Data: 02 de maio de 1962
O que estava em jogo: A taça da Liga dos Campeões da UEFA de 1961-1962
Local: Estádio Olímpico, Amsterdã, Holanda
Juiz: Leo Horn (HOL)
Público: 61.257
Os times:
SL Benfica-POR: Costa Pereira; Mário João, Germano Figueiredo e Ângelo Martins; Fernando Cruz e Domiciano Cavém; Mário Coluna, José Augusto, Eusébio, José Águas e Antonio Simões. Técnico: Béla Guttmann.
Real Madrid CF-ESP: José Araquistáin; Pedro Casado, José Santamaria e Vicente Miera; Bautista Felo e Pachin; Justo Tejada, Luis Del Sol, Di Stéfano, Puskás e Gento. Técnico: Miguel Muñoz.
Placar: Benfica 5×3 Real Madrid (Gols: Puskás-RMD aos 17´, 23´ e 38´, José Águas-BEN aos 25´ e Cavém-BEN aos 34´do 1º T; Coluna-BEN aos 6´, Eusébio-BEN (pênalti) aos 18´e 23´do 2o T).
“O planeta conhece o Pantera Negra e se rende aos mágicos de Lisboa”
Por Guilherme Diniz
Amsterdã ainda não era o berço do Futebol Total praticado pelo Ajax de Rinus Michels e Johan Cruyff naquela noite de 02 de maio de 1962. O estádio Olímpico não imaginava presenciar uma totalidade exuberante de gols e feitos marcantes na final da Liga dos Campeões da UEFA entre Benfica e Real Madrid. Mas os holandeses assistiram a um espetáculo digno de Oscar e se entorpeceram com tantos gols, jogadas de arte e a revelação de um gênio do futebol mundial: Eusébio Da Silva Ferreira, o Pantera Negra que ocultou o hat trick do húngaro Ferenc Puskás, os passes e genialidade de Alfredo Di Stéfano, a soberba e imponência do pentacampeão europeu Real Madrid e ajudou os encarnados de Lisboa a virarem um jogo perdido no primeiro tempo para um apoteótico 5 a 3. Foram oito gols antológicos. Chutes poderosos de fora da área. Uma noite terrível para os goleiros, que engoliram frangos e sofreram com a precisão de Puskás, Coluna, Cavém e Eusébio. Foi também a consagração de um time que marcou época no futebol europeu ao jogar um futebol prático, exuberante e inesquecível sob a batuta de um genial técnico Béla Guttmann. É hora de relembrar uma das mais clássicas finais europeias de todos os tempos.
Pré-jogo
Em 1961, o Benfica conseguiu quebrar a incrível sequência de cinco títulos consecutivos do Real Madrid na Liga dos Campeões ao alcançar a final e derrotar o Barcelona. Com a mesma base do ano anterior e o reforço de um moçambicano chamado Eusébio, o clube português voltou a uma final europeia em 1962 depois de passar por Austria Vienna-AUT, Nuremberg-ALE e Tottenham Hotspur-ING em partidas com muitos gols e a força ofensiva de um time que jogava na maior parte das vezes com quatro atacantes e muita velocidade. Mas os encarnados teriam um desafio e tanto pela frente: enfrentar o Real Madrid de Puskás, Di Stéfano, Gento e Santamaria, que voltava a uma final para recuperar a coroa perdida. Se os espanhóis não tinham a intensidade dos anos 50, eles ainda contavam com a força da camisa e o talento ofensivo. No caminho até a decisão, os merengues despacharam Vasas-HUN, Boldklubben-DIN (com direito a um 9 a 0 no Santiago Bernabéu), Juventus-ITA e Standard Liège-BEL. O confronto seria histórico e imprevisível. Ninguém tinha coragem em apostar diretamente em uma só equipe. Ambas tinham chances de título e jogadores capazes de decidir. O estádio Olímpico de Amsterdã presenciaria um confronto sensacional.
Primeiro tempo – Puskás e seu hat trick
Os times entraram em campo completos e o Real Madrid chamava a atenção pelo uniforme, escuro e puxado para o lilás. Será que a equipe sentiria a falta do mítico traje branco? O primeiro tempo mostrou que não. Bem postados e com grande poder de contra-ataque, os espanhóis deram as cartas e mostraram que ainda podiam ser geniais com a bola nos pés mesmo sem os talentos dos anos anteriores e o envelhecimento de algumas estrelas. Depois de uma pressão inicial do Benfica, o Real mostrou força pela esquerda, com o velocíssimo Francisco Gento. Di Stéfano seguia impecável e se transformara num meio campista sólido e solidário, tanto no ataque quanto na defesa.
O matador daquele time era Puskás. E o húngaro logo mostrou suas garras. Aos 17´, a zaga do Real rebate uma bola alçada pelo alto e ela sobra para Di Stéfano. O craque lança magnificamente Puskás, sozinho, que corre do meio de campo até a zaga portuguesa. No mano a mano com Costa Pereira, ele só tem o trabalho de chutar firme e forte no canto esquerdo do goleiro português: 1 a 0. Aos 23´, falta para o Real. Puskás recebe, olha para o gol e chuta de fora da área. Costa Pereira, mal colocado, engole um frango: 2 a 0.
É, parecia que os espanhóis iam mesmo reconquistar a Europa. Como reverter uma desvantagem de 2 a 0 em plena final continental? Ora pois, bola para Coluna! O camisa 10 do Benfica começou a chamar o jogo para si e a inspirar o time português em busca da reação. Aos 25´, falta para os encarnados. Coluna rolou para Eusébio, que mandou um petardo para o gol. A bola bateu na trave e sobrou para o artilheiro José Águas mandar para o fundo do gol, meio sem querer: 1 a 2. O gol põe fogo no jogo. O Real recua e o Benfica começa a mostrar suas garras. Os espanhóis se atrapalham na defesa e colecionam passes errados. O time português aproveita e aos 34´, depois de uma intensa troca de passes, Eusébio recebe no meio de cinco defensores do Real Madrid e ajeita. Domiciano Cavém chuta de primeira e marca um golaço: 2 a 2.
A justiça era feita e os portugueses conseguiam igualar o placar. Mas o Real não desiste. Aos 38´, num contra-ataque muito bem trabalhado, Puskás, de novo, pega a bola na entrada da área, dribla o marcador e chuta forte, sempre com sua letal perna esquerda: 3 a 2. Que partida! O gol foi o último de um primeiro tempo alucinante. Com seu hat trick, Puskás era o nome do jogo. Mas o Benfica ainda não estava morto. Ainda mais pelo fato de Eusébio estar em branco naquela final…
Segundo tempo – Prazer, Pantera Negra
Béla Guttmann, húngaro que comandava do banco um Benfica histórico, tratou de consertar as coisas para a segunda etapa. Di Stéfano passou a ser neutralizado, Puskás ganhou mais atenção e o time passaria a jogar com ainda mais intensidade e a explorar sua juventude e velocidade, se aproveitando da falta de fôlego natural que o Real ia apresentar no segundo tempo. Eram as ações para se ganhar a Europa. Logo no começo da segunda etapa, Puskás, quem diria, iniciou a reação portuguesa. O craque do Real perdeu a bola no meio de campo para o monstro Coluna. O camisa 10 chutou de fora da área, forte, e fez um golaço: 3 a 3. A torcida era puro delírio por ter a honra de presenciar uma partida tão aberta e com tantos gols. Mas o Benfica precisava de mais. Ele queria mais. Eusébio queria mais.
Aos 16´, o Pantera Negra pega a bola atrás do meio de campo e corre. Di Stéfano está em seu encalço. O português não liga e chama o argentino para dançar em velocidade. Di Stéfano não resiste à explosão incomparável de Eusébio. O craque português vai correndo, correndo e se joga na grande área. O juiz holandês vê pênalti e marca. Parecia um prêmio pela jogada do atacante lusitano. Eusébio bateu e fez: 4 a 3. Era a virada. O bicampeonato da Europa estava mais perto! Mas o Real tentou o empate logo em seguida com Di Stéfano e Costa Pereira fez milagre.
Aos 21´, Santamaría põe a mão na bola na entrada da área do Real. Falta para o Benfica. Outra vez Coluna e Eusébio vão para a bola. Tudo indicava uma repetição do primeiro tempo, quando o camisa 10 rolou para o Pantera fuzilar. E foi exatamente isso que aconteceu. O Real armou a barreira, ela abriu, Coluna rolou e Eusébio chutou rasteiro. Araquistáin não alcançou e a bola entrou no canto: 5 a 3. Era o fôlego que o Benfica precisava. E o gol da consagração de Eusébio, que ainda deu muito trabalho à zaga do Real com velocidade, dribles e muita arte. Parecia que os portugueses iam golear sem dó o time madrileno, ainda mais com a contusão de Casado, que deixou os espanhóis com 10 homens. Mas o Benfica foi piedoso e não balançou mais as redes de Araquistáin. Aos 45´, o juiz holandês Leo Horn apitou o final de jogo.
O Benfica era bicampeão consecutivo da Europa! Uma multidão invade o gramado em puro êxtase. Todos vão ao encontro de Eusébio, o jovem Pantera que virou o jogo e deu a taça ao Benfica. Antes, ele corre em direção a Di Stéfano e consegue pegar a camisa da lenda argentina. Eusébio é o herói da noite. Herói do bi. Erguido aos céus, o craque soca o ar com alegria e sentimento de dever cumprido. Ele era o mais nítido retrato da glória encarnada. Em sua primeira final da vida, o Pantera era campeão continental em cima do tão poderoso Real Madrid. Naquela noite, Eusébio era rei. E dono do Velho Continente.
Pós-jogo – o que aconteceu depois?
Benfica: bicampeões da Europa, os craques do Benfica tentaram levar o clube ao inédito título Mundial Interclubes em 1962, mas caíram diante do Santos de Pelé tanto no Brasil quanto em Portugal. Para piorar, o técnico Béla Guttmann deixou o comando da equipe depois de desentendimentos com a diretoria do clube, que negou um justo e vertiginoso aumento de salário ao húngaro. Irado, Guttmann lançou uma maldição que perdura até hoje pelas bandas do estádio da Luz ao afirmar que o clube “jamais conquistaria uma Liga dos Campeões sem ele”. Sinistramente, o Benfica disputou outras cinco finais de Liga dos Campeões depois da fatídica profecia e, pasme, perdeu todas.
Nem a ida de Eusébio, em 1990, ao túmulo de Guttmann na cidade de Viena, Áustria, para rezar pelo fim da profecia adiantou. Curiosamente, a cidade foi o palco da final da Liga dos Campeões da UEFA daquele ano, a última disputada pelos portugueses. E o Milan-ITA venceu por 1 a 0… Com isso, os torcedores são obrigados a viver das lembranças daquela noite mágica em que os encarnados foram superiores aos majestosos de Madrid. E sem maldição para atrapalhar.
Real Madrid: a derrota na final continental de 1962 mostrou que aquele Real Madrid não era mais o mesmo e uma renovação era necessária. Em 1964, o time até voltou a uma decisão, mas perdeu de novo, dessa vez para a Internazionale-ITA. A coroa europeia só foi reconquistada em 1966, com uma vitória por 2 a 1 sobre o Partizan-IUG, na cidade de Bruxelas, na Bélgica, pertinho de Amsterdã, a “negra” cidade onde o clube sofreu seu primeiro revés em uma decisão continental. No entanto, o time espanhol viveu um jejum de mais de três décadas sem títulos na Liga dos Campeões e foi obrigado a ver rivais de outros países se agigantarem e colecionarem taças europeias. Mas, em 1998, o Real Madrid voltou a ser o maior do continente ao derrotar a Juventus-ITA por 1 a 0 na final e levantar “La Séptima” adivinhe onde? Em Amsterdã, Holanda. Era o fim do trauma.
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