Por Guilherme Diniz
A vitória da Arábia Saudita sobre a Argentina por 2 a 1, no dia 22 de novembro, na estreia de ambas as seleções pelo Grupo C da Copa do Mundo de 2022, entrou direto para a lista das maiores zebras da história das Copas. Acontece que o triunfo árabe não foi o primeiro nem o último “choque” causado no maior torneio do futebol. Ao longo desses quase 100 anos de Mundiais, já vimos zebras impressionantes, dignas de filmes. Vamos conferir algumas das mais marcantes.
Sumário
Argentina 1×2 Arábia Saudita – 2022
Claro que começamos com a mais recente, que quebrou muito bolão por aí. A Argentina, favorita ao título e invicta há 36 jogos, começou com tudo o primeiro tempo e abriu o placar com o craque Messi. Depois, o time sul-americano ainda marcou três gols, mas todos anulados por causa de impedimentos causados pela estratégia da linha adiantada de marcação da Arábia, executada com precisão pelos jogadores muito bem treinados pelo experiente técnico francês Hervé Renard – campeão da Copa Africana de Nações por Costa do Marfim, em 2015, e por Zâmbia, em 2012. Essa tática enervou os argentinos, que passaram a errar muitos passes e demonstraram impaciência com aquela situação que claramente eles não esperavam.
E, em um início de segundo tempo fulminante, a Arábia Saudita virou o placar com dois belos gols em cinco minutos, anotados por Al-Shehri e Al-Dawsari. A partir dali, o jogo ganhou uma dramaticidade absurda, com a Argentina tentando o empate, enquanto a Arábia assustava em contra-ataques e mostrava uma segurança impressionante com sua marcação, bem diferente dos times frágeis que disputaram outros Mundiais. Depois de mais de 12 minutos de acréscimos, defesas milagrosas e zagueiro tirando gol em cima da linha, a Arábia venceu e acabou com a invencibilidade argentina. Um jogo direto para a história – e que fez com que o governo saudita decretasse feriado nacional no país!
Alemanha 0x2 Coreia do Sul – 2018
Então campeã mundial e favorita ao penta, a Alemanha entrou na última rodada de seu grupo precisando de uma vitória para garantir a classificação, já que a Nationalelf perdeu para o México a partida de estreia e só venceu a Suécia, no segundo jogo, com um gol de falta no último minuto do meio-campista Toni Kroos. Todos achavam que os sul-coreanos seriam goleados pelos alemães, mas… O zero não saiu do placar até os 93 minutos, quando Kim Young-gwon recebeu a bola após cobrança de escanteio, chutou, a bola desviou em Neuer e entrou no gol. O lance ainda foi checado pelo VAR antes de sacramentar o 1 a 0. Como desgraça pouca é bobagem, a Alemanha, enquanto atacava desesperadamente com Neuer jogando na linha, perdeu a bola e Son aproveitou um ataque para tocar para o gol vazio e abandonado: 2 a 0. Pela primeira vez, a Alemanha estava fora de uma Copa já na fase de grupos. A Coreia do Sul também não se classificou, mas terminou à frente da Alemanha, amargurada na lanterna…
Espanha 0x1 Suíça – 2010
Campeã europeia em 2008 e favorita ao título mundial em 2010, a Espanha estreou cercada de expectativas para a Copa da África do Sul. O time reunia grandes craques como Casillas, Puyol, Xavi, Iniesta, Xabi Alonso e David Villa e havia vencido os 10 jogos das Eliminatórias. Mas, contra a Suíça, a equipe de Vicente del Bosque perdeu por 1 a 0 e levantou enormes medos em seus torcedores, que temiam por uma precoce eliminação como ocorrido na Copa de 1998. Porém, a Fúria conseguiu se recompor, venceu todos os jogos seguintes e ficou com o título mundial.
França 0x1 Senegal – 2002
No dia 31 de maio de 2002, mais de 62 mil pessoas lotaram o Seoul World Cup Stadium, na Coreia do Sul, para ver o confronto inaugural da Copa do Mundo entre França e Senegal. O duelo colocava frente a frente uma ex-colônia diante de seus colonizadores, campeões de tudo nas temporadas anteriores (da Copa de 1998, da Euro de 2000 e da Copa das Confederações de 2001) e favoritíssimos ao título (ao lado da Argentina). Mesmo sem Zidane, machucado, os franceses transbordavam craques e davam ao duelo uma discrepância gigantesca. Muitos acreditavam que Senegal perderia de goleada. Outros, de pouco. Mas ninguém apostava em uma vitória dos africanos. Com exceção de Bruno Metsu e seus onze bravos jogadores.
Um fato curioso é que 21 dos 23 jogadores convocados por Metsu jogavam no futebol francês e o próprio treinador era francês. Jogando com enorme confiança e sem temor algum dos campeões mundiais, os senegaleses atormentaram a zaga francesa desde o primeiro minuto, com rápidas investidas do habilidoso Diouf entre os zagueiros Lebouef e Desailly, mas quase todas em impedimento. A França, por outro lado, não encontrava espaços no esquema armado por Metsu e tinha que apelar para os chutes de fora da área, que não levavam perigo ao goleiro Sylva, com exceção de um disparado por Trezeguet que carimbou a trave.
Dominando o meio de campo com uma autoridade exemplar, Senegal encontrou seu primeiro gol aos 31´, quando Diouf disparou em velocidade pela esquerda e cruzou na área para Papa Bouba Diop chutar duas vezes antes de mandar para o gol de Barthez: 1 a 0. Como de praxe, a comemoração teve dancinha e o carisma natural dos africanos. O gol pareceu um golpe de sorte para alguns, mas o jogo seguiu com Senegal muito bem postado, devidamente entrosado e levando perigo em contra-ataques. No segundo tempo, Fadiga ainda mandou uma bola no travessão de Barthez, mas o jogo ficou mesmo em 1 a 0. Senegal seguiu na Copa e alcançou as quartas de final. Já a França foi eliminada ainda na fase de grupos e sem marcar um golzinho sequer…
Coreia do Sul 2×1 Itália – 2002
A Copa de 2002 foi, sem dúvida, a com maiores erros de arbitragem da história. E a maioria foi a favor da anfitriã Coreia do Sul, que conseguiu eliminar a forte Itália de Totti nas oitavas de final daquele ano. No começo do jogo, o árbitro marcou pênalti discutível para os sul-coreanos, mas Buffon defendeu. Tempo depois, Vieri abriu o placar e a Azzurra teve algumas chances para matar o jogo, mas desperdiçou-as. Até que, aos 43’ do segundo tempo, Seol Ki-Hyeon marcou o gol de empate e levou o jogo para a prorrogação.
Nela, Totti sofreu um pênalti claríssimo e acabou sendo expulso por simulação pelo árbitro Byron Moreno – que admitiu o erro tempo depois e foi até preso por porte de drogas, em 2010 (!). Com um a menos, a Itália continuou no ataque e fez o Gol de Ouro com Tommasi, mas o tento foi anulado por impedimento – que não existiu. Aos 10’ do segundo tempo da prorrogação, Ahn Jung-Hwan cabeceou e decretou a classificação sul-coreana. Foi zebra, mas uma “zebra construída” por uma das mais escandalosas arbitragens da história das Copas.
Bélgica 0x1 Arábia Saudita – 1994
Com Preud’homme, Enzo Scifo, Van der Elst e Marc Wilmots, a Bélgica era uma das favoritas à classificação para as oitavas de final em seu grupo, que tinha também Holanda, Marrocos e Arábia Saudita, esta uma estreante naquele Mundial. Pois chegou a última rodada e tanto sauditas quanto belgas tinham chances de classificação. E, com um gol de Al-Owairan logo aos 5’ do primeiro tempo, a Arábia Saudita venceu por 1 a 0 e se classificou em segundo lugar, atrás apenas da Holanda, garantindo vaga entre as 16 melhores da Copa logo em sua estreia. A Bélgica ainda conseguiu se classificar como uma das melhores terceiras colocadas, mas ficar atrás da inexpressiva Arábia na época foi bem amargo para o time europeu. Ambas as seleções foram eliminadas nas oitavas de final.
Romênia 3×2 Argentina – 1994
Já desfalcada de Maradona por causa de doping, mas ainda muito forte com Ruggeri, Sensini, Redondo, Simeone, Ortega, Balbo e o artilheiro Batistuta, a Argentina era favorita diante da Romênia nas oitavas de final da Copa de 1994. A equipe europeia foi para o jogo cautelosa, com um zagueiro a mais. A tática prevenia sustos dos argentinos e dava mais liberdade para a criação da lenda Hagi no meio de campo. E os mais de 90 mil torcedores no Rose Bowl viram uma partida histórica naquele dia 03 de julho de 1994. A Romênia parecia jogar com uma maturidade tremenda e contra uma seleção qualquer do leste europeu, sem sentir pressão alguma. Logo aos 11´, Dumitrescu bateu uma falta magistral do canto esquerdo do campo e marcou um golaço: 1 a 0.
Aos 16´, a Argentina empatou de pênalti com Batistuta. Apenas dois minutos depois, Dumitrescu tabelou com Hagi na direita e marcou mais um lindo gol: 2 a 1. A Romênia dominava o jogo e queria mais, obrigando o goleiro argentino Islas a operar verdadeiros milagres. No segundo tempo, o nervosismo começou a aparecer na Argentina, que teve três jogadores advertidos com cartão amarelo. Já a Romênia seguia jogando o fino, com Dumitrescu e Hagi simplesmente irresistíveis.
E aos 13´, a dupla voltou a aprontar. Dumitrescu roubou a bola no meio de campo e iniciou um contra-ataque mortal. Ele foi avançando até encontrar o companheiro Hagi livre na direita. Dumitrescu só rolou e o maestro da camisa 10 fuzilou: 3 a 1. Que jogo fazia a Romênia! E quantos golaços numa só partida! A Argentina quis atrapalhar o show romeno com mais um gol, marcado por Balbo aos 30´, mas era tarde: Romênia 3×2 Argentina.
Os europeus estavam pela primeira vez na história em uma etapa de quartas de final da Copa do Mundo. Ninguém parecia acreditar que a toda poderosa Argentina estava eliminada por uma seleção com pouquíssima tradição no futebol. Mas estava. E sem apelação, apenas com a beleza do futebol de Hagi e, principalmente, de Dumitrescu, que teve uma atuação de gala naquele jogo com dois gols e uma assistência.
Bulgária 2×1 Alemanha – 1994
Nas quartas de final da Copa dos EUA, ninguém acreditava em mais uma zebra. A Alemanha, então tricampeã mundial e com craques como Illgner, Kohler, Buchwald, Hässler, Matthäus, Völler e Klinsmann, era favorita ao extremo para aquele jogo contra a Bulgária no Giants Stadium, mesmo palco onde a equipe de Stoichkov havia vencido o México nos pênaltis cinco dias antes. Depois de um primeiro tempo morno, logo aos dois minutos da segunda etapa, o capitão alemão Matthäus marcou de pênalti o primeiro gol do jogo. Pronto. Ali era o início do fim da Bulgária, que não teria forças debaixo daquele sol escaldante para virar a partida contra os sempre competitivos e precisos alemães.
Mas… Quem disse que não? Aos 30 minutos, cobrança de falta para a Bulgária. Stoichkov bateu e provou mais uma vez que estava iluminado nos EUA: golaço e 1 a 1 no placar. Três minutos depois, Yankov avança pela direita e cruza para Letchkov. O carequinha acerta o ângulo de Illgner e marca outro golaço: 2 a 1 para a Bulgária! Ninguém acreditava! A equipe conseguia a virada pra cima da campeã mundial e ficava perto de uma semifinal histórica. Depois de muita pressão, a Bulgária se segurou e garantiu a vitória. A festa em Sófia, capital da Bulgária, foi enorme e milhões de pessoas saíram às ruas para comemorar aquela que, para muitos, é a maior vitória da história do futebol do país. A antes zebra era, pelo menos naquele dia 10 de julho de 1994, uma das quatro melhores seleções do planeta. Os búlgaros só pararam diante da Itália, que foi para a final contra o Brasil.
Argentina 0x1 Camarões – 1990
Camarões não teve vida fácil na fase de grupos da Copa de 1990, na Itália. Os africanos teriam pela frente a então campeã mundial Argentina, Romênia e URSS. Ninguém apostava nos Leões por causa da força e tradição dos rivais. Mas tudo começou a mudar logo na primeira partida, entre Argentina e Camarões, no San Siro, em Milão. O jogo foi equilibrado e Camarões pareceu não se importar com as estrelas Ruggeri, Basualdo, Batista, Sensini, Burruchaga e Maradona, tanto é que aos 67´, Omam-Biyik marcou o primeiro e único gol do jogo num frangaço homérico do goleiro Pumpido, dando a incrível vitória por 1 a 0 a Camarões.
Era a primeira vez na história que uma seleção recém-campeã mundial perdia sua partida de estreia na Copa seguinte. Mais do que isso, a equipe africana havia conseguido a vitória com apenas 10 homens em campo (Kana-Biyik foi expulso no começo do segundo tempo) e manteve o placar em 1 a 0 já com nove jogadores (Massing foi expulso perto dos 45 minutos do segundo tempo)! Os camaroneses seguiram até as quartas de final, quando foram eliminados pela Inglaterra. Já a Argentina foi finalista, mas perdeu a decisão para a rival Alemanha.
Coreia do Norte 1×0 Itália – 1966
Quando o árbitro francês Pierre Schwinte apitou o final do jogo Coreia do Norte 1×0 Itália, na fase de grupos da Copa do Mundo de 1966, o que muitos achavam ser apenas uma má fase se confirmava como algo seríssimo: a Itália estava desaparecendo. Perder uma partida de Copa era algo normal, mas perder para a Coreia do Norte era surreal, inimaginável e totalmente fora dos padrões lógicos do futebol na época. O revés custou caro aos italianos, que foram recebidos por uma chuva de frutas e tomates podres na volta a Roma. O fiasco na terra da Rainha tinha explicação: falta de empenho, desconcentração e escolhas equivocadas do técnico Edmondo Fabbri (que escalou um jogador – Bulgarelli – na partida contra os norte-coreanos com uma séria lesão no joelho sabendo que não eram permitidas substituições!). E um detalhe: a Itália só precisava de um empate para se classificar!
Foi, sem dúvida, uma das maiores zebras das Copas e que foi bem longe: a equipe norte-coreana só caiu nas quartas de final e após dar uma canseira danada à seleção de Portugal, que levou 3 a 0 e virou para 5 a 3 graças ao craque Eusébio, o lendário Pantera Negra, autor de quatro gols. Esse revés dos italianos somado ao de 2002 fez da seleção a única na história das Copas a ter perdido para as duas Coreias…
EUA 1×0 Inglaterra – 1950
Essa é a maior zebra da história das Copas. Os ingleses, chamados “inventores do futebol”, chegaram ao Brasil com aquela soberba característica. Pela primeira vez, eles iriam disputar uma Copa do Mundo. Depois de uma longa viagem pelo Atlântico, eles tinham certeza de que o esforço valeria a pena. Estavam na América para serem campeões do mundo. Óbvio que seriam, pensavam todos. Eles tinham Billy Wright, Alf Ramsey, Stanley Matthews… Em 30 jogos antes do início da Copa, venceram 23. Não tinham adversários.
Classificados no Grupo 2, ao lado de Espanha, Chile e Estados Unidos, os ingleses esnobavam. No primeiro jogo, vitória por 2 a 0 sobre os sul-americanos, fácil, fácil. O próximo compromisso seria contra os americanos. Os amadores americanos. Eles não levavam o futebol a sério. Não tinham equipe profissional. O selecionado era composto por homens que tinham outras ocupações. Tinha professor, mecânico, lavador de pratos, carteiro e até um motorista de carro funerário e ex-médico na II Guerra Mundial.
Em Belo Horizonte, pouco mais de dez mil pessoas estavam preparadas para ver um baile inglês. Daria até dó dos americanos. Porém, algo surreal aconteceu. Um haitiano, aos 38’ do primeiro tempo, marcou um gol. Para os EUA. E, por mais que a Inglaterra atacasse e chutasse, a bola não entraria mais, nem nos minutos derradeiros da primeira etapa, nem na segunda. Quando o árbitro italiano Generoso Dattilo apitou o final do jogo, ninguém acreditava no que tinha acabado de acontecer. Os profissionais ingleses perdiam para os amadores americanos. Em polvorosa, a torcida invadiu o gramado para celebrar com os perplexos americanos. Foram levados aos céus. Estava sacramentada a maior zebra de todos os tempos na história das Copas. Leia mais clicando aqui!
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