Por Guilherme Diniz
Ela foi a grande pioneira. Se hoje acompanhamos a Liga dos Campeões da UEFA anualmente, isso se deve à Copa Mitropa, torneio criado nos longínquos anos 1920 que reunia os principais clubes da Europa Central. Seu nome é uma contração do termo em alemão Mitteleuropa (Europa Central), e ela já foi chamada de Copa da Europa, alcançando um prestígio enorme no Velho Continente em seus tempos áureos. Com participação de clubes da Hungria, Áustria, Tchecoslováquia e Iugoslávia, a competição passou a ter representantes da Itália, Áustria e Romênia com o passar do tempo e teve grandes esquadrões, dinastias e craques como Giuseppe Meazza, Raimundo Orsi, Karel Pesek, Matthias Sindelar, Josef Bican, Nándor Hidegkuti, Ferenc Puskás, Sándor Kocsis, entre outros. É hora de relembrar.
Sumário
A ideia de Hugo Meisl

Na década de 1920, o tcheco Hugo Meisl, um dos maiores técnicos do século XX, arregaçou as mangas para começar um trabalho pioneiro, ávido e brilhante. O “craque do chapéu” começou a visitar a Inglaterra constantemente para aprender mais sobre o football e por lá conheceu Jimmy Hogan, que viraria seu fiel amigo e escudeiro para a transformação do futebol austríaco. Outra amizade cultivada por Meisl na ilha foi com Herbert Chapman, genial técnico tido como inventor do sistema tático WM, o 3-4-3.
Meisl era a favor da troca de experiências e do conhecimento compartilhado entre países para o aprimoramento do esporte. Junto com Hogan, passou a estudar cada vez mais as táticas do futebol e viu que o continente necessitava de competições onde as seleções e os clubes pudessem medir forças. Com isso, em julho de 1927, Hugo Meisl tratou de iniciar de uma vez só duas competições que seriam fundamentais para o desenvolvimento futebolístico: a Copa Mitropa e a Copa Internacional da Europa Central. A primeira tinha como objetivo reunir os principais clubes dos países da Europa Central, uma espécie de torneio intercontinental de clubes. A outra competição (Copa Internacional) era semelhante à Mitropa, mas com seleções também da Europa Central disputando o título de melhor equipe do continente. Essa Copa inspirou a criação, em 1960, da Eurocopa.
Tais torneios começaram a demonstrar um grande interesse do público e foram fundamentais para mostrar a todos que não era apenas o Reino Unido que tinha futebol, mas também os países centrais da Europa. Grandes jogadores e clubes ganharam notoriedade, destaque e conseguiram sair do anonimato. Na primeira edição da Copa Mitropa, disputada entre agosto e novembro de 1927, dois clubes de cada país participante – Áustria, Hungria, Iugoslávia e Tchecoslováquia – iriam duelar em sistema de mata-mata, com jogos de ida e volta definidos por sorteio. Só poderiam participar os campeões e vice de cada país, o que dava realmente um caráter ainda mais de peso à competição.


Agachados: Hajný e Patek.

Naquele ano, o campeão foi o poderoso Sparta Praga-TCH, um dos maiores esquadrões da época e que tinha um elenco formidável com destaque para o defensor Antonín Perner, o meio-campista Karel Pesek e os atacantes Adolf Patek e Josef Silny, este o artilheiro da primeira edição com 5 gols. O Sparta passou pelo Admira Wien-AUT (8 a 6 no agregado) e MTK-HUN (2 a 2 no agregado, avançando graças ao critério do gol fora) até derrotar o Rapid Wien-AUT na final com um 6 a 2 no duelo da ida, em casa, e derrota por 2 a 1 fora, insuficiente para tirar o título dos tchecoslovacos.
Na temporada seguinte, foi a vez do Ferencvaros-HUN levantar o troféu com placares acachapantes: 13 a 1 no agregado sobre o BSK Beograd-IUG, 3 a 1 no Admira Wien e 10 a 6 no Rapid Wien. A partir de 1929, os clubes da Iugoslávia foram impedidos de participar da competição depois que o Rei Alexandre declarou uma ditadura real em 6 de janeiro daquele ano, o que fez com que equipes da Itália passassem a disputar o torneio – Juventus e Genoa foram os primeiros participantes do Calcio, mas o campeão daquele ano foi o Újpest-HUN. Em 1930, uma reedição da final de 1927 aconteceu e o Rapid Wien se vingou do Sparta Praga para ficar com o primeiro título austríaco da competição. A lenda italiana Giuseppe Meazza, com 7 gols, foi o artilheiro daquele ano.
Consolidação e a pausa da Guerra

Em 1931, a Copa Mitropa teve seu primeiro campeão invicto e único com 100% de aproveitamento: o First Vienna-AUT, que venceu todos os seis jogos que disputou e foi campeão em cima do compatriota Wiener AC, com vitórias tanto no campo do rival (3 a 2) quanto em casa (2 a 1). Em 1932, a competição teve sua primeira polêmica: na segunda partida da semifinal entre Slavia Praga e Juventus, em Turim, a Velha Senhora vencia por 2 a 0, resultado que classificava a bianconeri (que perdeu por 4 a 2 a ida, mas recuperava a vantagem por causa dos gols marcados fora). No entanto, os jogadores do Slavia começaram a fazer cera e retardar o reinício da partida após sofrerem o segundo gol e a torcida da Juventus, enfurecida, começou a atirar pedras no gramado. Após uma delas atingir e ferir gravemente o goleiro do Slavia, o lendário František Plánička, o time tchecoslovaco abandonou o jogo alegando insegurança.
Com isso, torcedores de ambos os times invadiram o campo, deixando o Slavia confinado em seus vestiários por horas enquanto 1.500 soldados e policiais formavam um cordão de isolamento. A comissão organizadora da Copa Mitropa acabou expulsando tanto Slavia Praga quanto Juventus, alegando que ambos foram culpados pelo tumulto. Com isso, o Bologna, já confirmado na final após vencer o First Vienna, foi declarado campeão, sendo o primeiro clube da Itália a vencer a competição.

Os petroniani repetiram a dose em 1934, logo após a conquista italiana na Copa do Mundo da FIFA, ano em que a Copa Mitropa passou a contar com quatro clubes de cada país participante, elevando o nível e a dificuldade do torneio. Na final, o Bologna superou o Admira Wien e, após perder por 3 a 2 a ida, em Viena, goleou em casa por 5 a 1 e ficou com o bicampeonato – os italianos foram os primeiros bicampeões da história. Carlo Reguzzoni (Bologna), com 10 gols, foi o grande artilheiro daquele ano.
Nas temporadas seguintes, o torneio foi conquistado por clubes da Áustria, Hungria e Tchecoslováquia, mas nenhum italiano conseguiu levantar o troféu após o Bologna, um fato curioso pelo fato de a Itália ser bicampeã do mundo no período 1934-1938. Isso reforçava o sucesso da competição e a força do futebol do leste europeu na época – Tchecoslováquia (1934) e Hungria (1938) foram vice-campeões da Copa do Mundo, enquanto Iugoslávia (1930) e Áustria (1934) foram semifinalistas.




Em 1936, por exemplo, Giuseppe Meazza foi artilheiro da competição, dessa vez com 10 gols, mas sua Inter foi eliminada na semifinal para o Sparta Praga após duas derrotas – 5 a 3 e 3 a 2. Em 1937, a Lazio de Silvio Piola, maior artilheiro da história da Série A e artilheiro da Itália no bicampeonato mundial, até chegou à final, mas perdeu para o Ferencvaros em duas finais alucinantes: vitória húngara por 4 a 2 na ida – com três gols do artilheiro Sárosi – e nova vitória húngara na volta, em Roma, por 5 a 4, com três gols de Piola para a Lazio e mais três gols de Sárosi a favor dos alviverdes. O atacante foi o artilheiro daquela edição com 12 gols, maior número da história do torneio. Piola anotou 10 gols.
Em 1938, foi a vez do Slavia Praga, do lendário Josef Bican, levantar o título após empate em 2 a 2 contra o campeão Ferencvaros em casa e vitória por 2 a 0 em plena casa húngara. Bican, claro, foi o maior goleador daquela edição com 10 gols marcados. Em 1939, já com a Segunda Guerra Mundial em voga, a Copa Mitropa teve apenas oito clubes participantes: dois clubes da Hungria, dois da Tchecoslováquia, dois da Itália, um clube da Romênia e um da Iugoslávia. O Rapid Bucuresti se tornou o primeiro clube romeno a alcançar uma final, mas justamente naquele ano não houve campeão, pois o avanço da Segunda Guerra Mundial impediu a partida de ser realizada. A Copa Mitropa acabou cancelada entre 1941 e 1950 por causa do conflito bélico.
O retorno, a concorrência com a UEFA e o fim

Em 1951, a Copa Mitropa retornou de maneira não-oficial e com apenas quatro clubes, por isso, foi chamada de Copa Zentropa e vencida pelo Rapid Wien. Ainda capengando naquele pós-guerra, a Mitropa não foi realizada entre 1952 e 1954 e voltou apenas em 1955. Naquela época, clubes de Itália, Portugal, Espanha e França criaram a Copa Latina, inicialmente só com o campeão de cada país, o que ajudou os clubes daqueles países a crescerem em popularidade no continente. Embora o futebol húngaro estivesse em alta por causa do sucesso da seleção do país nos Jogos Olímpicos de 1952 e na Copa do Mundo de 1954, já era visível a queda na popularidade da Copa Mitropa. E isso aumentou ainda mais quando Gabriel Hanot, editor do L’Équipe, propôs a criação de um torneio continental. Com isso, em 1955-1956, a UEFA criou a Copa dos Campeões da Europa, que iria reunir os campeões nacionais dos principais países do continente. O torneio virou um óbvio sucesso imediato e ofuscou de vez a Copa Mitropa, que não teve a participação de clubes da Itália entre 1956 e 1959.
Só em 1960 que os clubes da bota retornaram, em uma temporada atípica e confusa na qual 30 clubes fizeram partidas de ida e volta após um sorteio e o campeão seria definido por país. Os clubes húngaros somaram mais pontos e a Hungria foi a campeã, cujos clubes venceram oito jogos, empataram um e perderam apenas três. A Iugoslávia ficou em segundo, a Tchecoslováquia em terceiro, a Itália em quarto e a Áustria em quinto lugar.

Na temporada 1961, o sistema de disputa mudou novamente, com os 12 clubes divididos em três grupos com quatro equipes cada e os melhores de cada chave avançando à semifinal (com uma das chaves com dois classificados). O Bologna foi campeão pela terceira vez e se consagrou como o clube italiano com mais títulos na história do torneio e o segundo mais laureado, atrás apenas do Vasas-HUN, que levantou seis títulos.
Nos anos seguintes, a UEFA ainda criou a Recopa da UEFA, competição que reunia os vencedores das copas nacionais de seus países, e também a Copa da UEFA, uma tríade que praticamente minguou a Copa Mitropa, que passou a ser disputada por clubes de menor expressão de seus países. O torneio seguiu até 1992 e foi descontinuado em definitivo. Com um grande peso histórico, a Copa Mitropa marcou época como inspiração às grandes competições de clubes da Europa e, se não teve o fim que merecia, deixou um legado eterno, visto anualmente na Liga dos Campeões da UEFA.
Os campeões
Ano | Campeão | Vice-Campeão |
---|---|---|
1927 | Sparta Praga-TCH | Rapid Viena-AUT |
1928 | Ferencváros-HUN | Rapid Viena-AUT |
1929 | Újpest-HUN | Slavia Praga-TCH |
1930 | Rapid Viena-AUT | Sparta Praga-TCH |
1931 | First Vienna-AUT | Wiener AC-AUT |
1932 | Bologna-ITA | — |
1933 | Austria Viena-AUT | Ambrosiana-Inter-ITA |
1934 | Bologna-ITA | Admira Viena-AUT |
1935 | Sparta Praga-TCH | Ferencváros-HUN |
1936 | Austria Viena-AUT | Sparta Praga-TCH |
1937 | Ferencváros-HUN | Lazio-ITA |
1938 | Slavia Praga-TCH | Ferencváros-HUN |
1939 | Újpest-HUN | Ferencváros-HUN |
1940 | Final não disputada | — |
1941–50 | Não disputada | — |
1951 | Rapid Viena-AUT | Wacker Viena-AUT |
1952–54 | Não disputada | — |
1955 | Vörös Lobogó-HUN | ÚDA Praga-TCH |
1956 | Vasas-HUN | Rapid Viena-AUT |
1957 | Vasas-HUN | Vojvodina-IUG |
1958 | Estrela Vermelha-IUG | Rudá Hvězda Brno-TCH |
1959 | Honvéd-HUN | MTK-HUN |
1960 | Seleção da Hungria | — |
1961 | Bologna-ITA | Slovan Nitra-TCH |
1962 | Vasas-HUN | Bologna-ITA |
1963 | MTK Budapeste-HUN | Vasas-HUN |
1964 | Sparta Praga-TCH | Slovan Bratislava-TCH |
1965 | Vasas-HUN | Fiorentina-ITA |
1966 | Fiorentina-ITA | Jednota Trenčín-TCH |
1967 | Spartak Trnava-TCH | Újpesti Dózsa-HUN |
1968 | Estrela Vermelha-IUG | Spartak Trnava-TCH |
1969 | Inter Bratislava-TCH | Sklo Union Teplice-TCH |
1970 | Vasas-HUN | Inter Bratislava-TCH |
1971 | Čelik Zenica-IUG | Austria Salzburg-AUT |
1972 | Čelik Zenica-IUG | Fiorentina-ITA |
1973 | Tatabányai Bányász-HUN | Čelik Zenica-IUG |
1974 | Tatabányai Bányász-HUN | ZVL Žilina-TCH |
1975 | Wacker Innsbruck-AUT | Honvéd-HUN |
1976 | Wacker Innsbruck-AUT | Velež Mostar-IUG |
1977 | Vojvodina-IUG | Vasas-HUN |
1978 | Partizan-IUG | Honvéd-HUN |
1979 | Não disputada | — |
1980 | Udinese-ITA | Čelik Zenica-IUG |
1981 | Tatran Prešov-TCH | Csepel SC-HUN |
1982 | Milan-ITA | TJ Vítkovice-TCH |
1983 | Vasas-HUN | ZVL Žilina-TCH |
1984 | SC Eisenstadt-AUT | Prishtina-IUG |
1985 | Iskra Bugojno-IUG | Atalanta-ITA |
1986 | Pisa-ITA | Debrecen-HUN |
1987 | Ascoli-ITA | Bohemians Praga-TCH |
1988 | Pisa-ITA | Váci Izzó-HUN |
1989 | Baník Ostrava-TCH | Bologna-ITA |
1990 | Bari-ITA | Genoa-ITA |
1991 | Torino-ITA | Pisa-ITA |
1992 | Borac Banja Luka-IUG | BVSC Budapeste-HUN |
Curiosidades e recordes:
- Os maiores campeões da Copa Mitropa foram:

- A seguir, com 2 títulos cada: Ferencvaros-HUN, Újpest-HUN, Rapid Wien-AUT, Austria Vienna-AUT, MTK-HUN, Estrela Vermelha-IUG, NK Celik Zenica-IUG, FC Tatabánya-HUN, FC Wacker-AUT e Pisa-ITA;
- A Hungria foi o país com mais títulos na história da Copa Mitropa: 16 troféus. Em seguida, vem Itália, com 11 títulos, Tchecoslováquia e Iugoslávia, ambas com 8 troféus;
- O húngaro György Sárosi é o maior artilheiro da história da Copa Mitropa com 50 gols em 42 jogos disputados, uma média de gols de 1,19 por jogo! Ele ainda é o maior artilheiro em uma só edição com 12 gols na temporada 1937;
- Giuseppe Meazza-ITA, com 29 gols em 27 jogos; Gyula Zsengellér-HUN, com 24 gols em 19 jogos; Matthias Sindelar-AUT, com 24 gols em 31 jogos; e István Avar-HUN, com 19 gols em 24 jogos, são os outros grandes artilheiros da história da Copa Mitropa. Uma curiosidade é que eles atingiram esses números apenas na fase áurea da competição, entre 1927 e 1940. Após 1951, nenhum jogador conseguiu chegar perto desses artilheiros;
- Em 1989, aconteceu a primeira e única Supercopa Mitropa, entre os vencedores de 1988 e 1989. O Banik Ostrava-TCH derrotou o Pisa-ITA e ficou com o título.
O trabalho Imortais do Futebol – textos do blog de Imortais do Futebol foi licenciado com uma Licença Creative Commons – Atribuição – NãoComercial – SemDerivados 3.0 Não Adaptada.
Com base no trabalho disponível em imortaisdofutebol.com.
Podem estar disponíveis autorizações adicionais ao âmbito desta licença.