Nascimento: 31 de outubro de 1920, em Kaiserslautern, Alemanha. Faleceu em 17 de junho de 2002, em Enkenbach-Alsenborn, Alemanha.
Posições: Meia / Atacante
Clube: Kaiserslautern-ALE (1937-1959).
Principais títulos por clube: 2 Campeonatos Alemães (1950-1951 e 1952-1953) pelo Kaiserslautern.
Principal título por seleção: 1 Copa do Mundo da FIFA (1954) pela Alemanha.
Principais títulos individuais e artilharias:
Eleito para o All-Star Team da Copa do Mundo da FIFA: 1954
Bola de Bronze da Copa do Mundo da FIFA: 1954
Ordem ao Mérito da FIFA: 1995
Eleito para o Hall da Fama do Futebol Alemão
Eleito um dos 1000 Maiores Esportistas do Século XX pelo jornal The Sunday Times: 1999
Eleito o 32º Melhor Jogador do Século XX pela revista Placar: 1999
Eleito o 23º Maior Jogador do Século XX pela IFFHS
Eleito o 14º Maior Jogador Europeu do Século XX pela IFFHS
Eleito o 3º Maior Jogador Alemão do Século XX pela IFFHS
Eleito para a Seleção dos Sonhos da Alemanha do Imortais: 2020
“Der Große Kapitän”
Por Guilherme Diniz
Capitão do Milagre de Berna, como ficou conhecida a vitória da Alemanha sobre a Hungria na final da Copa de 1954, patrimônio do Kaiserslautern, clube pelo qual jogou toda a carreira e empresta seu nome ao estádio dos Diabos Vermelhos, e sobrevivente da 2ª Guerra Mundial, quando foi convocado para a brigada de paraquedistas e chegou a jogar futebol com guardas húngaros e eslovacos em um campo de prisioneiros de guerra. Friedrich Walter, mais conhecido como Fritz Walter, conseguiu vencer todos os obstáculos da vida com perseverança, liderança e, claro, futebol. Mesmo com o abalo psicológico da guerra, Walter colecionou troféus pelo Kaiserslautern, foi campeão do mundo com a Alemanha e se consagrou como um dos mais talentosos jogadores da história, capaz de marcar muitos gols e também criar oportunidades para os companheiros. É hora de relembrar a carreira do “Grande Capitão”.
Nascido para o Kaiserslautern
Antes de começar a carreira, Fritz Walter teve que sobreviver junto com sua família em uma Alemanha ainda sangrando pelas consequências da Primeira Guerra Mundial. O sustento vinha do restaurante que eles tinham em Kaiserslautern, cidade localizada ao sul da Renânia-Palatinado. Sem qualquer luxo, Walter viu no futebol uma distração e também um possível futuro. Com isso, aos 8 anos, ingressou nas categorias de base do principal time da cidade, o FC Kaiserslautern, mesmo caminho que seu irmão mais novo, Ottmar Walter, também seguiria. Após um tempo nos juvenis, Fritz foi integrado ao elenco profissional com 17 anos e rapidamente chamou a atenção de todos pelo estilo ofensivo e intenso que jogava. Além de aparecer na frente para marcar (muitos) gols, Fritz Walter dava passes precisos aos companheiros e tinha uma notável visão de jogo.
Seu primeiro campeonato foi na temporada 1939-1940, e, mesmo sem o título, Fritz Walter arrebatou os fãs com uma média de dois gols por jogo ao anotar 30 gols em apenas 15 jogos! Na temporada seguinte, foram mais 16 gols em 12 jogos, e, em 1941-1942, arrebatadores 39 gols em 14 jogos, uma média pirotécnica de 2,78 gols por jogo! Claro que um desempenho tão impressionante como esse chamou a atenção do técnico da seleção, Sepp Herberger, que convocou Fritz já em 1940, quando o jovem tinha apenas 19 anos, para um amistoso contra a Romênia. E o meia anotou três gols na goleada de 9 a 3 sobre a equipe do leste europeu. O craque seguiu jogando em alto nível pelo Kaiserslautern e pela Alemanha até 1942, mas seu talento e prestígio não resultaram em títulos. A força dominante da época no país era o Schalke 04, hexacampeão alemão e três vezes vice entre os anos de 1933 e 1942. Para piorar, Fritz Walter e seus companheiros teriam um duro adversário em suas carreiras: a Segunda Guerra Mundial.
Quando o futebol salva
A partir de 1943, Fritz Walter teve que deixar o esporte de lado e integrar a brigada de paraquedistas do Reich. Foram várias missões pelo continente e idas e vindas em aviões sem a certeza de que sairia vivo ou voltaria para casa. Em um determinado momento, Fritz Walter foi capturado em 1945 juntamente com vários outros alemães e levado ao front oriental, onde acabou mantido prisioneiro pelos soviéticos. Mas a estadia de Fritz não iria durar por muito tempo graças ao futebol e a um jogo em especial. Você deve estar se perguntando: como assim? Vamos explicar.
Quando foi capturado pelos soviéticos e mantido em um campo de prisioneiros, Fritz Walter passava o tempo jogando futebol com guardas húngaros e eslovacos. Embora fosse bom para amenizar a tensão, ele sabia que quase todos por ali seriam levados ao Gulag, na Sibéria, conhecido como a maior e mais temida prisão soviética da Segunda Guerra Mundial. Só que em um desses jogos, um guarda húngaro reconheceu Walter e ficou maravilhado e estupefato com a presença de uma pessoa tão marcante e totalmente avessa à guerra por ali. É que o tal guarda tinha visto Walter jogar pela Alemanha em um duelo contra a Hungria, em 1942, vencido pelos alemães por 5 a 3, de virada, com dois gols do meia alemão, que enervou seus companheiros no intervalo juntamente com o técnico Sepp Herberger para virar o jogo.
Dias depois desse “reconhecimento” do guarda, o nome de Fritz Walter foi retirado da lista de prisioneiros que seriam enviados para a Sibéria e ele pôde retornar ao seu país no final de 1945. O esporte, quem diria, salvou a vida e o futuro de Fritz Walter. No entanto, como uma das consequências psicológicas da Guerra, o meia não teria mais forças e coragem para subir em um avião depois disso e faria seus deslocamentos preferencialmente de trem, ônibus ou carro. Por isso e por amar tanto sua cidade e seu país, Walter recusou as propostas que recebeu após a Guerra de clubes como Atlético de Madrid e Nancy, decidindo permanecer no Kaiserslautern. Era hora da reconstrução tanto do clube quanto da seleção. E ele precisava estar próximo para ajudar em tudo isso.
Enfim, os títulos
Ainda sem jogar pela seleção por conta do embargo sofrido pelo país – nenhuma das seleções da Alemanha poderia jogar contra qualquer adversário até o início da década de 1950 – Fritz Walter concentrou sua carreira no Kaiserslautern e manteve a média prolífica superior a um gol por jogo. Entre 1945-1946 e 1947-1948, foram 69 gols em 52 jogos, com destaque para os 22 gols em 14 jogos na Oberliga Sudoeste de 1946-1947. Em 1948, a equipe chegou muito perto do título nacional, mas foi derrotada na final pelo Nuremberg por 2 a 1. No entanto, a desforra veio na temporada 1950-1951.
Já trintão, Fritz Walter não foi tão prolífico, mas comandou o Kaiserslautern à liderança da Oberliga Sudoeste – pela 5ª vez seguida – que garantiu a vaga na fase final do Campeonato Alemão. No Grupo 1, os Diabos superaram o Schalke 04, SpVgg Fürth e St. Pauli com quatro vitórias, um empate e uma derrota em seis jogos e foram à final contra o surpreendente Preußen Münster. Jogando no estádio Olímpico de Berlim diante de quase 85 mil pessoas (!), o Kaiserslautern venceu por 2 a 1 com dois gols do irmão de Fritz, Ottmar Walter, e faturou seu primeiro troféu nacional da história. Dois anos depois, o time foi ainda mais demolidor ao ficar com a liderança da Oberliga Sudoeste somando 23 vitórias, cinco empates e apenas duas derrotas em 30 jogos, com impressionantes 127 gols marcados – média de 4,23 gols por jogo.
Fritz Walter voltou às suas médias absurdas de gols e anotou 38 tentos em 30 partidas. Na fase final, o Kaiserslautern venceu cinco e empatou um dos seis jogos no Grupo 1 e fez a final contra o Stuttgart. As mais de 80 mil pessoas no Olímpico de Berlim viram outro show dos Diabos Vermelhos, que golearam por 4 a 1 (um gol de Fritz Walter) e faturaram o bicampeonato. As conquistas consagraram um esquadrão que serviria como uma das bases da seleção alemã nos anos seguintes, com os defensores Liebrich e Kohlmeyer, o lendário meio-campista Horst Eckel e, claro, os irmãos Fritz e Ottmar Walter.
A primeira Copa, a tática e o Milagre
Fritz Walter voltou a jogar pela Alemanha em 1951, quase 10 anos desde sua última partida, em novembro de 1942. Eleito capitão pelo técnico Herberger, o meia foi a principal voz do time em campo e ajudou na reconstrução da seleção e em sua busca por uma vaga na Copa do Mundo de 1954, na Suíça. Embora estivesse longe dos favoritos Hungria e Uruguai, a equipe esperava garantir uma vaga e cumprir um bom papel no Mundial. A Alemanha se classificou com certa tranquilidade, deixando para trás o Protetorado do Sarre (hoje um estado alemão) e a Noruega.
Com cinco jogadores entre os convocados, o bicampeão alemão em 1951 e 1953 Kaiserslautern foi o clube que mais cedeu atletas à seleção. E todos titulares: os defensores Kohlmeyer e Liebrich, o meio-campista Eckel e os irmãos Fritz e Ottmar Walter. Esse quinteto, juntamente com Helmut Rahn e Max Morlock, seriam os principais expoentes do técnico Herberger no Mundial para tentar ao menos se classificar para a fase eliminatória na segunda colocação de seu grupo, afinal, logo na fase classificatória os germânicos teriam que enfrentar a Hungria, além de Turquia e Coreia do Sul.
Por conta disso, o técnico Sepp Herberger decidiu armar uma estratégia que seria a chave para o famoso “milagre” da final. No primeiro jogo, ele armou seu time completo e conseguiu uma vitória fácil sobre a Turquia por 4 a 1, gols de Schäfer, Klodt, Ottmar Walter e Morlock. O jogo seguinte seria contra a Hungria, que havia feito 9 a 0 na Coreia do Sul. Foi então que Herberger pensou: por que escalar meu time titular e desgastá-lo se eu posso estudar esse adversário que provavelmente estará na final? Com isso, o treinador poupou cinco titulares e, claro, viu a Hungria passear: 8 a 3. Mas a derrota foi mais do que premeditada. Herberger já sabia como os húngaros jogavam, entendeu perfeitamente quais setores da defesa húngara sua Alemanha deveria explorar e viu o zagueiro Liebrich acertar uma pancada em Puskás, astro do Mundial, que foi decisiva para deixar o craque de fora de vários jogos da Hungria na Copa. Ele só voltaria a campo na decisão, ainda sim bem baleado.
No jogo seguinte, jogando completa, a Alemanha massacrou a Turquia novamente por 7 a 2, gols de Ottmar Walter, Schäfer (2), Morlock (3) e Fritz Walter – os alemães não precisaram jogar contra a Coreia, que foi eliminada graças às derrotas para Hungria e Turquia -, e conseguiu a classificação para a próxima fase. Com a consciência tranquila de já saber como o principal rival da Copa jogava, a Alemanha foi com tudo rumo à final. A equipe derrotou a Iugoslávia, nas quartas de final, por 2 a 0 (gols de Horvat, contra, e Rahn) e massacrou a Áustria na semifinal por 6 a 1, em um verdadeiro espetáculo de Fritz Walter, que jogou mais avançado para pressionar a zaga rival e não só marcou dois gols de pênalti como também participou dos outros quatro gols, anotados por Schäfer, Morlock e Ottmar Walter (2).
Os germânicos, pela primeira vez na história, estavam na final. Do outro lado da chave, a Hungria, como esperado, também venceu seus adversários, mas de maneira bem sofrida. Nas quartas, no jogo mais violento já registrado nas Copas desde então, que ficou conhecido como “Batalha de Berna”, os húngaros venceram o Brasil por 4 a 2, em uma partida com três expulsões e muito quebra pau. Na semifinal, um jogo épico contra o Uruguai. A partida foi bem disputada, mostrando a qualidade dos uruguaios e assustando um pouco os magiares. Após empate em 2 a 2 no tempo normal, porém, a Hungria mostrou mais poder de precisão e marcou dois gols: 4 a 2. Essa vitória foi outro fator que pesaria a favor dos alemães na decisão: o cansaço da Hungria após um jogo tão intenso contra a Celeste.
Depois de vivenciar a “Batalha de Berna”, a Hungria teve de presenciar outro feito na cidade suíça: um milagre. O time mais temido e formidável do mundo sucumbiu diante da Alemanha de Fritz Walter e perdeu de virada por 3 a 2. A Hungria abriu 2 a 0 logo no início de jogo, com Puskás e Czibor. Aos 10´, Morlock diminuiu e Rahn empatou, aos 18´. Na segunda etapa, faltando seis minutos para o fim, Rahn marcou mais um e decretou o primeiro título mundial dos alemães, conhecido como o Milagre de Berna, minuciosamente detalhado aqui no Imortais.
Um fato em destaque que favoreceu bastante o jogo alemão foi a chuva que caiu em Berna no dia do jogo, que deixou o campo pesado e desfavorável a troca de passes dos húngaros. Quem gostou da chuva foi o capitão da Nationalelf Fritz Walter, que não rendia bem em dias ensolarados e muito quentes por ter contraído malária em uma de suas missões na Guerra, e, por isso, não suportava o calor. Com um clima mais ameno, o craque jogou muito e comandou com maestria o time alemão naquela vitória épica. Horst Eckel, companheiro de Fritz Walter naquele título, comentou sobre o amigo em entrevista ao site da FIFA:
“Ele era uma pessoa especial: tinha um grande coração, mas era humilde e sempre pronto a ajudar. Se alguém lhe pedia para fazer algo e ele achava que era importante, ele dava uma mão. E é claro que ele era um bom jogador de futebol, um jogador de classe mundial em nossa época, posso garantir isso. Quando tinha algo a nos dizer, encontrava palavras inspiradoras e era muito convincente. O que ele disse tinha peso. Ele não gritou – ele apenas explicou tudo claramente para que todos entendessem.”
A emoção de Walter na entrega da taça Jules Rimet e a festa após o título foram cenas marcantes para o povo alemão, que viu naquele título a volta por cima após anos tão obscuros. “Somos alguém novamente”, disseram muitos na época. O primeiro título de Copa da Nationalelf abriu caminho para que a seleção alemã se transformasse em uma das mais temidas e vitoriosas de todo o planeta, deixando seu lado coadjuvante de lado para sempre. Com 34 anos, Fritz Walter foi um dos mais veteranos capitães a levantar uma Copa em toda a história. E, também, um dos que mais mereceram a honra por tudo o que sofreu e passou em sua vida.
Últimos anos e aposentadoria
Fritz Walter seguiu jogando em alto nível pelo Kaiserslautern e também pela seleção alemã, pela qual disputou a Copa de 1958 já com 38 anos. A Nationalelf se classificou em primeiro no Grupo 1 após vencer a Argentina (3 a 1) e empatar com a Tchecoslováquia (2 a 2) e Irlanda do Norte (2 a 2). Na etapa seguinte, triunfo por 1 a 0 sobre a Iugoslávia e, na semifinal, derrota por 3 a 1 para a anfitriã Suécia, no último jogo da carreira de Fritz Walter pela seleção. O craque sofreu com a marcação dos suecos e foi duramente atingido por Parling em um lance que o árbitro fez “vista grossa”, algo que prejudicou o time alemão, pois não eram permitidas substituições na época. Lesionado, Walter não entrou em campo na disputa pelo terceiro lugar e a Alemanha perdeu para a França de Fontaine por 6 a 3.
Em 1959, Fritz Walter se aposentou do futebol e deixou a seleção alemã órfã de um líder. Em 1962, houve até um clamor para que ele voltasse ao time mesmo com 42 anos, mas o craque preferiu declinar – a Alemanha foi eliminada já nas quartas de final pela Iugoslávia. Somente anos depois que a Nationalelf teria um líder à altura quando Franz Beckenbauer começou a jogar pela seleção e capitaneou o escrete campeão da Copa de 1974.
Fritz Walter foi laureado de diversas maneiras nas décadas seguintes e tido como o melhor jogador alemão no prêmio Jubileu da UEFA, ficando à frente inclusive de Beckenbauer e Gerd Müller. O Kaiserslautern só conseguiu repetir os grandes feitos sob a batuta de Walter nos anos 1990, com títulos nacionais em 1990-1991 e 1997-1998, além de duas Copas da Alemanha em 1989-1990 e 1995-1996. Em 1985, o estádio do clube foi rebatizado com o nome Fritz-Walter-Stadion em sua homenagem.
Em 17 de junho de 2002, durante a disputa da Copa do Mundo, Fritz Walter faleceu aos 81 anos, de causas naturais e dormindo, na cidade de Enkenbach-Alsenborn. Após a notícia, os jogadores alemães usaram uma tarja preta na camisa em sinal de luto pela morte do grande capitão no duelo contra os EUA, em 21 de junho, vencido pela Nationalelf por 1 a 0. A Alemanha chegou à final da Copa contra todos os prognósticos, talvez empurrada pela mística e torcida de Walter, mas acabou perdendo para o Brasil por 2 a 0 e ficou com o vice. No entanto, lá de cima, o craque deve ter ficado orgulhoso da garra e determinação de seus compatriotas. A mesma que ele sempre demonstrou durante toda carreira. Um craque imortal.
Números de destaque:
Disputou 367 jogos e marcou 295 gols pelo Kaiserslautern.
Disputou 61 jogos e marcou 33 gols pela seleção da Alemanha.
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Belíssima documentação e homenagem a tão grande craque mundial. O esporte faz isso: salva e une os povos. Ele foi soldado de um dos regimes mais terríveis da história humana, mas nem por isso deixou de ter dignidade ou de merecer redenção. Dá um filme a vida de Frizt Walter.