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Nacional x Peñarol – Clásico del fútbol uruguayo

 

Por Guilherme Diniz

 

Este é o maior clássico do mundo de uma lista especial do Imortais. Confira a relação completa no link ao final deste texto!

 

A rixa: ¡Soy el decano! No, ¡el decano soy yo! Essa frase é ouvida há mais de 100 anos pelas ruas de Montevidéu quando um tricolor encontra um aurinegro. O Nacional, fundado em 14 de maio de 1899, se intitula o pioneiro do futebol no país, o mais antigo, o decano. Já o Peñarol possui uma origem conturbada, pois tem em suas raízes o CURCC (Central Uruguay Railway Cricket Club), fundado em 28 de setembro de 1891, que existiu com esse nome até 13 de dezembro de 1913, quando virou CURCC Peñarol e, em 12 de março de 1914, o definitivo Club Atlético Peñarol. Por isso, o Peñarol se intitula “padre y decano” do futebol uruguaio por ser oito anos mais velho que o Nacional. Mas o Nacional e muitos historiadores dizem que o Peñarol de 1914 era distinto do CURCC lá de 1891. Aí, meu amigo (a), ninguém jamais entrou em um consenso e a “guerra da paternidade” continua até hoje.

Quando começou: no amistoso Nacional 0x2 CURCC, em 15 de julho de 1900. E, de maneira mais assídua, no empate em 2 a 2 entre Nacional e o já nomeado CURCC Peñarol, em 14 de dezembro de 1913.

Maior Artilheiro: Atilio García-ARG (Nacional): 35 gols

Quem mais venceu: Peñarol – 196 vitórias (até fevereiro / 2024). O Nacional venceu 182. Foram 178 empates.

Maiores goleadas: Nacional 6×0 Peñarol, 14 de dezembro de 1941

Peñarol 5×0 Nacional, 25 de outubro de 1953

Peñarol 5×0 Nacional, 27 de abril de 2014

 

Eles dividem praticamente sozinhos a paixão de um país pequenino, mas com uma paixão futebolística enorme, que transborda. Desde o fim do século XIX, brigam pela definição sobre quem é o mais antigo clube de futebol do Uruguai. Mais do que isso, construíram uma rivalidade entre criollos (filhos de europeus e africanos ou de um casamento inter-racial com um dos pais espanhol), capitalinos (de Montevidéu) e universitários – Nacional – e britânicos, os de tierra adentro (da Villa Peñarol) e ferroviários – Peñarol. E, claro, de muitos títulos nacionais e internacionais. O fato é que Nacional e Peñarol podem se orgulhar de uma coisa: eles possuem a rivalidade mais antiga do mundo se excluirmos os clubes britânicos, obviamente. A rixa principal começou muito por causa da origem do Peñarol. O clube aurinegro contabiliza entre seus primórdios o já citado CURCC, fundado em 1891 na Villa Peñarol, em Montevidéu. A equipe de ferroviários decidiu adotar o amarelo e preto como uniforme por causa da locomotiva Rocket, criada por George Stephenson em 1829. Mas aí você deve se perguntar: de onde eles tiraram isso? É simples.

Naquele ano de 1829, uma exposição realizada em Londres (ING) em homenagem à rainha Victoria teve uma competição entre locomotivas para se descobrir qual seria a escolhida para realizar o trajeto Manchester-Liverpool. Seria declarada vencedora a locomotiva que fizesse o trajeto no menor tempo possível. No páreo estavam três veículos: a Rocket, a Sans Pareil e a Novelty. No trajeto, a Sans Pareil e a Novelty tiveram problemas mecânicos e não chegaram ao destino final. Já a Rocket, toda imponente em amarelo e preto, conseguiu cumprir o objetivo e foi declarada vencedora, além de estabelecer inovações marcantes às locomotivas movidas a vapor da época.

O CURCC, motivo da discórdia do decanato.

 

Como o nome era muito grande e de difícil pronúncia, o clube passou a ser conhecido na época como CURCC e até mesmo Peñarol, por causa do bairro onde fora criado. O time foi campeão nacional em cinco oportunidades – entre 1900 e 1911 – e rapidamente despontou como uma das grandes forças do país. Em 1899, nasceu o Nacional, em Montevidéu, o primeiro clube a ter filhos de africanos, europeus e espanhóis na América Latina, em contraponto às origens europeias da maioria dos clubes do continente. Como o próprio nome dizia, ele era a favor do nacionalismo, criando ali uma animosidade com os europeus do CURCC – e algo que despertou bastante apoio e torcida dos universitários na cidade de Montevidéu. Já em 1900, a equipe disputou sua primeira partida contra o CURCC e perdeu por 2 a 0.

Um ano depois, os tricolores ganharam usufruto do Estádio Parque Central, inaugurado um ano antes, e se encheram de orgulho por terem um grande estádio, ao contrário dos aurinegros, que jogavam no mirrado estádio Villa Peñarol. Em 1913, o CURCC começou a pensar em fechar seu departamento de futebol e passar a ser exclusivo às práticas recreativas, algo que gerou intensas discussões e a mudança de nome do diretório de futebol para CURCC Peñarol e a saída da Villa Peñarol, que já causava prejuízos ao clube na época. Em 1914, o clube mudou completamente seu nome, seus escudos, sua sede, seu quadro diretivo e virou o Club Atlético Peñarol.

No início, todos viam claramente que ele era uma continuação do CURCC, mas com o passar dos anos e a rivalidade aumentando cada vez mais, os dirigentes do Nacional passaram a questionar tal origem pelo fato de o Peñarol ser um novo clube, com novo nome e nova pessoa jurídica, pondo em cheque o decanato. Eles diziam que o CURCC não pretendia continuar como clube de futebol e que foram os empregados da empresa ferroviária que criaram o Peñarol lá em 1914. Enfim, o assunto até hoje gera discussões famigeradas e calorosas. E nunca um consenso.

Atilio García, maior artilheiro do clássico.

 

Em campo, os clássicos sempre foram disputados e com fases distintas em ambos os lados. Ainda nos tempos do CURCC, o duelo teve muito equilíbrio, com 23 vitórias para os aurinegros, 20 para o Nacional e 12 empates, além de um frenético CURCC 7×3 Nacional, em novembro de 1911, pela Copa Honor, jogo com maior número de gols da história do clássico. Nos anos 20 e 30, tempos de ouro da Seleção Uruguaia, os times foram os grandes “fornecedores” da Celeste nos títulos olímpicos de 1924 e 1928 e na Copa do Mundo de 1930, com destaque para os nove atletas do Nacional e cinco do Peñarol. Na década de 30, o Peñarol emendou quatro títulos nacionais seguidos, mas viu o rival superar o feito com cinco taças entre 1939 e 1943, período no qual o artilheiro Atilio García virou o maior terror da história do clássico com gols em profusão e o recorde de quatro tentos na goleada de 5 a 1 do Nacional pra cima do rival em 08 de dezembro de 1940.

Em 1941, o tricolor aplicou sua maior goleada na história do clássico: 6 a 0, jogo que encerrou com chave de ouro uma sequência de oito jogos seguidos de vitórias do Nacional, recorde do clássico. Esse número chegou a dez jogos se contarmos apenas os válidos pelo Campeonato Uruguaio. Foi a partir desse período, também, que o estádio Centenário se transformou no grande palco do confronto, com públicos enormes, muita cantoria, fumaça e festas.

Jogadores do Peñarol esperam (em vão) o rival Nacional na partida “da fuga” em 1949. Foto: Padre y Decano.

 

Mas, no final da década, o Peñarol construiu um esquadrão fantástico que serviu como base da Celeste campeã do mundo em 1950 e que ficou conhecido como “escuadrilla de la muerte”, com nomes do quilate de Obdulio Varela, Schiaffino, Míguez, Hohberg, Ghiggia e Vidal. Aquele Peñarol, campeão invicto do Uruguaio de 1949, botou o rival para correr no chamado “clássico da fuga”. Ainda no primeiro tempo da partida realizada em 09 de outubro de 1949, o Peñarol vencia por 2 a 0 e o Nacional contabilizava dois jogadores expulsos – Tejera e Walter Gómez. Com medo de levar mais gols por causa da inferioridade numérica, os tricolores não voltaram para o segundo tempo e gerou imensas gozações dos rivais, um caso que ganhou as manchetes do país pela falta de coragem e espírito esportivo do time.

Nos anos 60, o Peñarol deixou o rival há quilômetros de distância com a conquista do bicampeonato da Libertadores em 1960 e 1961, o Mundial Interclubes de 1961 e também outra Libertadores e outro Mundial em 1966, com direito a vitórias históricas sobre o próprio Nacional. Isso sem contar o pentacampeonato uruguaio entre 1958 e 1962 e a série de 17 clássicos sem perder pelo Campeonato Uruguaio – 10 vitórias e sete empates entre 1960 e 1968. Só em 1971 que o tricolor conseguiu levantar suas primeiras taças internacionais, ao faturar a Libertadores e o Mundial naquele ano, marcado também pelo início da maior série invicta do tricolor sobre o rival: 16 jogos, com sete vitórias e nove empates, entre 1971 e 1974.

Em compensação, a equipe tricolor sofreu uma barbaridade com o talento de Fernando Morena, atacante talentosíssimo que virou o maior artilheiro do Peñarol no clássico com 27 gols em 49 jogos disputados entre 1973 e 1979 e 1981 e 1983. Em 12 de novembro de 1979, uma curiosidade: a turma do seriado mexicano “Chaves” visitou o Uruguai e os atores Roberto Bolaños (o eterno Chaves) e Maria Antonieta de las Nieves (a Chiquinha) vestiram as camisas dos tradicionais rivais!

Olha quem vestiu as camisas dos rivais em 1979…

 

… Chaves e Chiquinha! Isso, isso, isso! Fotos: El País.

 

Nos anos 80, novos esquadrões aumentaram o misticismo do duelo. Em 1980, o Nacional faturou o bi da Libertadores e o bi do mundial. Em 1982, foi a vez do Peñarol voltar a levantar a América e conquistar o planeta. Entre 1984 e 1985, acumulou uma série de 14 jogos sem derrota para o rival – sete vitórias e sete empates. Em 1987, ganhou mais uma Liberta, mas perdeu o Mundial. E, em 1988, o Nacional faturou outra Libertadores e mais um Mundial, se igualando ao rival com três títulos mundiais. Em 1991, o Peñarol celebrou seu centenário e, adivinhe, o Nacional aproveitou para provocar enviando à imprensa um documento chamado “El Decanato”, retificando, entre outras coisas, que o CURCC não pretendia continuar com seu departamento de futebol e que o Peñarol era um novo clube. Sim, 100 anos depois, a discussão foi relembrada e calentada novamente… Curiosamente, foi naqueles anos 90 que ambos os times entraram em sono profundo no quesito títulos internacionais e passaram a brigar apenas em solo nacional.

O Centenário e as torcidas: quando pacíficas, elas fazem um belo espetáculo.

 

Falando em brigas, passaram a ser rotineiros os confrontos entre hinchas aurinegros e tricolores, algo que acabou ocasionando a morte de Walter de Posadas, de apenas 16 anos, degolado por um torcedor do Peñarol no dia 12 de junho de 1994 antes de um clássico no Centenário. Em 12 de janeiro de 2006, um torcedor do Nacional de 25 anos sofreu um violento golpe na cabeça em um clássico disputado em Maldonado e faleceu oito dias depois. Isso sem contar as dezenas de brigas antes e depois de vários clássicos tanto no Parque Central quanto no Centenário. Em novembro de 2016, pela primeira vez um clássico teve que ser suspenso por causa do comportamento dos torcedores do Peñarol na Tribuna Amsterdam. Eles brigaram com funcionários da bilheteria, com a polícia, roubaram a lanchonete do estádio e mais de 300 policiais da tropa de choque tiveram que ir ao estádio para conter o ímpeto dos barrabravas. Ao todo, 171 pessoas foram detidas.

Falando em coisas boas, uma curiosidade recente é que o Peñarol, em 2011, apresentou o chamado “maior bandeirão do mundo”, demonstrado no estádio Centenário em uma partida válida pela Libertadores daquele ano, com 309 metros de comprimento. Mas, em 2013, o Nacional mostrou a sua, com 600 metros de comprimento e que cobriu quase toda a arquibancada do Centenário. Rival é rival…

Se um faz uma bandeira enorme…

 

… O outro vai e faz também!

 

Desde então, os times buscam voltar aos seus tempos de glórias internacionais, seguem brigando cabeça a cabeça no Campeonato Uruguaio e agora disputam jogos cada um em sua própria casa, já que o Peñarol inaugurou o Campeón del Siglo, em 2016, com capacidade para 40 mil torcedores. Mesmo distantes do topo na América, os clubes continuam absolutos em qualquer pesquisa de maior rivalidade futebolística do mundo. E ainda sem saber quem é o decano do futebol uruguaio…

 

 

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