Data: 19 de abril de 1989
O que estava em jogo: uma vaga na final da Liga dos Campeões da UEFA de 1988-1989
Local: Estádio San Siro, Milão, Itália
Juiz: Alexis Ponnet-BEL
Público: 73.112 pessoas
Os Times:
Associazione Calcio Milan: Giovanni Galli; Mauro Tassotti, Alessandro Costacurta, Franco Baresi e Paolo Maldini; Roberto Donadoni, Carlo Ancelotti, Frank Rijkaard e Angelo Colombo (Filippo Galli); Marco van Basten e Ruud Gullit (Paolo Pietro Virdis). Técnico: Arrigo Sacchi.
Real Madrid Club de Fútbol: Paco Buyo; Chendo, Ricardo Gallego e Manuel Sanchís; Míchel, Bernd Schuster, Francisco Llorente e Rafael Gordillo; Martín Vázquez; Emílio Butragueño e Hugo Sánchez. Técnico: Leo Beenhakker.
Placar: Milan 5×0 Real Madrid (Gols: Ancelotti-MIL, aos 17´, Rijkaard-MIL, aos 24´, e Gullit, aos 45´do 1º T; Van Basten-MIL, aos 4´, e Donadoni-MIL, aos 15´do 2º T).
“La Orchestra di Milano”
Por Guilherme Diniz
Entre suas inúmeras qualidades, a Itália é conhecida e notabilizada por sua rica história e arte. Com o Renascimento, Leonardo Da Vinci, Michelangelo, Ticiano e muitos outros mostraram que com algumas somas de tintas e uma tela era possível criar obras eternas e impressionantes. Na música, Luciano Pavarotti, Farinelli e Francesca Cuzzoni foram alguns dos exemplos mais nítidos e belos de até onde a voz humana poderia chegar. E, no futebol, um time vestido em vermelho e preto conseguiu atingir a perfeição tática, técnica e artística com uma apresentação orquestrada por uma legião italiana e um trio holandês na noite do dia 19 de abril de 1989, a noite em que o imponente estádio San Siro, em Milão, se transformou em um teatro a céu aberto para um espetáculo visual e sonoro ser apresentado em cinco atos: os 5 a 0 que o Milan impôs ao Real Madrid na partida de volta da semifinal da Liga dos Campeões da UEFA de 1988-1989, uma goleada tão marcante, tão bela e tão absoluta que é tida como a melhor apresentação de toda a história do clube rossonero e também a apoteose de um dos maiores esquadrões que o futebol já viu. Franco Baresi, Paolo Maldini, Frank Rijkaard, Roberto Donadoni, Ruud Gullit e Marco van Basten foram alguns dos músicos que fizeram Sanchís, Míchel, Schuster, Gordillo, Butragueño e Hugo Sánchez parecerem meros iniciantes. Uma pena tudo aquilo ter durado pouco mais de 90 minutos… É hora de relembrar.
Pré-jogo
Após vários jogos e o afunilamento natural do mata-mata, as semifinais da Liga dos Campeões de 1988-1989 tinham uma final antecipada entre Milan e Real Madrid. Do outro lado da chave, Steaua Bucareste-ROM e Galatasaray-TUR pareciam não ter muitas chances diante da qualidade e poder dos gigantes de Itália e Espanha. Do lado espanhol, o Real tinha uma de suas melhores gerações de jogadores e dominava o cenário nacional há tempos, além de ter conquistado duas Copas da UEFA em 1984-1985 e 1985-1986. A equipe comandada pelo técnico Leo Beenhakker era adepta do futebol ofensivo e marcava gols e mais gols graças a dupla Butragueño e Hugo Sánchez, uma das mais prolíficas de toda a história merengue.
Já o Milan estava apenas começando a era de seu novo treinador, o carequinha Arrigo Sacchi, que se beneficiava de uma portentosa geração de craques como Paolo Maldini, Franco Baresi, Mauro Tassotti, Roberto Donadoni, Frank Rijkaard, Ruud Gullit e Marco van Basten para pôr em prática seus conhecimentos táticos e o foco total na perfeição futebolística dentro de campo. Na temporada 1987-1988, a equipe voltou a conquistar um título italiano depois de nove anos e se classificou para a Liga dos Campeões. Nela, o clube rossonero eliminou o Vitosha-BUL, Estrela Vermelha-IUG e Werder Bremen-ALE até alcançar as semifinais para encarar o Real Madrid, que perseguia sua sétima taça europeia desde a década de 60 e havia eliminado naquela temporada o Moss-NOR, Górnik Zabrze-POL e o campeão europeu de 1988, PSV-HOL.
Na primeira partida entre as duas equipes, no Santiago Bernabéu, Sánchez e Van Basten marcaram os gols do empate em 1 a 1 que deixou o confronto totalmente aberto para a volta, em Milão. Muitos pregavam o equilíbrio e não acreditavam em uma vitória fácil do Milan, mesmo este contando com o trio de holandeses que levou a seleção laranja ao título da Eurocopa de 1988. Porém, as apostas de igualdade cairiam por terra logo nos primeiros minutos do jogo do dia 19 de abril de 1989.
Primeiro tempo – Encantamento
O San Siro estava absolutamente lotado para o duelo decisivo entre Milan e Real Madrid. O Milan foi à campo com sua tradicional camisa listrada, enquanto o Real apostou no azul (uma das cores da rival dos italianos, a Inter…). Antes do apito inicial, foi respeitado um minuto de silêncio em homenagem às vítimas do desastre de Hillsborough ocorrido quatro dias antes, na Inglaterra, quando 96 torcedores do Liverpool morreram pisoteados em uma briga generalizada entre fãs dos Reds e do Nottingham Forest. Após a quietude, o juiz autorizou o início do jogo e o Milan começou sufocando o Real Madrid em seu próprio campo de defesa. Era o ensinamento de Sacchi, o pressing, a marcação avançada, os setores do campo compactados a três quartos e a clara imponência do time rossonero.
Naquele estádio e naquele jogo, quem teria o controle do jogo, as ações e a liberdade para atacar e criar seria somente e completamente o Milan. Quando tinha a bola, o time italiano a tratava com calma, em direção ao gol e com carinho. Quando a perdia, dois, três jogadores corriam atrás dela como se fosse um prato de comida, causavam pânico nos madrilenos e os irritava, forçando logo aos três minutos uma falta e um cartão amarelo à Hugo Sánchez. Mesmo assim, foi o Real Madrid que começou assustando o goleiro Galli com as investidas de Schuster, pelo meio, e a movimentação intensa do meio de campo e os ataques surpresas de Míchel. Do lado italiano, Van Basten respondeu com uma cabeçada que passou perto do gol de Paco Buyo.
Após dezesseis minutos sem gols, eis que o Milan iniciou o primeiro ato de sua sinfonia. Gullit recebeu na direita, deixou um adversário no chão, escapou da marcação, viu Ancelotti livre no meio e tocou para o camisa 11. O italiano foi conduzindo a bola com precisão, fez Schuster dar um toquinho no vácuo, passou por mais um e chutou de fora da área. A bola subiu, pegou o goleirão Paco Buyo adiantado e entrou por cobertura. Golaço!
O gol deixou a equipe italiana mais confiante, aumentou a agressividade dos comandados de Sacchi e o meio de campo foi sendo dominado pelos vermelhos e negros aos poucos. Pela direita, o Milan construía suas principais jogadas e deixava a zaga do Real em apuros com a velocidade de Ancelotti, Gullit e o polivalente Donadoni. Após um impedimento do Real Madrid mal marcado pela arbitragem, o Milan por pouco não fez o segundo com Maldini, que recebeu de Donadoni, na esquerda, driblou dois adversários com imensa categoria e teve o chute prensado pela zaga. Aos 24´, o Milan chegou ao segundo ato de seu show exatamente pelo lado direito. Costacurta, na linha de meio de campo, lançou Rijkaard, que tocou de cabeça para Donadoni, na direita. O camisa 7 deixou com Colombo, que teve o chute prensado pela zaga e viu a bola se perder para fora. Na cobrança de escanteio, a torcida já começava a berrar e prever o gol. Donadoni cobrou curto, Tassotti cruzou e Rijkaard, com seus mais de 1,90m, subiu no meio da área merengue para fazer 2 a 0.
Se a missão do Real Madrid já era difícil, ela começava a ficar impossível com o placar favorável aos italianos e pela bola que a turma de Arrigo Sacchi jogava. Aos 28´, Butragueño escapou pelas costas da zaga italiana e foi derrubado por Galli, mas o juiz não marcou pênalti. Na sequência do lance, dois espanhóis foram para cima de Donadoni, mas o jogador escapou bem com um sutil drible que deixou um dos rivais estatelado no chão. Aos 30´, Gullit quase marcou num chute de fora da área, mas o goleiro Buyo defendeu em dois tempos. Nove minutos depois, foi a vez de Van Basten aparecer, driblar três, mas chutar fraco para a defesa de Buyo. O Milan continuou pressionando, teve um pênalti não marcado, mas conseguiu anotar seu terceiro gol (ou melhor, apresentar seu terceiro ato). Aos 45´, Donadoni avançou pela esquerda, tabelou com Gullit, dominou, chamou Sanchís para dançar e cruzou para a cabeçada do mesmo Gullit no cantinho esquerdo do goleiro: 3 a 0. Outro golaço. Era o final do primeiro tempo. E da primeira parte do espetáculo protagonizado pelos rossoneros, que deixaram o gramado do San Siro sob intensos aplausos do público presente.
Segundo tempo – O ápice e o Grand Finale
Mesmo com um placar tão elástico, o Milan começou a segunda etapa da mesma maneira que a primeira: pressionando o Real no campo de defesa, abusando de suas impecáveis linhas de quatro e da intensa, objetiva e quase perfeita troca de passes. Com apenas quatro minutos, os italianos recitaram seu quarto ato de maneira sublime, plena e inesquecível. Van Basten recebeu pouco depois do meio de campo e deixou com Donadoni, que recuou para Costacurta. O zagueiro deixou com Rijkaard, no meio, que observou a movimentação de seus compatriotas na área madrilena e cruzou para Gullit. O camisa 10 deixou de cabeça para Van Basten, que dominou, ajeitou para a perna esquerda e chutou alto, no ângulo, sem chance alguma para o goleiro Buyo: 4 a 0. Espetáculo! Estupendo! Um gol genuíno daquele esquadrão e que tinha toda a essência do talento rossonero com a assinatura do lendário trio holandês que tantas glórias daria ao Milan. O futebol parecia fácil vendo tudo o que aqueles jogadores estavam fazendo…
O êxtase da torcida rossonera ficou ainda maior a partir daquele gol mágico. A cada passe, um “olé” era gritado em uníssono e o Real Madrid não conseguia demonstrar reação alguma. Aos 15´, já sem Gullit, que dera lugar a Virdis, o Milan tratou de marcar mais um gol na base do ensaio pelo lado direito após uma cobrança de escanteio. O quinto ato começou com Donadoni, que cobrou curto o tiro de canto e deu para Tassotti, que devolveu para o camisa 7, que cortou e chutou de fora da área no canto esquerdo de Buyo: 5 a 0. Era demais. Ninguém imaginava que o Real Madrid e sua lendária “Quinta del Buitre” pudesse levar uma surra daquelas. Mas era verdade.
A superioridade do Milan era gritante, contagiante e vibrante. A equipe seguiu jogando da mesma maneira, sem relaxar na marcação e muito menos dando espaços para os espanhóis estragarem um placar tão bonito. O time italiano até poderia marcar o sexto, sétimo e oitavo gols, mas a preciosidade em determinados lances impediu um resultado ainda maior. Vale destacar o profissionalismo dos espanhóis, que não mudaram sua maneira de jogar e não apelaram para as faltas, um reconhecimento claro da superioridade do rival, que vencera por 6 a 1 no placar agregado.
Ao apito final do árbitro Alexis Ponnet, estava encerrada a sinfonia de Milão e a maior apresentação coletiva, tática e artística da Associazione Calcio Milan. Terminava, também, uma das maiores derrotas da história do Real Madrid em competições europeias e que dói até hoje nos soberbos torcedores merengues. O show rossonero foi um marco no futebol europeu e mundial e simbolizou o nascimento de um dos mais incríveis esquadrões de todos os tempos, presente em qualquer lista sobre os maiores times do futebol. Para a sorte dos fãs da arte, as conquistas e façanhas daquele Milan estavam apenas começando. Mas bem que aquela sinfonia de apenas 90 minutos poderia durar para sempre. Um jogo eterno.
Pós-jogo: o que aconteceu depois?
Milan: as qualidades absurdas dos comandados de Arrigo Sacchi ficaram ainda mais escancaradas cinco dias depois, no Camp Nou, em Barcelona (ESP), na final da Liga dos Campeões de 1988-1989. Em apenas 47 minutos, os italianos golearam o Steaua Bucareste-ROM por 4 a 0 (dois gols de Gullit e dois de Van Basten) e faturaram a terceira taça da história rossonera. Na temporada seguinte, a equipe seguiu jogando o fino, eliminou novamente o Real Madrid (dessa vez nas oitavas de final), e foi bicampeã europeia. O Milan de Sacchi foi, também, bicampeão do mundo, bicampeão da Supercopa da UEFA e campeão da Supercopa da Itália. Após a saída do treinador, a intensidade do time diminuiu, mas a vocação vencedora seguiu com Fabio Capello, que comandou o time num tricampeonato nacional seguido e rumo a mais uma Liga dos Campeões, dessa vez em 1994 e em cima de um aclamado Dream Team: o Barcelona de Cruyff. Era a resposta dos rossonero de que o “time dos sonhos” era, na verdade, aquele da noite do dia 19 de abril de 1989…
Real Madrid: a derrota para o Milan doeu demais na alma e no orgulho da equipe espanhola. Demorou algum tempo até que o time voltasse a jogar bem para manter a hegemonia no Campeonato Espanhol até a temporada de 1989-1990. Nela, os merengues voltaram a disputar uma Liga dos Campeões da UEFA e reencontraram o Milan. No primeiro duelo, em Milão, os fantasmas do ano anterior voltaram a aparecer e os italianos venceram por 2 a 0. Na volta, em Madrid, a torcida até imaginou uma “remontada” com o gol de Butragueño no final do primeiro tempo, mas o Milan segurou a vantagem de um gol e se classificou. Anos depois, o Real começou a montar um esquadrão fortíssimo e recuperou o prestígio na Europa com três canecos continentais em 1998, 2000 e 2002. Se não teve o brilho do grande Milan, aqueles merengues colocaram alegria e brilho nos olhos dos torcedores, que puderam se maravilhar com Raúl, Redondo, Seedorf, Roberto Carlos, Hierro, Zidane…
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Belo post uma outra sugestão de jogos clássicos é inglaterra vs argentina na copa de 1998 e poderia falar do Júnior lateral do Flamengo para os grandes craques.
O Milan de 88-90 jogava e não deixava os adversários jogarem, igual ao Barcelona da Era Guardiola, que também aplicou uma goleada de 5 a 0 no Real Madrid. O que deixa um grande esquadrão na história, além dos títulos, são quando deixam os grandes adversários na roda.