Data: 14 de agosto de 2020
O que estava em jogo: uma vaga na semifinal da Liga dos Campeões da UEFA de 2019-2020.
Local: Estádio da Luz, Lisboa, Portugal.
Juiz: Damir Skomina (Eslovênia)
Público: portões fechados, em virtude da pandemia da COVID-19.
Os Times:
Futbol Club Barcelona: Ter Stegen; Semedo, Piqué, Lenglet e Jordi Alba; Sergio Busquets (Ansu Fati, aos 25’ do 2º T), Sergi Roberto (Griezmann, intervalo) e De Jong; Vidal; Messi e Suárez. Técnico: Quique Setién.
Fußball-Club Bayern München: Neuer; Kimmich, Boateng (Süle, aos 31’ do 2º T), Alaba e Davies (Lucas Hernández, aos 38’ do 2º T); Goretzka (Tolisso, aos 38’ do 2º T) e Thiago; Gnabry (Philippe Coutinho, aos 31’ do 2º T), Thomas Müller e Perisic (Coman, aos 22’ do 2º T); Lewandowski. Técnico: Hans-Dieter Flick.
Placar: Barcelona 2×8 Bayern München. Gols: (Müller-BAY, aos 4’ e aos 31’, Alaba-BAY, contra, aos 7’, Perisic-BAY, aos 22’, e Gnabry-BAY, aos 28’ do 1º T; Luis Suárez-BAR, aos 12’, Kimmich-BAY, aos 18’, Lewandowski-BAY, aos 38’, e Philippe Coutinho-BAY, aos 40’ e 44’ do 2º T).
“Més que uma goleada: Der BlitzBayern!!”
Por Guilherme Diniz
Durante a 2ª Guerra Mundial, a imprensa criou um termo para classificar os ataques rápidos de surpresa das forças alemãs que não davam qualquer tempo para os inimigos organizarem suas defesas: Blitzkrieg, ou “guerra-relâmpago”. Essa tática, além de ter o efeito surpresa, tinha também como características a rapidez e a intensidade dos ataques e fez com que a Alemanha quase dominasse toda a Europa naqueles anos 1940. Muitos anos se passaram e o Velho Continente viu algo parecido com a Blitzkrieg no dia 14 de agosto de 2020, mas dessa vez no âmbito esportivo. Era uma partida de quartas de final da Liga dos Campeões da UEFA, atípica, de portões fechados, com sonorização bem artificial. Nas arquibancadas, apenas jogadores, membros de comissão técnica, jornalistas. Em campo, dois clubes lendários, repletos de conquistas. Havia expectativa de equilíbrio. Mas, quando a bola rolou, apenas um só time jogou. Ou melhor, passou por cima do rival catalão que até pouco tempo passava por cima de todos, inclusive daquele mesmo time alemão.
Um. Dois. Três. Quatro. Cinco. Seis. Sete. Oito. Virou quatro. Acabou oito. E ainda poderia ser mais. O futebol mundial presenciou naquele dia a BlitzBayern. Um rolo compressor que simplesmente não teve dó nem piedade do Barcelona, de Messi, de Suárez, de Sergio Busquets e tantos atletas que jamais esperavam um golpe como aquele. Quer dizer, golpes, seguidos, repetidos, rápidos, sem cessar. O Bayern protagonizou um dos maiores massacres da história da maior competição de clubes do planeta, de sua própria história e impôs a maior derrota do Barça em torneios europeus e desde os anos 1940. Teve gols de um velho carrasco. Teve jogadaça de um lateral iniciada justamente pra cima de Messi. Teve lei do ex. Teve recordes e mais recordes quebrados. Teve de tudo. Era o prenúncio de mais um título alemão. E que escancarou de vez a verdadeira balbúrdia na qual se encontrava o clube blaugrana. É hora de relembrar.
Pré-jogo
A Liga dos Campeões da UEFA de 2019-2020 foi, antes de tudo, atípica. Por conta da pandemia da COVID-19, o torneio teve que ser paralisado em março e só voltou em agosto após a UEFA determinar uma série de medidas para que as partidas pudessem ser realizadas sem pôr (tanto) em risco a saúde dos atletas. Os jogos que ainda precisavam ser disputados das oitavas de final teriam portões fechados, com local da partida mantido. Já os duelos a partir das quartas de final seriam únicos, com portões fechados e todos realizados na cidade de Lisboa, em Portugal, nos estádios da Luz e José Alvalade. A final, que seria disputada em Istambul-TUR, também foi transferida para Lisboa, no Estádio da Luz.
Outra regra implantada foi o acréscimo de substituições: cinco para cada equipe, a fim de amenizar o longo período de inatividade dos atletas e evitar o risco de lesões. Essas mudanças reduziram o número de jogos e prejudicou, claro, o ambiente e todo o clima de decisão que envolvia as partidas. No lugar da torcida, apenas os sons, que mudavam de acordo com a jogada ou momento da partida. Na entrada dos times no gramado, nada de equipes subindo juntas. Entrava um time, depois, o outro. E os atletas dos bancos de reservas e membros das comissões técnicas deveriam utilizar máscaras.
Mesmo com todas essas regras e principalmente os portões fechados, quem esperava partidas chatas ou com ritmo de treino foi pego de surpresa com um nível técnico excepcional e jogos marcantes. O Barcelona precisava decidir a vaga nas quartas contra o Napoli, em casa, após empate em 1 a 1 na Itália. E, com gols de Lenglet, Messi (um golaço) e Suárez, os catalães venceram por 3 a 1 no Camp Nou vazio e se garantiram na reta final de Lisboa ainda invictos na competição, com cinco vitórias e três empates, mas com um futebol sem brilho, jogadores vivendo fases ruins – como Piqué, Alba, Sergio Busquets e Suárez – ou esquentando o banco de reservas – casos de Rakitic, Griezmann e Dembélé.
O técnico Quique Setién não conseguia dar cara ao time, e, para piorar, perdeu um título espanhol praticamente ganho após seguidos tropeços no recomeço de La Liga após a paralisação, que o Real Madrid, campeão, agradeceu. A diretoria também batia cabeça com negociações fracassadas e negócios sem sentido, como o envolvendo Philippe Coutinho, que custou quase 150 milhões de euros e, apenas um ano e meio depois, foi emprestado para um concorrente direto (o Bayern!!) ao único título ainda possível para o clube naquela temporada.
Não bastassem os problemas na direção e no elenco, o clube vinha de eliminações traumáticas na Liga dos Campeões. Na semifinal de 2018-2019, após vencer o Liverpool por 3 a 0 no Camp Nou, os blaugranas perderam de maneira inacreditável por 4 a 0 a volta e foram eliminados. Em 2017-2018, nas quartas de final, após vencerem a Roma-ITA por 4 a 1 no Camp Nou, perderam por 3 a 0 na Itália e caíram fora. E em 2016-2017, levaram de 3 a 0 da Juventus-ITA fora de casa e só empataram sem gols a volta. Era vexame atrás de vexame.
Já o Bayern vivia uma fase esplendorosa que começou curiosamente em um princípio de crise. O técnico croata Niko Kovac, após resultados ruins na Bundesliga, foi demitido no início de novembro de 2019 após a sacolada de 5 a 1 que o time de Munique levou do Eintracht Frankfurt. O resultado manteve os bávaros apenas na quarta colocação de um campeonato que eles empilhavam taças (eram sete conquistas seguidas) e não admitiam intrusos nem concorrentes. Eles só tinham vencido metade dos 10 jogos iniciais do torneio e viam a hegemonia perto do fim.
Para o lugar do croata, a diretoria manteve de maneira interina Hans-Dieter Flick, que estava no clube desde julho de 2019 como assistente de Kovac e com experiência de ter trabalhado ao lado de Joaquim Löw na seleção da Alemanha. Karl-Heinz Rummenigge, executivo do clube, disse que os “pobres resultados recentes e o jogo apresentado pelo time exigiam uma ação”, e por isso o clube decidiu pela saída de Kovac após reunião entre ele, Uli Hoeness, presidente dos bávaros, e Hasan Salihamidzic, diretor esportivo.
A estreia de Flick foi na Liga dos Campeões da UEFA, na quarta rodada da fase de grupos. O time mostrou mais leveza, dinâmica e venceu o Olympiacos-GRE, em casa, por 2 a 0. Três dias depois, a equipe encarou o Borussia Dortmund em confronto direto pela ponta da tabela da Bundesliga e goleou por 4 a 0, com dois gols do artilheiro Lewandowski, um de Gnabry e outro de Hummels, contra. Dias depois, nova goleada de 4 a 0, fora de casa, contra o Fortuna Düsseldorf. Três dias depois, outro massacre: 6 a 0 no Estrela Vermelha-SER em pleno estádio Marakana, com quatro gols de Lewandowski. Obviamente que a diretoria não pensou duas vezes e anunciou que o técnico Flick iria permanecer no comando até o final da temporada.
Com um time bastante ofensivo e que buscava a bola a todo momento, era praticamente outro Bayern. Nem as derrotas para o Bayer Leverkusen e Borussia Mönchengladbach minaram os créditos que Flick ganhou. Aliás, o revés para o Mönchengladbach seria o último do time em um bom tempo. Dali em diante, vieram vitórias e mais vitórias, a liderança foi reconquistada na Bundesliga na 20ª rodada e os bávaros não largaram mais, conquistando mais um título nacional para a coleção. Vieram também vitórias na Copa da Alemanha e o caneco do torneio levantado em julho, com vitória por 4 a 2 sobre o Bayer Leverkusen.
O que mais chamava a atenção naquele Bayern era a maneira como construía suas vitórias. Era ataque atrás de ataque, pressão na saída de bola do adversário, um trabalho coletivo notável e aproveitamento impressionante nos chutes a gol. Lewandowski se confirmava cada vez mais como uma máquina de fazer gols como sempre mandou a tradição do Bayern de contar com ótimos atacantes, Thomas Müller era mais garçom do que nunca e redescobriu seu futebol sob o comando de Flick, Thiago Alcântara comandava o meio de campo com passes perfeitos e muita classe, Gnabry crescia cada vez mais de produção com chutes potentes e gols decisivos (Tottenham que o diga… Os ingleses levaram quatro gols de Gnabry na goleada sofrida por 7 a 2 em pleno Tottenham Hotspur Stadium, na fase de grupos da Liga dos Campeões) e Alphonso Davies desbancou o campeão do mundo pela França em 2018, Lucas Hernández, para assumir a lateral-esquerda com muita regularidade, dribles e velocidade.
A dominância daquele time, claro, se estendeu para a Liga dos Campeões. A classificação para as oitavas de final foi garantida com seis vitórias em seis jogos, 24 gols marcados (10 só de Lewandowski!) e apenas cinco sofridos. No mata-mata, dois triunfos incontestáveis sobre o algoz de 2012 Chelsea-ING com vitória por 3 a 0 na Inglaterra (dois gols de Gnabry e um de Lewandowski) e triunfo por 4 a 1 em Munique (dois gols de Lewandowski, um de Perisic e outro de Tolisso), com a Allianz Arena de portões fechados. Já eram oito jogos e oito vitórias no torneio. O time vinha de 19 vitórias seguidas e não havia perdido um jogo sequer em 2020, ano no qual os Bávaros já contabilizavam 22 jogos, 21 vitórias e um empate. Nessas 21 vitórias, 11 foram com quatro gols ou mais. Culpa principalmente de Lewandowski, que marcava um gol a cada 72 minutos e somava 53 gols na temporada (34 em 31 jogos só na Bundesliga). Era demolição atrás de demolição!
De longe, os alemães eram imensos favoritos. Mas é claro que a camisa do Barça, a presença de Messi e o fato de ser jogo único, só “mata” e não mata-mata, poderiam equilibrar as coisas. No dia do jogo, o técnico Flick colocou o que tinha de melhor em campo, com exceção de Coman, que vinha de lesão e ainda não estava 100% fisicamente, abrindo espaço para o croata Perisic. Na lateral-direita, o francês Pavard, com lesão no tornozelo, deu lugar ao polivalente Kimmich, que vinha muito bem atuando improvisado no setor. Do lado catalão, Setién foi com a sua habitual escalação, outra vez deixando Griezmann no banco e apostando em Vidal mais avançado, entre a meia e o miolo do ataque, com Messi e Suárez nas pontas, De Jong e Busquets no meio de campo, Alba e Semedo nas laterais e a dupla de zaga formada por Piqué e Lenglet.
Seria o único duelo entre campeões da UCL naquela fase de quartas de final. Nos outros três jogos, todos eram postulantes à conquista inédita: PSG-FRA, Lyon-FRA, Atalanta-ITA, Manchester City-ING, RB Leipzig-ALE e Atlético de Madrid-ESP. A expectativa era a melhor possível, afinal, Bayern e Barça vinha de duelos épicos em mata-matas de UCL, como nas semifinais da temporada 2014-2015, nos 3 a 0 dos catalães com o golaço de Messi que Boateng o procura até hoje, e os passeios dos Bávaros nas semis de 2012-2013, quando venceram por 4 a 0 a ida, em Munique, e por 3 a 0 a volta em pleno Camp Nou. No papel, havia moderado favoritismo do Bayern. Mas, em campo, não haveria moderação alguma…
Primeiro tempo – Já vi esse filme antes…
A saída de bola do Barça já entregou o que seria o jogo. Busquets tocou errado, se atrapalhou e a bola ficou com o Bayern logo no primeiro minuto – em seus tempos áureos, o volante jamais faria isso. Embora o primeiro lance de perigo tenha sido dos catalães, aos 2’, em cruzamento de Semedo que Neuer evitou chegar em Suárez, a resposta alemã veio rapidamente, aos 4’. Perisic dominou a bola pela esquerda, com uma avenida ao seu dispor, e fez um cruzamento para a área. Müller recebeu, não dominou, a bola encontrou Lewandowski, que devolveu para Müller, que chutou pro gol: 1 a 0. Se tinha Bayern em campo, tinha gol. Era assim desde 09 de fevereiro de 2020, data do último 0 a 0 do clube.
O Barcelona tentou responder e contou com uma infelicidade do rival para empatar. Aos 7’, Jordi Alba avançou pela esquerda, mandou para a grande área em direção a Suárez, mas o zagueiro Alaba apareceu, tentou cortar e fez contra: 1 a 1. O atleta bávaro ainda deu um sorrisinho como quem diz “hehe, deixem desfrutar, a BlitzBayern ainda não começou…”. O empate acabou acordando por um momento o Barça, que engatou outro ataque, aos 8’, quando Semedo tocou para Suárez, mas o goleiro Neuer fechou bem o ângulo e evitou o gol.
Após a cobrança de escanteio, Messi cruzou, a bola passou por todo mundo e tocou a trave do arqueiro alemão! Depois disso, o Bayern tomou a bola para si novamente e sufocou o Barça, controlando completamente o meio de campo, construindo alternativas, girando a bola, alternando seus atletas. E tudo com categoria, técnica. Se um blaugrana tinha a bola, dois, três do Bayern apareciam. De Jong era o mais caçado, não construía e não aparecia como gostava e tanto fez no Ajax de 2018-2019.
Só aos 19’ que o Barça reapareceu em jogada individual de Messi, que chutou rasteiro, mas fraco, sem dificuldades para Neuer defender. Mas, aos 22’, veio a resposta. Gnabry roubou a bola de Sergi Roberto, avançou, deixou na esquerda para Perisic, que chutou cruzado e fez: 2 a 1. Foi o gol da abertura das porteiras. A partir dali, começaria a BlitzBayern. O Barcelona não tinha noção alguma do que se tratava, achava que era um conto qualquer, algo restrito ao Campeonato Alemão. Pobre coitado.
Aos 23’, nova jogada de pé em pé, no entorno da grande área e Thiago chutou por cima. Os catalães estavam claustrofóbicos, sem espaços, incomodados. Aos 26’, Ter Stegen evitou o terceiro após outro chute cruzado de Perisic, que simplesmente dominava o setor. Dois minutos depois, Thiago tocou, Goretzka lançou por elevação de primeira para Gnabry, que ganhou de Lenglet e fuzilou: 3 a 1. Golaço! No minuto seguinte, Lewa ainda roubou a bola de Busquets e Ter Stegen defendeu com os pés, mandando para escanteio.
Após alguns minutos, aos 31’, o Bayern tentou do lado esquerdo, a zaga rebateu, ela voltou em cruzamento da direita de Kimmich e Thomas Müller, matador e carrasco master-blaster do Barça em UCLs, fez 4 a 1. Um minuto depois, outro ataque, Müller deixou de calcanhar, Goretzka recebeu, avançou e chutou à esquerda de Ter Stegen. Aos 35’, Perisic aproveitou outra saída bisonha do rival para contra-atacar, mas chutou por cima do gol.
Ufa, percebeu a sequência? Era impressionante! O nível de concentração e apetite daquele Bayern assustava até quem não entendia muito de futebol, que poderia perguntar “nossa por que esse time de branco joga e ataca tanto e o outro não consegue fazer nada e fica acuado? É jogo real isso ou profissionais contra time de meninos?”, parafraseando um narrador célebre em outro jogo célebre que surgia na cabeça de muita gente àquela altura – principalmente dos brasileiros…
O Barcelona não era nem caricatura do que foi um dia. Não tinha conjunto. Não tinha organização. Messi era obrigado a recuar e tentar algo diferente, mas não conseguia. O técnico Setién, imóvel, nada fazia e lembrava o laconismo de seu antecessor, Ernesto Valverde, na goleada de 4 a 0 sofrida para o Liverpool em 2019. Aos 42’, em desarme de Gnabry pra cima de Semedo, era interessante ver o posicionamento dos alemães: todos organizados, em bloco, pressionando, barreiras encurralando o rival em seu próprio campo.
O árbitro encerrou o primeiro tempo aos 45’, nem acréscimos precisou dar. Foram 14 finalizações do Bayern, sete no gol, quatro dentro do gol. Do lado blaugrana, apenas quatro finalizações, três no gol, uma dentro do gol (contra). Posse de bola quase parelha (54% dos alemães, 46% dos espanhóis). A partida nem sequer havia terminado e um recorde já entrava para a conta: era a primeira vez que o Barcelona levava quatro gols em um só tempo na história da Liga dos Campeões da UEFA.
Segundo tempo – A Blitz continua
Griezmann entrou no lugar de Sergi Roberto para tentar manter o Barcelona mais no ataque. Só que nada mudou. Aos 3’, Neuer começou uma jogada lá no campo de defesa, mandou a bola para Thomas Müller, que protegeu e deixou com Perisic. O croata chutou e Ter Stegen, bem colocado, defendeu. Dois minutos depois, nova jogada trabalhada, Kimmich levantou, Goretzka dominou no peito, mas chutou por cima. Aos 7’, em contra-ataque rápido, o Bayern chegou à área blaugrana mais uma vez, Müller recebeu em posição de impedimento e tocou para Lewandowski, que fez, mas o tento foi anulado. Só aos 12’ que veio a resposta catalã.
Jordi Alba recebeu na esquerda, tocou para Suárez, que driblou Boateng com um corte seco e chutou no canto esquerdo de Neuer: 4 a 2. Por minutos, o torcedor barcelonista respirou aliviado. Ufa, voltamos! É Champions, vai ter pressão, empate, virada épica à la 6 a 1 no PSG, Messi vai aparecer. Bem, isso tudo passou na cabeça do mais fanático, claro… Pois o Bayern tratou de normalizar a partida e ativar seu modo Blitz.
Aos 14’, Perisic aproveitou a enésima saída de bola péssima do Barça e chutou por cima. Três minutos depois, Davies recebeu na esquerda, passou por Messi, deixou Vidal no chão e foi pra cima de Semedo. O lateral bávaro parou, olhou, gingou, levou pra esquerda, foi para a linha de fundo, Semedo ainda tentou o desarme, mas se estatelou no gramado. Davies viu Kimmich na pequena área, tocou e o alemão só teve o trabalho de empurrar pro gol enquanto os blaugranas tentavam entender o que havia acontecido por ali. Que jogada de Davies! O gol foi de Kimmich, mas a conta e arquitetura foi toda do camisa 19 do Bayern: 5 a 2.
Faltavam mais de 25 minutos de jogo. Dava para fazer muita coisa. E Lewandowski ainda não tinha deixado o seu! Aos 21’, Coman entrou no lugar de Perisic, e, um minuto depois, ele mesmo participou de um novo ataque do Bayern e só não fez o gol porque Jordi Alba se jogou na frente da bola e mandou para escanteio. Após a cobrança, a bola sobrou para Gnabry, que chutou e Ter Stegen conseguiu evitar o sexto. O Bayern triturava! Minutos depois, o garoto Ansu Fati entrou no lugar de Busquets, em um dia para esquecer. A esperança de Setién era dar mais movimentação, mais velocidade. Só que eram atributos que não existiam no Barcelona. Somente no Bayern. Aos 30’, Coman fez bela jogada com Kimmich e chutou cruzado, obrigando Ter Stegen a defender com os pés, em defesa típica de futsal. Àquela altura o Bayern já tinha mexido de novo com as entradas de Coutinho no lugar de Gnabry e Süle no lugar de Boateng.
Aos 36’, tocando de pé em pé e circulando a área catalã pela 4878947ª vez, o Bayern fez mais um após Coutinho conduzir até a linha de fundo e cruzar para Lewandowski cabecear livre e fazer o dele: 6 a 2. Após o gol, o Bayern aproveitou para descansar alguns de seus atletas: Goretzka saiu para a entrada de Tolisso e Davies deixou o gramado para a entrada de Lucas Hernández. Aos 40’, Messi perdeu a bola para Lewandowski, que deixou para Thiago. O camisa 6, ex-jogador do Barça, avançou, tocou para Müller, que esperou, pensou em tocar para Lewa, mas viu Coutinho aparecer livre na esquerda. O alemão lembrou da lei do ex. E não hesitou: rolou para o brasileiro, que adiantou um pouco a bola, mas teve tempo de chutar para fazer: 7 a 2. Justo um brasileiro fazendo o sétimo gol para um time alemão…
Acha que acabou? Que nada! Quatro minutos depois, circulando a área blaugrana como predador nato que era, o Bayern apareceu com Thiago, que tocou para Lucas Hernández e este, de cabeça, ajeitou para Coutinho, de novo, fazer o oitavo: 8 a 2. Hecatombe bávara! Ou melhor, Octatombe!!!! Até o técnico alemão ficou atônito. As imagens da TV também mostraram os níveis de perplexidade do técnico Quique Setién, de Messi, Suárez e companhia. Era algo espantoso, inimaginável, histórico. Não era um jogo entre um gigante contra um time mediano. Eram dois gigantes, 10 títulos europeus em campo, escolas clássicas do futebol, etc, etc. Mas, naquele dia, era o espetáculo de um só time e a demolição escancarada de um clube que vinha há tempos padecendo, sucumbindo e vivendo de seu passado. Os dois gols de Coutinho eram o retrato exato daquilo: um jogador reserva, emprestado ao Bayern pelo próprio Barça e que custou quase 150 milhões de euros aos cofres blaugranas.
Após dois minutos de acréscimos, o árbitro apitou o final do jogo e ficou consolidada a classificação do Bayern e a pior derrota do Barcelona em competições europeias em toda a história. Uma partida para as enciclopédias e todo e qualquer livro sobre o esporte neste século XXI. E que rendeu números impressionantes:
- Foi a pior derrota do Barcelona em 69 anos, desde os 6 a 0 sofridos para o Espanyol em La Liga de 1950-1951;
- Foi a primeira vez que o clube catalão sofreu oito gols desde os 8 a 0 sofridos para o Sevilla, na Copa do Rey de 1946 (que na época ainda era chamada de Copa del Generalísimo);
- Foi apenas o sexto jogo em toda a história que o Barcelona sofreu oito gols ou mais;
- Foi a primeira vez que o Barcelona levou mais de cinco gols em uma partida de Liga dos Campeões da UEFA;
- Foi a pior derrota da história do Barcelona em qualquer competição da UEFA;
- Foi a pior derrota da carreira de Messi, superando os 6 a 1 sofridos para a Bolívia em 2009, com o craque defendendo a seleção argentina;
- Foi a primeira vez na era moderna da Liga dos Campeões da UEFA que uma equipe marcou oito gols em uma fase eliminatória. E a primeira desde os 9 a 1 do Real Madrid sobre o FC Swarovski Tirol em 1991;
- O Bayern fez quatro gols em apenas 31 minutos no primeiro tempo;
- Foi a maior goleada a partir das quartas de final em qualquer competição europeia desde os 8 a 0 do Rangers-ESC sobre o Borussia Mönchengladbach-ALE pela Recopa da UEFA de 1960;
- Foi a primeira vez que uma equipe marcou oito gols em um mata-mata de UCL na era moderna do torneio, a partir de 1992-1993;
- O número de gols do Bayern foi maior do que o número de finalizações do Barça no jogo inteiro: 8 a 7;
- O Bayern ampliou para 28 jogos seguidos sua invencibilidade;
- Foi a 12ª goleada do Bayern por quatro gols ou mais nesse período de 28 jogos;
- Com 35 gols em nove jogos, o Bayern quebrou seu recorde de gols marcados em uma única Liga dos Campeões da UEFA;
- Com cinco gols, Thomas Müller se tornou o maior carrasco do Barcelona em Liga dos Campeões, empatado com o ucraniano Shevchenko;
- Müller alcançou ainda os 23 gols em mata-matas da era moderna da UCL, o terceiro com mais gols, atrás apenas de Cristiano Ronaldo (67) e Messi (47);
- Com a eliminação do Barcelona, a Espanha ficou sem times em uma semifinal de UCL pela primeira vez desde 2006-2007.
Os números e recordes na verdade foram migalhas perto do que foi aquela partida. O desempenho coletivo e técnico do Bayern demonstrou o imenso profissionalismo de um time que, por mais irônico que possa soar, respeitou o Barcelona com uma aula de futebol ofensivo, intenso, dinâmico. Em nenhum momento eles passaram o pé sobre a bola ou deram toquinhos desrespeitosos. Se eles perceberam que o rival dava espaços para um placar mais elástico, por que ficar gastando o tempo?
Eles continuaram atacando, jogando futebol, marcando gols, sendo esportivos. Isso só engrandeceu ainda mais a partida e o feito memorável e eterno do Bayern, que naquele dia apresentou ao continente sua BlitzBayern e decretou de vez o fim de vários jogadores que antes eram símbolos do barcelonismo e de uma era de glórias. Até Lionel Messi, flagrado no intervalo da partida totalmente inconsolável, não escondeu sua insatisfação com o clube e a diretoria após o jogo. Foi, de fato, més que uma goleada…
Pós-jogo: o que aconteceu depois?
Barcelona: levar uma sapatada dessas em plena Liga dos Campeões, transmitida ao vivo para milhões e milhões de pessoas em todo o mundo causou consequências graves ao clube catalão. Imediatamente após o jogo, o zagueiro Piqué disse que “foi uma partida horrível, uma sensação nefasta. Vergonha, essa é a palavra” e que “ninguém é imprescindível, eu estou aqui me oferecendo, se tiver que sair, se tiver que sangrar, eu sou o primeiro a sair e deixar o clube. Todos temos que olhar e refletir internamente sobre o melhor para o Barcelona, que é o mais importante”. O técnico Setién, claro, foi demitido. Cartazes de protestos foram colocados aos arredores do centro de treinamento do clube, bem ao estilo do que vemos no futebol brasileiro, no nível “acabou a paz”, etc.
O presidente Josep Maria Bartomeu virou o centro das críticas por causa de sua administração e os investimentos que superaram 1 bilhão de euros em contratações durante sua gestão foram colocados em questionamento. O holandês Ronald Koeman, que dirigia a seleção da Holanda, foi contratado para iniciar um novo projeto, mas não animou muito a torcida, que quer a saída do presidente o quanto antes. O atacante Luis Suárez foi dispensado e Lionel Messi, quem poderia imaginar, demonstrou seu total descontentamento com a direção e expôs na penúltima semana de agosto seu desejo de sair – ele foi para o PSG na temporada 2021-2022.
A notícia caiu como uma bomba no noticiário mundial, torcedores invadiram o Camp Nou (!) em protesto e seu destino seguiu como uma novela. Manchester City, PSG e Internazionale eram os favoritos, mas o argentino anunciou que permaneceria no clube por mais uma temporada, em entrevista divulgada no dia 04 de setembro. No fim das contas, o Barcelona amargou sua pior temporada desde 2007-2008, quando também não venceu nenhum título e viu vários atletas que brilharam no time de 2004-2006 deixarem o clube.
O problema é que em 2008 eles tiveram a chegada de Pep Guardiola, tinham uma base sólida, Xavi, Iniesta e um Messi ainda novato. O resultado disso foi a hegemonia plena entre 2008 e 2012. Agora, não há base, não tem Xavi, Iniesta, Guardiola nem Messi, que foi para o PSG na temporada 2021-2022. É preciso uma revolução completa, principalmente na parte administrativa. Caso contrário, os blaugranas correm o risco de virarem apenas “més un club”.
Bayern München: sensacional e irresistível, o Bayern fez mais uma vítima na semifinal ao bater o Lyon-FRA por 3 a 0, carimbando a vaga na decisão. O adversário também foi francês – PSG -, que foi derrotado por 1 a 0, gol de Coman, curiosamente ex-jogador do clube parisiense e dispensado anos antes – a Lei do ex foi aplicada impiedosamente pelos bávaros naquela fase final… Com isso, os alemães confirmaram a mais impressionante campanha da história da Liga dos Campeões da UEFA: 11 vitórias em 11 jogos, 43 gols marcados e 8 gols sofridos. Foi o primeiro campeão com 100% de aproveitamento em um torneio europeu em toda a história. De quebra, confirmou o segundo Treble dos alemães (o primeiro foi em 2012-2013), que se igualaram, adivinhe, ao Barcelona, que até então era o único clube com dois Trebles distintos.
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Assim como o Miguel, eu também já imaginava que era questão de tempo que esse jogo estivesse por aqui. Alguns jogadores do Bayern também estavam presentes no Mineiraço mas, diferentemente da Alemanha contra o Brasil, não tiveram dó alguma do Barcelona.
E no fim das contas, esse formato que encontraram para a Champions ficou bom e saiu melhor do que se poderia imaginar.
Pois é, Lucho! As semelhanças com o Mineiraço são muito visíveis. A maior diferença, eu acho, é que o Bayern manteve o apetite de gols no segundo tempo. Verdadeira aula de futebol.
Sobre o formato, que mexeram por causa da situação causada pela COVID 19, ficou com cara de Copa do Mundo.
Esse jogo foi uma das maiores aulas de futebol do século! A performance definitiva desse grande time do Bayern!
Pois é! Já imaginava que era questão de tempo até a partida virar jogo eterno do Imortais assim que acabou. Eu vi tudo. Parecia inacreditável, mas foi verdade pura. Eu acho que o Barça nem era tão ruim assim, mas era mal treinado e nem lembrava o time que escreveu grandes histórias anos atrás. Já o Bayern era uma máquina imparável que venceu de uma forma incontestável e mostrou que era realmente o time do momento, tanto que o Barça fez lembrar o Brasil de um certo Mineiraço de 2014 (cruz credo!). O Barcelona vai ter que se reconstruir e repensar muita coisa. Ele pode voltar a ser més que um club? Sim, mas resta saber quanto tempo vai demorar para cicatrizar essa ferida tão dolorida! Abraço, Imortais!
Imortais do futebol, agora faltará a rubrica do esquadrão imortal do Bayern…resta saber se também ganharão outros títulos na temporada 2020-21, como por ex. a Supertaça europeia com o Sevilha, a Supertaça da Alemanha e o mundial de clubes. Um abraço desde e parabéns pela vossa página
Com certeza!! Obrigado!