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Jogos Eternos – Deportivo La Coruña 4×0 Milan 2004

Foto: Getty Images.

 

Foto: Getty Images.

 

Data: 07 de abril de 2004

O que estava em jogo: uma vaga nas semifinais da Liga dos Campeões da UEFA de 2003-2004

Local: Estádio Riazor, Corunha, Espanha

Árbitro: Urs Meier (Suíça)

Público: 24.887 pessoas

Os Times:

Deportivo La Coruña-ESP: Molina; Manuel Pablo, Jorge Andrade, Naybet e Romero; Sergio González (Duscher) e Mauro Silva; Víctor, Valerón (Djalminha) e Luque (Fran); Pandiani. Técnico: Javier Irureta.

Milan-ITA: Dida; Cafu, Nesta, Maldini e Pancaro (Rui Costa); Pirlo (Serginho), Seedorf e Gattuso; Kaká; Tomasson (Inzaghi) e Shevchenko. Técnico: Carlo Ancelotti.

Placar: Deportivo La Coruña 4×0 Milan. Gols: (Pandiani-DLA, aos 5’, Valerón-DLA, aos 35’, e Luque-DLA, aos 44’, do 1º T; Fran-DLA, aos 31’ do 2º T).

 

“O Milagre de Corunha”

Por Guilherme Diniz

 

No dia 23 de março de 2004, o Deportivo La Coruña viajou até Milão para enfrentar o Milan de Carlo Ancelotti, campeão da Liga dos Campeões da UEFA na temporada anterior e com jogadores como Dida, Cafu, Maldini, Pirlo, Gattuso, Seedorf, Kaká e Shevchenko. Um timaço que brilhava e ainda iria brilhar até 2007 no cenário europeu e mundial. A torcida galega acreditava em um bom jogo de seu time na Itália, ainda mais depois que Pandiani abriu o placar logo aos 11 minutos de jogo. Mas o que se viu dali pra frente foi um chocolate à milanesa. Com ótima atuação coletiva e a inspiração de Kaká, o Milan goleou por 4 a 1, com dois gols do meia brasileiro, um de Shevchenko e outro de Pirlo, e foi para a Espanha com a vantagem de perder por até dois gols. O clube galego precisava vencer por 3 a 0 ou mais se quisesse ir até as semifinais pela primeira vez em sua história.

Mas o Deportivo, mesmo inferior no papel se comparado com o Milan, era um grande time. E, enervado por sua torcida e pelo orgulho, fez no dia 07 de abril um de seus jogos mais espetaculares e conseguiu uma virada épica. Apenas no primeiro tempo, os galegos fizeram 3 a 0 na tão badalada zaga rossonera. E, no segundo tempo, ampliaram para 4 a 0. Não foi apenas uma vitória. Foi “A” vitória, sobre o então campeão europeu e contra um time lendário. Porém, naquele dia em Corunha, lendário foi o Deportivo La Coruña. É hora de relembrar.

 

Pré-jogo

Foto: AP.

 

Desde 1999 que o Deportivo La Coruña figurava entre os principais clubes da Espanha. Campeão espanhol em 1999-2000, campeão da Copa do Rei em 2001-2002 e das Supercopas da Espanha em 2000 e 2002, a equipe comandada por Javier Irureta – lendário meia do Atlético de Madrid nos anos 1970 e à frente do Depor desde 1998 – demonstrava muita competitividade e chegava com força à fase final da UCL de 2003-2004. Após superar a terceira fase de qualificação, os espanhóis terminaram em segundo lugar no Grupo C, atrás apenas do Monaco, com 10 pontos. Nas oitavas, despacharam a Juventus-ITA com duas vitórias por 1 a 0 e se classificaram para as quartas de final. Nela, o rival era o poderoso Milan, campeão na temporada anterior, líder de seu grupo na primeira fase e que havia eliminado o Sparta Praga-RCH nas oitavas após empate sem gols no primeiro jogo e goleada de 4 a 1 na volta. 

O “sacode” que os italianos deram no Deportivo na ida das quartas de final, no San Siro, fez com que os jogadores do Deportivo se unissem para batalhar da maneira que fosse pela vaga. Eles precisavam jogar pelo orgulho, pela torcida e não podiam temer ninguém. Era só lembrar das proezas dos anos anteriores, em especial a Copa do Rei conquistada em pleno Santiago Bernabéu e sobre o Galáctico Real Madrid, que naquele ano completava 100 anos. Mauro Silva, volante do Deportivo na época, comentou sobre o espírito do time antes do jogo.

 

“Pegamos o Milan com um super-time. Era o atual campeão da Champions e favorito para ganhar de novo. E ninguém nunca tinha conseguido virar um resultado tão adverso. Por isso, nosso discurso na partida de volta, em casa, foi: ‘Por orgulho e dignidade, vamos vencer esse jogo de hoje para a nossa torcida. Não sabemos de quanto, mas vamos ganhar!’”Mauro Silva, em entrevista à ESPN, 07 de maio de 2020.

 

Se jogasse concentrado e com garra, o Depor tinha, sim, totais condições de vencer o Milan. O problema era a qualidade dos italianos, sua zaga, seu meio de campo e a sintonia entre a dupla Kaká e Shevchenko. Mas a expectativa geral era de um duelo protocolar, talvez até com vitória galega, mas a vaga certamente do Milan…

 

Primeiro Tempo – Encantados

Víctor e Valerón, estrelas do Deportivo na era continental da equipe. Foto: Jamie McDonald / Getty Images

 

Com um estádio Riazor crente no milagre, o Deportivo entrou em campo no dia 7 de abril de 2004 disposto a reverter o resultado italiano. E as quase 25 mil pessoas que estiveram presentes na casa galega presenciaram um dos jogos mais marcantes e épicos da história da Liga dos Campeões e da própria história do Deportivo La Coruña. Deslumbrante, com “instinto assassino” e veloz ao extremo, a equipe espanhola abriu o placar aos cinco minutos, quando Romero fez cruzamento rasteiro da esquerda, Pandiani aproveitou desatenção de Maldini e chutou no canto esquerdo, vencendo o goleiro Dida. A torcida enlouqueceu e começou a acreditar no milagre. 

Os times em campo: no papel, claro que o Milan era melhor, mas o Riazor viu um show dos alviazuis, que jogaram demais e construíram uma goleada épica.

 

Jogando pra cima, o Deportivo atordoou o Milan, que demonstrava nervosismo e falta de concentração. Aos 8’, Víctor chutou da entrada da área, a bola desviou na zaga e bateu na trave! Seis minutos depois, de novo Víctor finalizou com perigo. O Milan tentou, depois de alguns minutos, responder, mas a zaga espanhola não deixava passar nada e marcava muito bem o meia Kaká. As respostas do Depor vieram com Luque, aos 29’, e Víctor, aos 34’, que criaram chances claras para ampliar. Após muita insistência, Valerón fez o segundo, aos 35´, de cabeça, aproveitando uma saída errada do goleiro Dida em cruzamento de Romero.

Valerón celebra seu gol. Foto: Mero Barral / Acervo Marca.

 

Mais um gol e o Deportivo poderia igualar a série e classificar o time graças ao critério do gol qualificado! E, aos 44´, Molina chutou para frente e Nesta, outro craque badalado, furou. A bola sobrou para Luque, que saiu em disparada e chutou uma bomba indefensável: 3 a 0. Era o suficiente para a classificação! Um estrondo! E talvez tarde demais para o Milan conseguir uma reviravolta. “Fizemos o primeiro, o segundo, o terceiro… Quando o Milan começou a perceber o que estava acontecendo, nosso time estava tão intenso que eles não tiveram nem como segurar”, comentou Mauro Silva.

Mauro Silva na cola de Kaká. Foto: Getty Images / Riazor.org

 

Ao apito do árbitro, os jogadores do Deportivo foram correndo para o vestiário a fim de demonstrar ao Milan que não estavam cansados e queriam mais gols. Foi algo combinado entre Mauro Silva e Pandiani e seguido pelos outros atletas do time. Essa atitude, anos depois, gerou até uma polêmica: Andrea Pirlo, em sua biografia lançada em 2015, insinuou que “os jogadores do Deportivo estavam dopados” (!). Mauro Silva, ainda na entrevista à ESPN, desmentiu qualquer polêmica.

 

“Lógico que a gente estava exausto, mas saímos correndo de propósito para impressioná-los. O Milan saiu andando de cabeça baixa, totalmente entregue, enquanto a gente saiu correndo. Foi algo feito por impulso, mas para também dar um golpe psicológico e emocional no adversário. […] Eles devem ter olhado para a gente e pensado: ‘Não é possível, os caras estão inteiros!’. Isso certamente causou um impacto no time deles. Mas não foi nada combinado antes, foi algo que aconteceu ali, na hora, em meio a um pensamento de não deixar o ritmo cair no 2º tempo. E deu certo, mesmo!”

 

Segundo tempo – Show consumado

Fran fechou a goleada histórica. Foto: Getty Images / Acervo Marca.

 

Na etapa complementar, o atordoado Milan tentou pelo menos um gol para complicar a vida do Deportivo, mas o time estava encantado. Nada passava pelo goleiro Molina e o Milan finalizava pouco e sem pontaria – foram apenas cinco chutes no gol em toda a partida. As melhores chances ainda eram do Deportivo, que passou a administrar melhor o jogo no toque de bola e aproveitar o nervosismo italiano. Aos 11’, Pirlo entregou na saída de bola para Luque, que lançou Víctor, este entrou livre e chutou por cima do travessão. Precisando de mais poder de fogo, Ancelotti colocou Serginho, Rui Costa e Inzaghi nos lugares de Pirlo, Pancaro e Tomasson, respectivamente, mas o trio não deu liga. 

Foto: Getty Images.

 

Até que Fran, aos 31´, ganhou a disputa de bola com Gattuso e chutou de esquerda no canto da área para fazer 4 a 0. O Milan tentou pressionar, mas o placar manteve-se inalterado. Aos 44’, Inzaghi ainda perdeu uma oportunidade incrível de marcar – um gol que poderia levar o duelo para  a prorrogação. Ao apito do árbitro, estava sacramentada a “remontada” digna de filme: o Deportivo La Coruña estava classificado pela primeira vez para uma fase semifinal de Liga dos Campeões. De quebra, tirava o detentor do título da briga e enchia de orgulho o futebol espanhol, que presenciou uma partida brilhante do time galego, que jogou com a mesma intensidade durante os 90 minutos e provou que “milagres” podem acontecer no futebol.

 

Pós-jogo: O que aconteceu depois?

 

Deportivo La Coruña: na semifinal, o Deportivo encarou outro grande time: o Porto do técnico José Mourinho e de jogadores como Derlei, Deco, Maniche, Costinha e companhia. No primeiro jogo, em Portugal, os espanhóis seguraram o empate sem gols e levaram a decisão para o Riazor. No entanto, o time português mostrou força e sangue frio para vencer em pleno solo galego por 1 a 0, gol de pênalti marcado por Derlei, e se classificou para a final (o Porto seria campeão). Pesou o fato de o Deportivo não ter jogado com Mauro Silva (suspenso), o zagueiro Jorge Andrade ter sido expulso e Djalminha ter ficado no banco, pois o jogador brasileiro poderia abrir espaços na zaga portuguesa com sua habilidade. Mesmo com o revés, a torcida reconheceu a campanha brilhante de seu time e enalteceu todo o trabalho realizado. Na temporada seguinte, o clube perdeu força e o técnico Irureta deixou o comando do time, que não conseguiu manter a pegada de antes, foi caindo ano após ano, sofreu com uma grave crise financeira até ser rebaixado na temporada 2010-2011. Relembre o grande Depor clicando aqui!

 


 

Milan: a equipe de Ancelotti manteve a sina competitiva e, na temporada 2004-2005, voltou a ir bem na UCL. Depois de superar vários desafios, os rossoneros alcançaram a final e enfrentaram o Liverpool, em Istambul. Com um time ainda mais forte que em 2004, o Milan abriu 3 a 0 só no primeiro tempo e parecia com a mão na taça. Bem, só parecia. O Liverpool empatou de maneira espetacular em 3 a 3, levou o jogo para a prorrogação, para os pênaltis e foi campeão, no aclamado Milagre de Istambul. O pesadelo dos italianos na UCL só iria acabar em 2007, quando levantaram o troféu em Atenas com a vitória por 2 a 1 sobre o Liverpool.

 

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