock, Ottmar Walter, Fritz Walter e Schäfer. Técnico: Sepp Herberger.
“Milagrosos de Berna”
Por Guilherme Diniz
Duas das maiores seleções de todos os tempos, a Hungria de 1952-1954 e a Holanda de 1974, têm algo bastante em comum: ambas foram vice-campeãs do mundo. E ambas perderam, na condição de favoritas, para a Alemanha. Essa sina histórica dos alemães não ligarem para favoritos, potências e craques perigosos começou exatamente pra cima da Hungria de Puskás, Hidegkuti, Kocsis, Budai e Czibor na decisão da Copa do Mundo de 1954. Os alemães armaram uma estratégia eficaz e perfeita para anular os magiares e levar a primeira Copa de sua história, no jogo que ficou conhecido como “O Milagre de Berna”. O time não era talentoso como a Hungria, mas tinha um craque do mais alto escalão: Fritz Walter, capitão, líder e maestro daquela seleção que reunia força física e tática na mesma proporção, e que enganou direitinho os favoritos bem antes da final. Como isso aconteceu? É só ler o que vem a seguir.
Reconstrução
Depois de uma década (a de 40) quase perdida para o futebol europeu, por conta da II Guerra Mundial, as coisas começavam a se acertar no início dos anos 50. A FIFA conseguia, enfim, voltar a realizar seu torneio de futebol, a Copa do Mundo, com o Brasil como sede. O Uruguai foi o campeão e os europeus ainda viam apenas a Itália dos anos 30 como única do continente capaz de levantar o caneco. Mas aquilo estava com os dias contados, afinal, a Hungria jogava tudo naqueles anos pós 1950, tendo conquistado as Olimpíadas de 1952, aplicado goleadas marcantes e silenciado o Wembley na mítica vitória por 6 a 3 sobre a Inglaterra.
Os húngaros eram os francos favoritos ao título mundial de 1954, ao lado do Uruguai, claro. Mas… E a Alemanha? Bem, ela se reconstruía na velocidade de um foguete, como de praxe, mas vivia dividida em duas, a Alemanha Oriental e a Alemanha Ocidental, esta última a grande potência futebolística. Com um técnico de longa data (Sepp Herberger) e jogadores muito eficientes, mas sem o brilho de húngaros, austríacos e ingleses, eles esperavam apenas cumprir um bom papel na Suíça, casa da próxima Copa.
A estratégia mágica
Coadjuvante, a Alemanha se classificou para a Copa de 1954 com certa tranquilidade, deixando para trás o Protetorado do Sarre (hoje um estado alemão) e a Noruega. No Mundial, a equipe se apegaria ao talento de Fritz Walter e Rahn para tentar ao menos se classificar para a fase de mata-mata na segunda colocação de seu grupo, afinal, logo na fase classificatória os germânicos teriam que enfrentar a Hungria, além de Turquia e Coreia do Sul. Por conta disso, o técnico Sepp Herberger decidiu armar uma estratégia que seria a chave para o “milagre” da final. No primeiro jogo, ele armou seu time completo e conseguiu uma vitória fácil sobre a Turquia por 4 a 1, gols de Schäfer, Klodt, Ottmar Walter e Morlock. O jogo seguinte seria contra a Hungria, que havia feito 9 a 0 na Coreia do Sul.
Foi então que Herberger pensou: pra quê escalar meu time titular e desgastá-lo se eu posso estudar esse adversário que provavelmente estará na final? Com isso, o treinador poupou cinco titulares e, claro, viu a Hungria passear: 8 a 3. Mas a derrota foi mais do que premeditada. Herberger já sabia como os húngaros jogavam, entendeu perfeitamente quais setores da defesa húngara sua Alemanha deveria explorar e viu o zagueiro Liebrich acertar uma pancada em Puskás, astro do Mundial, que foi decisiva para deixar o craque de fora de vários jogos da Hungria na Copa. Ele só voltaria a campo na decisão, ainda sim bem baleado. No jogo seguinte, jogando completa, a Alemanha massacrou a Turquia novamente por 7 a 2, gols de Ottmar Walter, Schäfer (2), Morlock (3) e Fritz Walter (os alemães não precisaram jogar contra a Coreia, que foi eliminada graças às derrotas para Hungria e Turquia), e conseguiu a classificação para a fase seguinte.
Shows até a final
Com a consciência tranquila de já saber como o principal rival da Copa jogava, a Alemanha foi com tudo rumo à final. A equipe derrotou a Iugoslávia, nas quartas de final, por 2 a 0 (gols de Horvat, contra, e Rahn) e massacrou a Áustria na semifinal por 6 a 1, gols de Schäfer, Morlock, Fritz Walter (2, ambos de pênalti) e Ottmar Walter (2). Os germânicos, pela primeira vez na história, estavam na final. Do outro lado da chave, a Hungria, como esperado, também venceu seus adversários, mas de maneira bem sofrida. Nas quartas, no jogo mais violento já registrado nas Copas desde então, que ficou conhecido como “Batalha de Berna”, os húngaros venceram o Brasil por 4 a 2, em uma partida com três expulsões e muito quebra pau. Na semifinal, um jogo épico contra o Uruguai.
A partida foi bem disputada, mostrando a qualidade dos uruguaios e assustando um pouco os magiares. Após empate em 2 a 2 no tempo normal, porém, a Hungria mostrou mais poder de precisão e marcou dois gols: 4 a 2. O time estava na final. O Uruguai sentiu demais a ausência de Obdulio Varela, o eterno capitão que destroçou o Brasil no Maracanazo de 1950. Essa vitória foi outro fator que pesaria a favor dos alemães na decisão: o cansaço da Hungria após um jogo tão intenso contra a Celeste.
O Milagre de Berna
Depois de vivenciar a “Batalha de Berna”, a Hungria teve de presenciar outro feito na cidade suíça: um milagre. O time mais temido e formidável do mundo sucumbiu inexplicavelmente diante da Alemanha de Fritz Walter e perdeu de virada por 3 a 2. A Hungria 2 a 0 logo no início de jogo, com Puskás, aos 6´, e Czibor, aos 8´. Aos 10´, Morlock diminuiu e Rahn empatou aos 18´. Na segunda etapa, faltando seis minutos para o fim, Rahn marcou mais um, virando o jogo e dando o primeiro título mundial para a Alemanha. Estava feito o “milagre”. Como podia um time daqueles, recheado de craques, perder uma Copa “ganha”? Vários fatores podem explicar.
Na primeira fase, a Alemanha levou um chocolate da Hungria, lembra? Pois é, só que naquele jogo os alemães pouparam cinco titulares na derrota para os magiares, pensando no jogo seguinte. Ou seja, a Hungria não enfrentou a força máxima dos alemães. Outro ponto foi que naquela partida da primeira fase o zagueiro alemão Liebrich deu uma entrada dura no maior craque da Hungria, Puskás. O jogador saiu de campo contundido logo no primeiro tempo, perdeu os jogos seguintes e disputou a final “baleado”.
Outro ponto: a Hungria vinha de uma partida duríssima contra o Uruguai, que só foi decidida na prorrogação, e estava visivelmente cansada. Já a Alemanha vinha de uma goleada fácil sobre a Áustria por 6 a 1. O último ponto: o jogo final foi disputado debaixo de um dilúvio, uma chuva torrencial. Isso prejudicou demais o futebol recheado de toques de bola dos magiares, prevalecendo a força e robustez dos alemães.
Um pequeno ponto não comprovado é que no intervalo do jogo, com a partida empatada em 2 a 2 e os alemães no vestiário, Adi Dassler, fundador da marca adidas, trocou as travas das chuteiras dos jogadores para que escorregassem menos. Verdade ou não, o fato é que a Alemanha estava muito mais preparada para aquele jogo que os mágicos húngaros. Foi a primeira derrota da Hungria após 31 partidas, de maio de 1950 até o fatídico 4 de julho de 1954. Um recorde. Mas recorde mesmo foi o feito alemão, que mostrou que nem sempre o melhor time vence. Às vezes, uma estratégia bem feita, aliada a sorte, faz muita diferença. E faz uma seleção que não almejava nada e ainda vivia sob os fantasmas da II Guerra Mundial, campeã do mundo.
De coadjuvante à potência mundial
O primeiro título mundial da Alemanha marcou o nascimento de uma das maiores potências do futebol mundial, que chegaria a outras sete finais de Copa, vencendo três (contra outra seleção favorita, a Holanda, em 1974, e contra a Argentina, em 1990 e em 2014) e perdendo quatro (contra Inglaterra, em 1966; Itália, em 1982; Argentina, em 1986; e Brasil, em 2002), além de conquistar um tricampeonato europeu. A façanha de Fritz Walter e companha inspirou o crescimento assíduo dos clubes alemães, que passaram a rivalizar de igual para igual com os já consagrados times espanhóis, italianos e ingleses, principalmente com o grande Bayern München da década de 70. Copeira e com a faceta de “seleção de chegada” cravada em seu futebol, a Alemanha marcou época com o título de 1954. Aquela seleção pode até não ter tido o brilho da geração de 1974, a força da de 1990 ou o brilho coletivo de 2014. Mas nenhuma foi tão inteligente, goleadora e eficaz como a do técnico Sepp Herberger. Uma seleção imortal.
Os personagens:
Turek: era um goleiraço, imponente e dono de reflexos apurados. Na final contra a Hungria, fez uma defesa sensacional num chute de Hidegkuti, que o tornaram um “santo” para os alemães.
Kohlmeyer: marcador implacável e perfeito na antecipação, Werner Kohlmeyer foi um gigante do futebol alemão e ídolo do Kaiserslautern, clube onde jogou de 1941 até 1957. Fez uma Copa impecável, com destaque para as partidas contra a Iugoslávia, nas quartas de final, e contra a Hungria, na final, quando conseguiu parar o impetuoso craque húngaro Czibor.
Posipal: nascido na Romênia, Posipal se tornou cidadão alemão em 1951, pouco depois de se transferir para o Hamburgo, onde jogaria grande parte de sua carreira. Era muito forte na defesa e ainda se arriscava no ataque com muito fôlego, graças às aulas de natação que predominaram em sua infância.
Liebrich: foi o responsável por “balear” Puskás na Copa de 1954, com uma pancada na perna do astro húngaro ainda na fase de grupos. Jogou toda sua carreira no Kaiserslautern, de 1943 até 1962, e disputou grandes partidas naquele mundial.
Mai: outro exímio marcador no meio de campo da Alemanha, correto e muito bom no passe. Não deu espaços ao craque e artilheiro Kocsis na final, que passou em branco naquele jogo.
Eckel: com seus passes precisos para Rahn e Morlock, Eckel foi um grande garçom da Alemanha naquela Copa. Disputou duas Copas do mundo pela seleção, em 1954 e 1958, e foi um dos grandes nomes da equipe de Herberger. Outro craque que jogou grande parte da carreira na maior potência alemã da época, o Kaiserslautern.
Fritz Walter: líder, craque, perfeito, esguio. Antes do futebol alemão revelar para o planeta Franz Beckenbauer, foi Fritz Walter o maior jogador alemão da primeira metade do século XX. Foi um símbolo do Kaiserslautern, clube onde é o maior de todos os tempos e ainda empresta seu nome ao estádio da equipe. Foi o craque maior daquela Alemanha que desbancou a favorita Hungria na final da Copa de 1954 e cérebro do meio de campo e ataque. Antes de brilhar no Mundial, F. Walter teve que arriscar a vida durante a II Guerra Mundial, na brigada de paraquedistas do Reich. É um dos maiores artilheiros da história da seleção alemã, com 33 gols em 61 jogos. Um mito do esporte. Leia mais sobre ele clicando aqui!
Morlock: ágil e com um faro de gol apuradíssimo, Maximilian Morlock foi um dos maiores atacantes alemães das décadas de 40 e 50. Marcou incríveis 21 gols em apenas 26 jogos pela seleção, sendo seis na Copa de 1954, onde foi decisivo com seu senso de colocação e espírito de luta. Na carreira, marcou mais de 700 gols.
Schäfer: outro talento do ataque alemão naquela Copa, Hans Schäfer foi decisivo para a Alemanha levar seu primeiro título mundial de futebol. Fez uma parceria notável ao lado de Ottmar Walter, Rahn e Morlock.
Ottmar Walter: irmão mais novo de Fritz, Ottmar Walter não tinha o brilho e genialidade do primogênito, mas marcava vários gols e era um quase centroavante daquela Alemanha campeã. Sofria com dores e machucados em seu joelho direito, ainda reflexo de sua atuação na II Guerra Mundial, que o obrigaram a encerrar a carreira precocemente em 1958.
Rahn: ao lado de Fritz Walter, era outro craque maior da Alemanha na Copa de 1954. Foi o grande herói na final contra a Hungria, quando marcou o gol de empate e o gol da vitória por 3 a 2, no “Milagre de Berna”. Disputou 40 jogos pela seleção e marcou 21 gols. Tinha um grande espírito de liderança e um canhão na perna esquerda.
Sepp Herberger (Técnico): foi graças a sua inteligência, controle e visão que Herberger conseguiu fazer da Alemanha a campeã da Copa do Mundo de 1954. Foi um dos técnicos com maior poder de estratégia de todos os tempos e mostrou, na prática, que o futebol não obedece a lógicas, apostas certeiras ou favas contadas. Ele é imprevisível e fascinante, como foi a vitória alemã pra cima da Hungria naquela Copa. Herberger foi, sem dúvida alguma, um imortal.
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A seleção do Milagre!! Baita história.
Obrigado !
Estou lendo esse site todo dia !
Amo muito o futebol alemão e argentino !
Nota 10, para vocês !
Qual era o número da camisa de Fritz walter ?!
Ele era o camisa 16 da Alemanha, Luis.
Essa seleção é uma lenda! A história mais bonita de Copas do Mundo, O Milagre de Berna!