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Jogos Eternos – Barcelona 3×2 Valencia 2001

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Data: 17 de junho de 2001

O que estava em jogo: a vitória, claro, pela 38ª rodada do Campeonato Espanhol de 2000-2001, e uma vaga na Liga dos Campeões da UEFA de 2001-2002.

Local: Camp Nou, Barcelona, Espanha.

Árbitro: Antonio Jesús López Nieto

Público: 85.000 pessoas

Os Times:

Barcelona: Dutruel; Sergi Barjuan, Frank de Boer e Puyol; Guardiola (Petit, aos 65’); Gabri, Rivaldo e Cocu; Simão Sabrosa (Xavi, intervalo), Kluivert (Zenden, aos 78’) e Overmars. Técnico: Carles Rexach.

Valencia: Cañizares; Angloma, Ayala, Pellegrino e Fábio Aurélio; Baraja e Albelda; Angulo, Pablo Aimar (Djukic, aos 85’) e Kily González (Vicente, aos 66’); Carew (Ilie, aos 86’). Técnico: Héctor Cúper.

Placar: Barcelona 3×2 Valencia. Gols: (Rivaldo-BAR, aos 3’ e aos 45’, e Baraja-VAL, aos 25’ do 1º T; Baraja-VAL, aos 2’, e Rivaldo-BAR, aos 42’ do 2º T).

 

A Perfeição de Rivaldo

Por Guilherme Diniz

Era a última rodada do Campeonato Espanhol de 2000-2001. Barcelona e Valencia tinham chances de classificação para a Liga dos Campeões da UEFA da temporada seguinte. O Real Madrid já era campeão, com o Deportivo La Coruña em segundo lugar e o Mallorca na terceira posição, todos sem chances de serem alcançados. Com isso, o duelo entre catalães e valencianos ganhou contornos de final justamente por dar ao vencedor a vaga europeia, que era muita coisa na época. O Valencia vivia grande fase, com um esquadrão que havia alcançado a final da UCL de 2000 e levantado o título da Copa do Rei de 1999. Já o Barcelona passava por um momento de altos e baixos. A equipe havia conquistado o título espanhol de 1999, levantado no ano de seu centenário, mas passou em branco as épocas 1999-2000 e 2000-2001, mesmo com grandes contratações e a “legião holandesa” formada por Reiziger, Frank de Boer, Cocu, Kluivert, Overmars e Zenden. Mas o grande artífice dos blaugranas era um brasileiro: Rivaldo. O camisa 10 havia vencido o prêmio de Melhor Jogador do Mundo da FIFA e o Ballon d’Or em 1999 e era um dos artilheiros de La Liga e do próprio Barcelona, com 33 gols até aquele jogo. E, na noite de 17 de junho de 2001, Rivaldo provou porque era um dos melhores jogadores do mundo. 

Ele anotou naquele dia provavelmente o mais perfeito hat-trick (ou tripleta, como preferir) que um jogador poderia fazer na carreira – para muitos jornais e revistas, foi O MAIOR hat-trick da história! Primeiro, fez um gol de falta espetacular para abrir o placar. Depois, mandou um petardo de fora da área para recolocar o Barcelona em vantagem. Mas o melhor ele deixou para o fim. Aos 42’ do segundo tempo, com o placar em 2 a 2 e a vaga na UCL indo para o Valencia, o brasileiro recebeu um lançamento impecável de Frank de Boer, matou a bola no peito e emendou uma bicicleta perfeita, sublime, inesquecível, e fez o gol da vitória por 3 a 2 que explodiu o Camp Nou e toda a Catalunha. Naquela noite, a perfeição no futebol existiu. E ela atendeu pelo nome de Rivaldo. É hora de relembrar.

Pré-jogo

Rivaldo e Figo: ídolos e craques do Barça no final da década de 90.
 

A temporada 2000-2001 foi um verdadeiro turbilhão para o Barcelona. Tudo começou quando o clube vendeu por 60 milhões de euros um de seus principais jogadores na época, Luís Figo, para o arquirrival Real Madrid, em uma das transferências mais polêmicas da história do futebol. A avalanche de protestos e críticas dos torcedores foi enorme e nem as contratações de nomes como Emmanuel Petit e Overmars amenizou os nervos dos blaugranas. Em La Liga, o Barça nunca engrenou e frequentou as posições intermediárias da tabela em boa parte do torneio, até alcançar a 4ª colocação na rodada 16 e permanecer de maneira mais constante por lá. Na Liga dos Campeões, o Barça foi eliminado na fase de grupos e acabou indo para a Copa da UEFA, onde avançou até as semifinais e terminou desclassificado pelo campeão Liverpool. 

Sem chances de grandes títulos, os blaugranas ainda tinham esperança na Copa do Rei, competição na qual a equipe do técnico Carles Rexach iria disputar as semifinais dias depois do fim de La Liga. E, após empatar em 2 a 2 com o Valladolid na rodada 37, o Barcelona entrou na última rodada precisando da vitória se quisesse ao menos uma vaga na Liga dos Campeões da UEFA de 2001-2002. Mas, para isso, a equipe teria que superar o forte Valencia, comandado por Héctor Cúper e que tinha um elenco de peso e muito competitivo com nomes como o goleiro Cañizares, o zagueiro Ayala, os laterais Angloma e Fábio Aurélio, o meio-campista Baraja e os avançados Pablo Aimar, Kily González e Carew.

Em pé: Cañizares, Pellegrino, Carew, Baraja, Angloma e Mendieta. Agachados: Kily González, Aimar, Ayala, Juan Sánchez e Carboni. Uma das formações do Valencia na época.
 

Rexach armou seu time num 3-4-3 e apostava no talento de Rivaldo no meio de campo e no ataque, além da velocidade de Overmars e Simão Sabrosa pelas pontas e o oportunismo de Kluivert como centroavante. No meio, o capitão Guardiola seria o primeiro homem e recuaria para Frank de Boer poder efetuar seus lançamentos precisos de longa distância com a rara categoria que ele tinha para um zagueiro. Do lado do Valencia, que podia até empatar para ganhar a vaga na UCL, Cúper apostava num 4-2-3-1 que tinha nos argentinos Kily González e Pablo Aimar as principais armas no ataque, enquanto Baraja também demonstrava muita força com suas investidas ofensivas. Com elencos relativamente equivalentes, o duelo era equilibrado e não tinha favoritos, mesmo com o Barça jogando em casa. 

Primeiro tempo – Rivaldo garante a vantagem

Ayala na cola de Rivaldo.
 

A partida começou em um ritmo intenso, com o Barcelona tentando avançar pelas pontas, enquanto o Valencia marcava muito e tentava o contra-ataque em lançamentos longos buscando Carew e González. Até que um recuo errado no campo defensivo dos morcegos resultou em uma falta em Sergi Barjuan. A falta era de muito longe, mas o Barcelona tinha um especialista: Rivaldo. O brasileiro tomou distância e bateu forte, não tão alto, mas o suficiente para superar a barreira e ir no cantinho do goleiro Cañizares e abrir o placar: 1 a 0. Um golaço! A redonda ainda bateu na trave e entrou, dando ainda mais plasticidade ao lance.

O gol logo no início deu mais tranquilidade ao Barcelona, que pôde amenizar o nervosismo e controlar a partida. Rivaldo era o mais acionado no meio de campo e, obviamente, mais caçado pelos marcadores do Valencia. No entanto, o brasileiro conseguia se desvencilhar com sua habitual categoria e passadas largas em velocidade. Após os 20’, o Valencia reagiu buscando o empate ao perceber que a defesa do Barça enfrentava dificuldades para conter o ataque liderado por Carew e Aimar. O time catalão respondeu tempo depois com Simão Sabrosa, que recebeu de Overmars e mandou no travessão do goleiro Cañizares.

Os times em campo.
 

Foi então que, aos 25’, após várias investidas no ataque, o Valencia conseguiu empatar com Baraja, que aproveitou um escanteio cobrado na medida por Pablo Aimar e mandou um foguete de cabeça indefensável: 1 a 1. Depois do gol, o Barcelona voltou a pressionar, mas errou muitos passes, principalmente pelo setor direito. Mais isolado, Rivaldo tentava chamar o jogo, mas o momento era do Valencia. Overmars até teve uma chance, na casa dos 30’, mas o chute foi para fora.

Já perto do final do primeiro tempo, o Barcelona tentou chegar mais uma vez ao gol do Valencia, mas a equipe rival estava muito bem postada no campo de defesa. Rivaldo recebeu na ponta-direita, tentou encontrar espaço e não conseguiu. Após cobrança de lateral, a bola seguiu no campo de ataque e Sergi Barjuan tocou para Rivaldo, na intermediária. O brasileiro ajeitou, escapou da marcação do rival e chutou forte, de perna esquerda. A bola ainda desviou pelo caminho e foi parar no canto direito do goleiro Cañizares. Segundo golaço da noite: 2 a 1. Bastava uma brecha, um espaço, que ele encontrava um jeito de chutar e marcar. A vitória parcial dava ao Barça a vaga na UCL. Mas o time precisava ser mais objetivo na hora de concluir e não deixar o Valencia aproveitar os contra-ataques.

Segundo tempo – Da decepção à explosão

Guardiola, Rivaldo e Cocu.
 

No intervalo, o técnico Rexach tirou Simão Sabrosa e colocou um ainda desconhecido Xavi para dar mais controle de bola no meio de campo e liberar Rivaldo no ataque. Só que o Valencia cresceu no jogo e controlou as ações ofensivas. Logo aos 2’, Baraja recebeu no meio e tocou de três dedos na esquerda, para Fábio Aurélio. O lateral brasileiro cruzou e o mesmo Baraja apareceu na área, de peixinho, para mandar outra “bomba” de cabeça: 2 a 2. Que partida do meio-campista do Valencia! E mais um erro defensivo no jogo aéreo dos blaugranas. Drama na luta pela vaga continental.

O jogo ficou eletrizante, com o Valencia apostando nas jogadas ofensivas pela esquerda e o Barcelona tentando as pontas e os lances de Rivaldo, que era o mais perigoso do time catalão. O tempo foi passando e a tensão aumentando no Camp Nou. Os técnicos mexeram nos times, só que o gol não saia. O Valencia parecia confortável com o empate e chegava pouco. Quando chegava, era sempre com Carew, que não conseguia superar Puyol e Frank de Boer no miolo de zaga catalão. Na melhor chance, ele conseguiu ganhar a disputa com Puyol, mas o chute foi defendido pelo goleiro Dutruel. Faltava gente na frente do lado dos morcegos, enquando o Barça povoava mais o meio, porém, sem objetividade.

Já na casa dos 80’, o Barcelona foi todo ao ataque, enquanto o Valencia só se defendeu, principalmente após as saídas de Aimar e Carew para as entradas de Djukic e Ilie, respectivamente. O time blaugrana pressionou intensamente e encontrou dificuldades para furar a defesa adversária. A torcida ficava cada vez mais apreensiva. Mas ainda havia esperança. Era só a bola chegar em quem entendia. Nos craques. Ela procura por eles. E os encontrou. 

Aos 42’, Frank de Boer recebeu um pouco à frente do meio de campo. O “camisa 10” da zaga ajeitou a bola e ameaçou chutar, mas levantou a cabeça e viu Rivaldo lá na entrada da área. Ele mandou a bola com muito efeito. A redonda voou e foi amortecida com esmero, no peito, por Rivaldo. No ar, ela ficou esperando outra retribuição do craque. Ele se afastou um pouco, preparou a bicicleta e completou. O camisa 10 bateu com força, de perna esquerda, e mandou no canto esquerdo do goleiro para marcar um gol antológico, daqueles para ver, rever, ver, rever de novo, e ver mais um pouco.

Era o gol da classificação para a UCL. O gol da vitória por 3 a 2. O gol que fechou o triplete perfeito. O gol espetacular de uma das maiores atuações de Rivaldo na carreira. Na comemoração, o meia tirou a camisa, berrou, vibrou e foi o retrato pleno do torcedor dentro de campo. Marcar um gol sempre é uma alegria, agora, AQUELE gol era uma explosão! Nas arquibancadas, a festa foi enlouquecedora, com torcedores querendo entrar no gramado e sendo contidos pela equipe de segurança. Até mesmo os dirigentes nas tribunas do Camp Nou – em especial o presidente Joan Gaspart – vibraram sem pudor ou regra de etiqueta. Nada de aplausos tímidos ou sorrisos. Era berro mesmo, braços ao alto e muita emoção! 

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O êxtase nas arquibancadas.
 

Nos minutos finais, o Valencia foi com tudo para o ataque em busca do milagre, mas seria um sacrilégio eles atrapalharem aquela festa absurda. O Barça ficou fechado, tirando todas, para garantir o desfecho perfeito para seu herói. Já nos acréscimos, o árbitro decidiu encerrar a partida no exato momento em que Rivaldo recebeu mais uma bola, na direita, como quem diz “pronto, pode levar a redonda para casa”. O Barcelona estava classificado para a UCL e terminava na 4ª colocação La Liga de 2000-2001. E Rivaldo, com 23 gols, foi o vice-artilheiro do torneio, apenas um gol atrás do espanhol Raúl, do Real Madrid. 

O brasileiro completou 36 gols em 53 jogos naquela em que foi a mais prolífica temporada de sua carreira. Após o jogo, centenas de torcedores invadiram o gramado para celebrar o triunfo, além de ver de perto o brasileiro, que comentou. “O que aconteceu esta noite foi incrível. Dedico o gol da vitória a todos os jogadores que lutaram tanto durante toda a temporada e a todos os torcedores que sofreram tanto. Estou muito feliz por tê-los feito felizes com meus gols.” Os jornais do dia seguinte enalteceram o craque de todas as formas, rechaçando sua atuação e enorme poder de decisão. Mas Rob Smyth, do jornal britânico The Guardian, foi categórico: 

“Em determinados momentos no início do século, ele (Rivaldo) era impossível de ser enfrentado, e nunca mais do que nesta ocasião. A qualidade dos gols naquela noite foi extraordinária, mas o contexto tornou sua atuação lendária. Após apenas 18 meses e 17 dias, o capítulo sobre o maior hat-trick do século 21 já estava encerrado.”

De fato, já vimos vários hat-tricks desde então, mas aquele de Rivaldo foi algo único por todo o contexto e a beleza dos gols, além do desfecho ser com uma bicicleta perfeita, bem como a atuação do craque naquela noite de junho de 2001 no Camp Nou. Simplesmente eterno.

Pós-jogo: O que aconteceu depois?

Barcelona: dias depois, o clube catalão enfrentou o Celta de Vigo pela Copa do Rei, mas acabou eliminado após derrota por 3 a 1, fora de casa, e empate em 1 a 1, fora. Na época seguinte, o Barça fez valer a sofrida vaga na Liga dos Campeões e foi avançando de fase até chegar nas semifinais. Pelo frente, o Real Madrid, já com boa parte de seus Galácticos. No primeiro jogo, no Camp Nou, os merengues venceram por 2 a 0. Na volta, o empate em 1 a 1 classificou o time madrileno para a final, na qual eles venceram o Bayer Leverkusen por 2 a 1 e ficaram com mais um troféu. Já o Barça passou em branco mais uma temporada.

Pesou bastante contra o clube catalão a ausência de Rivaldo naquela reta final de UCL. O brasileiro sofreu com algumas lesões no início de 2002 e teve intrigas com o técnico Louis van Gaal, que bagunçou o esquema tático do time e preferiu escalar os blaugranas com Luis Enrique, Kluivert, Saviola e Overmars na frente e Rochemback, Cocu e Thiago Motta no meio. Mas quem riu por último foi Rivaldo: ele brilhou na Copa do Mundo daquele mesmo ano, na Coreia do Sul e Japão, e ajudou o Brasil a vencer o pentacampeonato mundial

Valencia: mesmo sem a vaga na UCL, os morcegos fizeram bonito na temporada 2001-2002 e levantaram o titulo de La Liga com sete pontos de vantagem sobre o vice-campeão Deportivo La Coruña. Em 2003-2004, a equipe foi ainda mais longe e venceu outro Campeonato Espanhol e também a Copa da UEFA, fechando um período de ouro em sua história. Leia mais clicando aqui!

Extra:

Veja os gols de Rivaldo naquela noite histórica.

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