Por Leandro Stein
O Brasil tem algumas derrotas marcantes na história da Copa Libertadores. Finais perdidas, eliminações trágicas, escândalos de arbitragem. Nada comparado, porém, à cascata de desgraças ocorrida em 4 de maio de 2011. Aquela data seria traumática a quatro torcidas diferentes – mas, ao mesmo tempo, de gargalhadas a outros tantos torcedores espalhados pelo país. De uma tacada só, três ex-campeões e um vice na época encerraram suas participações nas oitavas de final: Cruzeiro, Fluminense, Grêmio e Internacional. Somente o Santos, no dia anterior, tinha sobrevivido à hecatombe, e com muito sofrimento na visita ao América do México. No fim das contas, o Peixe arrancaria ali ao tri continental.
Nada indicava uma quarta-feira tão ruim para o futebol brasileiro. Que os oponentes do outro lado fossem tradicionais, nenhum deles realmente metia medo. E, tirando o Grêmio, que perdeu a ida em casa para a Universidad Católica, todos os outros partiam em condições favoráveis para o reencontro na volta. O Cruzeiro tinha batido o Once Caldas na Colômbia. O Fluminense jogava no Paraguai, mas partia com o triunfo em cima do Libertad na conta após a ida. Já o Internacional havia arrancado o empate contra o Peñarol em Montevidéu, antes de decidir sua vida no Beira-Rio. Um por um, todos eles sucumbiram. Era a primeira vez desde 1994 que apenas um representante brasileiro sobrevivia às quartas de final – algo que só se repetiria em 2014 depois disso.
Aquela edição da Libertadores, vale lembrar, já tinha começado com um desastre: o Corinthians eliminado pelo Deportes Tolima, na primeira vez que um time brasileiro sucumbia nas preliminares. A fase de grupos não indicava um cenário tão ruim, porém, com as cinco equipes se classificando. Dono da melhor campanha, o Cruzeiro era quem mais chamava atenção. A Raposa marcou 20 gols e sofreu apenas um, com direito a um 6 a 1 sobre o Tolima e a um 5 a 0 no antigo algoz Estudiantes. O Inter não sobrou tanto, mas referendou sua coroa pelo título anterior, também na ponta de sua chave. O Grêmio passou em segundo, o que não impediu de garantir a vaga por antecipação. Apenas Santos e (principalmente) Fluminense sofreram um pouco mais, valendo-se da recuperação na hora certa depois de inícios ruins. Mas, pelo sim ou pelo não, todos avançaram.
O Cruzeiro pegava o Once Caldas, que passou com saldo negativo e só ganhou uma partida em seu grupo, com muitos resultados cedidos no fim. Da mesma chave vinha o Libertad, invicto na campanha e que intimidava mais o Fluminense. Adversário do Santos, o América do México havia sido o primeiro no grupo do Flu, mas sem um desempenho tão impressionante numa chave bastante equilibrada. O Grêmio pegava a Universidad Católica, que chegava respaldada ao pontear um grupo com o Vélez. Por fim, o Peñarol se garantiu por antecipação, mas deixou a liderança escapar e por isso cruzava com o Inter. Ninguém tão impecável assim.
Na ida, novamente, o Cruzeiro parecia o mais tranquilo. A Raposa visitou o Once Caldas e saiu com o triunfo por 2 a 1. Os colombianos até foram melhores no primeiro tempo, mas Wallyson e Ortigoza permitiram a vitória em Manizales, com Wason Rentería descontando apenas no fim. O Inter também não reclamava do 1 a 1 contra o Peñarol no Centenário. Os colorados sofreram e o goleiro Renan evitou um saldo pior durante o primeiro tempo, até que Leandro Damião empatasse na segunda etapa. Dentre os três que mandaram a ida no Brasil, Santos e Fluminense venceram. O Tricolor viu o Libertad assustar em certos momentos no Engenhão, mas comemorou os 3 a 1 – com gols de Rafael Moura, Marquinho e Conca. Já o Peixe contou com um tiro certeiro de Ganso para fazer 1 a 0 sobre o América na Vila. Só o Grêmio perdeu, no Olímpico. Se de um lado Borges foi expulso ainda na primeira etapa, do outro Lucas Pratto guardou dois gols. Deu Católica, 2 a 1, com Douglas diminuindo depois.
Uma semana depois, o Santos se antecipou e foi o único time a atuar na terça-feira, 3 de maio. O Peixe visitava o México já ciente dos perigos que o América poderia representar em Querétaro, lembrando o estrago causado contra o Flamengo no Maracanã em 2008. E o empate por 0 a 0 se tornou um milagre aos santistas, especialmente por aquilo que jogou o goleiro Rafael Cabral. O jovem arqueiro alvinegro pegou até pensamento naquela noite, com uma série de defesas impressionantes em chutes de longe. Se durante o primeiro tempo o arqueiro acabou salvo pela trave, no segundo ele se desdobraria para manter a vantagem construída pelos brasileiros na ida. Só assim sua equipe acabaria respirando aliviada, sem criar os mesmos problemas para Guillermo Ochoa do outro lado – apesar de uma bola de Ganso na trave. Com sua dose de sorte, o Santos avançava às quartas de final, pegando embalo ao título – sobre o qual falaremos em outra ocasião. Uma alegria que os demais compatriotas não teriam.
Abaixo, jogo a jogo, os detalhes de cada uma das quatro eliminações:
Internacional 1×2 Peñarol
O Internacional era treinado por um de seus maiores ídolos, Paulo Roberto Falcão, que assumiu o cargo um mês antes no lugar de Celso Roth. Em campo, restavam alguns símbolos das conquistas continentais dos colorados nos anos anteriores – como D’Alessandro, Rafael Sóbis, Tinga, Guiñazu e Bolívar. Somavam-se a outros talentos, alguns em ascensão, a exemplo de Oscar e Leandro Damião. Parecia um time forte o suficiente. O Peñarol de Diego Aguirre era mais frágil no papel. O veterano Darío Rodríguez era a figura mais conhecida. Matias Mier e Sebastián Sosa serviam como coadjuvantes. Já o ataque trazia Alejandro Martinuccio como grande sensação. A fama da revelação aurinegra naquela Libertadores, de qualquer forma, começaria a se consolidar no Beira-Rio.
O Inter pecou pelo excesso de confiança. Afinal, os próprios colorados abriram o placar em Porto Alegre, e logo no primeiro minuto. Oscar foi o responsável pelo tento, ao tabelar com Damião e bater no canto. Neste momento, tudo parecia sob controle. O Peñarol pressionou no primeiro tempo, rodando a bola no campo de ataque, mas sem criar chances claras. Foi só na volta do intervalo que o tormento arrebatou o Beira-Rio. Bastaram cinco minutos para a incredulidade ser compartilhada entre os torcedores nas arquibancadas, com dois gols relâmpago dos carboneros.
O Peñarol empatou na saída de bola, com 11 segundos. Martinuccio arrancou e fez o serviço. Mas nem demorou muito para que o segundo viesse. Após o cruzamento da esquerda, o grandalhão Juan Manuel Olivera deixou sua marca de cabeça. Depois disso, o desespero bateu no Inter. Ao passo que o time saía para a pressão, concedia mais espaços atrás e quase tomou o terceiro. A equipe de Falcão não era equilibrada o suficiente. E também não teve sorte no abafa. O desespero contou com bola salva em cima da linha, grande defesa do goleiro, cabeçada que estalou a trave. Nada, porém, para evitar a tristeza da torcida colorada. A classificação aurinegra se consumou, com a vitória por 3 a 1. Falcão duraria mais dois meses e meio no cargo, longe de repetir a unanimidade dos tempos de jogador. Dorival Júnior seria o técnico no restante do ano, com um desempenho razoável no Brasileirão, terminando na quinta colocação.
Libertad 3×0 Fluminense
O Fluminense entrou em campo na sequência. Dentre os brasileiros, sua vitória na ida foi a única por mais de um gol de diferença. E, em tempos nos quais o dinheiro da Unimed ainda jorrava, os tricolores contavam com uma equipe estrelada para o desafio no Defensores del Chaco. Fred era a referência no ataque, Conca aparecia na ligação, Edinho protegia a zaga ao lado de Gum, Mariano despontava na lateral direita. Faltava só um treinador mais renomado aos campeões nacionais de 2010, com o interino Enderson Moreira assumindo a bronca após a intempestiva saída de Muricy Ramalho – já à frente do Santos naquela altura. O Libertad, dirigido por Gregório Pérez, inspirava mais respeito por retrospecto recente do que por nomes. Carlos Bonet era um medalhão na lateral, com Víctor Cáceres e Rodolfo Gamarra entre as outras figuras da seleção local.
O Fluminense parecia acomodado com a vantagem construída no Rio de Janeiro. Entrou em campo para se defender e não fez isso com tanta competência, entregando a bola para o Libertad. O Gumarelo teve atitude, ainda que sem muita qualidade. Nem era uma partida tão exuberante dos alvinegros, que dependiam muito do jogo aéreo, mas a ameaça à meta de Ricardo Berna era clara. Todavia, o placar zerado ao fim do primeiro tempo garantia uma certa tranquilidade ao Flu – que, em sua única boa chance na etapa inicial, carimbou o travessão com Diogo, pouco antes do intervalo.
O desmoronamento do Fluminense aconteceu mesmo durante o segundo tempo, quando o Libertad passou a martelar e a perder gols. O aviso estava mais do que claro, até o primeiro tento aos 12, numa batida de Rodrigo Rojas do meio da rua, com falha de Berna. Os paraguaios ainda davam sinais de nervosismo, mas foi apenas na reta final que o Tricolor deixou o resultado escapar. Miguel Samudio mandou a pancada de longe e marcou o segundo aos 40. Neste momento, pelo gol fora, a classificação já era do time paraguaio. Ficaria pior com o terceiro, de José Ariel Núñez, cinco minutos depois. E, como se não bastasse, Mariano ainda terminou expulso. Em junho, o Flu anunciou Abel Braga como seu novo treinador. Os títulos ainda não vieram em 2011, mas a passagem ficaria marcada pela reconquista do Brasileiro em 2012.
Universidad Católica 1×0 Grêmio
O Grêmio entrou em campo já sabendo que o Internacional estava eliminado. Já sabendo, aliás, que as chances do Gre-Nal desenhado nas quartas de final tinham virado pó. Suas perspectivas, todavia, não eram das melhores após a derrota em casa contra a Universidad Católica. Os tricolores eram treinados por Renato Portaluppi, o homem que desbravou as Américas em 1983, e de novo o faria em 2017. Marcelo Grohe e Douglas o acompanharam naquela empreitada em 2011, mas a equipe estava longe de empolgar. Na defesa, apareciam nomes como Mário Fernandes, Rodolfo e Adilson. O ataque era formado por Lins e Júnior Viçosa, diante da suspensão de Borges e da reserva para Leandro. Do lado da Católica, certa qualidade sob as ordens de Juan Antonio Pizzi. Pratto era o destaque, num time que ainda reunia Francisco Silva, Milovan Mirosevic e Marcelo Cañete.
O Grêmio vinha com vários problemas nas semanas anteriores, incluindo uma série de lesões e a dispensa do meia Carlos Alberto. Mas nada que atenuasse o futebol fraco apresentado pelos tricolores. Os visitantes até começaram propondo mais o jogo em San Carlos de Apoquindo, com as melhores jogadas assinadas por Douglas, mas o gol não veio. A Católica começaria a tomar conta do duelo antes do intervalo, ameaçando com Lucas Pratto, mas o centroavante parava em Grohe.
O segundo tempo aumentava o cheiro da eliminação, diante da segurança da Universidad Católica, que cozinhava a vantagem. Neste momento, num raro respiro, o Grêmio ainda poderia ter aberto o placar com Júnior Viçosa aos 17 minutos, num voleio que a zaga salvou em cima da linha. Renato também colocou o time para cima, apostando nos atacantes Leandro e Vinícius Pacheco. Porém, a pressão final não aconteceu e o Tricolor mais exposto cedeu a derrota aos 41, com Mirosevic fechando o caixão tricolor. Renato ficaria à frente da equipe até junho. Julinho Camargo passou pela casamata, mas os gremistas terminaram o ano sob as ordens de Celso Roth. Renato ainda voltaria brevemente em 2013, até a reconquista continental se desenhar a partir de 2016.
Cruzeiro 0x2 Once Caldas
Dentre as quatro eliminações, nenhuma seria mais surpreendente que a do Cruzeiro. A Raposa era a única equipe com a vantagem de empatar em casa e o futebol praticado na fase de grupos colocava o time de Cuca automaticamente no rol dos favoritos. Em campo, os cruzeirenses reuniam figurinhas carimbadas e outros jogadores que ganhariam nome tempos depois. A escalação titular tinha Fábio, Gil, Gilberto, Henrique, Roger, Montillo, Ortigoza e Farias. Do banco, ainda veio um jovem Dudu. E que o Once Caldas não fosse tão forte quanto sete anos antes, possuía seu histórico de zebras na Libertadores. Juan Carlos Osorio era o professor daquela equipe, que reunia Alexis Henríquez e Alexander Mejía, outros dois que fariam história no Atlético Nacional. Dayro Moreno era o remanescente de 2004, acompanhado na frente pelo bailante Rentería.
O desastre do Cruzeiro na Arena do Jacaré teve a influência de desfalques como Wallyson e Thiago Ribeiro, mas não é apenas isso que explica o fracasso do time dirigido por Cuca. A atuação dos celestes foi pobre e, desde o primeiro tempo, o Once Caldas já gerou incômodo. Os colombianos marcavam por pressão e não permitiam que o ataque adversário fizesse muito. A situação ainda piorou aos 30 minutos, quando Roger Flores recebeu o segundo amarelo e deixou a equipe com dez. Apesar disso, faltou o gol do Once Caldas. No máximo, Rentería carimbou o travessão, após passar por três adversários.
Se o Once Caldas já dava mostras claras de sua superioridade no fim do primeiro tempo, o segundo parecia conter um pouco os colombianos, quando Carlos Carbonero foi expulso por uma cotovelada. A igualdade numérica permitiu que o Cruzeiro voltasse a equilibrar o duelo e criasse um pouco mais. Porém, a precisão seria dos visitantes em Sete Lagoas. Fábio já vinha adiando o pior. E o primeiro gol saiu aos 21, numa cobrança de escanteio, para Diego Amaya concluir de cabeça. Neste momento, a classificação ainda era dos mineiros. Mas a casa caiu de vez cinco minutos depois, com Dayro Moreno aproveitando o rebote de uma bola na trave.
Os cruzeirenses precisavam de um gol, mas o time se mostrava perdido e as vaias da torcida aumentaram a pressão. A arbitragem também prejudicou, anulando um gol legal de Gilberto. E a cena mais emblemática ficaria para o fim. Rentería infernizava a zaga, ensaiando o terceiro. Antes da cobrança de um lateral, quando o atacante foi pegar a bola, Cuca deixou o cotovelo e acertou o rosto do adversário. Lance patético, que ainda contou com uma explicação esfarrapada do treinador, sem convencer qualquer um. Cuca deixaria o time em junho. Joel Santana, Emerson Ávila e Vagner Mancini passaram durante o claudicante Brasileiro, que só não terminou em rebaixamento graças à goleada por 6 a 1 sobre o Atlético Mineiro na rodada final. O Once Caldas, por sua vez, seria batido pelo Santos nas quartas. O Peixe também despachou o Peñarol na decisão, antes de celebrar o tri.
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