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Esquadrão Imortal – Olimpia 2002-2003

Olimpia 2002-2003
Em pé: Zelaya, Tavarelli, Órteman, Quintana, Cáceres e Henrique da Silva. Agachados: Báez, Benítez, Córdoba, Isasi e Enciso.
 

Grandes feitos: Campeão da Copa Libertadores da América (2002) e Campeão da Recopa Sul-Americana (2003).

Time-base: Ricardo Tavarelli; Néstor Isasi, Julio Cáceres, Nelson Zelaya (Pedro Benítez) e Henrique da Silva (Juan Jara); Julio Enciso, Víctor Quintana (Juan Carlos Franco), Sergio Órteman (Francisco Esteche) e Gastón Córdoba (Guido Alvarenga); Richard Báez (Hernán López) e Miguel Benítez (Mauro Caballero). Técnicos: Nery Pumpido (2002) e Luis Cubilla (2003).

 

“O inesquecível centenário do Decano”

 

Por Guilherme Diniz

 

Quando um clube chega aos 100 anos de existência, a celebração é a maior possível. São feitas camisas comemorativas, festas, a torcida exalta o orgulho e a paixão, enfim, tudo é histórico para gravar um momento tão ímpar. Mas um centenário só é completo se tal clube ganhar um título. Ou títulos. Mas, por incrível que pareça, conquistar troféus no ano do centenário é algo difícil e seletas equipes tiveram celebrações de 100 anos erguendo taças de peso. Podemos recordar o Vasco campeão da América em 1998, o Real Madrid campeão da Europa e do mundo em 2002, a Juventus campeã italiana e da Copa da Itália em 1997, o Boca Juniors campeão da Copa Sul-Americana e do Apertura do Campeonato Argentino em 2005, o Chelsea campeão inglês e da Copa da Liga em 2005, o Bayern campeão alemão, da Copa da Alemanha e da Copa da Liga em 2000 e a Lazio campeã italiana, da Copa da Itália, da Supercopa da Itália e da Supercopa da UEFA em 2000.

Mas tem outro clube que conseguiu a proeza de ser campeão de um grande torneio no ano de seu centenário: o Olimpia, que acabou com um jejum de mais de uma década sem títulos continentais ao celebrar a Copa Libertadores de 2002 de maneira épica e histórica. Pelo caminho, o decano paraguaio superou grandes adversários – incluindo o freguês Boca, que na época era o maior bicho-papão da América – e levantou a taça fora de casa ao reverter uma vantagem improvável do São Caetano, que havia vencido o Olimpia no Paraguai, vencia o decano no Pacaembu, mas sucumbiu diante da mística e garra alvinegra. Só faltou a taça do Mundial, que acabou ficando com o Real Madrid, que também celebrou 100 anos naquele ano de 2002. É hora de relembrar.

A volta do pé-quente

Osvaldo Domínguez Dibb, emblemático (e polêmico) presidente do Olimpia em diferentes épocas da história do clube.
 

 

O Olimpia viveu momentos de brilho e títulos históricos sob a presidência de Osvaldo Domínguez Dibb, que presidiu o decano de 1976 até 1990 e nesse período viu o clube vencer o Mundial de 1979, as Libertadores de 1979 e 1990 e ainda alcançar as finais continentais de 1989 e 1991, além de vários títulos nacionais. Porém, quando Dibb deixou o comando, a equipe não conseguiu mais repetir a boa fase no âmbito internacional e só venceu troféus nacionais. Até que, em 1996, Dibb voltou à presidência e Luis Cubilla, notável técnico do clube nas fases áureas de 1979 e 1990, também retornou para conduzir o decano aos títulos paraguaios de 1995, 1997, 1998 e 1999. A parceria Dibb/Cubilla dava indícios de uma nova era de ouro. Porém, os franjeados viraram o século sem nenhuma conquista internacional.

Naquela época, alguns jogadores se destacaram no elenco alvinegro como Denis Ramón Caniza, Carlos Humberto Paredes, Julio César Cáceres e o garoto Roque Santa Cruz, que acabou deixando o clube em 1999 para jogar no Bayern München-ALE, após chamar a atenção de uma comitiva do clube alemão de passagem pelo Paraguai em maio daquele ano. Já pensando no centenário, o clube queria cumprir um bom papel em casa para brigar por um título grande em 2002. Em 2000, o decano venceu o Campeonato Paraguaio, mas foi eliminado na fase de grupos da Libertadores de 2001. E, quando tentou o título nacional de 2001, não conseguiu superar as etapas finais da competição e viu o Cerro Porteño celebrar o caneco.

Roque Santa Cruz brilhou no Olimpia, mas deixou o decano precocemente para jogar no futebol europeu.
 

 

Na última chance de brigar por uma vaga na Libertadores de 2002, os franjeados conseguiram uma vaga suada na Liguilla Pré-Libertadores graças ao segundo lugar entre os seis participantes, com três vitórias, um empate e uma derrota em cinco jogos. Para tentar uma glória que não vinha desde 1990, o clube apostou no novato técnico Nery Pumpido, ex-goleiro do River Plate campeão da América em 1986 e da seleção da Argentina campeã da Copa do Mundo do mesmo ano. Treinando o Unión Santa Fe desde 1999, o argentino chegou em 2001 com o objetivo de fazer uma boa campanha na Libertadores. No entanto, o clube paraguaio não era nem de longe favorito ao título.

 

Será que vinga?

Se você fizesse uma lista com os principais concorrentes ao título da Libertadores, certamente o Olimpia passaria longe dela. As apostas eram no Boca Juniors, bicampeão consecutivo e ainda com Riquelme; no Grêmio, embalado pelo título da Copa do Brasil de 2001; no São Caetano, com a mesma base que vinha dando um trabalho danado aos grandes clubes do Brasil e no América-MEX, que usava o fator casa como trunfo perante os rivais. Por mais que o Olimpia tivesse bons nomes, não dava para cravar uma campanha satisfatória ao clube de Assunção pelo retrospecto na edição anterior do Campeonato Paraguaio e pela falta de um artilheiro na frente, afinal, desde a saída de Roque Santa Cruz que o clube não havia conseguido um camisa 9 decisivo. As virtudes do time estavam no goleiro Tavarelli, na zaga comandada pelo cria da base Julio César Cáceres e também por Néstor Isasi, e no meio de campo brigador no qual Julio César Enciso, com passagem pelo Internacional, se destacava. Mas havia ainda o uruguaio Sergio Órteman, que dava agilidade e criação ao setor ofensivo para Báez e Benítez mandarem a bola nas redes adversárias. Se não era um esquadrão técnico como outros que o Olimpia já teve, podia competir e dificultar as coisas. E, em Libertadores, tudo podia acontecer.

Córdoba e Órteman: grandes nomes do sistema ofensivo do Olimpia em 2002.
 

 

“O time de 2002 tinha muitas virtudes, mas também tinha uns jogadores que gostavam de fumar e outros de beber uma cervejinha”, comentou o técnico Pumpido ao canal Fox Sports da Argentina, em 2019, sobre o time de 2002. Pumpido inclusive pediu ao meia Órteman que parasse de fumar pelo menos durante os jogos da Libertadores, para que seu rendimento melhorasse. E o “apelo” fazia sentido, afinal, pelos pés de Órteman passavam as melhores jogadas do Olimpia. E, com ele bem fisicamente, o time era outro. Com uma comissão técnica bastante competente e o grupo unido, o Olimpia entrou na Liberta por um milagre. Mas, se tratando da camisa e do centenário do decano, por que não acreditar?

 

Caminho das pedras

Órteman vibra: uruguaio foi o grande nome da Libertadores de 2002.
 

 

No Grupo 8 da Libertadores, o Olimpia iniciou sua trajetória contra o Once Caldas-COL, em casa, e venceu por 3 a 2, de virada, com grande atuação da dupla de ataque Báez (duas vezes) e Benítez, autores dos gols da equipe paraguaia. Na partida seguinte, vitória fora de casa sobre a Universidad Católica-CHI por 1 a 0, gol de Juan Franco, em jogo suado pelo fato de o decano jogar boa parte do segundo tempo com um homem a menos. No último jogo do turno, empate sem gols contra o Flamengo-BRA e mais uma vez sofrimento, com mais um jogador expulso (Zelaya, logo aos 10’ do primeiro tempo).

Miguel Benítez, no duelo contra o Flamengo. AFP PHOTO / Antonio SCORZA / AFP via Getty Images).
 

 

No returno, o Olimpia precisava de apenas três pontos para garantir a classificação, mas o time alvinegro perdeu para o Once Caldas por 2 a 1, em Manizales, e empatou em casa com a Universidad pelo placar de 1 a 1, deixando a classificação mais difícil. Na última rodada, o decano tinha que vencer o já eliminado Flamengo e torcer para o Once Caldas perder ou empatar se quisesse se classificar. Dito e feito! O Olimpia venceu o Fla por 2 a 0, gols de Córdoba e Báez, a Universidad bateu os colombianos por 3 a 1 e o Olimpia avançou em primeiro lugar com 11 pontos, seguido dos chilenos, com 10. A primeira missão estava cumprida. Era hora do mata-mata.

 

Demolindo gigantes

O primeiro desafio dos paraguaios foi o Cobreloa-CHI, nas oitavas de final. Mesmo sem títulos na Libertadores, a equipe chilena tinha tradição pelas finais disputadas em 1981 e 1982 e sempre trazia problemas aos rivais no Estádio Zorros del Desierto. Mas quem sofreu no primeiro duelo na hostil casa chilena foi o árbitro argentino Ángel Sánchez. Na saída para os vestiários após 1 a 1 no primeiro tempo, Sánchez foi atingido por um objeto vindo das arquibancadas e teve que ser levado ao hospital. A Conmebol decidiu suspender o duelo e decretou a vitória do Olimpia por 2 a 0 pelo incidente, como forma de punição ao comportamento da torcida do Cobreloa. Com a vantagem, o Olimpia voltou ao Paraguai mais tranquilo, mas não se acomodou e venceu por 2 a 1, gols de Benítez e Báez. A vaga garantiu o decano nas quartas de final. Mas o adversário seguinte seria o maior desafio em busca da Glória Eterna: o Boca Juniors, então bicampeão continental.

O Olimpia da Liberta: meio de campo era a principal força de um time extremamente competitivo.
 

 

Mesmo sem o técnico Carlos Bianchi (o uruguaio Óscar Tabárez comandava os xeneizes na época), o Boca de 2002 ainda impunha respeito por contar com nomes como Abbondanzieri, Clemente Rodríguez, Battaglia, Serna, Riquelme, Tevez e Delgado. Era, sem dúvida, o grande favorito ao título. Só que se existe um clube que jamais temeu o Boca na Libertadores ele é o Olimpia. A primeira conquista dos paraguaios, em 1979, foi em cima do Boca e em plena La Bombonera. Em 1989, o decano eliminou o Boca de novo em La Bombonera nos pênaltis, nas oitavas de final. E, na fase de grupos da Supercopa da Libertadores de 1995, o decano venceu o Boca de novo na Argentina por 2 a 1. Isso sem contar os triunfos dentro do Paraguai. Por isso, não havia favorito. 

Na ida, em La Bombonera, Tevez colocou o Boca na frente aos 18’ do primeiro tempo, mas Traverso, contra, após desviar um chute de Órteman, empatou e deixou tudo aberto para a volta, em Assunção. Diante de sua fanática torcida – que criou uma atmosfera impressionante no Defensores del Chaco -, o Olimpia foi mais uma vez El Verdugo e venceu por 1 a 0, com um petardo de falta de Néstor Isasi que simplesmente enlouqueceu a massa franjeada. 

 

Vencer o Boca mudou completamente a mentalidade do time. Era possível, sim, ser campeão, como lembrou o brasileiro Henrique da Silva, que jogava no Olimpia na época.

 

“Você subia pelo vestiário atrás do gol e ficava todo cuspido, todo furado com aqueles palitos de churrasco, sabe? Os caras gritam o jogo todo, ninguém escuta nada dentro do campo, é ensurdecedor. Pulam, gritam, não param um minuto. Esse jogo foi o divisor de águas. Pensamos ‘chegamos até aqui, se passar, acho que dá para ser campeão’. Até então estávamos jogando por jogar”. Henrique da Silva, em entrevista ao globoesporte.com, 14 de fevereiro de 2016.

 

Com o moral elevado, o Olimpia chegou até a semifinal para encarar outro páreo duro: o Grêmio, de Ânderson Lima, Ânderson Polga, Roger, Zinho, Tinga e Rodrigo Mendes – goleador daquela Libertadores -, comandado pelo técnico Tite. A partida foi intensa e o Grêmio abriu o placar aos 13’, com Ânderson Lima. Mas o Olimpia mostrou quem mandava no Defensores del Chaco graças a uma atuação de gala de Órteman. O uruguaio acabou com o jogo e empatou, aos 27’, e virou, aos 11’ do segundo tempo. Benítez fez 3 a 1 seis minutos depois e Rodrigo Mendes, aos 40’, descontou. Com a vantagem do empate, o Olimpia se segurou em Porto Alegre, levou 1 a 0 no final do primeiro tempo, teve um jogador expulso na etapa complementar e a partida acabou indo para os pênaltis. 

Enciso e Zinho em um dos duelos.
 

Nas cobranças, o Olimpia foi acertando todos os seus chutes e o Grêmio desperdiçou um tiro com Rodrigo Fabri. Na quarta cobrança dos paraguaios, Caballero bateu e o goleiro gremista defendeu. No entanto, o árbitro mandou voltar pelo fato de o goleiro ter se adiantado – ele, de fato, dá um passo adiante segundos antes da cobrança. Ali, se iniciou uma confusão, com a entrada de dirigentes do Grêmio e muita polêmica. Depois de vários minutos, Caballero cobrou de novo e, dessa vez, fez. O Grêmio converteu seu último chute, mas Franco fez o tento decisivo e classificou o Olimpia para a final! Depois de 11 anos, o decano estava de volta a uma decisão de Libertadores. E, assim como em todos os seus títulos anteriores, a partida de volta seria fora de casa. O adversário do decano na decisão seria mais um brasileiro: o surpreendente São Caetano.

Enciso (à esq.) com a camisa em alusão ao Inter, rival do Grêmio. Foto: Ricardo Duarte / Agencia RBS.
 

 

Um fato curioso é que o capitão Enciso jogou com uma camisa em alusão ao rival do Grêmio, o Inter, para apimentar o duelo e também como lembrança do seu tempo no colorado. “Eu estava no hotel concentrado e um torcedor do Inter me chamou: ‘Enciso, você pode usar essa camisa por baixo da do Olimpia?’. Eu disse que sim e usei. Não usei para ofender o Grêmio, mas como um agradecimento ao que o Inter representou na minha vida”, comentou o paraguaio tempo depois ao jornal Zero Hora.

 

Da crise à glória centenária

 

A final da Libertadores de 2002 foi bastante atípica. Dois clubes completamente longe de serem favoritos estavam na decisão. De um lado, o Olimpia, renascido, forte e capaz de tudo após enfrentar adversários tão hostis. E, do outro, o São Caetano, em uma ascensão meteórica desde 2000, com apenas 13 anos de existência e que disputava a final da principal competição do continente, algo que naquela época gigantes como Corinthians, Fluminense, Botafogo e Atlético-MG nem sequer haviam conseguido! O Azulão ainda tinha a vantagem de decidir em casa, algo que dava certo favoritismo ao clube brasileiro. E ele aumentou ainda mais depois do primeiro jogo, no Defensores del Chaco. Com gol de Aílton, o time do ABC Paulista venceu por 1 a 0 e viajou para SP com a vantagem do empate. E justamente um dia antes do aniversário de 100 anos do Olimpia, celebrado em 25 de julho de 2002.

A comemoração paraguaia não poderia ser mais amarga. A final ainda não estava perdida, claro, mas sair derrotado em casa um dia antes de apagar as velinhas foi bem frustrante. Tão frustrante que o presidente do clube, Osvaldo Domínguez Dibb, renunciou ao cargo dizendo que “faltou empenho” aos jogadores no duelo de ida em Assunção. Ele foi ainda mais duro ao dizer que “estava farto deste grupo apodrecido, sem auto-estima, sem vontade de vencer e sem-vergonha” (!), além de dizer que alguns jogadores estiveram em “bailes com prostitutas” às vésperas de alguns jogos importantes da competição. Os supostos baladeiros seriam Julio César Enciso, Richart Báez e Carlos Estigarribia. 

As palavras de Dibb caíram como uma bomba no elenco, que ficou obviamente bastante irritado com a postura do mandatário – a notícia foi divulgada horas antes do embarque do time, em avião presidencial, até São Paulo. Além disso, o clube passava por uma crise financeira, já que pagava os salários dos jogadores atrelados ao dólar, e, com a desvalorização da moeda local, sofria bastante para deixar as contas em dia. 

Acontece que aquela não era a primeira vez que Dibb ficava “enojado”. Em abril de 2002, após uma série negativa pelo campeonato local, ele também renunciou, mas retornou depois. Aquela nova saída era tida pela imprensa paraguaia como uma estratégia para mexer com o brio dos jogadores. A verdade é que tudo aquilo acabou beneficiando o Olimpia. Ainda mais depois que os paraguaios chegaram ao Brasil e viram o clima de “já ganhou” criado pela imprensa brasileira.

 

“Viemos para São Paulo. Aqui, quando botamos nos programas esportivos na TV, os caras estavam comemorando. É campeão, não sei o quê. Festa em São Caetano. Mas eu nunca vi tanta confiança nos jogadores do Olimpia como vi aquele dia. Você olhava para os caras, ‘a gente não vai perder, a gente não pode perder’”, comentou Henrique da Silva, na já citada entrevista ao globoesporte.com, sobre o clima pré-jogo do Olimpia. 

 

No dia da final, em 31 de julho de 2002, o estádio do Pacaembu estava lotado de corintianos, são-paulinos, andreenses, santistas e tudo quanto é torcedor para a consagração eterna do São Caetano. O pequenino clube contagiou todas as torcidas do estado e ganhou o reforço extra nas arquibancadas para fazer a festa. Mas do outro lado estava uma lenda do futebol sul-americano. Um clube tarimbado, acostumado a jogos difíceis, quase impossíveis. E que sempre jogou muito fora de casa. E esse clube queria a glória no centenário. Queria fazer história. Queria a terceira taça da Libertadores. 

Mas, quando a bola rolou, Aílton, de novo, abriu o placar para a equipe brasileira: 1 a 0. O título era do Azulão! Só uma tragédia poderia tirar o troféu do clube paulista. Bem, ela aconteceu… Ainda no primeiro tempo, o técnico Jair Picerni foi expulso por reclamação e, na segunda etapa, o nervosismo, a ausência dos gritos de “pega, pega” do treinador e a proximidade de fazer história mexeram com a cabeça dos jogadores. A equipe fez muitas faltas, não conseguiu repetir o futebol eficiente e seguro que demonstrara em toda a competição e permitiu a virada paraguaia, que ganhou fôlego graças às palavras do goleiro Tavarelli nos vestiários.

 

“Descemos para o vestiário, o Pumpido conversou com a gente. Quando íamos subindo pelo túnel para entrar no campo, vieram as palavras do Tavarelli de que a gente tinha certeza que ia virar, que o que aconteceu nos primeiros 45 minutos foi um acidente. Que nos próximos 45 minutos a gente ia jogar como nunca jogou na vida, pela família, pelo clube, pela gente. A gente começa a pensar, ‘posso dar muito mais do que eu estou dando’. É uma coisa que vai contagiando.

Acho que é por isso que o futebol é tão maneiro, você tem o poder de convencer seu amigo de que ele é capaz com palavras. Em 15 minutos, viramos o jogo. Os caras ficaram apavorados. Você olhava para a torcida, os caras estavam com medo. A gente só não fez mais porque estávamos muito cansados”. – Henrique da Silva, em entrevista ao globoesporte.com, 14 de fevereiro de 2016.

 

Com uma garra impressionante, o Olimpia devorou o São Caetano. Logo aos 4’ do segundo tempo, Órteman ajeitou com o peito dentro da área e deixou para Córdoba empatar. Exatos dez minutos depois, mais uma bola alçada na grande área e Báez, de cabeça, testou para virar o placar: 2 a 1. Como não havia critério de gols marcados fora, o jogo terminou assim e a final foi decidida nos pênaltis. Nela, Marlon e Serginho erraram. Enciso, Orteman, López e Caballero foram perfeitos e o Olimpia venceu por 4 a 2.

O técnico Pumpido ergue a Copa.
 

 

O maior dos sonhos estava realizado: campeão da Copa Libertadores no ano do centenário! Em 14 jogos, o Olimpia venceu oito, empatou três e perdeu três. Foram 19 gols marcados (considerando o triunfo sobre o Cobreloa na ida das oitavas por 2 a 0) e 12 gols sofridos. Richard Báez, com 5 gols, foi o artilheiro do time na competição, enquanto Órteman ganhou o prêmio de melhor jogador da Libertadores de 2002, justo por tudo o que ele jogou e por participar dos principais lances ofensivos da equipe de Assunção. Pouco importava se o time foi mal no Apertura do Campeonato Paraguaio. iLo que importa es la América!

 

Vítima de outro esquadrão emblemático

Figo e Zelaya durante a final do Mundial.
 

 

Em 1990, quando venceu a Libertadores, o Olimpia tinha um timaço. Mas o decano deu azar naquele ano ao enfrentar o Milan de Sacchi na final do Mundial Interclubes e perdeu por sonoros 3 a 0, com um show do trio holandês Gullit, Van Basten e Rijkaard, além do sistema defensivo e das famosas linhas de quatro do técnico italiano. E, em 2002, o clube paraguaio mais uma vez encarou um time fortíssimo: o Real Madrid, que também celebrava 100 anos naquele ano e havia comemorado com estilo ao vencer o título europeu. A equipe merengue havia se reforçado no segundo semestre com a contratação do atacante brasileiro Ronaldo, que brilhou na Copa do Mundo vencida pelo Brasil, e estava ainda mais forte com Casillas, Hierro, Roberto Carlos, Makélélé, Figo, Zidane e Raúl, além de Vicente del Bosque no comando técnico. Era provavelmente o melhor time do Real naquela era de ouro iniciada em 1998 e que desde então já havia rendido três UCLs aos merengues.

Ronaldo ajudou o Real a vencer o Mundial de 2002.
 

 

Por mais que o Olimpia tivesse a mesma base campeã da América, em campo, não dava para o decano vencer. A equipe até criou algumas chances, mas o Real jogou o suficiente para vencer por 2 a 0, gols de Ronaldo, aos 14’ do 1ºT, e Guti, aos 39’ da etapa complementar, decretando a vitória espanhola e mais um título no centenário madrileno. Ao Olimpia, restou o vice, mas a alegria de ter vencido a Libertadores e ter chegado ali tornou o ano de 2002 inesquecível ao torcedor franjeado.

 

O retorno do professor e a última taça

Em 2003, o Olimpia brigou pelo tetra na Libertadores, mas acabou eliminado já nas oitavas de final para o Grêmio. A equipe voltou a decepcionar em solo nacional e não conseguiu o título paraguaio nem a vaga na Libertadores de 2004. O único bom momento foi em julho, com a conquista da Recopa Sul-Americana – competição que voltou a ser disputada naquele ano após um hiato entre 1999 e 2002 – diante do San Lorenzo, em jogo único disputado nos EUA. Os gols foram de Hernán López e Enciso, que garantiram mais um título sob o comando do técnico Luis Cubilla, que retornou naquela temporada e mostrou mais uma vez o pé-quente.

 

Porém, o decano iria mergulhar em uma profunda crise a partir de 2004 e só começaria a dar a volta por cima em 2011, com a conquista do Clausura do Campeonato Paraguaio e até mais uma final de Libertadores em 2013, mas esta foi perdida para o Atlético Mineiro de Ronaldinho e companhia. Desde então, o Olimpia tenta retomar o caminho da glória na América e vive o maior jejum entre títulos desde que venceu o primeiro, lá em 1979. A torcida espera que a seca termine o quanto antes de qualquer maneira. Com técnica e brilho como em 1979 e 1990. Ou com brio, garra e competitividade como fez o esquadrão imortal de 2002.

 

Em pé: Órteman, Nery Pumpido e Cáceres. Agachados: Córdoba e Tavarelli.
 

Os personagens:

Ricardo Tavarelli: jogou de 1992 até 2003 no Olimpia e foi um dos principais goleiros do clube no período, além de ser um dos mais destacados da história franjeado. Convocado frequentemente para a seleção do Paraguai, Tavarelli foi titular, inclusive, de dois jogos da seleção na Copa de 2002. O arqueiro fez uma grande Libertadores e realizou defesas muito importantes na trajetória alvinegra na competição. Foram nove troféus com a camisa franjeada.

Néstor Isasi: com uma rápida passagem pelo futebol brasileiro entre 1997 e 1998 por São Paulo e America-RJ, o lateral-direito chegou ao Olimpia em 2001 e foi titular absoluto do setor nas campanhas do clube na Libertadores, no Mundial e na Recopa. Marcou um golaço diante do Boca nas quartas de final.

Julio Cáceres: zagueiro muito regular e firme na marcação, jogou no Olimpia de 1998 até 2004 e foi um dos destaques das bases do clube na virada do milênio que a diretoria conseguiu manter. Cáceres representou ainda a seleção paraguaia em três Copas do Mundo: 2002, 2006 e 2010. Foi titular absoluto do Olimpia naquele período de glórias e podia jogar, também, como volante, ao lado de Enciso. Após pendurar as chuteiras, Cáceres virou técnico e comanda atualmente o próprio Olimpia.

Nelson Zelaya: outro defensor criado nas categorias de base, fez dupla com Cáceres na grande campanha do decano na Libertadores. Chegou a ser convocado para a seleção e disputou sete jogos pelo Paraguai.

Pedro Benítez: com quase 1,90m de altura, o defensor chegou em 2002, mas ganhou espaço no time mais no segundo semestre, disputando inclusive o Mundial Interclubes. Jogou também a temporada 2003 e acabou deixando o Olimpia para atuar no rival Cerro Porteño. Foi um dos medalhistas de prata da seleção paraguaia nos Jogos Olímpicos de 2004.

Henrique da Silva: após passar por momentos complicados, o brasileiro se reencontrou no Olimpia e foi um dos destaques do sistema defensivo do decano na conquista da Libertadores e também do Paraguaio de 2000. Não apoiava tanto o ataque, mas contribuía bem na marcação e na cobertura pela esquerda. Só não jogou o Mundial por causa de uma lesão.

Juan Jara: o lateral-esquerdo começou a carreira no Olimpia lá no ano de 1991, mas rodou por vários clubes até retornar em 2001. Foi reserva em boa parte do tempo e acabou ganhando a titularidade no Mundial por conta da lesão de Henrique da Silva.

Julio Enciso: um dos mais destacados jogadores paraguaios dos anos 1990 e 2000, Enciso foi ídolo no Internacional-BRA, onde jogou de 1996 até 2000, até chegar ao Olimpia em 2001 e assumir a titularidade do meio de campo e a braçadeira de capitão. Esbanjava garra, tinha boa visão de jogo e não aliviava na marcação dos rivais. Jogou no Olimpia até 2005, disputou a Copa do Mundo de 1998 pela seleção e venceu a medalha de Prata nos Jogos Olímpicos de 2004 como um dos jogadores com mais de 23 anos.

Víctor Quintana: era o outro “cão de guarda” do Olimpia no meio de campo e ajudava bastante na marcação e proteção à zaga nas investidas dos meias. Abusava um pouco das faltas e levava muitos cartões – ele foi expulso no segundo jogo da final da Libertadores contra o São Caetano.

Juan Carlos Franco: jogou a carreira inteira no Olimpia, de 1992 até 2005, e podia atuar tanto mais recuado no meio de campo como um pouco mais à frente. Foi um dos xodós da torcida e fez bons jogos na campanha do título da Libertadores. Levantou ainda seis títulos do Campeonato Paraguaio e a Recopa de 2003. 

Sergio Órteman: ao lado de Enciso e Tavarelli, compôs o tridente fundamental do Olimpia na conquista do título da Libertadores. Com ampla visão de jogo, presença constante no ataque, movimentação e passes precisos, o uruguaio comandou a equipe paraguaia e não foi à toa que levantou o prêmio de melhor jogador da Liberta em 2002 e também o melhor da final contra o São Caetano. Grande ídolo da torcida.

Francisco Esteche: outro jogador com muita bagagem no Olimpia – foram 10 anos, de 1995 até 2005 -, Esteche atuava no meio de campo e foi titular em alguns jogos da equipe na temporada e também na Recopa de 2003.

Gastón Córdoba: o meia argentino atuava mais pela esquerda do ataque do Olimpia e marcou o gol de empate que inspirou a virada do decano na finalíssima contra o São Caetano. Embora tenha vestido a camisa de vários clubes tradicionais na carreira, Córdoba só venceu dois títulos: a Libertadores de 2002 e a Recopa de 2003, ambos pelo Olimpia.

Guido Alvarenga: o experiente meia foi um reforço para a temporada de 2003 e ajudou o Olimpia a vencer a Recopa atuando na construção de jogadas do meio de campo. El Mago ficou no clube até 2006 e se aposentou pelos franjeados.

Richart Báez: campeão paraguaio pelo Olimpia em 1995 e 2000, Báez marcou seu nome em definitivo na história do clube como artilheiro franjeado na Libertadores de 2002 com cinco gols, incluindo um na final. Oportunista e habilidoso, Báez se posicionava bem e anotava alguns golaços – ele fez um de bicicleta uma vez contra o Corinthians em pleno Pacaembu e um driblando toda a zaga do América-MEX, em 2000.

Hernán López: costumava entrar no decorrer dos jogos do Olimpia na Libertadores e impunha velocidade ao ataque do time. No segundo semestre, ganhou a vaga de titular e disputou a final do Mundial e também da Recopa, anotando um gol nesta última.

Miguel Benítez: outro jogador experiente do elenco, Benítez integrou a seleção paraguaia na Copa de 1998 e vestiu a camisa do Olimpia entre 2002 e 2003. Marcou três gols na campanha do título continental de 2002.

Mauro Caballero: cria das bases, viveu seu melhor momento entre 1992 e 1998, quando foi um dos principais artilheiros do time no futebol nacional. Após um período no México e em clubes rivais, retornou em 2002 para ser campeão da América, mas não foi titular e entrou em alguns jogos. Na final, entrou e converteu o chute decisivo que selou a conquista dos paraguaios. 

Nery Pumpido e Luis Cubilla (Técnicos): Cubilla dispensa comentários, pois é uma lenda do Olimpia e brilhou em todas as passagens que teve pelo clube, provando sua estrela com o título da Recopa de 2003. Mas o destaque desse período foi mesmo o argentino Pumpido, que soube lidar com os problemas do elenco para criar um time competitivo, destemido e campeão. Com uma boa comissão técnica e muita conversa, teve o grupo na mão e criou um novo Olimpia rei da América.

 

 

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Comentários encerrados

2 Comentários

  1. Tava sentindo falta desse esquadrão, que vi vencer a América pela televisão. Os textos das duas primeiras Libertas do Olimpia são alguns dos meus preferidos, e eu meio que sentia falta do texto do tri.

    Cada palavra compensou a espera, como sempre. Cada elogio é pouco a esse trabalho maravilhoso. Por mais que respeite o Trivela e reconheça o trabalho dos caras, acho o seu trabalho melhor do que o dos seus companheiros jornalistas.

    Obrigado, Guilherme! =)

As finais da Inter de Milão na UEFA Champions League

Esquadrão Imortal – Palmeiras 1998-2000