Grandes feitos: Hexacampeão do Campeonato Mineiro (1950, 1952, 1953, 1954, 1955 e 1956) e ‘Campeão do Gelo’ (1950). Foi o primeiro clube de Minas Gerais e um dos primeiros do Brasil a excursionar pela Europa no futebol.
Time-base: Kafunga (Mão de Onça / Sinval / Zeca); Afonso Silva e Oswaldo (William / Murilo Silva); Moreno (Barbatana / Geraldino / Cléver), Zé do Monte (Múcio / Ílton) e Haroldo Lopes (Laércio); Lucas Miranda (Paulo Valentim), Lauro (Denoni / Murilinho / Toledo), Alvinho (Tomazinho / Ubaldo Miranda/ Gastão), Vaguinho (Joel / Vaduca) e Nívio (Orlando / Vavá / Amorim). Técnicos: Ricardo Díez (1950-1951 e 1954-1956), Yustrich (1951-1953), Martim Francisco (1953-1954), Ondino Viera (1954-1955) e Délio Neves (1956).
“Os Campeões do Gelo”
Por Diego Martins
Acostumados ao clima ameno e quente de Minas Gerais, aqueles jogadores desembarcaram no Velho Continente certos de que enfrentariam algo inédito. Hostil. O inverno europeu batia à porta. Temperaturas de 12, 15 graus Celsius eram comuns. Mas pensa que era acima de zero? Que nada… -12º, -15º. Gramados verdes? Brancos, cobertos de neve, com as demarcações feitas com tinta preta. Ou de terra. Para piorar, os adversários seriam os temidos alemães, quase imbatíveis contra equipes estrangeiras jogando em seus domínios e acostumados ao clima gélido. Mas do outro lado havia um clube destemido. Jogadores prontos para entrar na história. Pioneiros de um estado. Pioneiros ao aceitar a disputa de um torneio do outro lado do Atlântico. E eles venceram. Lutaram, lutaram e lutaram, pelos gramados do mundo para vencer. Foram campeões do gelo. Time imortal. Orgulho do esporte nacional. Façanhas que ganharam o Brasil. Orgulharam uma torcida apaixonada. E ficaram para sempre na memória e eternizadas no próprio hino do Clube Atlético Mineiro. Após aquela excursão histórica, o caminho natural foi um só: reinar no estado com seis títulos e grandes apresentações. É hora de relembrar o primeiro grande Galo forte e vingador.
Sob os holofotes da Copa
O Brasil era pura empolgação naquele final de anos 1940 e início de anos 1950. Com a realização do Mundial de 1950 no país, a seleção queria fazer a festa em casa e se baseava no time vencedor da Copa América de 1949, com a base do Expresso da Vitória do Vasco e jogadores como Barbosa, Ademir, Zizinho e companhia. Com a ausência de várias equipes da Europa e a bicampeã Itália em reconstrução após a tragédia de Superga, o Brasil era o principal candidato ao título. Só que a anfitriã não contava com a força e raça do Uruguai, campeão mundial em pleno Maracanã. Mesmo com o vice, a seleção encheu os olhos do mundo com um futebol bonito, ofensivo e requintado.
Além disso, a Copa trouxe benefícios para algumas cidades e Belo Horizonte ganhou um novo estádio: o Independência, que elevou o patamar do futebol da cidade, já que os três grandes clubes da capital possuíam estádios pequenos e acanhados. O campo no Horto (bairro onde fica o estádio) seria a nova casa dos clubes mineiros, mas principalmente do Atlético. O alvinegro era o time da moda em BH. Tinha os melhores jogadores, a maior torcida da cidade, era o clube de todos. Até 1949, o Galo somava 13 títulos mineiros contra 8 do rival Cruzeiro e 11 do América.
Os europeus viam o Brasil como dono de um futebol revolucionário. E foi por causa dessa fama que uma comitiva da Federação Alemã de Futebol convidou o Atlético para representar o futebol brasileiro em alguns amistosos pelo Velho Continente. Se por um lado a euforia tomava conta da torcida, por outro a imprensa temia um fracasso, já que era raro um time sul-americano fazer uma série de jogos na Europa. Mas a confiança era maior do que o temor, principalmente por parte da diretoria.
O elenco era bom e o entrosamento notável. Alguns dos principais jogadores estavam no clube há pelo menos três anos ou mais, entre eles Kafunga (estava há 15 anos), Lucas Miranda (há 6), Nívio e Afonso Silva (há 5) e Zé do Monte (há 4). O Campeonato Mineiro de 1950 foi interrompido para que o Atlético pudesse viajar, e, antes de partir, o alvinegro venceu o clássico contra o Cruzeiro em seu último jogo antes da parada. O título viria ainda em dezembro depois de uma vitória por 6 x 2 contra o América.
A viagem
No dia 23 de outubro de 1950, a delegação do Atlético se reuniu em seu estádio em Lourdes para a grande excursão. Infelizmente, Ubaldo, um dos craques e ídolo do time, não viajou por estar prestando serviço militar e não conseguir licença. A delegação que se reuniu foi a seguinte:
Goleiros: Kafunga e Mão de Onça.
Defensores: Afonso Silva, Juca, Márcio, Moreno, Oswaldo e Vicente.
Meias: Barbatana, Haroldo Lopes, Lauro e Zé do Monte (capitão do time).
Atacantes: Alvinho, Lucas Miranda, Murilinho, Nívio, Vaguinho, Vavá e Zezinho.
Técnico: Ricardo Díez.
O restante da delegação foi composta pelo médico Abdo Arges; o chefe da embaixada Domingos D’ângelo e sua esposa Sra. Celeste; os jornalistas Álvares da Silva e Francisco Américo e a intérprete Teodora Breitkopf. O vôo saiu de Belo Horizonte e fez escalas no Rio, Recife e Dakar (SEN), Lisboa (POR), Zurique (SUI) até chegar em Frankfurt (ALE), onde a delegação foi recebida com respeito e muita festa pelos alemães, afinal, o Atlético era o primeiro clube brasileiro a jogar por lá. Após uma rápida parada na cidade, os mineiros foram até Munique, local do primeiro jogo.
Os jogos
A estreia foi no dia 1º de novembro, contra o 1860 München, diante de um público de 40 mil pessoas. E o Atlético não se intimidou com o peso da estreia e toda a torcida contra para vencer por 4 a 3, gols de Lucas Miranda (2) Lauro e Vaguinho. O time estava com moral e empolgado com a vitória no primeiro jogo. Três dias depois, a delegação estava em Hamburgo para o jogo contra o dono da casa, o Hamburgo SV, do defensor Posipal – futuro campeão do mundo com a Alemanha em 1954. Houve recorde de público, todos os ingressos foram vendidos e o alvinegro deu um verdadeiro show contra os alemães: 4 a 0, com dois gols de Nívio, um de Alvinho e outro de Lucas Miranda. Foi a primeira derrota do Hamburgo em casa para uma equipe estrangeira.
A próxima parada foi em Bremen, no norte da Alemanha. O jogo foi no dia seguinte à partida contra o Hamburgo. Sem tempo de recuperação, a equipe atleticana amargou sua primeira derrota (3 a 1), com Lucas Miranda fazendo o gol de honra. O frio também foi um dos grandes inimigos do Atlético nessa excursão. Os jogadores se viravam para driblar a baixa temperatura com gorros, luvas, toucas e blusas. Os goleiros Kafunga e Mão de Onça usavam baldes com água quente do lado de suas traves para não congelarem as mãos, já que na época as luvas de goleiro ainda não eram usadas. Para tentar amenizar o frio, os atletas utilizavam blusas de lã por baixo das camisas e duas meias ao invés de uma só.
Depois de uma semana de descanso, o Atlético foi para Gelsenkirchen enfrentar o Schalke 04, um dos melhores times alemães da época. Os brasileiros fizeram um dos melhores jogos da excursão, vencendo o alviazul por 3 a 1, gols de Vaguinho (2) e Lucas Miranda. E um detalhe: esse jogo aconteceu em um campo de terra.
Quatro dias depois, no dia 16, o Atlético estava na Áustria para fazer seu quinto jogo, contra o Rapid Viena, base da seleção austríaca da época e com o futuro técnico Ernst Happel no elenco. E o time local acabou vencendo por 3 a 0, sendo a pior derrota alvinegra na Europa até então. No dia 20, o alvinegro estava de volta à Alemanha para o jogo contra o FC Saarbrücken. O time atleticano reencontrou seu bom futebol e venceu por 2 a 0 (dois gols de Nívio). Dois dias depois, nova viagem, dessa vez até Bruxelas (BEL), para o sétimo jogo, contra o Anderlecht, campeão belga, e o resultado foi mais uma grande vitória mineira: 2 a 1, gols de Vaguinho e Alvinho.
Novamente a delegação atleticana voltou para a Alemanha, e o jogo contra o Braunschweig foi uma decepção. O empate por 3 a 3 (gols de Vaguinho, Alvinho e Murilinho) contra um adversário bem mais inferior se deu muito por causa das constantes viagens e o frio, que desgastava bastante o elenco – já visivelmente cansado. No dia 05 de dezembro, mais um empate por 3 a 3, dessa vez contra a Seleção de Luxemburgo. Os gols foram de Vaguinho, Lauro e Nívio.
Na reta final da excursão, o astral do time se elevou quando chegaram em Paris. Todos ficaram encantados com a cidade, principalmente os mais novos do elenco. O Atlético fechou sua saga com vitória por 2 a 1 no jogo contra o Stade Français no Parc des Princes. Sob um clima descontraído e até músicas de samba tocadas por estudantes brasileiros que prestigiavam o Atlético no estádio, o clube jogou muito bem e Nívio e Lucas Miranda fizeram os gols.
Atritos, volta pra casa e o reconhecimento
Nem tudo foi perfeito para o Atlético nessa excursão. Além do frio, jogadores desacostumados com o clima, as viagens constantes e alguns jogos em curtos espaços de tempo, a delegação enfrentou ainda alguns problemas no fim da viagem. O empresário alemão que era o responsável pela organização e divulgação dos jogos queria que o time disputasse mais partidas. No entanto, com a proximidade do Natal, muitos jogadores queriam voltar para suas famílias. Para “ajudar” nesse retorno, o empresário sumiu e deixou a delegação sem dinheiro. Foi preciso uma providencial ajuda do governo do estado e da embaixada para comprar as passagens de volta. A viagem para o Brasil aconteceu em dois grupos: o primeiro chegou no dia 14/12 e o segundo grupo quatro dias depois.
O time do Atlético foi recebido com muita festa em Belo Horizonte e os jogadores tietados por vários canais da imprensa esportiva do estado. Houve desfile em carro aberto nas largas avenidas do centro de BH. Todos saudavam o alvinegro pelo seu feito. Foram 10 jogos, com 6 vitórias, 2 empates e 2 derrotas, 24 gols marcados e 18 sofridos. Lucas Miranda, Vaguinho e Nívio foram os artilheiros com seis gols cada. O time teve tempo e fôlego para terminar seus compromissos no campeonato estadual e sacramentar o título mineiro de 1950.
Tropeço e volta por cima
Tudo caminhava para o Galo conquistar mais um Campeonato Mineiro em 1951. Em um torneio disputado por turno e returno, Atlético e Villa Nova terminaram empatados com 19 pontos cada. Ambos tiveram o mesmo número de vitórias, empates e derrotas, e caso fosse usado o critério de saldo de gols, o Galo seria campeão, por ter um saldo de 26 gols. Assim, Atlético e Villa disputaram uma melhor de três para levantar a taça. Depois de dois empates (1 a 1 e 2 a 2), o terceiro jogo decisivo aconteceu de forma muito equilibrada, até que Vaduca acabou com o sonho atleticano: vitória do Villa Nova por 1 a 0 em pleno Independência. E Villa campeão.
Começa o reinado do Galo
Tanto a diretoria quanto a torcida dividiam uma frustração: nunca ter conquistado o tricampeonato mineiro. Apesar de ser o maior campeão do estado, o Galo sempre conquistava o bi e era interrompido por um rival. Foi assim em 1926/1927, 1931/1932, 1938/1939, 1941/1942, 1946/1947 e 1949/1950. Naquela altura, o Cruzeiro, que já havia tomado do América o posto de maior rival do Atlético, tinha dois tricampeonatos, como Palestra Itália e com o nome atual. O Galo queria mudar isso, e mudou para melhor, conseguindo um pentacampeonato histórico, sequência que, com exceção do deca do América, só foi superada pelo próprio Atlético em 1978-1983.
Com a mesma base dos últimos dois anos e desta vez com Yustrich no comando, o Atlético foi perfeito no campeonato de 1952. Foram dois turnos e o alvinegro ganhou ambos. O primeiro foi vencido após vitória sobre o Siderúrgica, no desempate do turno, já o segundo foi vencido de maneira invicta. Vavá e Ubaldo comandaram o ataque e juntos fizeram 26 dos 45 gols atleticanos. Foram 18 jogos, 17 vitórias (com direito a um 4 a 0 sobre o Cruzeiro) e apenas uma derrota.
Para o Mineiro de 1953, o time ganhou os reforços de Gastão, Amorim e Denoni, fundamentais na conquista. Naquele ano, a Federação Mineira fez uma mudança no regulamento ao criar uma final entre o vencedor dos dois turnos. Novamente o Atlético, vencedor do turno, enfrentaria o Villa Nova, campeão do segundo. Na finalíssima melhor de três, empate por 1 a 1 no primeiro jogo. No segundo, vitória alvinegra por 2 a 1. No terceiro jogo, o Galo administrou o empate de 1 a 1 e conquistou o bi. Ubaldo foi o artilheiro do campeonato com 13 gols. Foram 21 jogos, 15 vitórias, quatro empates e duas derrotas.
Finalmente, tricampeão!
Os nervos atleticanos estavam acirrados para o campeonato de 1954. O time se reforçou mais uma vez e trouxe Joel, Tomazinho e Orlando para compor um elenco que já era forte. O uruguaio Ondino Viera substituiu Yustrich no comando técnico. A pergunta que tomava as resenhas esportivas nas ruas de BH era: “será que o Galo finalmente conquistará o tri?”. A FMF criou um regulamento bizarro para o torneio daquele ano, que teve a participação de nove clubes. Seriam TRÊS TURNOS por pontos corridos. Os líderes do primeiro e segundo turnos fariam uma final de melhor de três. O terceiro turno seria ‘neutro’ e contaria com os seis times que tivessem a melhor pontuação na soma dos dois turnos anteriores e não teria final. O campeão de cada turno entraria com 10 pontos para a final geral, pois o título seria decidido em uma melhor de 25 (isso mesmo!). Ou seja: nos jogos finais do campeonato, a vitória valeria 5 pontos, empate valeria 2,5. A criatividade dos cartolas para criar coisas ridículas era simplesmente exorbitante naquela época…
No primeiro turno, Cruzeiro e Atlético terminaram empatados em pontos e número de vitórias, mas o time azul terminou na liderança pelo saldo de gols. Porém, o Atlético foi campeão por vencer a final daquele turno. O alvinegro venceu o primeiro duelo por 1 a 0 (gol de Ubaldo); empatou em 1 a 1 o segundo (com Orlando marcando no fim do jogo) e bateu o rival por 1 a 0 na partida final, com mais um gol de Ubaldo. Assim, o Galo ganhou 10 pontos para a final geral do campeonato.
O segundo turno terminou da mesma forma que o anterior, mas desta vez o Cruzeiro venceu a final do turno. No primeiro jogo, 2 a 1 para o Galo. A reação celeste veio no segundo confronto: 3 a 1, com Joel marcando o único gol alvinegro. No terceiro confronto, empate sem gols. Agora ambos estavam com 10 pontos.
A FMF considerou ‘neutro’ o terceiro turno, mas todos os jogos aconteceram no Independência. No entanto, os dois times de Belo Horizonte eram tão fortes na época que dificilmente alguma equipe do interior teria chance de título. O Cruzeiro estava voando e, querendo a vantagem a qualquer custo, venceu o terceiro turno e ganhou os 10 pontos. O Atlético, já classificado para final geral, ficou apenas em terceiro.
Na grande decisão, o Cruzeiro estava com 20 pontos e precisava de uma vitória simples para ser campeão. Já o Galo precisava de um ‘milagre’, pois precisava vencer os três jogos para ser campeão e juntou todas as suas forças para superar o rival em verdadeiras batalhas. No primeiro clássico, o alvinegro venceu por 2 a 0, gols de Joel e Gastão. No segundo jogo, nova vitória do Galo com facilidade: 3 a 0, com mais um gol de Joel e outros dois do artilheiro Ubaldo. Os rivais ficaram empatados com 20 pontos para o terceiro jogo e quem ganhasse levava a taça. A Atlético saiu na frente, mas o Cruzeiro empatou aos 41’ do segundo tempo e o título continuou indefinido.
Agora a pontuação dos dois times era de 22,5. A FMF chegou a cogitar a divisão do campeonato, mas voltou atrás e organizou um jogo desempate. O título era muito importante para cada lado. Um tentava o tri que nunca havia conquistado, o outro queria quebrar um jejum de títulos que perdurava há nove anos. Atlético e Cruzeiro fizeram a final no Independência lotado. O jogo começou nervoso, mas os celestes criavam mais chances de gol, enquanto o Galo segurava a pressão. O time alvinegro reagiu e, aos 16’, Ubaldo, o artilheiro dos gols espíritas, abriu o placar. O jogo continuou tenso e truncado, o ataque do Cruzeiro, que havia marcado 63 gols – 12 a mais que o rival -, era muito forte e fez o Atlético ter bastante trabalho na defesa.
Mas os atleticanos queriam o tri de qualquer maneira. Aos 43’ do segundo tempo, Joel marcou o gol do título e deu ao Galo seu primeiro tricampeonato mineiro consecutivo. A massa atleticana estava em festa. Ubaldo foi carregado até a Praça Sete, Zé do Monte, o grande líder do time, era abraçado por todos. A torcida festejou nas ruas de Belo Horizonte até a madrugada aquela conquista suada e histórica. O Atlético disputou 31 jogos, venceu 21, empatou cinco, perdeu cinco, marcou 51 gols e levou 24.
Tetra, penta dividido e o fim da geração
Batalhando para entrar no “livro dos recordes” com os regulamentos mais ridículos do mundo, a Federação Mineira criou outra aberração para o torneio de 1955. Diferente do ano anterior, o primeiro turno teria uma final entre os líderes; o vencedor do segundo e terceiro – com cinco times – iam direto para a fase final; e os vencedores de cada um fariam um triangular final de ‘ida e volta’. Ricardo Díez voltou para o banco alvinegro, mas não contou com muitos reforços de peso. O Atlético foi bem no primeiro turno, mas perdeu a final para o Villa Nova. No segundo, não foi regular e acabou ficando atrás do Democrata de Sete Lagoas. O Galo só conseguiu se recuperar no terceiro turno, quando venceu a disputa com um ponto a mais que o América. O time teve alguns tropeços ao longo do campeonato, mas foi perfeito na fase final ao vencer os quatro jogos, marcando 12 gols e sofrendo só um. O Galo foi campeão pela quarta vez seguida, e a dupla Tomazinho e Paulo Valentim foram os grandes destaques do ataque com 15 e 11 gols cada um respectivamente.
O Atlético continuou com um time forte para o campeonato de 1956 e ganhou os reforços de Vaduca, Múcio e Laércio. Dessa vez, a FMF não inventou regras mirabolantes para o torneio, que teria o turno com final, returno sem, e os campeões dos dois disputando a melhor de três. Atlético e Cruzeiro foram novamente os protagonistas e fizeram a final do turno com o time celeste liderando no saldo de gols. No primeiro jogo, vitória azul por 2 a 0. O Galo reagiu e venceu os dois jogos seguintes, um por 1 a 0 (gol de Tomazinho) e outro por 3 a 2 (gols de Murilinho, Amorim e Tomazinho), faturando o título.
Mais relaxado, o time atleticano fez um péssimo segundo turno, ficou em sexto e viu o rival terminar na liderança, com o clássico decidindo mais uma vez o Campeonato. O Cruzeiro tinha um time melhor, enquanto o Atlético contava com alguns jogadores experientes e não tinha mais Ubaldo nem Zé do Monte. No primeiro jogo, empate em 1 a 1, com o gol atleticano anotado pelo artilheiro Tomazinho. Outro empate no segundo clássico, 0 a 0. Até que, no último jogo, Vaduca – o mesmo que tirou o tri do Galo lá em 1951 pelo Villa Nova – marcou no final do segundo tempo o único gol da vitória atleticana por 1 a 0. Com o resultado, o Galo conquistou o pentacampeonato mineiro, uma sequência inesquecível para toda a massa.
Agora vamos para a polêmica. Haroldo Lopes, do Atlético, se machucou, e não foi para as duas primeiras partidas da final. Em seu lugar, o técnico Délio Neves colocou Laércio. Na semana do terceiro jogo, o Cruzeiro denunciou a FMF pedindo os pontos do jogo anterior. O motivo? Laércio não havia apresentado o certificado de dispensa do exército, pois foi inscrito só com um exame médico. Como o prazo para entrar com esse recurso havia expirado, o Cruzeiro foi até o TJD, mas teve seu pedido negado, pois segundo o tribunal, era um erro da Federação e não do Atlético. O clube celeste insistiu, dessa vez foi até o STJD, ganhou a causa e a vitória do jogo, deixando a final empatada. O STJD obrigou a FMF a marcar um quarto jogo para o desempate, o Atlético recorreu, e, com o recurso negado, conseguiu uma liminar junto ao Conselho Nacional do Desporto (CND) para não disputar o jogo.
O processo judicial se arrastou tanto que, quando o Galo conseguiu essa liminar, já corria o ano de 1958. A briga só terminou em março de 1959, quando a CBD ameaçou os dois clubes de não disputar a primeira edição da Taça Brasil, e, com isso, o título de 1956 ficou dividido entre Atlético e Cruzeiro.
À espera de Telê e Dadá
O título de 1956 foi o desfecho simbólico de uma era inesquecível e fantástica para o Atlético. O clube voltaria a ser campeão em 1958 e depois emplacou um bi em 1962 e 1963, mas o restante da década de 1960 foi totalmente do Cruzeiro, que construiu um timaço com Tostão e Dirceu Lopes, dominou o futebol estadual e brilhou até no cenário nacional. Só nos anos 1970 que o Galo voltou forte, conquistando o título brasileiro em 1971 em uma história já contada aqui no Imortais. Mas o time dos anos 1950 segue como o primeiro grande esquadrão formado pelo alvinegro, que superou desconfianças, encarou adversários poderosos em sua viagem ao gelo e voltou com o orgulho nas alturas e a prova de que nada é impossível para o Galo.
Ali, foi forjada uma alma vingadora, tão vista ao longo dos anos e que ficou em voga nos anos 2010, na época dos milagres alcançados durante os títulos da Libertadores e da Copa do Brasil. Quem duvidava do Atlético não conhecia sua história. E quem conhecia relembrou certamente das façanhas dos campeões do gelo, eternizados no hino, nos livros e no coração de todo atleticano.
Os personagens:
Kafunga: um dos maiores goleiros da história do Atlético. Mais de duas décadas no gol atleticano sendo o 5º atleta com mais jogos no clube: 504 no total. Já havia sido o titular na campanha que o Galo foi campeão dos campeões em 1937. Com o esquadrão dos anos 1950, Kafunga foi campeão em 1950, 1952 e 1953.
Mão de Onça: jogou de 1946 até 1951 e em 1959 no Atlético e foi um dos principais goleiros do time nas campanhas vitoriosas do início dos anos 1950. Armando Giorni ganhou o apelido “Mão de Onça” pelo fato de suas mãos serem grandes e fortes, o que facilitava na hora de defender os chutes de média e longa distâncias dos adversários. Disputou dois jogos na “campanha do gelo”, nas vitórias sobre o 1860 München (4 a 3) e sobre o Hamburgo (4 a 0).
Sinval: chegou no Galo em 1951 a convite de Yustrich. Foi o goleiro titular na maioria dos jogos do pentacampeonato. Jogava sempre de joelheiras, e, apesar de aparentar estar acima do peso, tinha uma ótima colocação e uma rápida saída do gol.
Zeca: jogou de 1953 até 1958 no Galo e foi mais atuante nos títulos de 1955 e 1956. Disputou 87 jogos pelo clube no período.
Afonso Silva: 13 anos de Atlético, 464 jogos, 9º atleta mais atuante e muitas vezes escalado pelos torcedores no time de todos os tempos. O zagueiro chegou em 1945 e ficou até 1958. Fez duplas notáveis com Oswaldo e Murilo Silva na zaga e quando jogava mais na frente, fazia dupla com Zé do Monte. Conquistou nove títulos pelo clube.
Oswaldo: zagueiro técnico que dava muita segurança para a defesa. Defendeu as cores do Atlético em 276 jogos. Esteve em todo período deste esquadrão imortal e permaneceu até 1957.
William: outro zagueiro eficiente do time, disputou mais de 300 jogos pelo Atlético entre 1954 e 1964, mais até que Zé do Monte. Foi fundamental nas conquistas estaduais de 1955 e 1956.
Murilo Silva: era dono de uma rara classe encontrada nos zagueiros. Seguro, ocupava os espaços e tinha como diferencial os desarmes sem falta. Murilo atuou por vários jogos sem ser expulso e até recebeu o Prêmio Belfort Duarte, espécie de “Fair Play” da época. Foi campeão em 1946, 1947, 1949 e se transferiu para o Corinthians. Voltou para BH e venceu o mineiro de 1955.
Moreno: atuava pela direita, ora como lateral, ora mais avançado pelo meio de campo. Venceu quatro títulos mineiros e esteve no esquadrão campeão do gelo de 1950. Jogou no Galo de 1947 até 1954.
Barbatana: mais conhecido pelo trabalho como treinador do Atlético nos anos 1970, Barbatana jogou como meio-campista da equipe em 1950 e também entre 1958 e 1959. Na campanha do gelo, disputou apenas um jogo por causa da concorrência no setor com outros nomes do time. Foram 37 jogos e cinco gols pelo Galo.
Geraldino: em 140 jogos pelo clube, foi titular em 135, sempre com lateral-direito. Estreou em 1951, assumiu a titularidade em vários jogos e só saiu do Galo em 1957. Faturou cinco títulos mineiros, todos os do pentacampeonato consecutivo de 1952 até 1956.
Cléver: lateral-direito que chegou no Atlético em 1953 e ficou pouco tempo no clube, atuando em 99 jogos. Foi campeão nos três últimos títulos da sequência do penta.
Zé do Monte: sua história no Atlético começou em 1942 quando chegou ao clube com apenas 15 anos. Seu primeiro jogo foi quatro anos depois e rapidamente se tornou ídolo e um símbolo da raça atleticana. Camisa 5, era um volante brigador, que fazia ótimos lançamentos, além de ser um ótimo cabeça de área. Ficou lembrado por entrar em campo com um Galo vivo em todos os jogos – fato que ajudou a popularizar o apelido do clube. Recebeu propostas de vários clubes, mas deixava bem claro: “o meu futebol é só para o Atlético”. Teve alguns desentendimentos com Yustrich, que o proibia de tomar sua cervejinha. Zé do Monte tinha fama de galante e boêmio, e sempre era visto nas ruas de BH pilotando sua Harley-Davidson. Foi o capitão do time que excursionou pela Europa, ganhou 8 títulos mineiros e não foi penta por ter saído no início de 1956. Encerrou cedo sua carreira, aos 28 anos, por se recusar a fazer uma cirurgia nos meniscos. É o 22º atleta mais atuante do clube com 320 jogos.
Múcio: outro volante muito importante no pentacampeonato. Sendo titular ou entrando durante os jogos, sempre correspondia e fazia boas partidas.
Ílton: meio-campista do time campeão mineiro em 1955 e 1956. Atuou o Galo até 1960 e disputou 200 jogos, com nove gols marcados.
Haroldo Lopes: grande lateral-esquerdo, disputou 331 jogos pelo Galo. Cria do clube, Haroldo subiu para o profissional em 1948. Era um lateral seguro, que tinha liberdade para avançar e voltava rápido para ajudar na defesa. Participou da excursão em 1950 e esteve em toda a trajetória do penta. Ficou no Galo até 1958 para terminar seus estudos de medicina. Em 1967, voltou para ser médico do clube e nesta função esteve na delegação campeã brasileira em 1971.
Laércio: defensor e volante, foi um dos coringas do time na campanha do título estadual de 1956. Ficou até 1961 e faturou, também, o estadual de 1958.
Lucas Miranda: conhecido como o ‘artilheiro do apagar das luzes’, Lucas veio para o Atlético em 1944 e ficou uma década no clube. Era o capitão do time na ausência de Zé do Monte. Com 152 gols é o 5º maior artilheiro do Galo. Foi para a Europa em 1950 e foi campeão em 1946, 1947, 1949, 1950, 1952 e 1953. Foi escalado por torcedores em muitos Atléticos de todos os tempos.
Paulo Valentim: um dos principais atacantes brasileiros dos anos 1950, Paulinho Valentim ficou apenas de 1954 até 1956 no Galo, mas o suficiente para vencer dois campeonatos mineiros e marcar 31 gols em 51 jogos. Fez uma parceria memorável com Tomazinho no ataque alvinegro. Se transferiu para o Botafogo em 1957 e não se cansou de marcar gols por lá. Brilhou ainda no Boca Juniors, onde foi ídolo a ponto de ganhar até música dos torcedores xeneizes (“¡Tim, tim, tim! ¡Es gol de Valentim!”).
Lauro: atuava como meia e ajudava na construção de jogadas ou mesmo como elemento surpresa no ataque. Disputou 128 jogos e marcou 61 gols pelo Atlético entre 1946 e 1951 e 1956 e 1957. Faturou quatro títulos estaduais, além de integrar o time na campanha do gelo de 1950.
Denoni: chegou em 1953 e fez um grande campeonato naquele ano, jogando ao lado de Zé do Monte. Ficou no Galo só até 1954. Foram 36 jogos e 17 gols pelo alvinegro.
Murilinho: outro grande atacante atleticano nos anos 1950, venceu três títulos estaduais e marcou 47 gols em 191 jogos nas duas passagens que teve pelo clube, entre 1954 e 1957 e 1959 e 1960.
Toledo: um dos titulares na campanha do título de 1956, jogava no meio de campo, com características de marcação. Ficou até 1958 e voltou em 1959.
Alvinho: atacante goleador, jogou no Galo de 1948 até 1951 e de 1957 até 1960. Foram 234 jogos e 100 gols pelo clube alvinegro. Brilhou no bicampeonato mineiro de 1949/1950 e na campanha do gelo em 1950.
Tomazinho: artilheiro dos estaduais de 1955 e 1956, foi o principal goleador do time naqueles anos e fundamental para a manutenção da coroa atleticana em Minas. Foram 118 gols em 162 jogos pelo Atlético. É o 14º maior artilheiro do clube em todos os tempos.
Gastão: atuava no meio de campo e também aparecia no ataque. Venceu três títulos mineiros (1952, 1953 e 1954) e atuou de 1952 até 1955 no Atlético. Foram 99 jogos e 12 gols pelo alvinegro.
Vaguinho: teve uma passagem relâmpago pelo Atlético. Foram apenas nove jogos, mas o suficiente para ele escrever seu nome na história do clube pelas atuações na campanha do gelo de 1950. Ele foi artilheiro do time naquela excursão com seis gols.
Joel: foi muito decisivo no tri de 1954, principalmente nos jogos das finais, marcando em três dos quatro clássicos contra o Cruzeiro. Fez o gol que decretou a vitória e deu o tricampeonato tão esperado pela torcida. Também foi campeão em 1955 e 1956.
Vaduca: atacante titular na campanha do título de 1956, ficou até 1958 no Galo. Disputou 41 jogos e marcou nove gols. Curiosamente, foi carrasco do time em 1951 ao impedir o tricampeonato seguido do Galo, quando jogava no Villa Nova.
Nívio: um pouco mais abaixo de Lucas Miranda, Nívio é o 10º maior goleador do clube com 126 gols. Chegou no alvinegro em 1945 e ficou até 1952. Foi um dos artilheiros da excursão pela Europa e campeão mineiro de 1946, 1947, 1949, 1950 e 1952.
Ubaldo Miranda: esse era o símbolo do povo atleticano. Veio de Divinópolis para jogar no clube que era torcedor em 1950 e rapidamente se tornou ídolo da torcida. Era conhecido como ‘artilheiro dos gols espíritas’ por conseguir balançar as redes de um jeito que muitos não conseguiam. Era um centroavante clássico: habilidoso, liso, que passava facilmente pela defesa se encontrasse o mínimo de espaço e muito oportunista. Sempre que decidia um jogo, Ubaldo era carregado pela torcida atleticana ainda no campo do Independência e o levava para a Praça Sete no centro da cidade. Foi campeão de 1952 até 1955 e se transferiu para o Bangu, voltou para o Galo e ganhou o mineiro de 1958. Fez a última partida por seu clube do coração em 1961. Foram 274 jogos e 135 gols pelo Atlético. Só não foi para a viagem à Europa em 1950 por não conseguir a liberação junto ao serviço militar no qual ele prestava a tempo do embarque.
Orlando: o “pingo de ouro”, como ficou conhecido, atuou no Galo de 1954 até 1955 e marcou gols importantes nas campanhas dos títulos estaduais daqueles anos. Era ponta-esquerda e tinha muita habilidade. Marcou época, também, no Fluminense dos anos 1940.
Vavá: artilheiro do campeonato de 1952 com 15 gols, Vavá foi outro grande atacante do Galo naquela era de ouro. Jogou no clube de 1949 até 1953, disputou 118 jogos e marcou 58 gols.
Amorim: o atacante se destacou principalmente na campanha do tri. Jogava na ponta esquerda, sempre auxiliando o time no ataque. Ficou no elenco em todo pentacampeonato. Disputou 244 partidas e marcou 59 gols.
Ricardo Díez, Yustrich, Martim Francisco, Ondino Viera e Délio Neves (Técnicos): todos tiveram suas contribuições para o Atlético no período, mas Díez e Yustrich foram sem dúvida os principais nomes daquela era inesquecível. O uruguaio Díez comandou o time que excursionou pela Europa e ficou mais um ano no clube. Na sua segunda passagem foi campeão mineiro de 1954, 1955 e 1956. Díez ainda teve uma terceira e última temporada sendo campeão em 1958. Foram 171 jogos como técnico atleticano, totalizando 104 vitórias, 33 empates e 34 derrotas, 401 gols a favor e 228 sofridos. Já Yustrich é uma figura lendária no futebol brasileiro. Treinou vários clubes e veio para o Atlético depois da saída de Ricardo Díez, em 1951. Foi campeão mineiro em 1952 e 1953. Por seu temperamento explosivo e autoritário, foi expulso do clube depois de atritos com Zé do Monte por cortar sua cerveja e por agredir Lucas Miranda. Prezava por uma preparação física e disciplina extrema. Não admitia jogadores que fumavam, bebiam, que tinham barba ou cabelos grandes. Voltou ao comando do Atlético em 1968 e 1969.
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Um dos defensores se chamava Márcio e no texto apareceu escrito Mario. Parabéns pelo texto. Relata bastante do que foi aquela excursão
Obrigado! O trecho já foi corrigido! 😀
Parabéns pela excelente reportagem. Só mesmo vocês para reconhecerem o grande feito do Clube Atletico Mineiro ao desbravar o velho continente. Em 1937 o Clube Atletico Mineiro foi o primeiro campeão brasileiro ao vencer a Taça Campeão dos Campeões nesse campeonato os jogos eram de ida e volta com pontos corridos, disputaram apenas os campeões estaduais de Rio de Janeiro (Fluminense), Espirito Santo (Rio Branco), São Paulo (Portuguesa) e Minas Gerais (Atletico Mineiro). Gostaria de ver ainda uma reportagem sobre Ortiz que foi um goleiro que jogou no Atletico Mineiro entre os anos de 1976 – 1977 que fez o primeiro gol de um goleiro no Mineirao na vitoria do Galo sobre o CRB, fez o primeiro gol de goleiro no Maracanã na vitória do Galo sobre o Vasco por 4 x 0 e fez ainda em 1975 o primeiro gol de um goleiro na história da Libertadores da América ao marcar um gol quando jogava pelo Wanderes de Montevideo (Uruguai). Continuo achando que voces tem que escreveu um livro contando essas histórias, eu serei o primeiro comprador.
Muito obrigado mais uma vez pelo prestígio, Dirvan! No ano que vem vou começar a tocar esse projeto do livro. Acho que vai dar certo! Abraço! 😀
Põe o Atlético do Trio Maldito 1926-1927