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Benfica x Sporting – Dérbi de Lisboa

Benfica Sporting Dérbi de Lisboa

Por Guilherme Diniz

A rixa: além de ser um duelo que para a capital portuguesa, ele é também interligado ao nascimento do futebol no próprio país. Começou no início dos anos 1900, quando oito jogadores do então conhecido Sport Lisboa (fundado em 1904) abandonaram o clube em busca de melhores condições de trabalho e um campo digno para treinar. Eles foram parar no Sporting (fundado em 1906) e, no primeiro jogo entre os clubes lisboetas, em 1907, eis que os mesmos oito jogadores abastados estavam lá, com a camisa do Sporting, para enfrentar o Sport Lisboa (Benfica). E os leões venceram por 2 a 1 com direito a gol contra de ninguém mais ninguém menos que Cosme Damião, o fundador do Benfica (!). Nascia ali um dos confrontos mais emblemáticos e intensos do futebol português, que envolve não apenas dois dos clubes mais populares e vitoriosos de Portugal, mas também uma rivalidade histórica, social e até ideológica, que remonta a mais de um século.

Quando começou: no dia 1º de dezembro de 1907, na vitória do Sporting sobre o Sport Lisboa por 2 a 1, pelo Campeonato de Lisboa.

Maior artilheiro: Fernando Peyroteo (Sporting) – 48 gols

Quem mais venceu: Benfica – 139 vitórias (até abril / 2025). O Sporting venceu 115. Foram 70 empates.

Maiores goleadas: Sporting 7×1 Benfica, 14 de dezembro de 1986

Benfica 7×2 Sporting, 28 de abril de 1948

Sporting 6×1 Benfica, 16 de fevereiro de 1947

Benfica 0x5 Sporting, 18 de outubro de 1936

Benfica 5×0 Sporting, 03 de dezembro de 1939

Benfica 0x5 Sporting, 14 de dezembro de 1941

Benfica 5×0 Sporting, 19 de novembro de 1978

Benfica 5×0 Sporting, 12 de março de 1986

Pouco menos de três quilômetros separam os estádios da Luz (Benfica) do José Alvalade (Sporting). Do alto, quando se chega de avião ao principal aeroporto da capital portuguesa, é possível ver as imponentes casas dos maiores clubes da cidade. Um, em verde reluzente, expressa o orgulho do Sporting. O outro, em vermelho, a paixão exacerbada dos benfiquistas. Essa proximidade explica bem o tamanho da rivalidade entre Benfica e Sporting, clubes que são a mais pura síntese do futebol em Lisboa por mais de um século. Falar de um e de outro é falar sobre a própria evolução do esporte no país, afinal, os principais craques de Portugal começaram a brilhar exatamente por Benfica e Sporting. O que seria da Seleção das Quinas sem Eusébio (Benfica), Mário Coluna (Benfica), Luís Figo (Sporting) e Cristiano Ronaldo (Sporting), isso só para citar os maiores? É simplesmente impensável! E, ao longo dos anos, águias e leões ajudaram a construir momentos únicos não só em Lisboa, mas em todos os cantos do país e até na Europa, com glórias marcantes dos gigantes nas competições da UEFA. É hora de conhecer mais sobre o Dérbi de Lisboa.

A vingança dos que se foram

Derbi de Lisboa
Francisco Stromp e Cosme Damião, lendas do Sporting e do Benfica, no começo dos anos 1900.
 

Em 28 de fevereiro de 1904, nascia na capital o Sport Lisboa, fruto da união de ex-alunos da Casa Pia de Lisboa e de Cosme Damião, que fundaram o clube com os dizeres em latim “E pluribus unum” (“de muitos, um”), para enfatizar a união daqueles associados e o espírito familiar presente no clube, que não tinha características políticas e nascia da diversidade social, no qual encontrávamos pessoas de classe média alta, classe baixa e órfãos. Mais tarde, em 1908, passando por dificuldades financeiras, o Sport Lisboa se uniu ao Sport Clube de Benfica, criado em 1906 na capital lisboeta. A união fez com que o Sport Lisboa cedesse suas cores, símbolos, jogadores e escudo ao Benfica, e, com isso, o nome do clube passaria a ser Sport Lisboa e Benfica tal qual conhecemos hoje.

Nesse período, começava a surgir o Sporting Clube de Portugal, que teve suas origens na fundação do Belas Football Clube em 1902, por iniciativa de dois irmãos, Francisco e José Horta Gavazzo. Dois anos depois, após divergências internas, alguns sócios do Belas FC, incluindo José Alvalade, fundaram o Campo Grande Football Clube, que tinha não só o futebol como modalidade, mas também tênis, corridas e saltos, o que gerou conflitos com alguns membros que entendiam que a prática desportiva deveria ser a sua principal vocação.

Por isso, em 1906, José Alvalade liderou a fundação de um novo clube e utilizou a herança financeira seu avô materno, o 1º Visconde de Alvalade, Dr. Alfredo Augusto das Neves Holtreman, que tutelou a criação do Sporting e disponibilizou os terrenos para o campo de jogos na Quinta das Mouras. O Sporting Clube de Portugal nasceu oficialmente em 1º de julho de 1906, tradicionalmente ligado a setores mais elitistas da sociedade lisboeta em seus primórdios. Seu símbolo é o leão e o lema “Esforço, Dedicação, Devoção e Glória”.

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Curiosamente, foi em 1906 que começaram os acontecimentos que levariam ao nascimento do Dérbi de Lisboa. Meses antes da primeira partida entre Benfica e Sporting, oito jogadores encarnados haviam trocado a águia pelo leão, em busca de melhores condições financeiras e desportivas que eles só encontraram no Sporting. Entre os dissidentes estava José da Cruz Viegas, nada menos que o responsável pela adoção da cor vermelha pelo Sport Lisboa. Aquela desfeita jamais foi aceita nas bandas benfiquistas e eles já trataram o Sporting como “o rival” da cidade. E, no primeiro jogo entre a dupla, em 1º de dezembro de 1907, no Campo da Quinta Nova, em Carcavelos, então casa benfiquista, o Sporting entrou em campo com os oito dissidentes do Benfica, o que apimentou ainda mais a partida. 

Quando a bola rolou, Cândido da Silva Rosa abriu o placar para os leões, até que Eduardo Corga empatou para os encarnados. A partida teve que ser interrompida por causa de uma forte chuva e, quando voltou, o Sporting chegou à vitória da melhor maneira possível: um gol contra de Cosme Damião, figura mítica do Benfica e fundador do clube. A vitória por 2 a 1 foi celebrada sem moderação pelos alviverdes, enquanto o lado encarnado não escondeu a frustração. Com tantas particularidades, não havia como negar que aquele jogo tinha vocação para ser gigante. Como de fato seria.

Os primeiros jogos e as identidades

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Jorge Vieira (Sporting) e Alberto Rio (Benfica).
 

A partir daquele encontro inicial, os duelos entre Benfica e Sporting tiveram muita rivalidade e brigas, mais até do que o outro grande clássico do país, entre Benfica e Porto. Em 18 de julho de 1911, o Sporting não deixou o Benfica entrar em seu estádio por dizer que o rival “não era digno” de pisar ali. Foi uma represália ao jogo anterior entre os rivais, que teve batalha campal e o árbitro encerrando o jogo antes do apito final. A Associação de Futebol de Lisboa remarcou a partida, mas de novo os leões não abriram as portas de seu campo e foram punidos por isso. Em campo, o Benfica deu o troco ao emendar três títulos consecutivos do Campeonato de Lisboa entre 1911-1912 e 1913-1914, com o Sporting vice em 1912-1913.

Só em 1914-1915 que os leões levantaram seu primeiro título da competição, com o Benfica como vice. Uma curiosidade é que nesse período o Benfica construiu sua maior invencibilidade na história diante do Sporting ao permanecer 14 jogos sem perder: 13 vitórias e um empate entre outubro de 1908 e janeiro de 1915, com direito a uma goleada do Benfica de 4 a 0 sobre o Sporting na casa do rival. Jamais o clássico teve uma hegemonia tão grande.

Em 1918-1919, um novo caso polêmico agitou o clássico. Alberto Rio, um dos melhores jogadores do Benfica na época, foi suspenso por seis meses por ter falhado em alguns jogos, porém, sem justificativa concreta da diretoria. Com isso, ele foi contratado pelo Sporting, para a fúria dos encarnados, que viram Rio estrear com a camisa verde e branca em 07 de julho de 1918. Isso motivou confrontos tensos entre a dupla no Campeonato de Lisboa, que terminou com uma final entre águias e leões. O nível de tensão era tão grande que, no primeiro jogo da final, o árbitro não compareceu por medo (!), sendo substituído em cima da hora. O Sporting acabou vencendo os dois jogos finais – 1 a 0 e 2 a 1 – e levantou seu segundo campeonato, o primeiro em uma final envolvendo os rivais. Alberto Rio não jogou em nenhum dos jogos e escapou das brigas dentro e fora de campo que marcaram aqueles duelos.

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Nas décadas seguintes, o dérbi passou a envolver cultura, identidade, bairros, famílias divididas, e até preferências políticas e sociais. Dificilmente adeptos se misturavam e todo jogo era um verdadeiro acontecimento, principalmente quando a Federação Portuguesa de Futebol criou a Taça de Portugal (na época chamada de Campeonato de Portugal), em 1921-1922, abrindo a era nacional dos torneios do país. Em 1927-1928, o Benfica levantou seu primeiro Campeonato de Lisboa em uma final contra o Sporting, no Estádio do Lumiar, ao vencer por 3 a 0. Em 1934-1935, os rivais decidiram a Taça de Portugal pela primeira vez e o Benfica saiu campeão ao derrotar os leões por 2 a 1.

O troco alviverde veio já em 1937-1938, quando o Sporting bateu o Benfica na final da Taça de Portugal por 3 a 1 e ficou com o caneco. Um pouco antes, em 1934-1935, os rivais se enfrentaram na primeira edição do Campeonato Português e o Sporting segurou o empate em 1 a 1 na casa benfiquista, no turno, e venceu por 3 a 1 o returno, em casa. No entanto, o Benfica saiu vitorioso nos cinco jogos seguintes nos torneios de 1935-1936 até 1937-1938, com direito a uma goleada de 5 a 1 em 1936-1937.

Cinco Violinos

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Os músicos da bola do Sporting: Jesus Correia, Vasques, Peyroteo, Travassos e Albano.
 

Foi nos anos 1940 que o clássico ganhou ainda mais histórias quando o Sporting encantou o país com o esquadrão que tinha no ataque o quinteto Correia, Vasques, Peyroteo, Travassos e Albano, conhecidos como “Os Cinco Violinos”, os mais devastadores atacantes da história do futebol português. Com eles em campo, o Sporting foi o primeiro tricampeão da era moderna do campeonato nacional, além de levantar duas Taças de Portugal e dois campeonatos de Lisboa, torneio que teve sua última edição em 1947 (com o Sporting campeão) e terminou com o Sporting como maior campeão histórico (18 troféus), com o Benfica em segundo lugar (10 troféus). 

Na temporada 1946-1947, o Sporting viveu um de seus melhores momentos daquela era de ouro ao golear o Benfica por 6 a 1, com três gols de Travassos, um de Vasques, um de Peyroteo e outro de Albano, vitória que embalou de vez a equipe alviverde em busca do título. Falando em Peyroteo, o craque se transformou no maior artilheiro da história do dérbi com impressionantes 48 gols em 52 partidas.

Na temporada 1947-1948, o clássico ganhou um novo capítulo polêmico. Após vencer o Olhanense, em casa, por 3 a 2, e bater o Braga, fora, por 3 a 1, o Sporting empatou em 4 a 4 com Os Belenenses e foi para a 22ª rodada precisando vencer o Benfica, fora de casa, se quisesse manter suas chances de título. O rival vermelho estava dois pontos à frente e ainda tinha a vantagem do triunfo por 3 a 1 no primeiro turno em plena casa leonina, fato que ainda causava dores de cabeça na torcida e enorme pressão por parte da diretoria. Para piorar, um diretor do Sporting teria dito nas vésperas do jogo que Cândido de Oliveira, técnico do Sporting, era “benfiquista”, e armaria uma tática suicida para sacramentar o título do rival. Oliveira ouviu tudo calado e armou seu time da mesma maneira que já estava acostumado, com seus “violinos” devidamente afinados.

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Peyroteo em ação: craque foi o alicerce para a construção de um time histórico.
 

Jogando no estádio Estância de Madeira, o Sporting mostrou sua força e goleou por 4 a 1, com quatro gols de Peyroteo, resultado que calou as críticas, devolveu a liderança aos leões e mostrou que Cândido de Oliveira podia até ter um passado benfiquista, mas era fiel ao seu Sporting. Em meio à festa, Oliveira ameaçou se demitir como resposta ao tal dirigente, mas voltou atrás depois que o autor da fatídica frase se desculpou e ofereceu até seu cargo em troca da permanência do treinador. Ambos ficaram, o Sporting manteve a pegada competitiva e foi campeão.

Vale lembrar que mesmo durante a era de ouro do Sporting, o Benfica venceu o rival de maneira categórica em várias ocasiões: um 5 a 4 em 1943-1944; um 4 a 1 em 1944-1945 e a maior goleada encarnada na história do clássico: 7 a 2, em 1945-1946, com shows de Arsénio (3 gols) e Mário Rui (3 gols). Por outro lado, o Sporting construiu entre 1945 e 1946 sua maior invencibilidade no clássico: cinco jogos, com cinco vitórias. Entre 1939 e 1958, o Sporting se consolidou como maior campeão de Portugal com 10 títulos. Para coroar um período histórico, o clube alviverde inaugurou em 1956 o Estádio José Alvalade, dois anos após a inauguração do Estádio da Luz, do Benfica.

A Era Eusébio

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Eusébio e Guttmann: símbolos de uma era de ouro do Benfica.
 

O maior ídolo da história do Benfica ficou muito perto de assinar com o Sporting nos anos 1960. Ainda nos 1950, Eusébio era apenas um jovem talento moçambicano que despontava no Sporting de Lourenço Marques (atualmente Clube Ferroviário), equipe filiada ao Sporting e com ligação direta ao clube de Lisboa. Com apenas 15 anos, Eusébio já chamava atenção pelo seu talento bruto, força, velocidade e faro de gol. Naturalmente, parecia lógico que ele fosse rumar ao Sporting CP, seguindo o caminho de outros talentos das colônias portuguesas. O Sporting de Lisboa tinha a prioridade — ou ao menos a expectativa — de contratá-lo primeiro. A ligação entre os clubes era forte, e muitos viam Eusébio como uma “promessa garantida” para os leões.

Mas o Benfica, atento ao mercado e com um olho clínico para talentos, entrou na jogada de forma ousada. O principal responsável foi José Carlos Bauer, ex-jogador brasileiro, que viu Eusébio em ação em Moçambique e se encantou. Ele queria levar o moçambicano para o São Paulo, mas a diretoria tricolor disse que “não valia o investimento”. Na sequência, ele avisou o técnico Béla Guttmann, que havia treinado o SPFC nos anos 1950 e treinava o Benfica, que se moveu rapidamente. Isso gerou uma verdadeira batalha fora de campo para ver quem ficaria com a joia. Os dirigentes do Benfica, então, decidiram buscar o garoto no aeroporto em 1960, falar com sua mãe e leva-lo às escondidas para o clube, ganhando a disputa com o Sporting, um verdadeiro “sequestro” que ficou conhecido como o “rapto de Eusébio”. 

O Sporting contestou a validade da transferência, alegando vínculos do jogador com sua estrutura em Moçambique. O caso quase foi parar na justiça desportiva. Mas, no fim, o Benfica venceu a disputa tanto no papel quanto dentro de campo. Depois de alguns dias de angústia e escondido, Eusébio recebeu a notícia que já estava devidamente contratado e efetivado junto à federação. Bem, o resto é história: o Pantera Negra virou o estandarte da era mais vitoriosa e dominante do Benfica em todos os tempos e conduziu o Benfica a vários títulos nacionais e ao bicampeonato europeu em 1962, com uma atuação lendária na final vencida por 5 a 3 sobre o Real Madrid.

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Eusébio, Guttmann, Coluna e a taça: tempos lendários do Benfica.
 

Por mais de uma década vestindo o vermelho do Benfica, Eusébio foi o maior terror do Sporting ao marcar 27 gols nos leões. Entre os grandes clássicos, destaque para a série de 7 vitórias seguidas do Benfica no Campeonato Português entre 1971 e 1974, quando o Pantera anotou 10 gols, incluindo todos os quatro gols na vitória por 4 a 1 de 1972-1973. Com Eusébio, o Benfica venceu impressionantes 11 títulos portugueses, 5 Taças de Portugal, 9 Taças de Honra de Lisboa e ainda a Copa dos Campeões da Europa de 1962 (o clube venceu também a de 1961, mas ainda sem Eusébio no time principal). 

Embora tenha sofrido bastante contra o rival, o Sporting foi o único a duelar em igualdade contra os encarnados nos anos 1960 e parte dos anos 1970. O Benfica venceu 14 campeonatos nacionais entre 1959 e 1977, mas foi o Sporting o clube responsável por impedir uma hegemonia completa dos encarnados ao vencer 4 campeonatos e 4 taças de Portugal no período. Uma história curiosa aconteceu na temporada 1961-1962. Aproveitando o foco do Benfica na Copa dos Campeões, o Sporting dominou o Campeonato Português desde o início e não deixou os rivais atrapalharem seu caminho, exceto o Porto. A equipe lisboeta perdeu pontos longe de seus domínios, mas o Porto também tropeçou bastante e a diferença entre a dupla nunca foi longa. E, na última rodada, o Sporting teve pela frente justamente o rival Benfica, que não tinha mais chances de título, mas já ostentava o bicampeonato europeu conquistado diante do Real Madrid em um épico 5 a 3

Claro que os encarnados, embora “de ressaca”, queriam impedir a festa dos rivais, ainda que o outro rival, o Porto, também pudesse ser campeão em caso de vitória do Benfica e triunfo dos dragões. Jogando em casa, o Sporting foi a campo disposto a acabar com a seca de troféus e fazer a festa dos mais de 60 mil torcedores, que ocuparam até a pista de atletismo diante da falta de espaços nas arquibancadas! No primeiro tempo, os leões se impuseram em campo e abriram 2 a 0, com gols de João Morais e Hugo. Eusébio ainda reduziu, mas um gol contra do goleiro Costa Pereira, aos 40’, aumentou a vantagem para 3 a 1.

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Na segunda etapa, a torcida começou a celebrar o título porque, de Guimarães, chegava a notícia de que o Porto estava perdendo. Sem grandes ações, o jogo terminou mesmo 3 a 1 e a festa eclodiu no José Alvalade. Até os craques do Benfica foram erguidos aos ombros pelos alviverdes, em uma grande festa pelo título nacional do Sporting e o bicampeonato europeu do Benfica, triunfos que geraram um orgulho enorme para o futebol português na época e para a cidade de Lisboa. Eusébio, Cavém e José Augusto, todos do Benfica, foram ao vestiário leonino felicitar os novos campeões, em um então inédito momento sem brigas e respeito.

Tempo depois, o clube alviverde ainda venceu a Recopa da UEFA de 1964, primeiro e único grande torneio continental dos leões em sua história. Em 1965-1966, temporada de um de seus títulos nacionais, o Sporting ainda venceu o Benfica por 4 a 2 em pleno Estádio da Luz com quatro gols de João Lourenço. Já nos anos 1970, o Sporting conquistou duas Taças de Portugal em finais contra o Benfica, em 1970-1971 e 1973-1974, enquanto os encarnados saíram vitoriosos nas finais de 1969-1970 e 1971-1972.

Anos 1980 e 1990 – A sarrafada e novas rixas

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Após uma era dourada do Benfica, o clássico viveu certo equilíbrio no começo dos anos 1980, com destaque para os seis jogos de invencibilidade do Sporting diante do rival no Campeonato Português. Em 1980 e 1987, a dupla decidiu a Supertaça de Portugal e cada um venceu uma vez: o Benfica saiu campeão em 1980 (2 a 2 e 2 a 1) e o Sporting foi campeão em 1987 (3 a 0 e 1 a 0). Na temporada 1986-1987, os águias conquistaram a Taça de Portugal com triunfo por 2 a 1 sobre o Sporting no Estádio Nacional, mas os leões nem ligaram. Motivo? Foi naquela temporada que aconteceu a maior goleada do Sporting na história do clássico: um 7 a 1 inesquecível no José Alvalade, com quatro gols de Manuel Fernandes, dois gols de Mário Jorge e um gol de Ralph Meade.

O curioso é que o Benfica tinha um timaço na época e foi campeão português com apenas uma derrota: justamente essa para o rival. “Nos últimos quinze minutos senti que em vez de sete golos podiam ter sido oito, nove, dez ou onze, porque o Benfica, que na altura liderava o campeonato, era uma equipa entregue e sem reação. Nós vamos morrer todos e este resultado vai ficar para sempre”, confessou Manuel Fernandes, anos depois. 

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Manuel Fernandes, carrasco do Benfica na sarrafada dos 7 a 1. Foto: Acervo / CD Nacional
 

Durante a goleada, os torcedores do Benfica, revoltados, fizeram uma fogueira na Superior Norte do José Alvalade, alimentada com bandeiras, cachecóis e cartões de sócio do seu próprio clube. Essa “deserção” também ficaria na história para os sportinguistas, pois foi o exemplo da diferença entre si próprios, fiéis nas boas e nas más horas, e os seus rivais, que queimaram os símbolos do clube no único momento de adversidade ocorrido durante uma época vitoriosa, na qual o Benfica venceu vários títulos nacionais e ainda alcançaram os vice-campeonatos das Ligas dos Campeões da UEFA de 1988 e 1990.

Após a sarrafada, o Benfica permaneceu 11 jogos sem perder para o rival no Campeonato Português. No começo dos anos 1990, a dupla passou por momentos complicados no âmbito financeiro, enquanto o Porto colecionava títulos nacionais. Em 1993-1994, aconteceu uma nova desavença entre as diretorias conhecida como “Verão Quente de 1993”. Aproveitando a fragilidade econômica do rival, o Sporting, liderado pelo presidente Sousa Cintra, contratou Paulo Sousa e Pacheco, que haviam rescindido com o Benfica por causa de salários atrasados. Os leões ainda tentaram contratar os jovens Rui Costa e João Vieira Pinto, mas sem sucesso.

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Rui Costa no início dos anos 1990. Foto: alcheron.com
 
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Luís Figo, craque do Sporting nos anos 1990.
 

O troco do Benfica veio em campo: no turno daquele campeonato, venceram no Estádio da Luz por 2 a 1 e, no returno, em pleno José Alvalade, impedindo que os leões assumissem a liderança em uma tarde de muita chuva graças a uma exibição notável justamente de João Vieira Pinto, autor de três gols na vitória por 6 a 3 que abriu definitivamente o caminho para o título encarnado e aumentou o jejum do Sporting, que não vencia a competição desde 1982. Um dos gols do Sporting foi de Luís Figo, principal revelação dos leões na década de 1990 e que permaneceu no clube até 1995, ano em que venceu a Taça de Portugal pelos leões e assinou com o Barcelona ao término da temporada.

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Na década de 1990, os clássicos começaram a ficar tensos por causa das brigas entre torcidas, o que passou a exigir mais policiamento. Um caso grave aconteceu na final da Taça de Portugal de 1996 – vencida pelo Benfica por 3 a 1 no Jamor -, quando o torcedor do Sporting Rui Mendes faleceu após ser atingido por um sinalizador (conhecido como “Very Light”) lançado pela torcida do Benfica. A polícia conseguiu identificar o agressor, Hugo Inácio, que foi condenado a quatro anos de prisão por homicídio, pena inferior à que era pedida pelo Ministério Público. Inácio viria a fugir da prisão em 2000 e só foi capturado mais de uma década depois, em 2011.

Esse caso marcou a ascensão dos “ultras” tanto na torcida do Benfica quanto na do Sporting, e os clássicos passaram a ter um nível de tensão muito grande naquele final de anos 1990 e início dos anos 2000. Um fato deplorável é que, algumas vezes, alguns “torcedores” do Benfica levaram faixas em dia de clássico contra o Sporting com os dizeres “Very Light 96”, em alusão à tragédia, algo sempre repudiado pela própria e real torcida do Benfica e pela direção do clube. 

Século XXI: equilíbrio e retomada encarnada

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Estádio da Luz…
 
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…Estádio José Alvalade…
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…E a vista aérea de ambos.
 

O novo milênio marcou as reinaugurações dos estádios da Luz e José Alvalade, palcos da Eurocopa de 2004 e que se transformaram em atrações marcantes na capital. Próximos e muito bonitos, as casas de Benfica e Sporting viraram símbolos dos maiores titãs de Lisboa e da retomada por novos tempos de glórias. Entre 2000 e 2005, a dupla faturou três campeonatos nacionais (duas do Sporting e um do Benfica), duas Taças de Portugal (uma para cada) e três Supertaças (duas para o Sporting e uma para o Benfica). Em 2002, um jovem Cristiano Ronaldo disputou seu primeiro (e único) dérbi da carreira, pelo Campeonato Português, mas o Sporting acabou derrotado por 2 a 0 pelo Benfica. Ronaldo jogou por mais de 50 minutos e foi substituído no segundo tempo. Ele deixaria o Sporting já na época 2003-2004 para jogar no Manchester United.

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CR7 em ação no seu único Dérbi.
 

Embora o Porto tenha vivido melhores momentos com títulos continentais, o Dérbi de Lisboa seguiu acirrado e com alternâncias de vitórias do lado leonino e do lado encarnado. Foram jogos eletrizantes e marcantes, como o empate de 3 a 3 na Taça de Portugal de 2004-2005 (com vitória nos pênaltis do Sporting por 7 a 6), os 5 a 3 do Sporting também pela Taça de Portugal, mas na semifinal de 2007-2008 e os 4 a 3 do Benfica na Taça de Portugal de 2013-2014, com três gols de Cardozo. Em 2015, os rivais fizeram a final da Supertaça de Portugal, a primeira decisão no torneio entre a dupla desde 1987, e o Sporting foi campeão jogando em casa, ao vencer por 1 a 0. O troco encarnado veio em 2019, e com juros: goleada de 5 a 0 na final da Taça de Portugal, em gols de Pizzi (2), Rafa, Grimaldo e Chiquinho.

Os mais recentes duelos decisivos foram na Taça da Liga, com um título para cada lado nas finais de 2022 (Sporting) e Benfica (2025). Com mais de um século de história, o Dérbi de Lisboa é um dos maiores clássicos do futebol e verdadeiro patrimônio do desporto português. Um encontro de titãs e paixões que transcende a Luz, o Alvalade e as ruas da capital. É um jogo que se vive,  intensamente, desde 1907.

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Curiosidades:

  • Em finais de campeonatos, o Benfica saiu campeão em 11 torneios diante do rival. Já o Sporting saiu campeão em 9 oportunidades;
  • O Benfica leva vantagem no histórico do duelo, mas o Sporting tem a dianteira em jogos válidos pela Taça de Portugal: em 39 jogos, são 20 vitórias alviverdes, 16 encarnadas e 3 empates;
  • O Sporting leva vantagem também na Supertaça de Portugal: são 3 vitórias dos leões contra 2 dos águias, além de um empate;
  • Ao longo do tempo, o Dérbi de Lisboa é um dos raros clássicos onde o empate não prevalece. Quase sempre temos um vencedor, a ver pelo retrospecto do começo deste texto, que mostra que cada um já venceu mais de uma centena de partidas.
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