Nascimento: 07 de Novembro de 1944, em Leggiuno, Itália. Faleceu em 22 de janeiro de 2024, em Cagliari, Itália.
Posições: Ponta-esquerda e Atacante
Clubes: Legnano-ITA (1962-1963) e Cagliari-ITA (1963-1976).
Principal título por clube: 1 Campeonato Italiano (1969-1970) pelo Cagliari.
Principal título por seleção: 1 Eurocopa (1968) pela Itália.
Principais títulos individuais e artilharias:
Artilheiro do Campeonato Italiano: 1966-1967 (18 gols), 1968-1969 (20 gols) e 1969-1970 (21 gols)
Artilheiro da Copa da Itália: 1964-1965 (3 gols), 1968-1969 (9 gols) e 1972-1973 (8 gols)
Maior Artilheiro da História da Seleção Italiana: 35 gols em 42 jogos
Maior Artilheiro da História do Cagliari: 164 gols em 315 jogos (na Série A) e 207 gols em 374 jogos (total)
Eleito o 33º Melhor Jogador do Século XX pela revista Placar: 1999
Eleito o 24º Maior Jogador do Século XX pelo Guerín Sportivo: 1999
Eleito o 43º Melhor Jogador Europeu do Século XX pela IFFHS
Eleito o 8º Melhor Jogador Italiano do Século XX pela IFFHS
Eleito o 87º Melhor Jogador da História das Copas pela revista Placar: 2006
Eleito um dos 1000 Maiores Esportistas do Século XX pelo jornal The Sunday Times
Eleito para o Hall da Fama do Futebol Italiano: 2011
Eleito para a Seleção dos Sonhos da Itália do Imortais: 2020
“O Trovão da Sardenha”
Por Guilherme Diniz
Algumas pessoas constroem, ao longo de suas vidas, obras e feitos que as colocam em patamares acima dos demais “mortais”. Isso é muito comum nas ciências, nas artes, na música e, claro, no futebol. E houve um homem, lá nos anos 60 e 70, que conseguiu alcançar um posto de mito inquestionável e patrimônio de uma região italiana digno do mais nobre imperador ou do mais soberano rei. Ele foi tão importante, mas tão importante, que o mandatário do clube onde ele jogava chegou a negar a construção de um hospital por um time rival que queria seu passe em troca. Aquele homem era invendável. E único. Ele conseguiu superar os tantos golpes duros que a vida lhe aplicou jogando futebol, desejando a vitória mais que tudo e marcando gols com chutes fortíssimos, esbanjando habilidade e inteligência tanto dentro quanto fora da área.
Na isolada ilha da Sardenha, Luigi Riva, ou Gigi Riva, foi o introspectivo craque que se consagrou como o maior jogador da história do Cagliari, que deu ao clube um impressionante Scudetto, em 1970, e que conseguiu ser o maior artilheiro da história da Seleção Italiana com uma média de gols digna dos mais prolíficos atacantes. Levando em consideração a quantidade de lendas que foram superadas ou que jamais passaram perto da façanha do craque na Azzurra (Meazza, Piola, Mazzola, Rivera, Boninsegna, Altobelli, Paolo Rossi, Roberto Baggio e Del Piero, só para citar alguns), é fácil perceber a importância de Gigi para o desporto na Itália. Artilheiro e exemplo de pessoa dentro e fora de campo, Riva nunca foi de muitas palavras, mas sim de muitos gols e aplicação máxima. É hora de relembrar.
A origem da introspecção
Riva nasceu no vilarejo de Leggiuno, norte da Itália, localizado na região da Lombardia. Por lá, ele teve que conviver desde cedo com dramas familiares que poderiam abalar qualquer pessoa, menos ele. Aos 9 anos, Riva perdeu o pai. Aos 16, perdeu a mãe e teve que cuidar das duas irmãs trabalhando como eletricista e complementando a renda jogando futebol por uma equipe amadora, o Laveno, que pagava a ele três dólares por partida, desde que ela fosse vencida. Dali surgiu a obsessão do jovem pelas vitórias, a todo custo e da maneira que fosse. Rápido e forte, Riva se destacava diante dos concorrentes graças aos dribles secos, as subidas ao ataque tempestivas e a soberba de não temer zagueiro algum.
Muito técnico, ele também via o jogo como poucos e ajudava os companheiros com belos passes ou ajeitadas para ele mesmo concluir a gol com um chute de perna esquerda devastador e que lhe renderia o apelido de “Ronco do Trovão”. Tempo depois, ele sofreu mais dois golpes: uma de suas irmãs faleceu, vítima de leucemia, e a outra ficou paralítica após um acidente de automóvel. Como ele aguentava tudo aquilo? Órfão e quase sozinho no mundo, Riva encontrava nas pescarias no lago e no silêncio as maneiras de esquecer os dramas que o acometiam tão cedo. Por causa de todas aquelas situações, o futuro craque ganharia o jeito introspectivo que sempre o acompanhou.
Talento levado à Sardenha
Aos 18 anos, Riva já havia deixado sua marca com a camisa do Laveno marcando 30 gols na temporada 1960-1961 e outros 33 na seguinte, desempenhos que fizeram o jovem arriscar tudo no futebol e estrear como profissional pelo Legnano, da terceira divisão do Calcio na época, em 1962. Com a camisa lilás do clube da Lombardia, Riva não foi tão prolífico como nos tempos do amadorismo, mas ainda sim anotou seis gols em 23 jogos disputados e chamou a atenção de Enrico Rocca, presidente do modesto Cagliari, então na Série B do futebol italiano. Rocca tinha certeza que Riva poderia se tornar uma estrela na Sardenha e pagou cerca de 37 milhões de liras pelo jogador. Quando chegou à ilha, Riva começou a mostrar seu talento ao técnico Arturo Silvestri e ajudou o clube a subir para a Série A com oito gols marcados em 26 jogos do campeonato de 1963-1964. O Cagliari terminou na vice-liderança e alcançou o acesso. A partir dali, o clube permaneceria 12 temporadas ininterruptas na primeira divisão. E com Riva entre os titulares, claro.
Estrela na ilha (e na Itália também)
Cada vez mais goleador e causando sérios problemas aos zagueiros adversários, Riva começou a ganhar destaque na imprensa italiana por seu estilo de jogo e pelo talento no ataque. Peça fundamental no time titular do Cagliari, o camisa 11 marcou nove gols na temporada 1964-1965 e aumentou o número para 11 na seguinte, mesma época que recebeu sua primeira convocação para a Seleção Italiana, em junho de 1965, no amistoso contra a Hungria, em Budapeste, vencido pelos magiares por 2 a 1. Riva tinha certeza que seria presença constante nas convocações da Azzurra dali pra frente, mas o craque acabou de fora da convocação do técnico Edmondo Fabbri para a Copa do Mundo de 1966.
O mandatário da Nazionale levou Riva apenas como um jogador extra, e foi obrigado a ver o craque voar baixo nos treinos e marcar vários gols. O final dessa história todo mundo conhece: a Itália foi eliminada na primeira fase com uma vexatória derrota por 1 a 0 para a inexpressiva Coreia do Norte, uma das maiores zebras da história dos Mundiais. Riva foi irônico sobre o assunto em entrevista ao site da FIFA:
“Prefiro não saber porque Fabbri não me chamou. Por outro lado, eu me esforçava para valer nos rachões, que era a única maneira que eu tinha para extravasar. Eu marcava um gol atrás do outro. Estava em plena forma e furioso!” – Luigi Riva.
Na temporada 1966-1967, Riva foi sublime e se tornou pela primeira vez o artilheiro máximo do Campeonato Italiano, com 18 gols em 23 jogos, fazendo uma parceria fantástica com Roberto Boninsegna, outro bom atacante do Cagliari na época. Com 1,80m e 80kg, Riva tinha um físico privilegiado que lhe dava condições plenas para brigar de igual para igual com os durões zagueiros italianos, bem como facilidade para as disparadas em velocidade pela linha de fundo.
Já considerado um dos maiores atacantes do país, Riva conseguiu o feito mesmo após sofrer uma grave fratura na tíbia e no perônio da perna esquerda, em março de 1967, num amistoso contra Portugal. Ainda naquele ano, Riva marcou seus primeiros gols com a camisa da Itália na goleada de 5 a 0 sobre o Chipre, pelas Eliminatórias para a Eurocopa. Ele marcou três vezes e seguiu em alta ao fazer mais dois gols no empate em 2 a 2 com a Suíça, em novembro, e outro nos 4 a 0 sobre os mesmos suíços, em dezembro, pela partida de volta, todos válidos pela Euro.
Pelo Cagliari, Riva continuava a desfilar suas virtudes e marcou mais 13 gols em 26 jogos na temporada 1967-1968, época em que ficou na 6ª posição no prêmio Ballon d´Or ao melhor jogador da Europa, atrás de George Best (vencedor), Bobby Charlton, Dragan Dzajic, Franz Beckenbauer e Giacinto Facchetti, e à frente de nomes como Amancio Amaro, Eusébio, Rivera, Gerd Müller, Jimmy Greaves e um novato Johan Cruyff.
Tempos de ouro
A partir de 1968, Riva iniciou a mais fantástica fase de sua carreira. Foi naquele ano que ele se tornou um dos heróis da Itália na conquista inédita da Eurocopa, em casa, ao marcar o primeiro gol da vitória por 2 a 0 sobre a Iugoslávia na final (no final do texto há um link sobre a aquela Azzurra). Na temporada 1968-1969, o craque marcou 20 gols em 29 jogos do Cagliari na campanha do vice-campeonato italiano, quando a equipe ficou quatro pontos atrás da campeã, a Fiorentina. Riva foi brilhante ao longo da campanha do time da Sardenha e marcou, entre outros, três gols nos 6 a 1 sobre o Varese, um gol na vitória por 2 a 1 sobre a Juventus, em Turim, dois gols nos 4 a 1 sobre a Roma, fora de casa, dois gols nos 3 a 1 sobre o Bologna, um gol na vitória por 1 a 0 sobre a Internazionale e um gol nos 3 a 1 sobre o Milan.
Com um time entrosado e jogando muito bem, o Cagliari mostrou à Itália que já podia sonhar alto com o Scudetto. E ele veio já na temporada 1969-1970, quando Riva teve um dos desempenhos individuais mais fantásticos e decisivos de toda a história do Calcio. Sem ele, dificilmente o Cagliari teria sido campeão. A importância do craque na campanha está nos fatos e números:
– Riva foi o artilheiro máximo do campeonato com 21 gols em 28 jogos;
– Ele marcou exatamente a metade dos gols do time na competição (o Cagliari fez 42 gols em 30 jogos);
– Fez os gols e deu a vitória ao time sobre o Napoli, fora de casa, por 2 a 0, mesmo com 40 graus de febre;
– Marcou um golaço antológico de bicicleta;
– Fez o gol da vitória sobre a Fiorentina em plena Florença;
– Foi buscar o empate para seu time em 2 a 2 contra a Juventus em plena Turim;
– Marcou dois gols na goleada de 4 a 0 sobre o Torino que selou a campanha dos rossoblù.
Riva transformou para sempre a Sardenha com aquele título, além de ter ficado na segunda posição no Ballon d´Or de 1969 (atrás apenas de Rivera) e em 3º, em 1970, sendo cobiçado pelos mais diversos times da Itália. Em 1969, a Internazionale tentou levar o craque para Milão ao oferecer dois milhões de dólares e ainda prometer a construção de um moderno hospital na ilha. Tais propostas foram sonoramente negadas com a singela frase de um dirigente do clube sardo na época: “Até hoje, só o atum nos deu fama. Com Riva, ganhamos o respeito e a admiração de toda a Itália”. Aquilo era o máximo exemplo do que era Riva para o Cagliari e o que era o Cagliari para Riva. Ele se sentia em casa e era tratado com ares de deus principalmente após o impressionante título do clube em 1970 (há um link especial sobre o time rossoblù no final do texto).
Pela seleção, Riva também mostrava seu faro de gol e marcava seus tentos nos compromissos da Itália em amistosos e também nas Eliminatórias para a Copa do Mundo de 1970, no México. Foram 12 gols em nove jogos disputados entre outubro de 1968 e maio de 1970, incluindo dois no 3 a 2 sobre o México, em amistoso disputado na casa do rival, dois gols no empate em 2 a 2 com a Alemanha Oriental, e três no 4 a 1 sobre País de Gales (ambos pelas Eliminatórias), e dois na vitória por 2 a 1 sobre Portugal, no último amistoso antes da viagem rumo ao Mundial. Com Riva e vários outros bons jogadores, a Itália tinha certeza que apagaria o vexame de quatro anos atrás. E buscaria, quem sabe, o tricampeonato do torneio.
Das contestações ao despertar
Na Copa, Riva reencontrou Boninsegna (ele jogava na Inter na época) e teve ao seu lado cinco companheiros de Cagliari (Gori, Domenghini, Niccolari, Cera e Albertosi) que o deixaram ainda mais à vontade para a disputa de seu primeiro Mundial. Mas, na fase de grupos, o craque passou em branco nos três jogos da Itália e recebeu algumas críticas, que se somaram às contestações sobre a não escalação de Mazzola e Rivera juntos no time italiano. Contra Israel, Riva até marcou um gol, mas o tento foi anulado pelo árbitro brasileiro Ayrton Vieira de Moraes. Só nas quartas de final que o camisa 11 desencantou e marcou dois gols na goleada italiana sobre os anfitriões mexicanos por 4 a 1. Riva fez o gol da virada, no segundo tempo, após receber na meia-lua de De Sisti, driblar um marcador e chutar para o gol de Calderón. O segundo do craque foi o último da goleada, após passe de Rivera. Riva ganhou a dividida com o goleiro, driblou o zagueiro Peña e fechou a conta.
Na semifinal, a Itália protagonizou o maior jogo da história das Copas ao bater a Alemanha por 4 a 3 em uma prorrogação de tirar o fôlego. No finalzinho do primeiro tempo da etapa extra, Riva recebeu de Domenghini, driblou um marcador e chutou sem chances para Maier, marcando mais um gol na Copa e contribuindo para a histórica vitória da Azzurra. Você pode ler mais sobre esse jogo clicando aqui.
Na grande final, Riva (e toda a Itália) teve o azar de topar de frente com o fabuloso Brasil de Pelé, Tostão, Jairzinho, Rivellino, Gérson, Carlos Alberto Torres e companhia. Após um primeiro tempo equilibrado, o Brasil tomou conta do jogo, não deixou Riva encontrar espaços e venceu por 4 a 1 (outro jogo já imortalizado aqui). O título não veio, mas serviu para Riva se apresentar a um público maior e deixar sua marca no maior espetáculo futebolístico da Terra.
Lesões brecam o trovão
Após a Copa, Riva continuou em seu querido Cagliari e disputou, inclusive, uma Liga dos Campeões da UEFA na temporada 1970-1971, quando marcou dois gols na vitória por 3 a 0 sobre o Saint-Étienne-FRA, na primeira fase, e outro no triunfo por 2 a 1 sobre o Atlético de Madrid-ESP, nas oitavas, mas os espanhóis reverteram o placar na partida de volta e venceram por 3 a 0, em Madrid, decretando o fim da aventura dos sardos em território europeu. Ainda em 1970, Riva sofreu uma grave lesão na tíbia e no perônio (dessa vez da perna direita) e disputou apenas 13 jogos no Campeonato Italiano, prejudicando o desempenho do Cagliari, que foi apenas o 7º colocado.
Na temporada seguinte, o atacante se recuperou e marcou 21 gols em 30 jogos, colocando o Cagliari na 4ª posição do Calcio. No entanto, a equipe começou a se enfraquecer, bem como o físico de Riva, que já não apresentava o vigor de antes muito por causa do vício em cigarros. Pela seleção, ele até foi convocado para a Copa de 1974, mas não conseguiu encontrar seu espaço no time e disputou apenas dois jogos, o último deles no empate em 1 a 1 com a Argentina, em junho, que foi a partida derradeira do craque pela Azzurra. Ele se retirava da seleção como o maior artilheiro da história da equipe com 35 gols em 42 jogos, deixando para trás as lendas Meazza e Piola, que figuravam na liderança com 33 e 30 gols, respectivamente. Entre 1974 e 1976, Riva voltou a sofrer com lesões, disputou poucos jogos e teve de se retirar do esporte em 1976, aos 32 anos. Curiosamente, naquele mesmo ano do adeus, o Cagliari foi rebaixado para a segunda divisão.
O eterno ídolo da ilha e de uma nação
Após pendurar as chuteiras, Riva fundou a primeira escolinha de futebol da Sardenha e virou presidente do Cagliari nos anos 80, mostrando que havia nascido mesmo para os rossoblù. Nos anos seguintes, o mito seguiu no mundo esportivo e viu sua camisa 11 ser aposentada pelo Cagliari em 2005, mesmo ano que recebeu o título de cidadão honorário da Sardenha, uma ilha que deixou de ser satirizada e ganhou o respeito de toda a Itália graças aos feitos de um homem que sofreu sérios baques quando jovem, mas que superou todos com trabalho, respeito e perseverança, tocando o coração dos italianos e virando ídolo não só de uma ilha, mas também de uma nação. Um craque imortal.
Leia mais sobre o Cagliari e sobre a Itália campeã da Euro no Imortais!
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