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Jogos Eternos – Watford 3×1 Leicester City 2013

 

Data: 12 de maio de 2013

O que estava em jogo: uma vaga no play-off final do Championship 2012-2013

Local: Vicarage Road, Watford, Inglaterra.

Árbitro: Phil Dowd (ING)

Público: 16.142 pessoas

Os Times:

Watford FC: Almunia; Doyley (Forestieri), Ekstrand e Cassetti; Anya, Chalobah, Battocchio (Hogg) e Briggs; Abdi; Deeney e Vydra. Técnico: Gianfranco Zola.

Leicester City FC: Schmeichel; De Laet, Morgan, Keane e Schlupp, Knockaert, James, King, e Dyer (Drinkwater); Wood (Harry Kane) e Nugent. Técnico: Nigel Pearson.

Placar: Watford 3×1 Leicester City (Gols: Vydra-WAT, aos 15’ e Nugent-LEI, aos 17’ do 1º T; Vydra-WAT, aos 20’ e Deeney-WAT, aos 45’ + 7’ do 2º T).

 

“Pure Madness!!”

 

Por Guilherme Diniz

 

O que é possível fazer em uma partida de futebol em 20 segundos? Pouca coisa? Muita coisa! Uma rápida troca de passes pode ocasionar um gol. Um chute de longe, também. Mas, em 20 segundos, é difícil pensar em uma jogada que possa gerar um gol agônico e que defina uma partida nos acréscimos logo após seu rival perder um pênalti. Era um jogo pouco badalado, um play-off da segunda divisão inglesa, o Championship. Mas poderia ser final de Copa da Inglaterra, rodada final de Premier League. Poucas vezes na história do futebol vimos algo como o que aconteceu na tarde do dia 12 de maio de 2013.

O Leicester City tinha um pênalti a seu favor que poderia empatar o jogo contra o Watford e lhe dar a vaga na final. Na bola, um dos melhores em campo, Knockaert. Claro que ele ia fazer. Pois errou. Mas teve rebote. Claro que ele ia fazer. Pois errou de novo! Ali, naquela segunda desperdiçada, começou a redenção do Watford. Depois de um chutão despretensioso da zaga, a bola foi ao encontro de Anya, que conduziu pela direita e engatilhou um contra-ataque. O lateral deixou com Forestieri, que cruzou. Hogg ajeitou de cabeça para o meio da área e um jogador que queria muito, mas muito marcar um gol desde o início daquele jogo, ganhou a bola que queria: Deeney. Ele não ajeitou, não enfeitou. Fuzilou. E marcou. Watford 3×1 Leicester City. Do caos à glória, em 20 segundos. Pura loucura. É hora de relembrar.

 

Pré-jogo

Com 24 clubes na disputa por duas vagas diretas na Premier League e outra por meio do playoff, o Championship de 2012-2013 reuniu várias equipes consagradas do futebol inglês como Wolves, Blackburn, Ipswich Town, Middlesbrough, Leeds United, Derby County, Nottingham Forest, Bolton, além, claro, de Leicester City e Watford. Mesmo com toda essa turma, os clubes que ficaram com as duas vagas diretas foram Cardiff City (campeão com 87 pontos) e Hull City (vice-campeão). Os quatro que avançaram aos playoffs foram Watford, Brighton, Crystal Palace e Leicester City. O Watford chegou àquela etapa sabendo que precisava dar a volta por cima depois de um returno muito irregular – foram três derrotas nos últimos cinco jogos – que lhe custou a vaga direta como vice-campeão, afinal, os hornets terminaram apenas dois pontos atrás do Hull City. 

O adversário da equipe treinada por Gianfranco Zola – ídolo do Chelsea nos anos 1990 – era o Leicester City, 6º colocado e que se apoiava na dupla Wood e Nugent, artilheiros do time no torneio, além da boa retaguarda na qual o capitão Morgan e o goleiro Schmeichel eram os destaques. Porém, eles teriam que trabalhar muito para conter a dupla de ataque afiada do Watford formada por Vydra e Deeney, autores de 39 gols que ajudaram os hornets a ter o melhor ataque da competição com 85 gols (!). 

Deeney (à dir.), um dos destaques do time do Watford.

 

No primeiro jogo, na casa do Leicester, a equipe azul venceu por 1 a 0, gol de Nugent, e foi até o Vicarage Road precisando apenas de um empate para ir à final. O Watford teria que vencer por dois gols de diferença para avançar. Uma vitória por um gol levaria o duelo para a prorrogação. No dia do jogo, a torcida lotou a pequena casa dos hornets e fez muito barulho desde o apito inicial. Os fanáticos do Leicester também compareceram em bom número e tomaram conta de todo o espaço destinado a eles, no canto do Vicarage. 

 

Primeiro tempo – Iguais

Vydra abriu o placar com um belo gol.

 

Os primeiros minutos foram sem chances, com os times se estudando. Embora tivesse a vantagem do empate, o Leicester não ficava na retranca e dava espaços ao Watford. Aos 4′, a primeira chance foi dos foxes, com Knockaert, pela direita, mas a zaga cortou e mandou para escanteio. Na cobrança, a retaguarda do Watford tirou. Os azuis seguiram pressionando e tiveram mais 3 escanteios em sequência que acabaram não surtindo efeito. Com cinco defensores, o Watford conseguia se recompor bem e mantinha seus alas mais abertos, em especial Anya. Aos 7’, Vydra respondeu para os donos da casa quando recebeu na esquerda dentro da área e chutou cruzado, mas a bola foi para fora.

Aos 9′, Deeney apareceu na entrada da área, matou no peito, escapou da marcação e chutou forte, mas Schmeichel defendeu. O ritmo da partida era relativamente baixo até que, aos 15’, o Watford foi trocando passes na intermediária até Cassetti levantar a bola com perfeição para Vydra chutar sem deixar a bola cair e marcar um golaço: 1 a 0. Festa da torcida dos hornets! O Leicester sabia que não podia demorar muito para dar o troco e foi ao ataque nos minutos seguintes até Dyer cruzar e Cassetti tirar, gerando outro escanteio. Na cobrança, o artilheiro Nugent subiu sozinho, testou firme e empatou, aos 17’: 1 a 1. Foi o 16º gol dele na temporada, boa fase que mantinha Jamie Vardy e um tal de Harry Kane na reserva dos foxes…

O empate do Leicester veio rapidamente.

 

A partida ficou mais animada e as torcidas eram um show à parte, cantando sem parar de maneira impressionante. Não havia aquela sequência de toques de bola e muitas jogadas eram alçadas ou rifadas, o que entregava a condição dos times e de um Championship em geral. O Leicester ganhava o meio de campo e, quando chegava, era com perigo, como em lance de Knockaert, pelo meio, aos 24′, em chute que passou perto do gol. O Watford jogava mais pela direita, com Anya, mas não tinha criatividade para tentar algo mais incisivo. O técnico Zola tinha que colocar seu time mais para frente e colocar a bola no chão, como no lance do primeiro gol.

Os times em campo: Watford criou mais chances, principalmente pelas laterais.

 

Aos 29’, após boa jogada de Anya, ele passou para Deeney, que chutou e Schmeichel defendeu. O atacante queria marcar o seu… Entre os 30’ e os 33’, o Watford colocou mais a bola no chão, mas o Leicester fechou a porta e era difícil para os donos da casa encontrarem um espaço. Aos 34’, Deeney usou o corpo para escapar da marcação, tocou na direita para Anya, o lateral fintou o marcador, cruzou e Deeney tentou de bicicleta, mas foi para fora. Ele era o mais procurado pelos companheiros de Watford, enquanto Vydra ficava mais isolado e não aparecia. 

Só aos 37’ que Vydra apareceu pela direita e tentou o passe em profundidade para Deeney, mas a bola não chegou ao atacante. Aos 39’, boa jogada do meio com Chalobah para a direita com Anya, que cruzou, mas a zaga tirou. Aos 43’, eram 6 chutes a gol do Watford contra 2 do Leicester. Nos acréscimos, em novo escanteio, o Leicester teve a chance com Morgan, mas o capitão fez falta no goleiro. Ao apito do árbitro, a partida dava a impressão que iria mesmo para a prorrogação. Mas tudo poderia acontecer no segundo tempo.

 

Segundo tempo – 20 segundos de loucura

Sem modificações, os times foram para a segunda etapa com posturas diferentes. O Watford passou a atacar mais e com linhas mais avançadas, enquanto o Leicester ficou mais recuado, fechando mais os espaços no meio. Aos 3’, Knockaert tentou a primeira chance em cobrança de falta para o Leicester, mas a bola foi para fora. Três minutos depois, Battochio apareceu na entrada da área dos foxes, fintou a marcação do primeiro, fintou o segundo, escapou da falta e chutou forte, mas a bola passou perto da trave – a bola ainda desviou na zaga. Que lance do ítalo-argentino! Na cobrança de escanteio, a bola passou por todo mundo, sobrou para Anya na direita, os hornets tentaram circular a área rival, mas perderam a chance do gol.

Aos 12’, Briggs fez grande jogada pela esquerda, cruzou rasteiro para Vydra, que ajeitou para Abdi. O meia chutou, mas pegou mal na bola e ela foi para fora após desvio no zagueiro. Na cobrança de escanteio, a zaga azul mandou para fora e, na nova cobrança, Cassetti apareceu na primeira trave e quase marcou. O Watford estava mais ativo no ataque, enquanto que o Leicester tinha que se desdobrar no setor defensivo. Os hornets mantinham mais a bola no chão e o técnico Zola parecia ter encontrado o meio para chegar à vitória. Aos 15’, o Leicester decidiu mexer no setor ofensivo com a saída de Wood e entrada de Harry Kane – sim, ele mesmo, o astro inglês era reserva do Leicester no Championship!

Ao fundo, com coletes, Harry Kane e Jamie Vardy.

 

O Watford também mexeu na sequência com a entrada de Forestieri no lugar de Doyley, a fim de dar mais alternativas no setor ofensivo pelo meio e também pela direita. Aos 20’, eis que o time da casa foi premiado pela insistência no ataque com um gol. Trabalhando desde o campo de defesa, o time chegou à intermediária com Vydra, que aproveitou o espaço deixado pela zaga azul para avançar, tabelar com Deeney e chutar rasteiro, no cantinho do gol de Schmeichel: 2 a 1. Tudo igual na semifinal! E outro belo gol do Watford, que fazia jus à condição de melhor ataque de todo o Championship, agora com 87 gols. Era o 22º gol de Vydra na temporada.

Muito recuado, o Leicester teria que sair da toca se quisesse a vaga sem depender da prorrogação. E, mais do que isso, evitar outro gol dos hornets. O técnico dos azuis tirou Dyer para a entrada de Drinkwater e tentou avançar mais sua equipe, mas a alteração não intimidou o Watford, que seguiu mais incisivo no ataque. Já perto dos 25’, Harry Kane tentou deixar o seu em cobrança de falta, mas mandou muito longe do gol. O Watford tocava a bola mais tranquilo, confiante, e o terceiro gol parecia questão de tempo. Bem no jogo, Forestieri dava mais opções na frente e o time não ficava pendendo apenas de um lado, mas sim pela esquerda, direita e meio. Aos 22’, Forestieri apareceu pela esquerda, tocou para Battochio e o meia chutou para a defesa em dois tempos de Schmeichel.

A resposta azul veio minutos depois, com Nugent fazendo jogada individual na entrada da área e cavando a falta. Ele mesmo bateu, mas a bola foi por cima. Um minuto depois, Kane recebeu pela esquerda, invadiu a área e chutou rasteiro para boa defesa do goleiro Almunia. Àquela altura, o Leicester era mais presente no ataque e o jogo ficava cada vez mais tenso. Aos 27’, o Watford conseguiu um contra-ataque rápido com Forestieri pela esquerda, que escapou da marcação e deixou com Vydra. O atacante tocou para Deeney, que marcou, mas o bandeirinha assinalou impedimento. Os hornets continuaram no ataque e ganharam escanteio, aos 28’. Na cobrança, Cassetti tentou de cabeça, mas a bola foi para fora. Aos 29’, Hogg entrou no lugar de Battochio, já cansado. 

O Watford fazia um grande segundo tempo, com bom toque de boa, jogadas bem trabalhadas, bem diferente da etapa inicial. Só faltava caprichar na finalização. Os 10 minutos finais foram frenéticos, com os hornets em busca do gol sem depender da prorrogação. Perto dos 40’, o time da casa dominava o jogo e teve 70% de posse de bola entre os 25’ e 35’. Sem grandes chances, a partida se encaminhava para o final e o árbitro deu quatro minutos de acréscimos. Por conta de um lance no qual dois jogadores se machucaram, o árbitro postergou a partida em mais três minutos. Kane teve uma chance aos 95’, mas não aproveitou. Um minuto depois, em jogada pela direita, Knockaert foi derrubado dentro da área por Cassetti e o árbitro, sem pestanejar, assinalou pênalti. Foi como um grito de gol para a torcida dos foxes. E um drama absoluto para os hornets.

Era o fim. Quase todos os torcedores do Watford sabiam que a esperança da classificação ia terminar ali, ainda mais pelo fato de Knockaert ser o cobrador. Ele era o principal articulador de jogadas do Leicester, fez um bom jogo. Era “o cara” do time, por mais irônico que isso possa parecer sabendo que na época havia Harry Kane, tão especializado em pênaltis, por ali. Knockaert estava cansado, mas foi para a bola. O camisa 24 chutou no meio do gol e o goleiro Almunia defendeu com os pés. No rebote, Knockaert teve a chance de marcar, mas chutou em cima de Almunia, que defendeu outra vez! A partir dali, começaram os 20 segundos mais alucinantes que qualquer amante do futebol já viu.

 

Cassetti, o mesmo que poderia ter sido o vilão da tarde, deu um chutão para frente e afastou a bola dali. A redonda caiu nos pés de Anya, que saiu em disparada em direção ao ataque pela direita, com um marcador à sua cola. Ele conseguiu se desvencilhar e tocou na frente para Forestieri, iluminado naquele jogo. O ítalo-argentino cruzou perfeitamente para a área e a bola voou até a cabeça de Hogg, outro que havia entrado naquela etapa complementar. Ele ajeitou e Deeney apareceu livre. O atacante esperou a bola dar um quique no gramado, preparou o pé e fuzilou. Gol. Watford 3×1 Leicester City.

Uma hecatombe de emoções explodiu no estádio Vicarage Road. Deeney saiu correndo, tirou a camisa e foi comemorar com sua família, presente no estádio. Ela sabia o que o artilheiro havia passado naquela temporada, afinal, ele ficou três meses preso após uma briga em um pub. Zola, técnico dos hornets, até tropeçou na hora da comemoração e caiu no gramado. Torcedores invadiram o campo para celebrar com seus jogadores aquele momento único, impressionante.

Após reorganizarem o campo, o árbitro ainda recomeçou a partida, mas não havia condição alguma de ter jogo. Os jogadores do Leicester estavam devastados. Após meros segundos, o árbitro apitou o final da partida e a torcida do Watford reinvadiu o gramado! O caminho até Wembley estava pavimentado. E o sonho da primeira divisão mais vivo do que nunca para os hornets. Do outro lado, a tristeza e desolação eram visíveis nos atletas do Leicester e difíceis de se explicar. Bem, rever o lance é a melhor maneira. Em 20 segundos, muita coisa pode acontecer. Como aconteceu naquele jogo eterno de 12 de maio de 2013.

 

Pós-jogo: o que aconteceu depois?

 

Watford: pouco mais de uma semana depois, os hornets foram até Wembley decidir a vaga na final do playoff contra o Crystal Palace, 5º colocado e que havia eliminado o Brighton na semifinal. Mesmo embalados e com o ânimo a mil, o Watford perdeu por 1 a 0 e teve que ficar mais uma temporada no Championship. Só na temporada 2014-2015 que os hornets conseguiram, enfim, o acesso, após terminarem na vice-liderança do torneio graças ao seu artilheiro Deeney, autor de 21 gols e símbolo de tempos inesquecíveis para qualquer torcedor do Watford.

Leicester City: algumas coisas ruins acontecem para que outras boas possam surgir. E podemos dizer que o Leicester passou por isso. Depois de perder a vaga de maneira inacreditável naquele ano de 2013, os foxes conseguiram se reerguer já na temporada 2013-2014 e ficaram com o título do Championship de maneira incontestável – 102 pontos em 46 jogos. Em 2014-2015, os azuis quase caíram de novo, mas permaneceram na Premier League para escreverem uma das maiores histórias deste século: foram campeões da maior competição inglesa em 2015-2016. E com vários remanescentes daquela tarde trágica de 2013 como Schmeichel, Morgan, Vardy, Drinkwater… Leia mais clicando aqui!

Leicester campeão inglês de 2016: valeu a espera!

 

 

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