Grandes feitos: Campeã Invicta da Copa América (2015) e Campeã da Copa América Centenário (2016). Foi a primeira seleção chilena da história a conquistar títulos.
Time-base: Claudio Bravo; Mauricio Isla, Gonzalo Jara (Francisco Silva), Gary Medel e Jean Beausejour (Eugenio Mena); Marcelo Díaz, Charles Aránguiz e Arturo Vidal; Jorge Valdívia (Felipe Gutiérrez / José Pedro Fuenzalida / Edson Puch); Eduardo Vargas (Mauricio Pinilla) e Alexis Sánchez. Técnicos: Jorge Sampaoli (2014-2016) e Juan Antonio Pizzi (2016).
“Campeones por la primera vez”
Por Guilherme Diniz
Do primeiro toque na bola de 27 de maio de 1910, em Buenos Aires, até o chute de Alexis Sánchez, no dia 04 de julho de 2015, foram 105 anos. Mais de um século de espera. Durante todo esse tempo, a Seleção Chilena de futebol disputou dezenas de torneios, sediou uma Copa do Mundo, em 1962, mas nunca teve o gosto de levantar uma taça em um grande torneio. Era difícil competir com os vizinhos Brasil, Argentina, Uruguai, Colômbia e Peru. Por mais esforço, por mais futebol que apresentavam, sempre faltava alguma coisa para bater de frente com os titãs do continente. Isso tudo até o início da segunda década do novo milênio. O Chile redescobriu a maneira de jogar futebol. Uma nova safra de futebolistas tomou forma. Prosperou. Um técnico que vinha de um grande trabalho em um clube do país foi tentar repetir a dose na seleção. E conseguiu. Primeiro, derrubou a poderosa Espanha no Maracanã com direito a olé na Copa do Mundo de 2014. Nas oitavas, contra o anfitrião Brasil, uma bola na trave impediu a classificação às quartas.
Mas, em 2015, em casa, no mesmo estádio onde a equipe sonhou em estar lá na final da Copa de 1962, o Chile bateu a Argentina e conquistou a Copa América. Sua primeira taça. Seu primeiro título. Um ano depois, lá foi o Chile até os EUA disputar a histórica Copa América Centenário, que celebrou os 100 anos de um dos torneios mais clássicos do futebol mundial. E, de novo, eles venceram. Com a dominância de verdadeiros campeões. Com direito a uma goleada de 7 a 0 em um time que estava há 22 jogos sem perder – tão marcante que ficou conhecida como “Massacre de Santa Clara”. Na decisão, bateram outra vez a Argentina, inibindo o direito da albiceleste de encerrar um jejum interminável. Nunca a América foi tão roja. E nunca a torcida chilena vibrou tanto com sua seleção. Bravo, Medel, Vidal, Díaz, Sánchez, Vargas, Sampaoli. Esses e muitos outros nomes foram os grandes responsáveis por acabar de vez com o jejum. Por mudar a história do futebol no país. Por derrotar seleções que antes tinham a certeza de que venceriam os chilenos. Pois caíram feio, um a um, jogo a jogo. É hora de relembrar.
O espelho de La U
Após as passagens de Marcelo Bielsa e Claudio Borghi, a seleção chilena ganhou um grande reforço para seu comando técnico no final de 2012. A ANFP (Associação Nacional de Futebol Profissional do Chile) buscou na Universidad de Chile o argentino Jorge Sampaoli, que vinha de um trabalho simplesmente fantástico no clube da capital (leia mais clicando aqui!). Ele transformou La U no mais imponente time do país desde o Colo-Colo do começo dos anos 90 e colocou o futebol chileno nas manchetes do continente após 20 anos de hiato. Campeã invicta da Copa Sul-Americana com uma campanha devastadora e sem rivais nas competições nacionais, a Universidad não só venceu como encantou com um futebol bonito, baseado em passes, muita ofensividade e gols.
Era exatamente assim que a federação chilena queria ver sua seleção. Mas era necessário um amplo trabalho de reconstrução. A equipe vinha de eliminações nas quartas de finais das Copas América de 2011 e 2007 e nas oitavas da Copa do Mundo de 2010. Mais do que isso, os jogadores não eram bem vistos por torcida e imprensa após escândalos de bebedeiras e confusões que sacramentaram as eliminações de 2007 e 2011 nos torneios continentais. Faltava comprometimento. Organização. Havia excesso de liberdade. E a federação tratou de priorizar a disciplina e a autonomia para Sampaoli tomar as rédeas do grupo.
“A diretoria me deu autonomia para conduzir o grupo. Para mim é importante o compromisso que queremos inserir nos jogadores com relação à bandeira. A metodologia e características de jogo seguramente não vão diferir do que vimos na Universidad de Chile que eu dirigia. A ideia é ter uma equipe que protagonize e tente buscar a classificação não focando os números, mas que tenha valentia e audácia de buscá-la”. – Jorge Sampaoli, em entrevista à Rádio Cooperativa (CHI), 03 de dezembro de 2012.
Partindo dessa premissa, Sampaoli começou a pensar no grupo que iria formar para buscar a classificação nas Eliminatórias para a Copa de 2014. O técnico, claro, tratou de integrar ao elenco os atletas que tanto contribuíram para o sucesso de sua lendária Universidad: Jhonny Herrera, Osvaldo González, José Rojas, Eugenio Mena, Marcelo Díaz, Charles Aránguiz, Edson Puch e Eduardo Vargas foram alguns dos nomes que Sampaoli começou a convocar para que o Chile tivesse entrosamento e uma base sólida. Além deles, o treinador foi conversar com os atletas que jogavam na Europa na época tais como Claudio Bravo e Arturo Vidal.
Outro a ser considerado pelo treinador foi Jorge Valdívia, marginalizado da seleção desde as polêmicas de 2007 e 2011, mas que poderia ser útil na armação de jogadas da equipe caso não se envolvesse em polêmicas nem confusões. Já em 2013, o argentino fez suas primeiras convocações e incorporou os antigos comandados de La U, as estrelas que jogavam na Europa e Valdívia, reconvocado após 16 meses. Após vitórias em amistosos contra Senegal (2 a 1), Haiti (3 a 0) e Egito (2 a 1), era hora de disputar as Eliminatórias e tentar uma vaga no Mundial do Brasil.
Depois do susto, a vaga com autoridade
O primeiro desafio do Chile nas Eliminatórias sob o comando de Sampaoli foi o Peru, fora de casa, e a equipe roja perdeu por 1 a 0. Mas foi um mero acidente. Na partida seguinte, contra o poderoso Uruguai, em casa, os chilenos venceram por 2 a 0 e iniciaram uma sequência de dez jogos sem perder. Em abril, a equipe viajou até Belo Horizonte para disputar um amistoso com o Brasil e empatou em 2 a 2. Em junho, dois compromissos pelas Eliminatórias e vitórias importantíssimas contra Paraguai (2 a 1, fora de casa) e Bolívia (3 a 1, em casa). Após massacrar o Iraque (6 a 0) em amistoso disputado na Dinamarca, a equipe venceu a Venezuela por 3 a 0, em casa, e só dependia de si para conseguir a vaga na Copa.
Antes, em setembro, os chilenos enfrentaram a então campeã mundial Espanha em amistoso disputado na Suíça e conseguiram um grande empate em 2 a 2, num jogo muito parelho e que mostrou o avanço considerável pelo qual aquela seleção passava. Energético, mas um pouco mais comedido, Sampaoli era uma figura importante para aquela seleção chilena. Colocava seu time para frente, mas sem uma exposição tão deflagrada que pudesse beneficiar o adversário. Os jogos eram intensos, os jogadores criavam muitas oportunidades de gol e o time não mostrava o complexo de inferioridade tão comum em outras campanhas. Mais do que isso, os atletas enfim davam valor à camisa roja e inspiravam uma confiança que há muito, mas muito tempo não era vista pelo torcedor.
Em outubro, os chilenos foram até Barranquilla enfrentar a Colômbia e abriram um categórico 3 a 0 ainda no primeiro tempo, com gols de Vidal e Alexis Sánchez (duas vezes). A classificação estava garantida, mas o time relaxou na segunda etapa e permitiu o empate colombiano. Na última rodada, jogando em casa, a equipe entrou concentrada e venceu o Equador por 2 a 1 (gols de Sánchez e Medel) e carimbou de vez a vaga para a Copa ao lado de sua fanática torcida, que lotou o Estádio Nacional de Santiago e fez uma linda festa.
O Chile terminou na terceira colocação com 28 pontos, nove vitórias, um empate, seis derrotas, 29 gols marcados (segundo melhor ataque, atrás apenas da Argentina) e 25 sofridos. Vargas e Vidal, com cinco gols cada, foram os artilheiros da equipe, seguidos de Alexis Sánchez, com quatro, e Matías Fernández, com três. A classificação chilena ao Mundial e sua recuperação foram tão marcantes que a FIFA realizou uma pesquisa com treinadores no final de dezembro de 2013 e Jorge Sampaoli foi eleito o melhor técnico das Eliminatórias com 57% dos votos.
Cada vez melhor
Após confirmar a vaga na Copa, o Chile viajou até Londres para enfrentar a Inglaterra em Wembley. E, com autoridade e muita confiança, os sul-americanos venceram os ingleses por 2 a 0, com dois gols do artilheiro Alexis Sánchez, em grande fase na carreira. Quatro dias depois, os chilenos fizeram outro amistoso contra o Brasil, dessa vez em Toronto-CAN, e acabaram perdendo por 2 a 1. A equipe terminou 2013 com 10 vitórias, três empates e apenas duas derrotas em 15 jogos. Foram 35 gols marcados e 14 sofridos, uma campanha irretocável. Eduardo Vargas, com nove gols, foi o artilheiro da seleção naquele ano, seguido de Alexis Sánchez, com oito, e Vidal, com quatro. Já em 2014, a equipe seguiu sua preparação e goleou a Costa Rica – que seria a sensação da Copa daquele ano – por 4 a 0 mesmo jogando com vários reservas.
Em seguida, o time viajou até Stuttgart-ALE para enfrentar a Alemanha (que seria campeã do mundo). O jogo terminou com vitória alemã por 1 a 0, mas o que se viu em campo foi um duelo totalmente dominado pelo Chile. A equipe teve maior posse de bola, controlou as ações, mandou duas bolas na trave e teve um volume de jogo notável mesmo diante de um adversário poderoso e com aquela constelação que todo mundo conhecia como Müller, Kroos, Schweinsteiger, Lahm, Özil, Klose, Götze, Boateng, Neuer e companhia.
O Chile tonteou os alemães, se movimentou, tocou a bola e encurralou a equipe europeia. Detalhes – e as traves – impediram a vitória chilena. Mas a apresentação digna foi muito festejada e colocou definitivamente a equipe como uma das candidatas a desempenhar um bom papel na Copa. Nos dois últimos jogos antes da estreia no Mundial, a roja bateu o Egito por 3 a 2 e a Irlanda do Norte por 2 a 0. Sampaoli definiu sua lista com os principais nomes utilizados nas Eliminatórias e certo de que poderia classificar sua equipe mesmo em um grupo com os dois finalistas do Mundial anterior – Holanda e Espanha – e a Austrália.
Classificação e olé na campeã!
No Grupo B da Copa, o Chile estreou contra a Austrália, em Cuiabá. E, com um início de jogo fulminante, os sul-americanos abriram 2 a 0 logo com 14 minutos de jogo com Alexis Sánchez e Valdívia. Cahill diminuiu para os australianos, mas Beausejour, nos acréscimos da segunda etapa, deu a vitória por 3 a 1 à equipe de Sampaoli. No duelo seguinte, o maior desafio da primeira fase: enfrentar a Espanha, então campeã mundial, no Maracanã tomado por mais de 74 mil pessoas. A equipe espanhola precisava desesperadamente da vitória pelo fato de ter sofrido uma goleada histórica da Holanda na estreia, como você pode ler mais clicando aqui. Se perdesse, a Fúria estaria eliminada.
Por outro lado, o Chile sabia que um triunfo iria colocá-lo na segunda fase. E, com uma apresentação de gala, muita maturidade e a torcida praticamente toda a seu favor, o time chileno deu show. Com um sistema de jogo muito bem montado, usando e abusando da velocidade de seus craques e futebol ofensivo, o Chile não se intimidou e abriu o placar logo aos 20’, quando Vidal tocou para Alexis Sánchez no meio e este deu um passe perfeito para Aránguiz, que tocou na medida para Vargas aparecer na grande área, tirar de Casillas e mandar pro fundo do gol: 1 a 0. Golaço! E com a assinatura do talentoso ataque chileno.
No final do primeiro tempo, Alexis Sánchez cobrou falta, Casillas defendeu como se estivesse jogando vôlei e deu um rebote fácil para Aránguiz, que mandou pro fundo do gol para mostrar ao arqueiro espanhol que aquilo era futebol: 2 a 0. Nem precisava mais. Na segunda etapa, o Chile continuou dominante, a Espanha foi nula – com exceção de um gol feito perdido por Sergio Busquets -, e o Chile garantiu a vaga nas oitavas aos gritos de “olé” e muita euforia da torcida. Foi uma apresentação de gala no mais perfeito dos palcos. De quebra, a primeira vitória do Chile na história dos confrontos contra a Espanha, que havia vencido oito e empatado duas vezes nos dez jogos entre ambas as equipes. Foi, também, um jogo que simbolizou o fim de uma era daquela Espanha, tão campeã nos quatro anos anteriores, mas que precisava de uma reformulação.
No último duelo da fase de grupos, o Chile enfrentou a Holanda, em São Paulo, num jogo raro de se ver – a única vez que as seleções se enfrentaram fora nas Olimpíadas de 1928, que terminou com empate em 2 a 2. Vidal, poupado, e Valdívia, no banco, não jogaram, e o meio de campo acabou pouco criativo. Diante de um adversário complicado, que soube neutralizar as ações ofensivas e que não deu contra-ataques de bandeja, o Chile perdeu por 2 a 0 e terminou na segunda posição. Era tudo o que eles não queriam. Motivo? Vinha uma verdadeira asa-negra da equipe em Copas pela frente: o Brasil.
Por centímetros…
Enfrentar o Brasil sempre foi missão ingrata para o Chile. Em Copas, mais ainda. Nos três últimos encontros entre ambos, deu Brasil: 4 a 2 nas semifinais de 1962, 4 a 1 nas oitavas de 1998 e 3 a 0 nas oitavas de 2010. E, em pleno território brasileiro, a missão chilena seria ainda mais difícil. No Mineirão (que ainda não era Mineiratzen), o Chile jogou pela honra. Não iria ser o saco de pancadas de outrora. Eram outros tempos. E aquele Brasil era ruim demais. O time da casa até abriu o placar num gol achado, aos 18’, mas o artilheiro Alexis Sánchez, aos 32’, empatou. No segundo tempo, o Chile foi aproveitando os espaços deixados no meio de campo e quase virou com Aránguiz, aos 19’, mas Júlio César fez grande defesa.
O jogo seguiu equilibrado, terminou empatado em 1 a 1 e foi para a prorrogação. Pela primeira vez, o Brasil não goleava o Chile em uma Copa do Mundo. Era a prova real de que aquela equipe roja tinha suas virtudes. No tempo extra, o esforço físico durante os 90 minutos da etapa complementar diminuiu o ritmo chileno. Mesmo assim, foi da equipe de Sampaoli a melhor chance. Pinilla, que entrara no finalzinho do jogo e era um dos mais descansados, recebeu uma bola na entrada da área e disparou um petardo. Júlio César não alcançou a bola. Ela tinha endereço certo. Mas, por centímetros, explodiu no travessão. Isso aos 14’ do segundo tempo da prorrogação. Ao apito do árbitro, o duelo foi para os pênaltis. E, na marca da cal, deu Brasil: 3 a 2. O Chile estava eliminado, mas pela primeira vez só após dar muito sufoco ao algoz histórico. Havia a lamentação, mas a certeza de que faltou pouco para um feito incrível. Era hora de mudar o foco e pensar em 2015: na Copa América em casa.
Em time que pode ganhar não se mexe!
Após a Copa, a federação chilena manteve Sampaoli no comando técnico. E não era para menos. O time jogava bem, batia de frente com os grandes, era entrosado e os jogadores tinham comprometimento com a camisa roja. Em campo, a seleção já tinha uma faceta única e características marcantes: troca veloz de passes, contra-ataques mortais, pressão na saída de bola adversária e, claro, o ótimo momento das estrelas em todos os setores do campo. Marcelo Díaz, Eugenio Mena, Charles Aránguiz e Eduardo Vargas, todos presentes naquela Universidad de 2011, formavam o pilar que sustentava aquela maneira de jogar.
E, com Medel, Isla, Vidal e Alexis Sánchez, a qualidade aumentava ainda mais. O Chile era, sim, uma das melhores seleções da América do Sul. Como dizia a imprensa latina na época, era “como um enxame de abelhas africanas sedentas que só se contentavam quando alguém estivesse no chão”. No segundo semestre de 2014, a roja venceu três dos seis amistosos que disputou, empatou dois e perdeu apenas um, encerrando o ano com 14 jogos, oito vitórias, três empates e duas derrotas, além de 27 gols marcados e 11 sofridos.
Copa em casa e a volta de um “fantasma”
O Chile foi sorteado no Grupo A da Copa América de 2015, ao lado de México, Equador e Bolívia. Com força máxima, a equipe tinha grandes chances de título, ainda mais com a pindaíba do Brasil e a tristeza da Argentina após o vice-campeonato Mundial no ano anterior. Além disso, comissão e jogadores queriam provar que a boa campanha na Copa do Mundo no ano anterior não fora por acaso. O cenário era o melhor possível: jogando em casa e com uma das melhores levas de craques de sua história, a maioria jogando em grandes clubes da Europa e da América do Sul. Só para citar alguns: Claudio Bravo (Barcelona-ESP), Medel (Internazionale-ITA), Arturo Vidal (Juventus-ITA), Alexis Sánchez (Arsenal-ING), Eugenio Mena (Cruzeiro-BRA), Valdívia (Palmeiras-BRA), Aránguiz (Internacional-BRA), Fuenzalida (Boca Juniors-ARG) e Beausejour (Colo-Colo-CHI).
A estreia do time foi no dia 11 de junho, no Estádio Nacional, contra o Equador. Após um primeiro tempo sem gols, Vidal, de pênalti, abriu o placar para os anfitriões, aos 21’. Faltando sete minutos para o fim, o artilheiro Vargas ampliou e decretou a ótima vitória chilena por 2 a 0. No duelo seguinte, um jogo eletrizante contra o México. A equipe mexicana abriu o placar em bobeada da zaga que Vuoso não perdoou. Apenas um minuto depois, Vidal subiu mais do que todo mundo na área rival e empatou. O México não se abateu e continuou pressionando, sempre nas jogadas aéreas. Até que Jiménez, aos 28’, fez de cabeça o segundo gol mexicano.
Aos 41’, Vidal apareceu pela direita, cruzou e Vargas, de cabeça, empatou: 2 a 2. No comecinho do segundo tempo, Vidal, de pênalti, virou o jogo – ele fazia um partidaço naquela noite. Mas o México empatou de novo com Vuoso, aos 20’. O Chile seguiu pressionando e quase fez o quarto, aos 23’, após ótima jogada de Vidal com Valdívia, que tocou para Alexis Sánchez chutar cruzado e a bola passar muito perto do gol. No fim, o empate em 3 a 3 premiou a ofensividade chilena e a esperteza mexicana em aproveitar os muitos espaços deixados pela equipe da casa.
No dia seguinte, porém, uma notícia deixou a torcida temerosa quanto ao futuro da equipe na Copa América. Vidal, tão importante para o esquema de Sampaoli, um ótimo jogador, rápido, com vigor físico privilegiado e capaz de ligar o meio de campo e ataque com muita eficiência, curtiu demais a folga após o grande jogo que disputara na noite anterior e se envolveu em um acidente automobilístico com sua “modesta” Ferrari. Ele foi preso após a polícia constatar que o jogador estava embriagado. Felizmente, o acidente não teve vítimas, mas reacendeu os velhos fantasmas de outrora: as polêmicas e bebedeiras dos chilenos em períodos com a seleção. Foi assim em 2006, quando dois jogadores foram pegos com três mulheres na concentração da seleção em Dublin, em período de amistosos.
Foi assim em 2007, na Copa América da Venezuela, quando seis atletas fizeram guerra de comida em um restaurante e mexeram com as mulheres do local. Foi assim em 2011, quando cinco jogadores chegaram embriagados na concentração após participarem do batismo do filho de Valdívia. E, agora em 2015, Vidal aparecia de novo no caderno de notícias e não de esportes, afinal, além de ter sido um dos “bebuns” de 2011, ele perdeu o voo que o levaria de volta para seu clube, a Juventus, em 2013, por comemorar demais a classificação chilena para a Copa do Mundo – e acabou multado por isso. E, em 2014, foi multado outra vez pelo clube por ter ido a uma casa noturna uma noite antes de um duelo contra a Roma pelo Campeonato Italiano.
Muitos questionaram se Vidal deveria ou não permanecer na equipe. Sampaoli fez questão de afirmar que ele “era importante para o time e que havia cometido um erro que não era suficiente para cortá-lo”. O treinador disse ainda que “o comportamento de Vidal sempre foi muito bom, cometeu um erro, mas que muitas coisas deveriam ser colocadas na balança”. O jogador se desculpou publicamente pelo ocorrido:
“Ontem eu fui a um cassino, tomei duas doses, tive um acidente que todos sabem, coloquem em risco a vida da minha mulher e em risco a vida de muitas pessoas. Estou muito arrependido disso e quero agradecer as pessoas que me apoiaram. […] Quero me desculpar com meus companheiros, a comissão técnica, os dirigentes, todo um país. É difícil falar, me resta pedir desculpas e demonstrar no campo que a oportunidade que me está sendo dada é por alguma coisa. Peço desculpas. Falhei com todos e vou tratar de dar o máximo para sermos campeões. Desculpas a todos.” – Vidal, em coletiva de imprensa. Trecho extraído da Trivela, em 17 de junho de 2015.
Após esse episódio, uma coisa era certa: se a seleção tropeçasse já no duelo seguinte ou mesmo nas próximas fases, Vidal seria duramente criticado pela ferrenha imprensa do país. E, provavelmente, levaria sozinho a culpa do fracasso.
Imponentes e na final
O último jogo da primeira fase foi contra a Bolívia, que vinha de uma campanha surpreendente e com grandes chances de classificação até mesmo em primeiro lugar – ela venceu o Equador por 3 a 2 e empatou com o México em 0 a 0. Porém, o Chile nem ligou para a boa fase do rival e destroçou qualquer desconfiança quanto ao seu rendimento: goleada de 5 a 0, gols de Aránguiz (2), Alexis Sánchez, Medel e um contra de Raldes. O resultado deixou os chilenos na primeira colocação, mas com a indigesta tarefa de enfrentar o Uruguai de Cavani nas quartas de final. O duelo foi muito disputado, com o Chile jogando à sua maneira e o Uruguai tentando explorar o jogo aéreo, ponto fraco dos chilenos. Com muitas faltas, a partida não se desenrolava como previsto e Cavani foi expulso após levar o segundo amarelo em desentendimento com Jara. Quando todos pensavam que a partida iria terminar mesmo sem gols, Isla, aos 35’, fez o único gol do jogo que deu a vitória por 1 a 0 aos chilenos e a vaga na semifinal, algo que não acontecia desde 1999.
Na semifinal, o adversário foi o Peru, muito bem comandado por Ricardo Gareca e com Guerrero e Farfán na linha de frente. Com uma rivalidade histórica – que sempre foi muito além do Pisco… -, as equipes fizeram um duelo parelho, digno de semifinal continental. No fim, brilhou a estrela de Eduardo Vargas, que marcou os dois gols da vitória por 2 a 1 em uma grande atuação coletiva da equipe e de Valdívia, que chamou a responsabilidade aparecendo muito bem na linha de frente. O Chile estava na final depois de 28 anos. Em casa. Com o time que jogava o melhor futebol da competição. Nunca uma taça estava tão próxima. Mas faltava um desafio: encarar a Argentina, ávida para encerrar um jejum que persistia desde 1993.
A primeira taça
No dia 04 de julho de 2015, mais de 45 mil pessoas lotaram o Estádio Nacional para um jogo histórico. Era dia de o Chile enterrar de vez as decepções passadas, os “quases” e o complexo de inferioridade. Era dia de ser campeão. De domar mais um gigante do futebol. Aquele Chile tinha conhecimento de causa. Não baixava a cabeça quando enfrentava um titã. Duelava com ele de igual para igual. E foi assim contra a albiceleste comandada pelo técnico Tata Martino e por jogadores como Mascherano, Messi, Agüero, Di María, Pastore e companhia. O Chile marcou muito, impôs sua ofensividade, se movimentou como sempre e atordoou o rival. Sob os cânticos de sua fanática torcida, jogava com brio e muita vontade.
No entanto, o gol teimava em não sair. O primeiro tempo teve poucas chances para ambos os lados e várias faltas, principalmente em cima de Valdívia pelo lado chileno e Messi pelo lado argentino. Na segunda etapa, o predomínio chileno continuou, principalmente no meio de campo, mas as chances claras de gol eram escassas. Na melhor delas, com Alexis Sánchez cara a cara com o goleiro Romero, a bola foi para fora. O zero persistiu e o duelo foi para a prorrogação. Mais 30 minutos e nada. Resultado: decisão por pênaltis.
A marca da cal poderia ser injusta ao melhor time daquela Copa América. Mas aqueles jogadores não deram qualquer margem para isso acontecer. Fernández, Vidal e Aránguiz converteram suas cobranças. Messi fez o seu. Higuaín chutou para fora. Banega perdeu para o goleiro Bravo. Na cobrança derradeira do Chile, estava nos pés de Alexis Sánchez o gol do título. Nos pés do artilheiro que a cada jogo se aproximava mais dos quase intocáveis Zamorano e Salas na artilharia histórica da seleção. Sánchez poderia encher o pé, bater no canto. Mas foi frio como as geleiras das cordilheiras dos Andes. Preciso. Categórico. Bateu com cavadinha no meio do gol. Decretou a goleada de 4 a 1 nas penalidades e o primeiro título da história da Seleção Chilena de futebol. Fez a torcida soltar o primeiro grito justamente em casa. Aquela era, de fato, a melhor geração de jogadores de toda a história do país.
Foi o título ao melhor time e ao que mais valor deu à uma competição tão tradicional. Em seis jogos, foram quatro vitórias e dois empates, com 13 gols marcados (melhor ataque) e quatro sofridos. Pela primeira vez, a equipe terminou uma Copa América invicta. Vargas, com quatro gols, foi um dos artilheiros do torneio. Valdívia, um dos maiores assistentes com três passes para gol. E Claudio Bravo terminou como o melhor goleiro da competição. Enfim, o Chile ganhava sua plaquinha no troféu da Copa América. Mas aquela festa estava muito longe de terminar.
Vitória (s) histórica (s)
Não bastasse o título inédito na Copa América, o Chile ainda teve tempo para duas outras façanhas naquele fim de ano. Primeiro, na estreia das Eliminatórias da Copa de 2018, a equipe recebeu o Brasil (ainda comandado por Dunga) e venceu por 2 a 0 no Estádio Nacional, que viu o primeiro triunfo do escrete rojo sobre a seleção canarinho desde 2000. Os gols de Alexis Sánchez e Vargas confirmaram a fase de esplendor de um time que parecia crescer a cada jogo. Mas o melhor veio cinco dias depois, em Lima, no Peru. A equipe foi enfrentar o tradicional rival e encontrou um ambiente totalmente hostil. Durante a semana, os jornais deixaram clara a chance do Peru derrubar o campeão da América. Nas ruas, torcedores lançaram rojões em frente ao hotel da delegação chilena. No dia do jogo, um jornalista chileno levou uma cusparada e, na execução dos hinos, vaias ensurdecedoras dos peruanos abafaram completamente o hino chileno. Era um ambiente de guerra que foi combatido da melhor maneira possível pelo Chile: na bola.
Logo aos sete minutos, Isla fez um passe sensacional para Alexis Sánchez, que apareceu na área e mandou pro gol: 1 a 0. Farfán empatou três minutos depois e virou, de pênalti, aos 36’, mas aquilo estava longe de abalar os chilenos. Aos 41’, Valdívia cruzou e Vargas empatou. Dois minutos depois, jogada pela ponta direita, Marcelo Díaz tocou e Alexis Sánchez apareceu para fazer o segundo dele no jogo: 3 a 2. Era um jogaço! No segundo tempo, logo aos quatro minutos, ataque mortal pela esquerda com Alexis Sánchez, que invadiu a área, tocou para Vargas e este só teve o trabalho de escolher o momento certo para mandar a bola pro gol diante de uma estarrecida zaga peruana: 4 a 2. Nos acréscimos, o Peru ainda descontou, mas era tarde. A vitória por 4 a 3 foi enorme para o Chile e serviu como um “por que no te callas?” aos rivais. Nos vestiários, a equipe ainda deixou um singelo recado na parede:
Além da vitória, Alexis Sánchez confirmou a ótima fase que vivia tanto na seleção quanto no Arsenal: eram nove gols nos últimos cinco jogos, além de chegar cada vez mais perto de Zamorano, 2º, e Salas, 1º, na artilharia histórica da seleção – faltavam apenas três gols para ele se igualar ao segundo colocado na lista. Nos últimos jogos do ano, ambos pelas Eliminatórias, a equipe empatou com a Colômbia (1 a 1) e perdeu fora de casa para o Uruguai (3 a 0).
Mudança de comando
No começo de 2016, o Chile sofreu um grande baque quando Jorge Sampaoli decidiu romper seu contrato e deixar a seleção. Entre os motivos, o vazamento na imprensa de que parte dos vencimentos do treinador iam para empresas em paraísos fiscais e as eleições na federação chilena que elegeram Arturo Salah no lugar de Sergio Jadue, que contratara Sampaoli. Jadue deixou a ANFP naquele começo de ano e acabou acusado de corrupção. Por ter quebrado o contrato que tinha, Sampaoli teve de pagar cerca de 1,2 milhão de dólares à ANFP. Sampaoli comandou o Chile em 44 jogos.
Foram 27 vitórias, nove empates, apenas oito derrotas, 89 gols marcados e 44 sofridos, aproveitamento de 68,18%, o melhor desempenho de um técnico em toda a história da seleção. Para o lugar do argentino veio outro portenho: Juan Antonio Pizzi, que não tinha grandes conquistas na carreira e gerava desconfiança na torcida. E tal faceta ganhou força após o início irregular da equipe na temporada, com derrota para a Argentina em pleno Estádio Nacional por 2 a 1, pelas Eliminatórias. Na sequência, o time venceu a Venezuela por 4 a 1, fora de casa, mas tropeçou nos dois amistosos que fez na sequência: 2 a 1 para a Jamaica, em casa, e 1 a 0 para o México, em San Diego (EUA).
Campeão continental, o Chile já não tinha o favoritismo dos tempos de Sampaoli para o grande desafio daquele ano: a Copa América Centenário, edição especialíssima que celebrava os 100 anos do mais antigo torneio de seleções do mundo. A Copa seria disputada nos EUA por 16 seleções – dez da América do Sul e seis das Américas Central e do Norte – e até uma taça especial foi criada, banhada em ouro e muito, mas muito bonita. Seria uma edição única, um troféu que certamente ganharia um destaque enorme na galeria de qualquer seleção. No entanto, poucos acreditavam que o Chile poderia repetir a façanha de 2015 e levar o bicampeonato. Ainda mais em uma edição extraordinária como aquela.
Do tropeço ao “Massacre de Santa Clara”
A estreia do Chile na Copa América Centenário foi a pior possível: derrota por 2 a 1 para a Argentina, que escancarou de vez a desconfiança no time. Mas, para a sorte dos chilenos, os adversários seguintes não iriam oferecer grande resistência – desde que eles jogassem o que sabiam, claro. A recuperação veio no triunfo por 2 a 1 sobre a Bolívia, com dois gols de Vidal. No último duelo do grupo, vitória por 4 a 2 de virada sobre o Panamá (dois gols de Vargas e dois de Sánchez) e classificação assegurada para a segunda fase.
O adversário chileno nas quartas de final foi o México, velho conhecido da edição de 2015 e invicto há 22 partidas. E, antes do duelo, o presidente da Federação Uruguaia de Futebol, Wilmar Valdez, insinuou que aquela competição estaria “favorecida ao México”.
“A Conmebol cometeu um grande erro em realizar um torneio dessa natureza nos Estados Unidos. […] Na partida contra o México (o Uruguai perdeu por 3 a 1), ficou muito evidente que esta competição está armada para a seleção deles vencer. Há uma grande colônia mexicana aqui nos Estados Unidos. A emissora de televisão Univisión (que transmitia a competição na época) é mexicana.”
Acontece que, se o México era mesmo o grande favorecido, esqueceram de avisar o Chile… No dia 18 de junho, em Santa Clara, o público viu uma atuação simplesmente magistral do time sul-americano. Sabe aquele dia em que tudo dá certo? Um dia em que todas as jogadas fluem perfeitamente? Logo aos 15’, Marcelo Díaz mandou um petardo de fora da área, Ochoa defendeu, mas Puch aproveitou o rebote e fez 1 a 0. Aos 44’, Vargas recebeu um passe primoroso de Alexis Sánchez dentro da área e fuzilou: 2 a 0. No segundo tempo, em jogada típica de treino, Alexis ampliou: 3 a 0. A torcida mexicana começou a ficar revoltada.
Enquanto os chilenos comemoravam, copinhos e outros objetos eram arremessados no campo. Aos 7’, começou a apoteose de Eduardo Vargas. Ele marcou o quarto, com velocidade e precisão cirúrgica em jogada que começou com uma roubada de bola lá no meio de campo. Cinco minutos depois, o atacante aproveitou sobra dentro da área e fez o quinto. E, aos 28’, finalizou um ataque fulminante dos chilenos para fazer o sexto. Perplexos, os mexicanos não sabiam o que acontecia. E ainda tinha mais. Aos 42’, Puch fechou a conta do “Massacre de Santa Clara”: Chile 7×0 México.
Foi a maior goleada aplicada na história da seleção chilena desde os 7 a 0 pra cima da Venezuela na Copa América de 1979. E a pior derrota da história da seleção mexicana em jogos oficiais. Claro que não faltaram comparações ao 7 a 1 aplicado pela Alemanha sobre o Brasil, mas o grande destaque foi a intensidade do futebol chileno e os espaços absurdos que o México deixou. Vargas, com quatro gols marcados, foi o primeiro jogador desde Evaristo de Macedo, em 1957, a fazer tantos gols em um só jogo de Copa América – o brasileiro anotou cinco na goleada de 9 a 0 sobre a Colômbia naquele ano.
O placar histórico embalou de vez o Chile. O campeão estava de volta. Nas semis, a equipe encarou a Colômbia – um time complicado e que também era cotado ao título – com um problema: Vidal não poderia jogar por causa da suspensão automática causada pelo excesso de cartões amarelos. Mesmo sem o meio-campista, os chilenos deram as cartas logo no começo do jogo após grande jogada de Fuenzalida pela direita que terminou com gol de Aránguiz, aos 7’. Aos 11’, foi a vez de Fuenzalida deixar sua marca após um chute de Alexis Sánchez explodir no travessão e dar rebote. E os chilenos só não fizeram o terceiro, aos 14’, porque o chute de Sánchez bateu em Ospina, na trave e foi para fora. Porém, os ânimos esfriaram após uma tempestade cair em Chicago e atrasar em duas horas o recomeço do segundo tempo. Com isso, o campo ficou pesado e coube ao Chile apenas administrar o resultado. A equipe estava em mais uma final continental. Na mais icônica Copa América de todas. E, de novo, o adversário seria a Argentina.
Para a eternidade!
Com mais de 82 mil pessoas no MetLife Stadium, em East Rutherford, Nova Jersey, a final da Copa América Centenário colocou chilenos e argentinos mais uma vez frente a frente. A diferença com relação à decisão de 2015 era que o time de Messi e companhia era ligeiro favorito pela campanha sem sustos até a decisão e por ter vencido o próprio Chile lá na primeira fase. Mas a roja não poderia ser menosprezada por conta da crescente que vinha na competição e por ter à disposição todos os seus craques. Com isso, o jogo foi disputado, cheio de rivalidade e muita catimba.
Aos 27’, a roja teve um desfalque importante com a expulsão bem discutível de Marcelo Díaz, após levar segundo amarelo. Mas a Argentina também terminou o primeiro tempo com um a menos quando Rojo levou vermelho após entrada forte em Vidal. Tais desfalques prejudicaram o andamento da partida. Sem grandes oportunidades, mais uma vez o duelo foi para a prorrogação. Nela, apenas duas chances claras de gol para cada lado no primeiro tempo, uma com Vargas e outra com Agüero, que cabeceou uma bola após falta cobrada por Messi e viu o goleiro Bravo fazer uma defesa estupenda. Após mais quinze minutos, os pênaltis iriam decidir o “campeão dos 100 anos”.
Vidal iniciou a contagem chilena e Romero defendeu. Messi bateu o primeiro da Argentina e chutou para fora. Os cinco batedores seguintes acertaram suas cobranças. Até que Biglia chutou e Bravo defendeu. A cobrança derradeira foi de Francisco Silva. Ele converteu. E deu o bicampeonato ao Chile. Mais do que isso, o campeão da edição única, que só será equiparada na edição bicentenário, lá em 2116. Vargas foi mais uma vez artilheiro da competição (6 gols) e Bravo foi eleito o melhor goleiro do torneio. Não tinha mesmo para ninguém: o Chile era a melhor seleção das Américas.
Soberba e o fim do encanto
O título da Copa América Centenário simbolizou o fim de uma era. Mesmo com a força do elenco e declarações como a de Vidal, que disse “somos a seleção mais forte do mundo” , em agosto de 2016, o Chile seguiu com uma campanha pífia nas Eliminatórias. Primeiro, perdeu para o Paraguai por 2 a 1, fora, e empatou em 0 a 0 com a Bolívia, em casa, jogo que acabou rendendo três pontos ao Chile porque o rival escalou um jogador de maneira irregular. Em seguida, nova derrota fora de casa, por 3 a 0, para o Equador. Só nas últimas três rodadas do ano é que o time conseguiu somar pontos: vitória por 2 a 1 sobre o Peru, em casa, empate sem gols com a Colômbia, fora, e triunfo por 3 a 1 sobre o Uruguai, em casa. Em 2017, a equipe perdeu mais uma para a Argentina (1 a 0, fora), venceu a Venezuela em casa por 3 a 1 e embarcou para a Rússia para a disputa da Copa das Confederações. Lá, muitos esperavam a volta do Chile intenso, goleador e cheio de vontade em mais um torneio de mata-mata, mas a equipe passou longe de seus melhores dias.
Na primeira fase, venceu Camarões (2 a 0), empatou em 1 a 1 com o “time F” da Alemanha e repetiu o placar contra a Austrália. Na semifinal, ficou no zero com Portugal e só ganhou nos pênaltis. Na decisão, de novo contra o time F da Alemanha, a equipe decepcionou e perdeu por 1 a 0. Um resultado péssimo para uma equipe tão badalada e com tanta pompa. Na volta às Eliminatórias, a tragédia de ficar de fora da Copa do Mundo se consumou: derrotas para o Paraguai em plena Santiago (3 a 0), para a Bolívia (1 a 0, fora), triunfo sobre o Equador (2 a 1, em casa) e novo revés na última rodada, para o Brasil, fora, por 3 a 0.
A não-classificação foi catastrófica, mas de se entender. Desde a saída de Sampaoli que o time não reeditou seus bons jogos de 2014 e 2015. Teve a queda de rendimento de Marcelo Díaz, tão importante no meio de campo. O excesso de tempo livre dos atletas entre os jogos das Eliminatórias. E a falta de alternativas táticas do técnico Pizzi, que não sabia como reverter um placar adverso nem impor aquela pressão ofensiva e fulminante tão comum na era Sampaoli.
Falando no argentino, o jornal “Las Últimas Noticias”, do Chile, destacou em uma matéria de capa em outubro de 2017 que Sampaoli já temia pela ausência da roja no Mundial em dezembro de 2015, quando ele estavas prestes a deixar o time. Em um encontro informal com jornalistas de uma rádio na época, Sampaoli falou sobre os persistentes problemas com álcool de alguns atletas – como Vidal e Medel -, a falta de integração de Sánchez com o elenco e a perceptível queda no nível técnico do elenco.
“A situação de Arturo (Vidal) é para especialista médico. Quando vínhamos no avião de volta de Lima (após triunfo por 4 a 3, na segunda rodada das Eliminatórias), me perguntou se podia abrir uma garrafa de cerveja que havia comprado no aeroporto. Disse que não, que haviam dirigentes e outras pessoas. Mesmo assim, com a ajuda de quem era nosso motorista do ônibus, ele e outros conseguiram uma garrafa de whisky. Tive que despedir o motorista, apesar de que sabia que o culpado era Vidal. […]
Há jogadores que não dão o tom. Edu (Vargas), cada vez que vejo chegar ao Chile, está pior que antes. Mati (Fernández) já não dá para jogar no nível que quero na seleção. Pinilla só pensa nas festas quando o convoco. Ninguém deles está para enfrentar uma eliminatória como a que temos pela frente. Se seguimos assim, sem fazer nada, e não há mudanças profundas, é difícil que o Chile chegue ao Mundial”. – Jorge Sampaoli, em reportagem do Las Últimas Noticias e divulgada no globoesporte.com, 13 de outubro de 2017.
Os chilenos realmente pensaram que eram os melhores do mundo. Mas se esqueceram de colocar isso em prática. E o resultado, infelizmente, não poderia ser outro. Se mantivesse o bom futebol e a humildade, a equipe certamente teria desempenhado um bom papel na Copa de 2018 e ficado até entre os quatro melhores. Pizzi deixou o comando do Chile após as Eliminatórias. E o encanto de um grande time se dissipou por completo.
Emoldurada para sempre
Mesmo com um desfecho melancólico, a seleção chilena de 2014-2016 já entrou para a história como a primeira de seu país campeã. Ou melhor, bicampeã. Foi o time que mais jogou no continente durante dois anos e que fez seu povo ter orgulho de vestir a camisa roja. Que sepultou fantasmas do passado e brigou de igual para igual com as melhores equipes do planeta. Antigamente, o Chile era apenas mais uma seleção, certeza de vitória para os rivais. Após um histórico bicampeonato continental, essa fama deixou de existir. E, acima de tudo, só o Chile poderá gabar-se de ser o campeão da América do Centenário. Algo que os gigantes Brasil, Argentina e Uruguai não foram. Eles terão que esperar até 2116 por uma nova oportunidade. Até lá, el campeón de los 100 años es Chile, una selección inmortal.
Os personagens:
Claudio Bravo: com muita regularidade e grandes jogos, Bravo se transformou em um dos maiores goleiros da história do Chile e alcançou o mesmo patamar que outros grandes arqueiros do país como Escuti, Livingstone e Rojas. Capitão do time, Bravo chegou ao estrelato depois de brilhar na Copa de 2014, e, principalmente, nas conquistas continentais do Chile. Rápido, seguro e com bom senso de posicionamento, conseguiu dar conta do recado mesmo com o esquema de jogo tão ofensivo do Chile no período. Chegou ao Barcelona em 2014 e se transferiu para o Manchester City em 2016. Tem mais de 110 jogos com a camisa da seleção.
Francisco Silva: com bom porte físico, boa visão de jogo e apto para atuar tanto como volante quanto zagueiro, Silva foi titular em boa parte dos jogos do Chile na era Sampaoli. Jogou sete anos na Universidad Católica até se transferir para o futebol europeu. Voltou à América do Sul em 2018 para atuar no Independiente-ARG.
Gonzalo Jara: zagueiro que não brinca em serviço, usa as “ferramentas” necessárias quando preciso para impedir os avanços dos rivais, além de gostar de provocá-los. Na Copa América de 2015, Jara provocou Cavani colocando o dedo “naquele lugar” do uruguaio e forçou a expulsão do atacante. Após o jogo e a análise das imagens, o zagueiro foi suspenso por duas partidas pela Conmebol. Polêmicas à parte, Jara foi um dos grandes nomes do sistema defensivo chileno e podia atuar em qualquer setor da zaga. Tem mais de 100 jogos com a camisa do Chile.
Marcelo Díaz: com imensa visão de jogo, movimentação e passes precisos, Díaz foi o grande termômetro da seleção naquele período. Se ele jogava bem, o time todo correspondia. Uma das peças fundamentais de Sampaoli em La U, o pequenino meia foi um gigante nas conquistas da seleção e repetiu boa parte do seu repertório de classe e técnica com a bola nos pés naquela época.
Gary Medel: um verdadeiro trator, forte, de espírito combativo tanto como zagueiro quanto volante, rápido, ótimo nos desarmes e incansável. Com esses atributos, o Pitbull foi titular em praticamente todos os jogos do Chile no período e uma das referências em campo do técnico Sampaoli. Tem mais de 110 jogos com a camisa da seleção, pela qual joga desde 2007.
Mauricio Isla: foi o titular absoluto da lateral-direita da equipe na Copa de 2014 e na conquista da Copa América de 2015. Era bom nos passes e no apoio à linha de meio de campo, além de também ser polivalente e atuar como zagueiro e volante. Perdeu espaço na seleção com a chegada do técnico Pizzi e a boa fase de Fuenzalida a partir de 2016.
Charles Aránguiz: com muito fôlego, presença constante no ataque, chutes perigosos, gols importantes, ótimo senso tático, habilidoso e grande articulador, Aránguiz foi outra peça de destaque no ótimo meio de campo chileno. Fez grandes partidas, mostrou notável regularidade e foi fundamental para os títulos da equipe na Copa América, além de brilhar na Copa do Mundo de 2014, na qual marcou um dos gols na vitória por 2 a 0 sobre a Espanha.
Arturo Vidal: polêmico fora de campo, enorme dentro dele. Vidal é uma das maiores estrelas dos últimos tempos do Chile e, sem dúvida, o mais famoso do país no futebol internacional. Com um futebol marcante e extremamente versátil, Vidal pode criar jogadas, ser elemento surpresa no ataque, desarmar rivais com muita facilidade, driblar e colocar um companheiro na cara do gol. Além de tudo isso, pode decidir jogos com sua visão de jogo. Não foi à toa que o craque foi para o futebol europeu bem cedo, em 2007, e contratado pela Juventus em 2011 para se transformar em um dos principais nomes da equipe até 2015, quando foi jogar no Bayern. Em 2018, se transferiu no Barcelona. Pela seleção, Vidal já tem 100 jogos e 24 gols.
Jean Beausejour: outro jogador com 100 jogos pela seleção, Beausejour podia atuar como lateral-esquerdo, lateral-direito e também no meio de campo. Teve a concorrência de Isla e Mena no início da era Sampaoli, mas conseguiu desempenhar seu papel quando entrou e foi muito importante. Com a chegada do técnico Pizzi, retomou a titularidade e fez uma boa Copa América em 2016, atuando em todos os jogos da conquista.
Eugenio Mena: veloz e muito raçudo, ganhou a titularidade na seleção graças às atuações que teve com a camisa de La U. Foi titular em boa parte do período em que Sampaoli esteve no comando da seleção. Acabou perdendo espaço com a chegada de Pizzi.
Jorge Valdívia: podia fazer uma partida incrível ou nem ser notado. Felizmente para os chilenos, ele estava bem acordado naqueles anos de 2014 e 2015. Com ótimos jogos que relembraram seus bons tempos de Palmeiras, El Mago não foi preguiçoso, não arrumou confusão e ajudou bastante sua equipe na conquista do título da Copa América de 2015 como o grande articulador de jogadas no meio de campo. Disputou todos os jogos, deu três assistências e cravou de vez seu nome na história. Acabou deixado de lado pelo técnico Pizzi após a conquista e nem foi chamado para a Copa América Centenário. Disputou 79 jogos e marcou sete gols com a camisa da roja na carreira.
Felipe Gutiérrez: esteve no grupo que disputou a Copa de 2014 e foi figura constante nas convocações de Sampaoli. Atuava como meia, mas não teve grandes chances no time titular. Na Copa América de 2015, entrou apenas no duelo contra o Peru.
José Pedro Fuenzalida: outro polivalente do setor defensivo do Chile, começou a ser titular sob o comando do técnico Pizzi e fez uma ótima Copa América Centenário. Brilhou muito pela lateral esbanjando velocidade, apoio ao ataque, passes e um gol. Foi uma das gratas revelações chilenas no torneio.
Edson Puch: muito veloz no ataque, foi outro a ganhar mais chances com o técnico Pizzi. Em 2016, disputou cinco dos seis jogos da equipe na competição e foi titular no inesquecível 7 a 0 sobre o México, partida na qual ele marcou dois gols.
Eduardo Vargas: após arrasar quarteirões, defesas e goleiros na Copa Sul-Americana de 2011 pela Universidad, Vargas não conseguiu repetir o brilho nos clubes pelos quais passou na Europa. No entanto, quando o atacante vestia a camisa roja do Chile… Ele se transformava naquele prolífico, perigoso e hábil atacante dos tempos de La U. Vargas foi o grande artilheiro da equipe naqueles anos de ouro e marcou gols importantíssimos e decisivos nas conquistas continentais do Chile. Foi artilheiro de ambas e a grande referência goleadora da seleção. São 35 gols em 82 jogos com a camisa chilena na carreira, o que faz dele o terceiro na lista de maiores goleadores da seleção, à frente de Ivan Zamorano e atrás apenas de Salas e Sánchez.
Mauricio Pinilla: o atacante teve a grande chance de entrar para a história naquela Copa do Mundo de 2014, mas seu chute nos minutos finais contra o Brasil foi no travessão, e, como Pinilla não tinha como concorrer com Sánchez e Vargas, sempre foi reserva. Jogou apenas dois jogos em cada Copa América vencida pelo Chile e não marcou gols.
Alexis Sánchez: já é uma lenda do futebol chileno e fez uma dupla de ataque inesquecível na roja que acabou superando a lendária Salas / Zamorano dos anos 90. Habilidoso, rápido, inteligente, oportunista, com visão de jogo e driblador, Sánchez viveu grandes momentos pela seleção justamente na melhor fase da carreira. Marcou gols e se transformou no maior artilheiro da história da seleção com 39 gols em 121 jogos. É, também, o que mais vestiu a camisa da roja em todos os tempos. Sem ele, dificilmente o Chile teria conquistado tudo o que conquistou. Simplesmente inesquecível.
Jorge Sampaoli e Juan Antonio Pizzi (Técnicos): após a semente plantada por Bielsa, Sampaoli trabalhou no processo de “frutificação” da seleção chilena. Com a filosofia do futebol ofensivo, dos passes precisos, da “doce loucura” de seus kamikazes (como ele costumava chamar os jogadores) e muito talento, o argentino fez do Chile uma das maiores seleções do mundo entre 2014 e 2015 e levantou o tão sonhado título continental. Foi notável seu trabalho de grupo e reconstrução de uma equipe que levantava tantas críticas e dúvidas junto à torcida e à imprensa, esta uma que sempre Sampaoli fez questão de manter distância para focar em seus jogadores. Uma pena que tenha saído no meio daquele processo, pois sua equipe poderia ter ido muito mais longe. Pizzi tentou dar continuidade, mas o elenco perdeu a intensidade goleadora de antes e só a reencontrou na goleada de 7 a 0 sobre o México. Foi campeão em 2016 com méritos por recuperar a auto-estima dos jogadores após o revés na estreia. No entanto, Pizzi teve apenas 47% de aproveitamento contra 68% de Sampaoli. E o Chile mais brilhante e que todos se lembram é aquele de 2014 e 2015.
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Bom dia a todos em uma epoca que brasil e argentina eram só uma sombra do passado deu gosto de ver o chile passear pela america era um time muito dificil de se vencer e com um detalhesempre marcavam pelo menos um gol por jogo mas é claro que a imprensa soberba daqui e da argentina não sabiam disso.
Estou muito feliz pelo site ter voltado a publicar novas matérias com mais frequência, como era antigamente !
Obrigado pelo comentário, Leonardo! Uma pena que não consigo escrever mais de um texto por semana, mas pelo menos um por semana é garantido! 😀