Data: 14 de abril de 2016
O que estava em jogo: uma vaga nas semifinais da Liga Europa de 2015-2016
Local: Estádio Anfield Road, em Liverpool, Inglaterra.
Juiz: Cüneyt Çakir (TUR)
Público: 42.984 pessoas
Os Times:
Liverpool Football Club: Mignolet; Clyne, Lovren, Sakho e Moreno; Milner e Emre Can (Lucas Leiva, aos 34’ do 2º T); Lallana (Allen, aos 19’ do 2º T), Firmino (Sturridge, aos 19’ do 2º T) e Coutinho; Origi. Técnico: Jürgen Klopp.
Ballspielverein Borussia 09 e. V. Dortmund: Weidenfeller; Piszczek, Papastathopoulos, Hummels e Schmelzer; Castro (Gündogan, aos 36’ do 2º T), Weigl, Mktharyan, Kagawa (Ginter, aos 31’ do 2º T) e Reus (Adrián Ramos, aos 36’ do 2º T); Aubameyang . Técnico: Thomas Tuchel.
Placar: Liverpool 4×3 Borussia Dortmund. (Gols: Mkhitaryan-BDR, aos 5’, e Aubameyang-BDR, aos 9’ do 1º T; Origi-LIV, aos 3’, Reus-BDR, aos 12’, Coutinho-LIV, aos 20′, Sakho-LIV, aos 33’, e Lovren-LIV, aos 46’ do 2º T).
“This is Anfield! This is Emotional Football!”
Por Guilherme Diniz
Em sua primeira entrevista como técnico do Liverpool, Jürgen Klopp deixou bem claro: queria levar ao clube um “futebol emocional”. E não havia lugar melhor no mundo para isso. Ele sabia do tamanho daquele verdadeiro patrimônio do esporte britânico. De um clube que criou dinastias, ídolos. Que conquistou façanhas impensáveis. E que, em seus grandes títulos, soube como poucos fazer usos e frutos da emoção. Klopp sabia, também, que neste século XXI, as altas doses de emoção do Liverpool em competições europeias haviam acontecido longe de casa. Primeiro, em 2001, na decisão da Copa da UEFA, quando os Reds venceram o Alavés por alucinantes 5 a 4, mas em Dortmund, na Alemanha. Quatro anos depois, a maior das emoções foi sentida na final da Liga dos Campeões da UEFA, quando o clube inglês saiu perdendo o primeiro tempo para um quase imbatível Milan por 3 a 0, empatou no segundo tempo em 3 a 3 e levou seu quinto título europeu nos pênaltis. Mas tudo isso aconteceu lá em Istambul, Turquia. Ou seja: o Liverpool devia uma noite mágica aos seus torcedores em Anfield. Uma partida que eles pudessem guardar na memória. E, na noite do dia 14 de abril de 2016, o clube presenteou sua torcida com um jogo memorável. Curiosamente contra os ex-comandados de Klopp.
As mais de 40 mil pessoas no Anfield viram um jogo épico. Sob uma atmosfera incrível. Que poderia muito bem ser uma final europeia. Mas era em uma singela fase de quartas de final da Liga Europa. Perdendo por 2 a 0 após o final do primeiro tempo, o Liverpool acordou no segundo. Foi inflamado graças às palavras de seu técnico, homem adepto da emoção. Ele disse para seus comandados criarem algo que eles pudessem “contar aos seus filhos e netos”. O Liverpool fez um gol logo de cara. Mas levou outro. Precisava de três gols. Como em 2005. Seguiu ávido. Fez mais um. Empatou. E, nos acréscimos, Lovren marcou um dos gols mais gritados pelos torcedores dos Reds em toda a história. Lá de cima, Bill Shankly deve ter gostado muito do que viu. Era a expressão máxima do lema que ele criou: This is Anfield! E realmente era. Mas não foi apenas o Liverpool que jogou muito e não desistiu nunca. O Borussia ofereceu um futebol magnífico. Ainda sob os ensinamentos de seu antigo professor, do lado oposto naquela noite, mas feliz por seus pupilos de outrora terem aprendido a lição da ofensividade. É hora de relembrar um dos jogos mais eletrizantes da década de 2010.
Pré-jogo
Quando ficou definido o duelo entre Liverpool e Borussia pelas quartas de final daquela Liga Europa, ninguém duvidava que o finalista – e possível campeão – sairia do embate entre ingleses e alemães. Eram dois times que jogavam bem, tinham bons nomes e marcavam muitos gols. No entanto, as duas equipes passavam por uma espécie de entressafra. Do lado vermelho, o Liverpool vinha de decepções recentes mesmo com times competitivos e queria uma taça para encerrar o incômodo jejum de títulos pelo qual passava o clube de Anfield. A Copa da Liga Inglesa de 2011-2012 foi celebrada, claro, mas não se comparava ao gosto de vencer uma Liga dos Campeões da UEFA ou de um Campeonato Inglês.
Desde 2005 que os Reds não comemoravam um torneio continental. E desde 1990 (!) que o caneco nacional não ficava em Liverpool. Para piorar, a equipe passou perto na temporada 2013-2014 com um time devastador que marcou 101 gols, fez o artilheiro da competição – Luis Suárez, com 31 gols -, e ainda o vice-artilheiro – Sturridge, com 21. Mesmo assim, o amargo vice simbolizou, um ano depois, a saída do capitão Steven Gerrard, que ficou incríveis 17 anos no clube. Além dele, Suárez também deixou o Liverpool e a equipe foi buscar um novo técnico em outubro de 2015 para começar um intenso processo de renovação. Com isso, Brendan Rogers deu lugar a Jürgen Klopp, que vinha de um trabalho fantástico no Borussia Dortmund-ALE, equipe que colecionou títulos na Alemanha e foi uma das poucas entre 2010 e 2014 que conseguiu bater de frente com o poderoso Bayern München. Os aurinegros alcançaram, inclusive, a final de Liga dos Campeões contra os próprios bávaros, mas acabaram com o vice.
Klopp chegou em 08 de outubro de 2015 com seu natural carisma que tanto marcou sua estadia em Dortmund e disse logo em sua primeira coletiva que queria levar o “futebol emocional ao Liverpool, pois aquilo era importante em Anfield”. A torcida rapidamente se identificou com o treinador e ele com ela, principalmente pelo jeito energético de ser dentro de campo e por propor um futebol intenso e ofensivo, características presentes em grandes times do Liverpool em sua história. Entre os desafios, ele tinha pela frente o Campeonato Inglês e o returno da fase de grupos da Liga Europa.
Com um elenco jovem em mãos – incluindo os brasileiros Coutinho e Firmino, que curiosamente já brilhavam na Europa mesmo sem terem disputado o Brasileirão em suas carreiras (ambos jogaram apenas a Série B) -, Klopp rapidamente deu sua cara ao time, que carimbou a vaga para o mata-mata da Liga Europa e seguiu com uma boa campanha, também, na Copa da Liga Inglesa, na qual os Reds foram finalistas, mas perderam nos pênaltis para o Manchester City na decisão em Wembley. No Campeonato Inglês, a trajetória ficou comprometida por conta do início ruim, mas nada impediu de o time protagonizar duelos emocionantes, como o empate em 3 a 3 com o Arsenal, em Anfield, no dia 13 de janeiro de 2016, ou a vitória por 5 a 4 sobre o Norwich City, fora de casa, com gol de Lallana aos 50’ do segundo tempo – e dois minutos após o rival empatar!
Na Liga Europa, os Reds eliminaram o Augsburg-ALE e, nas oitavas, tiveram o doce sabor de despachar o rival Manchester United após vitória por 2 a 0, em casa (gols de Sturridge e Firmino), e empate em 1 a 1 fora (com um belo gol de Coutinho). Embalado, o Liverpool via na competição a chance ideal para encerrar um período sem grandes títulos e voltar a celebrar um torneio importante. No entanto, o adversário seria bem indigesto – e bem conhecido de Klopp: o Borussia Dortmund.
Curiosamente, os alemães passavam por uma fase um pouco parecida com a dos ingleses. Após vencer vários títulos e encantar a Europa, os aurinegros começaram a cair de rendimento na temporada 2014-2015, na qual a equipe ficou apenas na 7ª colocação e fora da zona de classificação para a Liga dos Campeões da UEFA. Ainda com remanescentes da era de grandes louros entre 2010 e 2013 como Weidenfeller, Subotic, Hummels, Piszczek, Gündogan, Kagawa e Reus, o Borussia entrou na temporada de 2015-2016 sob o comando do técnico Thomas Tuchel, que viu a diretoria manter boa parte dos principais jogadores do time, mas investir pouco no setor ofensivo.
Ele tinha à sua disposição apenas três atacantes realmente de ofício: Aubameyang (grande artilheiro do time), Adrián Ramos e Reus. Mesmo com poucas peças nesse setor, o time recuperou o prestígio na Bundesliga e figurou entre os primeiros da tabela desde o início do campeonato. Na Liga Europa, os aurinegros passaram fácil pelas fases preliminares e se classificaram em segundo lugar no Grupo C. Na etapa seguinte, os alemães cresceram ao despachar o Porto-POR (2 a 0 e 1 a 0) e o Tottenham Hotspur-ING também com duas vitórias (3 a 0 e 2 a 1).
A definição do duelo entre Liverpool e Borussia colocou frente a frente dois clubes considerados “irmãos”. Eis os motivos: suas torcidas são apaixonadíssimas, criam ambientes fantásticos em seus estádios e são oriundas de cidades industriais. Ambos são a oposição entre Manchester United e Bayern em seus respectivos países. O Liverpool venceu a histórica Copa da UEFA de 2001 em Dortmund. O Borussia celebrou sua primeira taça continental – a Recopa de 1966 – sobre o Liverpool.
As torcidas dos dois clubes têm a canção “You’ll Never Walk Alone” como hino para inflamar seus jogadores. E ambos tinham um técnico em comum em suas histórias recentes. Com tudo isso, o jogo entre a dupla ficou cercado de expectativa. A torcida do Dortmund até brincou nos vestiários informando com plaquinhas onde os visitantes deveriam ir no Westfalenstadion, caso Klopp fosse até os vestiários do Borussia por engano. E, do lado de fora, muita união entre as torcidas e simpatia, algo raro de se ver na Europa e no futebol quando pensamos em torcidas rivais.
Antes de a bola rolar, as torcidas cantaram juntas a música “You Will Never Walk Alone” e bradaram o nome de Klopp. Era o agradecimento pelo trabalho eterno do comandante do lado aurinegro e a confiança por grandes histórias do lado vermelho. Sob esse belo ambiente, o duelo de ida foi muito equilibrado O Liverpool abriu o placar, mas o Dortmund empatou no segundo tempo e pressionou bastante a defesa inglesa, ponto fraco do time de Klopp. Mas foi o Liverpool que quase saiu da fortaleza aurinegra com a vitória, mas o goleiro Weidenfeller fez defesas impressionantes e garantiu o resultado em 1 a 1.
Tudo estava aberto para a volta, em Anfield. Outra vez, muita amizade e descontração entre as torcidas. Bandeiras com nomes dos dois clubes e a imagem de Klopp gravada ao centro. Aplausos dos próprios torcedores do Liverpool na chegada do ônibus do Borussia em Anfield (igualzinho na final da Libertadores de 2018…) e muitos exemplos de civilidade e paixão pura apenas pelo esporte, pela diversão.
Todos queriam ver uma bela partida de futebol! Cantar, gritar. Ninguém queria selvageria nem problemas. Dentro de Anfield, a atmosfera criada pelas torcidas foi mais uma vez de arrepiar. Ambas cantaram “You Will Never Walk Alone”. A torcida do Liverpool fez um mosaico em homenagem às 96 vítimas da tragédia de Hillsborough, em 15 de abril de 1989, data que seria relembrada um dia depois daquele jogo. E, no ato, a torcida do Borussia acompanhou. Era realmente um ambiente épico. Que de uma maneira ou de outra chegava até os jogadores. Quem vencesse o jogo estaria na semifinal. E muito mais embalado para a decisão do que qualquer outra equipe na disputa.
Primeiro tempo – Será que isso é Anfield?
Após as homenagens e a enorme emoção do pré-jogo, os times iniciaram um duelo totalmente energético, rápido e empolgante. Ainda mais empolgado estava o Borussia, que via na arquibancada de visitante de Anfield mais de três mil torcedores criarem uma réplica da imponente muralha amarela tão característica do time nos jogos do Westfalenstadion. E, no embalo dos cânticos germânicos, o Borussia foi com tudo para cima do Liverpool. Primeiro, tentou um chute cheio de efeito de Aubameyang que passou perto do gol de Mignolet. Depois, aos 5’, aproveitou um passe errado de Coutinho no meio de campo e engatilhou um contra-ataque. Aubameyang chutou de dentro da área, Mignolet defendeu à queima roupa, mas no rebote Mkhitaryan completou e abriu o placar para os alemães: 1 a 0.
Era tudo o que o Borussia queria. E tudo o que o Liverpool não esperava. Rápidos e ligadíssimos, os alemães encurralaram o time da casa em seu próprio campo. Não davam espaços. Assustados, os Reds não entendiam muito bem o que estava acontecendo. Tanto é que apenas quatro minutos depois, Reus tomou a bola antes do meio de campo, saiu em disparada e lançou de maneira sublime Aubameyang, na direita, em outro contra-ataque devastador. A bola ainda passou na frente de Sakho, que não conseguiu alcançar antes de chegar ao atacante aurinegro, que encheu o pé, no ângulo e fora do alcance do goleiro, para fazer 2 a 0. Em menos de dez minutos.
O Liverpool precisava naquele momento de três gols. Empates não serviam mais. O time da casa começou a pressionar, pelo lado direito, com a velocidade de Lallana e a presença de área de Origi, que tentou aos 16’ e aos 19’, mas sem sucesso. Aos 24’, outra bola alçada na área, de novo para Origi, mas ele não conseguiu uma boa finalização. Dois minutos depois, mais uma, lançada por Coutinho para Firmino, mas a cabeçada do brasileiro foi para fora. O jogo mudava de panorama. O Liverpool era só ataque. A torcida empurrava. Sabia que um gol naquele primeiro tempo era fundamental. Só que o Borussia não ficava na sua, retrancado, como muitas equipes fazem. Ele também partia para cima. Aos 31’, Piszczek fez bela jogada pela direita, cruzou, e o goleiro Mignolet tocou a bola o suficiente para ela não encontrar o pé de Aubameyang, dentro da pequena área. Mais alguns centímetros e ele faria o terceiro gol.
O jogo era frenético. Quatro minutos depois, outro ataque aurinegro, com Reus pela esquerda, que tocou para Aubameyang, mas o atacante não pegou bem na bola e mandou longe. A resposta vermelha veio logo na sequência, quando Coutinho tabelou na entrada da área e chutou forte, à direita do goleiro. Depois, outra bola na área, e outra chance desperdiçada. Os Reds usavam e abusavam da jogada aérea, mas pecavam demais na conclusão. Ao apito do árbitro, o Borussia foi para os vestiários com uma vantagem confortável. O Liverpool, com uma missão bastante ingrata. E pior: sem expectativa de reverter a situação, pois as melhores e mais claras chances daquela primeira etapa foram praticamente todas do time alemão. Como virar o jogo? Apelando ao misticismo…
Enquanto nas arquibancadas a torcida cantava que nunca iria abandonar seu time do coração, nos vestiários Jürgen Klopp olhou para seus jogadores e disse a frase revelada pelo atacante Origi no pós-jogo: “Criem uma história para contar aos seus filhos, aos seus netos”. E invocou a façanha de Istambul, para que os atletas se buscassem inspiração nela. O impossível não existia! Anfield Road estava repleto. Tinha toda sua aura em plenitude. A expectativa de milhares de pessoas por uma reviravolta. Eles queriam ver, ali, o que o mesmo Liverpool tanto fez em outras cidades, outros estádios. Que fosse evocado o lado fênix daquele time com tantas histórias lendárias. Era possível. Os jogadores entenderam o recado. Não iriam deixar de acreditar em nenhum momento. Não tinham nada a perder. Só a ganhar. Era hora de atacar.
Segundo tempo – Sim, THIS is Anfield!!!!
O mesmo Origi que ouviu e reproduziu a frase de Klopp foi quem iniciou a tentativa de virada do Liverpool logo aos 3’ do segundo tempo, quando recebeu na entrada da área após linda troca de passes no meio de campo e chutou na saída de Weidenfeller. Anfield explodiu. O Liverpool estava de volta! Origi pegou a bola e a levou para o meio de campo. À beira do gramado, Klopp vibrava e pedia por mais. O Liverpool avançava a marcação e tentava reduzir os espaços. O jogo pegava fogo! Mas os aurinegros encontraram, aos 12’, uma brecha. O zagueiro Hummels veio lá de trás, pela esquerda, e deu um passe digno de camisa 10 que passou por entre os defensores do Liverpool. A bola encontrou Reus, que deu um tapa no cantinho do goleiro Mignolet: 3 a 1. Gol anotado bem do lado da muralha amarela em Anfield. Era apenas a sexta vez na história que um clube marcava três gols no Liverpool jogando em Anfield Road por uma competição europeia. Com aquele placar, os Reds precisavam de três gols. De novo.
Klopp rapidamente mexeu no time. Colocou Allen e Sturridge para atacar ainda mais. Tentar ainda mais. Por que desistir? O prêmio veio aos 20’, quando Coutinho tabelou com Milner na entrada da área, olhou e encheu o pé ao seu estilo, preciso, no canto do goleiro: 3 a 2. Faltavam dois gols… Anfield pulsava de um jeito incrível. Era um jogo elétrico, imprevisível. Aos 22’, Origi arriscou de longe e assustou Weidenfeller. Aos 30’, Milner cruzou e o goleiro alemão afastou a bola para escanteio. Na cobrança, o zagueiro Sakho apareceu, testou e mandou a bola para o fundo do gol: 3 a 3. Outra explosão de emoção em Anfield! E vibração incontida de Klopp.
O resultado ainda era do Borussia. Faltava um gol para o Liverpool. Como não havia mais chance de prorrogação nem pênaltis, o roteiro de Istambul teria que ser reescrito. Definido antes dos 90 minutos. Só se ouvia o barulho da torcida local. Os alemães, pela primeira vez em todo o jogo, sentiram o golpe. Ver aquele time vindo para cima e com toda a história por trás daquele manto mexeu com os aurinegros. Eles sabiam que a fênix estava perto de alçar voo. Resistir durante aqueles pouco mais de dez minutos seria terrível, infartante.
O Borussia mexeu. Reus e Castro saíram para as entradas de Adrián Ramos e Gündogan. O time alemão tentava gastar tempo, ficar com a bola, mas o Liverpool pressionava e não deixava. Atordoava na base do som. Sufocava na base dos passes, dos cruzamentos. A cada bola aérea, o torcedor do Borussia suava frio. Fechava os olhos. O Liverpool já tinha 29 cruzamentos para a área alemã! O relógio chegava aos acréscimos. E, aos 46’, o Liverpool ganhou uma falta a seu favor, de longe, pouco depois do meio de campo. Milner olhou para a área e pensou por um momento em cruzar. Pensou no tradicional. Mas havia muita gente por ali. Ele então fugiu do clichê do chuveirinho e tocou para Sturridge, na direita, que dominou meio desajeitado, mas percebeu a chegada do mesmo Milner na entrada da área e devolveu para o camisa 7, por entre dois defensores aurinegros.
Essa movimentação toda, que fugiu do roteiro previsto pelo Borussia, abriu lacunas na pequena área alemã. Milner, aí sim, cruzou, na 30ª bola (!) alçada na área alemã. A redonda viajou e foi de encontro ao zagueiro Lovren. Ele subiu mais do que todos por ali, cabeceou forte, e viu a bola parar dentro do gol: 4 a 3. Um novo milagre estava consumado. O zagueiro correu em direção à torcida. Foi abraçado pelos apaixonados de Anfield. Pelos jogadores, por todos os que estavam por ali. Klopp, vibrante durante todo o jogo, ficou tão incrédulo com aquele gol, demorou tanto para comemorar que foi abraçado por um companheiro da comissão técnica antes que pudesse pular ou extravasar. Ficou entorpecido com o improvável. Mas Anfield, não. Vibrava e pulava de maneira única.
Mas ainda tinha jogo! Na tentativa desesperada de empatar, o Borussia se mandou para o ataque e Schmelzer foi derrubado por Lucas Leiva. Detalhe: bem perto da área. Era inacreditável! Será que iria sair um gol justo naquele momento? Aos 47’!?? Gündogan bateu, mas o sopro e os “uuuuhhhh” da torcida foram tão fortes que mandaram a bola para fora – dizem que as almas de torcedores do Liverpool que costumam vagar pelo cemitério que fica bem próximo ao estádio colaboraram também. Oras, era preciso apelar!
Depois da cobrança de falta, o árbitro, enfim, encerrou o jogo. Terminava de maneira histórica mais um jogo eterno do futebol europeu e mundial. Outro jogo com o Liverpool como protagonista. E a manutenção da histórica invencibilidade contra clubes alemães jogando em casa por competições europeias – 11 vitórias e três empates. Foi um sacrilégio aquele show decidir apenas uma vaga para a semifinal da Liga Europa. Poderiam mudar o regulamento, alterar o nome da competição, entregar um troféu ali mesmo. Um espetáculo proporcionado por duas equipes adeptas do futebol ofensivo. Criaturas de um só criador. Um jogo que serviu mais uma vez para provar que o futebol é grande demais e é muito mais do que um esporte. É envolvimento. É euforia. É roteiro de cinema. É eterno. Nele, nada é impossível. Principalmente em Liverpool. Qualquer placar pode ser revertido. Mas com emoção, por favor. Afinal, this is Anfield.
Pós-jogo: o que aconteceu depois?
Liverpool: como previsto, o time inglês passou sem grandes sustos pela semifinal – venceu o Villarreal-ESP por 3 a 1 no agregado – e chegou à decisão da Liga Europa. O adversário era o Sevilla, então bicampeão do torneio. Embalados, os Reds eram favoritos não só por isso, mas principalmente pela camisa e por terem 100% de aproveitamento nas três decisões disputadas anteriormente ainda nos tempos em que a Liga Europa era chamada de Copa da UEFA. Mas deu tudo errado. Eles perderam por 3 a 1 e viram o Sevilla sacramentar um incrível tricampeonato consecutivo da competição (leia mais clicando aqui!). Mas talvez houvesse um motivo para aquela derrota. Eles saíram vencendo o primeiro tempo por 1 a 0 e levaram a virada no segundo. Se fosse o contrário…
Borussia Dortmund: a eliminação dramática na Liga Europa não abalou o Dortmund. Eles mantiveram o bom rendimento e o ótimo futebol naquela temporada e conseguiram uma vaga na Liga dos Campeões da UEFA da temporada seguinte graças ao vice-campeonato alemão. Na competição continental de 2016-2017, os aurinegros foram bem na fase de grupos, despacharam o badalado Manchester City nas oitavas, mas caíram diante do Monaco nas quartas de final após duas derrotas. O alento veio na Copa da Alemanha daquela temporada, vencida após triunfo por 2 a 1 sobre o Eintracht Frankfurt. Em julho de 2018, o Borussia reencontrou o Liverpool na Copa dos Campeões Internacionais, competição amistosa disputada nos EUA. E os alemães conseguiram vencer por 3 a 1. A tática para a vitória? Eles “deixaram” o Liverpool fazer 1 a 0. E viraram no segundo tempo…
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O trabalho de vocês é incrível, realmente brilhante. Obrigado por proporcionar a nós, amantes do futebol, conteúdos como estes.
Muito obrigado pelos elogios, Giuliano!
Sensacional esse jogo! Mostrou mais uma vez que o Liverpool nunca deve ser dado como vencido. O texto foi incrível também, só coloque o gol do Coutinho no placar da partida, mas um ótimo trabalho
Eu assisti esse jogo pela ESPN, e realmente ele foi fantástico. Fiquei muito contente ao vê-lo adicionado à galeria dos Jogos Eternos.
Tanto o Liverpool quanto o Borussia Dortmund tinham dois times bastante ofensivos, por isso eu imaginava que nenhum dos dois iria abdicar de atacar. Mas esse jogo, definitivamente, não foi recomendável para cardíacos… ele foi digno de uma final européia, e, aliás, que pena que não foi a final da Liga Europa, porque Liverpool e Borussia Dortmund eram os dois times que mais mereciam ter decidido o torneio.